siron franco
em 38 obras: 1974 - 2017 biblioteca mรกrio de andrade 22.7-24.9.2017
siron franco curadoria
gottfried stĂźtzer matheus araujo de andrade
basicamente pintor Escrever um texto para uma exposição de Siron Franco – quando ele comemora 70 anos de idade e mais de cinco décadas de atividade – é um prazer e uma justa homenagem a um artista que não se cansa de buscar novos desafios: sempre procurando o algo além, em constante superação, Siron não se prende a fases reconhecidas pelo público e pela crítica. Desde 2010 não há uma exposição de suas pinturas. Nesse período, Siron se dedicou principalmente às instalações, como a apresentada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), na ocasião da Rio+20 em 2012, Brasil cerrado. No mês passado, ele inaugurou a instalação Cuidado, frágil na embaixada brasileira em Roma, que segue depois para a embaixada brasileira em Londres. A presente exposição aborda suas pinturas. Em entrevista ao crítico Agnaldo Farias, em 2006, Siron comentou a respeito da importância da tridimensionalidade para sua pintura, definindo-se basicamente como pintor, mas assumindo que "lidar com outro material e outra espacialidade sempre fez com que eu voltasse com muita energia para a pintura". Tal afirmação remete à sua instalação Intolerância, em 2002, no então denominado Memorial da Liberdade, antigo prédio do deops, em São Paulo (hoje, Estação Pinacoteca). Nessa montagem, Siron expôs 885 esculturas de pano – corpos vestidos e empilhados –, relembrando a história sombria daquele prédio. As cores das vestimentas poderiam até passar despercebidas, em contraste com os volumes amontoados. No entanto, como Siron explica a Agnaldo Farias, este é também um trabalho onde as cores foram um expressivo componente. Cores estas que, nos trabalhos atuais, continuam fortes, contrastantes, jogando com a imaginação e desafiando os sentidos. Dos tons mais contidos, presentes em sua obra do início dos anos 1970, vemos gradativamente sua paleta se ampliar. Desde as Madonas, ou da série "Fábulas de Horror", elas vão se intensificando e ampliando seu espaço, como se pode observar em obras como Sem título (Executivo), de 1974, Metamorfose, de 1979, e, especialmente, nas pinturas da série "Semelhantes", de 1980. A década de 1980, porém, traria ainda outras transformações em sua obra. Na série "Césio", de 1987 – apresentada aqui em três pinturas, duas da série original e uma posterior, de 1996 –, Siron mostrou toda sua indignação com o acidente envolvendo material radioativo que deixou vítimas fatais em Goiânia. Durante o período, produziu trabalhos vigorosos nos quais usou terra como material pictórico, além de tinta metálica e panos. Trabalhou também a textura, criando relevos diferenciados, buscando a tridimensionalidade na pintura.
Essa fase foi um grande divisor na sua obra, refletindo-se já na mostra seguinte, série "Peles", de 1990, na qual a violência é também caracterizada pelos números colocados sobre as peles dos animais, pois representam os calibres das armas utilizadas na caça. É curioso lembrar que, no início, antes de ser visto como um libelo ecológico, com as obras representando peles, ele "estava interessado em criar ritmos baseados nas padronagens dos animais". Temos um bom exemplo disso na pintura Pele de onça, de 1983, obra que antecedeu a conhecida série. A partir daí sua pintura se modificou, abandonando o figurativo bem-acabado e se concentrando mais na ação física do fazer e no objeto de seu interesse no momento, como bem apontou Gabriel Pérez-Barreiro, em texto da exposição Siron Franco: pinturas dos 70 aos 90, de 1998. Quando se acompanha a obra de Siron, é desafiador observar que um determinado tema nunca é definitivamente encerrado, podendo sempre ressurgir numa obra posterior, ainda que de forma indelével, subjetiva. Isso exige muito do seu fiel seguidor. Ao mesmo tempo, a redescoberta reveste-se de enorme prazer, tornando-nos cúmplices e fazendo-nos entendê-las sem necessidade de palavras. Como ele diz, “se sou tocado por uma fala, uma frase, uma história, um quadro, isso repercute imediatamente e me faz parar o que eu já comecei; então eu tenho essa liberdade, essa irresponsabilidade, não sei”. E daí resulta uma nova obra, exigindo de quem a vê uma amplitude de sentimentos considerável, um espírito aberto para captar o que está sendo visto. Isso torna cada exposição de novos trabalhos um desafio, com obras que podem soar discrepantes entre si mas que, ao fim, têm todas uma base comum, a ser decifrada pelo espectador. Não dá para sair incólume de uma mostra do artista: ela exige muito mais do visitante que se defina como atento. O artista cobra essa atenção, essa análise compartilhada. O que dizer do quadro Carta de Pero Vaz de Caminha, em sua enfática dimensão, toda dourada, com delicadas figuras que emergem, transparentes? Ao sabermos que Siron usa o ouro não apenas como cor, mas como material sagrado, e que o texto da celebrada carta está em braile, esta obra adquire uma dignidade que excede uma simples apreciação formal. O crítico Agnaldo Farias, em seu texto da exposição Siron Franco, de 2006, embora se referindo a telas "com grandes planos enfaticamente coloridos", faz um comentário que vai ao encontro das obras mais recentes, aquelas consideradas sem clara definição figurativa. Segundo Farias, "há sempre o que se ver, desde que se conceda tempo à contemplação. São telas que nos pedem calma e que se abrem somente ao olhar desarmado. Assim procedendo-se, elas como que se animam".
Isso se aplica à obra Opostos, a mais recente desta mostra, que, ao primeiro relance, mostra-se aparentemente simples em sua suposta abstração. Uma leitura mais atenta revela que nela se esconde, sob o vermelho inesperado, algo que germina, volumoso e longilíneo, seja animal, seja vegetal, não se sabe ainda a sua natureza, mas que certamente será revelada, a seu tempo e a seu modo, ao olhar desafiador. Sua última exposição foi em São Paulo há sete anos, quando apresentou a série "Segredos". A atual não é uma retrospectiva, pois dela não constam obras de séries como "O Curral", "Embalagens", Visões", e nem detalha as fases que marcaram sua obra. Mas ela é um recorte expressivo de sua pintura, desde a década de 1970 até algumas bem recentes, inclusive de 2017, que recebem atenção especial nesta mostra. Nelas, podese observar a grande relevância de áreas e planos, cores variadas e expressivas, além de texturas transitando do transparente ao volumoso, temas vários, figuras que emergem, enigmáticas, fazendo-nos tentar adivinhar o que virá a seguir. Como ele se refere a cada quadro como "uma viagem em que não se conhece a chegada”, tendo aversão a correntes, pois elas prendem, e incluindo o “agente insubordinado”, que é como ele define seu pensamento – complementando que a insubordinação pode trazer o novo –, podemos afirmar que ele sempre vai continuar assim, múltiplo, criativo e surpreendente. É assim que interpreto a obra de Siron, artista que acompanho desde o início dos anos 1970, quando, no Rio de Janeiro, vi uma pequena obra sua com um ser aparentemente animal sobre uma bicicleta. Essa tela me perturbou, e, alguns anos depois, na Bienal de 1975, a sua pintura me capturou de forma intensa e definitiva. Gottfried Stützer
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necessariamente siron Meu contato com Siron Franco se deu de forma repentina e catártica, e quando dei por mim estava completamente imerso e tocado por sua obra. Sou mineiro: vim para São Paulo em 2016 para iniciar os estudos no curso de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e desde o momento em que aqui cheguei fui tomado pela profusão de arte e cultura que se manifesta de forma tão diversa na "paulicea desvairada". Até então a obra de Siron Franco era desconhecida para mim: surpreendentemente não me recordo de ter ouvido falar em seu nome, e creio não ter visto nenhuma de suas obras, ainda que tenha morado em Uberlândia, cidade do Triângulo Mineiro e próxima “do Goiás” de Siron. Sempre frequentei a Biblioteca Mário de Andrade – um cantinho quieto em pleno centro de São Paulo, ideal para ler, para passar um tempinho e espairecer ou ainda para participar das várias atividades oferecidas ali. Em 2017 comecei a trabalhar na Biblioteca, onde encontrei o espaço ideal para percorrer múltiplos caminhos entre as manifestações artísticas e culturais que sempre me sensibilizaram. Pude vislumbrar novos horizontes de atuação e ter contato com escritores, poetas, artistas e intelectuais que nos visitam. Uma dessas visitas, certa vez, foi de Siron Franco: um homem baixinho e muito falante que passou por mim sem que eu me desse conta da grandeza de suas criações. Pouco tempo depois de tê-lo visto, entregaram-me uma lista de obras suas para que eu a editasse: caiu-me como um meteoro. Pasmo, fiquei a observar aquelas primeiras produções com figuras ossudas, estranhas, telúricas e, ao mesmo tempo, estranhamente bem familiares a mim. Eram aquelas primeiras obras da década de 1970, em especial O ditador e Sem título (uma Madona sensualizada, coberta por uma renda muito tênue e etérea que a separa do observador, mesmo que esteja ele tão próximo de tocá-la, reforçando sua áurea incorpórea). Os dois Semelhantes, composições de uma série importantíssima que Siron fez em 1980, encerram as mesmas figuras misteriosas da sua primeira fase. A partir daí, o artista passa a explorar uma paleta de cores muito mais vivas e intensas, além de pintar figuras mais bem-delimitadas e de rostos alegadamente mais corriqueiros e menos enevoados do que nas primeiras telas, mantendo porém aquela mesma disformidade, como é o caso de Traje de inverno com interferência e Homem apressado. Nestes trabalhos, Siron nos mostra todo o seu virtuosismo técnico, ao contrapor elementos, texturas e cores, e, tal qual em Metamorfose, permite que o quadro vá ganhando forma a partir do próprio processo da pintura, utilizando-se das transformações ocorridas nesta sucessão de situações. As várias composições vão se sobrepondo, formando a obra final por meio de uma constante metamorfose, como o título nos sugere – o que nem sempre ocorre, pois Siron escolhe os títulos como quem
dá nome aos próprios filhos, às suas crias, sem necessariamente se preocupar em relacionar título e obra. Posso afirmar que, à primeira vista, os quadros de Siron mais me confundiram do que qualquer outra coisa: fiquei estupefato, à medida que eu não compreendia a essência ou o todo de uma obra que, a priori, é fragmentada. Enquanto ia descobrindo e observando seu trabalho, sentia que cada quadro me transportava para uma realidade pictórica até então desconhecida. Era como se eu conseguisse ver a vida em toda sua magnitude exatamente ali – na tela –, ao mesmo tempo em que não compreendia nada do que olhava, pois sentia que a vida da tela transpassava a minha própria. O trabalho de Siron transcende a tela e abarca o espectador até que não se saiba mais o que é pintura e o que é cintilação do real a flutuar pelas pinceladas do artista. Francisco Ferreira de Lima, em artigo para a revista de literatura e diversidade cultural de 2008, define isso melhor: "Acostumado a ser parte e agora sendo o todo, soberanamente autônomo, o olhar deleitase ante o que vê, pois tudo que vê transforma-se numa festa de luz e cores, da qual está excluído o significado. Sem significado, ou seja, sem conexão com o aparelho mental, o mundo é luz, é cor, é brilho, é vertigem, é, numa palavra, cintilação". O contato primeiro com a tela é avassalador, e somente depois de várias revisitações em sua obra é que se pode perceber acuradamente o emaranhado de signos e temas que formam a sua pintura. Compor a curadoria de uma exposição de Siron Franco significa se perder no emaranhado de fios que tecem a sua atuação artística, política e pessoal. Visitar seu ateliê foi como ir até Macondo,1 lugar outrossim percorrido por Siron Franco (e objeto também de sua inspiração) e cenário das visões deliriosas e dos bem-(ou mal-)sucedidos de José Arcadio Buendía, desencadeados em uma história que mistura vida e sonho. Os dias que passei em Aparecida de Goiânia circunscreveram minha percepção imagética do processo criativo de um artista a um espectro extraordinariamente mais amplo, tendo sido aqueles momentos um marco na minha experiência com a arte, desvelando-me novíssimos questionamentos e suscitando-me reflexões potentes sobre a pintura. A visão de seu ateliê – apinhado de telas, como se repousassem aguardando no tempo, a expectar, no transcurso do movimento artístico de Siron –, e convivendo no espaçotempo daquele galpão com objetos outros dos mais variados tipos e funções, permitiume adentrar o universo do artista e entender melhor sua produção. Ali também estavam partes de instalações e trabalhos tridimensionais que Siron produziu, juntamente com outras pequenas criações experimentais, livros e, claro, um enorme quintal com muitas
1 Macondo, como o próprio autor define, é "uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos". Faz parte do cenário de Cem Anos de Solidão, do escritor Gabriel García Márquez. 5
plantas, árvores e cachorros – coisas que compõem no contínuo da criação de Siron a inspiração que o move. Tudo era estímulo ali, tudo era visão, era corte, era liberdade... O ímpeto da vida transforma Siron, e, por sua vez, Siron transforma o ímpeto da vida e o recria na tela. As massas volumosas de tinta sobre a mesa ao lado dos pincéis desordenados trataram de me revelar a intensidade do processo de criar, constante e infinito para Siron, permeado por reconstruções e transmutações que, como definiu Millôr Fernandes, “percorrem todos os caminhos: maneira melhor de nunca chegar onde é esperado”. É um artista multifacetado e que não se divide, que cria com acurada coerência e completude, marcas de um grande mestre. Sua obra é formada por diferentes quebras e recomeços, e procura sempre percorrer outros territórios, tornando-se em uma "continuidade descontínua", como ele próprio gosta de definir. Siron diz não ter personalidade mesmo, já que seu processo artístico consiste de retomadas, interrupções e recomeços, pois se move organicamente, a todo tempo, sensível ao que está em seu redor, em vista de capturar o despercebido, revolvendo o passado e desarranjando o presente, fazendo-os fluir em uma composição psíquica de uma mescla de lembrança e reflexão que produz trabalhos permeados de elementos significativos que são parte da vida do artista – daquilo que o toca. Diz que não raro depara com coisas que não se lembrava de já ter pintado e que, fortuitamente, as reutiliza como parte de composições recentes: elementos de obras antigas ou cenas de acontecimentos passados reaparecem constantemente em seus trabalhos, sem que ele próprio se dê conta. Crê que o pior que pode acontecer a um artista é ele se fechar prisioneiro de uma coisa única, de uma mesma técnica repetida incessantemente até que se logre a perfeição. Isto explica a liberdade com que interrompe e retoma trabalhos seus e como navega entre o pictórico e a produção tridimensional, inspirado nas imagens que a materialidade à sua volta gera, e, por conseguinte, fazendo emergir relações intrincadas entre percepção e realidade que propiciam outras compreensões da visão. Baseando-se nas formas da natureza e da concretude existente, Siron obtém inspiração para sua pintura. É impressionante perceber como ele se move por tudo isso e como se deixa tocar pelas formas e cores que se formam nesse amálgama de energia que ocupa seu ateliê, sintetizando as sensações e formas da vida em uma realidade onírica que atravessa sua pintura. Siron veio do Cerrado - que fui conhecer mais a fundo na adolescência, e que é estonteante. A secura e o calor trazem consigo a conotação árida de suas paisagens, mas sua diversidade e riqueza se expressam mostrando-se pouco a pouco àquele que se detém em uma apreciação despretensiosa e um tanto mais demorada. Assim é a obra de Siron: é preciso tempo e um olhar despretensioso para que ela se revele em seu furor e esplendor ao observador. A exuberante fauna e flora deste 6
bioma, de sublime e delicada beleza, escondem em pequenos detalhes as manifestações mais singulares da natureza, e servem como inspiração para as formas, cores e texturas que Siron empresta à vida. É vegetação que se renova pelo fogo e que persiste às mais duras condições, tendo subsistido à devastação humana que fora ainda mais ávida e voraz nas últimas décadas. É também paisagem da cultura popular que resiste, da tradição indígena que se recria e permanece, ainda que cerceada e constantemente atacada por forças, inclusive, do Estado, que deveria asseverar o direito dos povos indígenas – todavia, como bem nos faz perceber Um certo político ou o fabricante de armas, não é essa a agenda política que tem sido hegêmonica atualmente. A obra sironeana é assim, entranhada de Cerrado, e Siron é "Bicho livre, sem rumo, sem laços” a percorrer os caminhos empoeirados de sua terra. Ele explora aquilo que parece ser o simbólico do real, ou, melhor dito, extrai a realidade material de algo imaterial como a própria luz: os sentimentos da vida, as relações que envolvem as condições humanas ou a nossa própria percepção acerca disso tudo, como a formação de um pensamento representado na tela, tal qual fica sugerido em Sem título (Proibido nº 3). Olhando para seus quadros, muitas vezes, eu me vi dentro de mim e de frente para meu inconsciente, diante de quimeras que construí ao longo do tempo – como se passeasse pelos sonhos e medos que inventei até aqui. Lembrome de uma de suas pinturas que me marcou sobremaneira: Deus fez o homem à sua imagem e semelhança. Como fui criado em uma família cristã, passei por um momento delicado quando me afastei da religião. Eu sempre tive dificuldades em olhar para este Deus, avesso a mim, como meu semelhante: eu sentia mais medo de sua punição do que me enxergava enquanto sua própria criação. Este quadro concretizou a materialização da imagem que construí deste Deus quando decidi exorcizá-lo: vi-me diante de um dos meus maiores temores, mas desta vez não tive medo. Vi exatamente a minha natureza e a dele, coexistindo em equilíbrio grotesco no universo vazio e fantasmagórico da vida, contrastando sua aparência fúnebre com a vida que encerra, formando uma atmosfera singular que repousa na incerteza do que o olhar apreende. E se essas estranhas figuras foram marcas da sua produção inicial, hoje a sua obra não cabe completamente em nenhuma definição. As produções mais recentes reafirmam a capacidade de se reinventar que Siron possui, como aponta Ferreira Gullar, em "A pintura vida de Siron Franco'", escrito para a exposição realizada, em 1999, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS-RS): "[sua pintura] é temática, ou seja, ela fala de algo que está fora dela. Não está fechada em si mesma, autoreferente". Atrelando símbolos e técnicas já vistos a novas formas de pensar a pintura e de executá-la, como na série "Segredos", na qual ele amplia de modo impressionante os materiais empregados, usando borracha, ouro, chumbo e outros elementos na tela,
parece ter finalmente abandonado o figurativismo para explorar o abstracionismo, por assim dizer – conquanto a observação meticulosa permita concluir que não se trata de abstração informal: como define Siron, o quadro Opostos denota perfeitamente bem este panorama, por exemplo, pois de longe não parece haver formas de coisas que sejam reconhecíveis, levando-nos a crer se tratar de uma obra abstrata. Mais de perto, porém, é possível perceber o contrário: muitos grafismos, semelhantes a produções indígenas, e uma massa de cor, plástica, que segundo Siron aponta para algo que germina, ou remete às próprias partes sexuais. Há ainda horizontais que “cercam” a imagem, como gradis, fazendo alusão aos muitos muros que a sociedade moderna fez para si. Opostos, para Siron, é a própria vida – "pois não há vida sem o oposto". A vida também é mote em O livro da vida, com seus fios escorridos – a tinta como sangue – e espermatozóides feitos de ouro. Nesse mesmo encalço estão as outras produções de 2017, como Carta de Pero Vaz de Caminha, uma obra que precisa ser vivenciada para que se perceba suas minúcias: grafismos, sombras, formas e figuras que vão aflorando sobre o papel dourado e contrastando com o relevo do braile (outro elemento gráfico que explora). Formidavelmente a obra do Siron atual se distingue de sua produção inicial, e ainda assim se mantém em total diálogo com o fio condutor de sua arte. Por isso, esta mostra é, além de uma celebração aos 70 anos do artista, uma oportunidade de apresentar um recorte pictórico genuinamente brasileiro ao público que visita a Biblioteca Mário de Andrade e que talvez desconheça a obra de Siron, que permite variados tipos de contato e que nunca deixa de nos apresentar um vislumbre novo quando a revisitamos. Esta mostra é, antes de tudo, um convite ao olhar. Matheus Araujo de Andrade
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histórias e estórias Uma entrevista com Siron Franco envolve muitas expectativas, pois vai-se adentrar o seu universo, seu espaço físico, sua história e estórias, obras concluídas e em andamento, múltiplos e díspares objetos, numa aparente confusão que leva tempo para ser assimilada. Ela traz, obviamente, o desejo de se obter algo novo, não divulgado, que tenha passado incólume em entrevistas anteriores. O artista não se nega a comentar sobre qualquer assunto, portanto cabe ao entrevistador buscar determinar o rumo da conversa. A última, escrita, foi realizada em 2006, ou seja, há mais de dez anos, por Agnaldo Farias. Ela consta do livro/catálogo da exposição que se iniciou em setembro daquele ano no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, seguindo depois para o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, e, por fim, para o Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro. Na presente entrevista, optamos por focar nossa atenção no seu processo de criação, no desenvolvimento do tema, e em como ele vê a própria obra. Fatos já conhecidos foram rememorados nas quase cinco horas de conversa – divididas em dois dias, 19 e 20 de maio de 2017, no seu ateliê em Aparecida de Goiânia, Goiás –, sendo enriquecidos pelos detalhes. No resumo inicial, eles figuram, para quem já o conhece, como breve introdução, mas, àqueles que ainda não têm familiaridade com seu trabalho, funcionam como instigante ponto de partida para debruçar-se sobre a obra deste prolífico artista, iniciado na pintura na década de 1960. Possivelmente, o maior pintor brasileiro em atividade do hoje considerado modelo clássico de pintor, que ainda utiliza tela, tinta e pincel. Gottfried Stützer e Matheus Araujo de Andrade
Siron Franco (Gessiron Alves Franco) nasceu na cidade de Goiás Velho, Goiás, em 25 de julho de 1947. Residiu, nesses seus 70 anos de vida, em Goiânia, São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, Londres. Viajou pelo Brasil e pelo exterior, voltando com frequência para Goiânia, onde sempre manteve residência e ateliê. Reside e trabalha hoje nesta cidade. os pais. Décimo terceiro e último filho (“na verdade décimo, pois a minha mãe criou mais cinco, dos quais dois vieram a falecer”), ele cresceu num ambiente múltiplo, “eram 16 pessoas para almoçar e jantar”, marcado por grandes dificuldades financeiras. Cita que nasceu em uma casa de frente a uma igrejinha, frequentada pela mãe, “que fazia ladainhas”. Inúmeras reproduções de quadros sacros pendiam das paredes, O sagrado coração de Maria, Jesus 7
orando, São Jorge, A santa ceia.... “A de São Jorge ficava no meu quarto, e os sucessos de Vicente Celestino ecoavam pelos ambientes.” Sua mãe “andava sobre as brasas nas fogueiras de São João” e “lia a sorte em uma bacia que continha água e duas agulhas”. De católica praticante, devota de São João Batista, ela virou adventista do sétimo dia. “Minha mãe me obrigava a ler a Bíblia, com suas previsões catastróficas, e o Deus que ela me passava da sua nova religião era um Deus perverso ... Ela queria que eu fosse médico para assim ajudar a família, mas desde criança eu já dizia que queria ser pintor – ou lixeiro, que adorava aquele caminhão, e imaginava que descartavam o lixo no meio da floresta amazônica, num buraco que atravessava a Terra inteira.” Do pai, absorveu as preocupações com o meio ambiente, com a cultura das comunidades indígenas – onde foi pela primeira vez levado por ele. “Meu pai era raizeiro, conhecia todas as ervas do cerrado e delas fazia remédios ... Ele já falava da importância da água quando isso nem era um tema; todos riam dele quando afirmava que água era mais importante que ouro”. Ao final da vida, ficou cego. Siron entende que foi por decisão própria: ”Ele falou ‘não vou mais ver’, que não queria mais ver violência... Não sei se estava em seu juízo perfeito”. Pai espírita, mãe protestante, e desse amplexo ecumênico o artista professa em uma sentença seu amor pela ciência: “Sempre achei que a ciência é o lugar onde está Deus, não é na religião, não é nas escrituras; esse Deus das escrituras não me interessa”. infância. Siron era o encarregado de montar o presépio dos Natais em sua casa a pedido da mãe (“quando comecei a fazer instalações, nos anos 1970, eu me lembrei disso”), que já notava sua propensão para as artes, por seus desenhos e pinturas. Aos 12 anos enviou alguns desenhos para a Universidade Católica de Goiás sem citar sua idade. Após ser selecionado, os professores, surpresos, fizeram com ele um teste ao vivo, sendo imediatamente aprovado para frequentar o chamado curso livre. Lá frequentou aulas de anatomia e pintura até os 17 anos, e conviveu com grandes professores e artistas, como Frei Confaloni, D. J. Oliveira e, mais tarde, Cléber Gouveia, pintor que se tornou seu grande amigo e incentivador. Durante todo esse período, visitava com frequência o hospício da cidade: ”Sempre achei interessante essa visão, que não é surrealismo, mas é deslocada. Esse deslocamento me interessa”. o início. Na década de 1960, fazia paisagens e retratos da elite da região, para ajudar nas despesas de casa. Já ao final dos anos 1960 pintava quadros que sugeriam certo surrealismo. Nessa época realiza sua primeira série, “Era das Máquinas”. Nos anos 1970, ao lado de sua pintura de figuração fantasmagórica sobre as interrelações entre o homem, o poder, o animal, o sagrado, o profano, o subconsciente, Siron inicia as Madonas, talvez por resultado do ambiente religioso em que crescera, mas principalmente por necessidade financeira. “Como 8
Mondrian, que pintava flores para sobreviver, no início, comecei a fazer essas madonas, que depois foram sendo ‘desfiguradas’ ... Ouvia cantos gregorianos e me lembrava das procissões da infância ... Não que eu gostasse do que fazia, tive de fazer muita coisa para sobreviver, para poder fazer a minha pintura.” Os anos 1970, muito importantes na sua obra, marcaram seus trabalhos em tamanho fora do usual, com cores que iam-se intensificando, contornos que se definiam, em nítido contraste com os aspectos fluídos e transparentes de obras anteriores. bienal nacional de são paulo, 1974, e bienal internacional de são paulo, 1975. Seu primeiro grande prêmio, no Salão Global da Primavera em 1972, conferiu-lhe uma passagem para o México, sua primeira viagem ao exterior. A arte pré-colombiana, desde então, exerceu forte influência em seu interesse pela arqueologia dos povos. Como vencedor da Bienal Nacional de 1974, teve garantida sua participação na Internacional de 1975, na qual expôs a série “Fábulas de Horror”. “Essa expressão foi chave para eu poder fazer alguma coisa que falava dos porões da ditadura, de morte, de tortura, de medo. Eu a escutei no Centro de São Paulo, numa notícia de rádio que falava dos massacres em Uganda. Na época, eu tinha muitos pesadelos, e ela me ajudou a pintar esses quadros”. "Quando ganhei a Bienal, foi um susto aquele tipo de figuração. Ela influenciou artistas da América Latina e de fora, e fiquei com medo daquilo, de virar uma caricatura grosseira. E eu não via meu trabalho como uma coisa caricata, eu via ali uma estrutura. Por isso, chegou o momento em que falei ‘tenho de matar isso aqui". pintores e autores referência. Brueghel, o bestiário de Bosch, Rembrandt (“a sombra tem que ter cor”), El Greco (“quando jovem, cheguei a copiar aquele Cristo em vermelho, que acho deslumbrante”), são alguns dos clássicos que ele admira. Do Brasil, Bernardo Cid (“achei incríveis aquelas pinturas”), Rebolo, Maria Leontina, Marcelo Grassmann, Antônio Henrique Amaral, Milton Dacosta, Volpi, Bruno Giorgi também marcaram sua trajetória. “Adorava estar com eles, mas aquela estética não me pegava.” Tunga, com quem o artista mantinha contato, disse-lhe um dia uma coisa que considerava muito interessante, que ele procurava a arte onde normalmente ela não estava. “Quando você vai a uma exposição, você já vai mais ou menos sabendo o que vai encontrar”. Nesse sentido, Siron complementa: “Eu sempre busquei inovar, daí esse grafismo, essa arte corporal...". Manoel Bandeira, Clarice Lispector, Millôr Fernandes, Rubem Braga, Ferreira Gullar, Edgar Allan Poe, Gabriel García Márquez foram escritores referência na sua formação. “Essa capacidade de reinventar a linguagem da pintura a cada instante é o que o torna um dos mais criativos artistas contemporâneos (...) Siron tem o poder mágico de tudo transformar em fala pictórica", como bem o define Ferreira Gullar, no catálogo da exposição do artista no MARGS-RS, em 1999. 53
outras obras, outras técnicas. De instalações a manifestações em Brasília, ao que ele chama de “artivismo”, Siron se utilizou das mais variadas linguagens para difundir e dar suporte a seus projetos. As bandeiras de antas e dos caixões de crianças no gramado do Congresso Nacional, assim como a instalação Intolerância e a videoinstalação Brasil cerrado, ou ainda o Monumento da paz, são críticas, explícitas ou sutis, à política nacional transfiguradas em arte. “Sobre uma intervenção que fiz em Salvador, em um morro com pontilhões de concreto, pensei em fazer algo como ‘todas as cabeças do mundo’, fotografando durante um mês todos os que chegassem à Bahia. A partir daí, criamos estruturas nas proporções das pessoas. Eram 500 peças de alumínio – 16 toneladas de latinhas de cerveja é o que foi gasto.” “Um grande trabalho foi o Monumento às nações indígenas, infelizmente já destruído, realizado perto daqui. Foi uma forma de resgatar uma série de objetos que culturalmente já se perderam, mas que estão em Museus. Um índio, já idoso, trouxe uma peça similar a uma machadinha que estava na USP, em São Paulo, de uns 200 anos de idade. Tirei uma cópia da mão dele e da ferramenta, e as usei na obra.” Siron montou agora em junho a instalação Cuidado, frágil, na embaixada brasileira de Roma, que seguirá depois para a de Londres. Até a escultura de bronze do hall da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, uma grande figura feminina em pé, segurando um livro aberto, lhe serviu de inspiração: “Poderíamos comprar uns livros, costurá-los e cobri-la inteira com eles”. césio, 1987. Quando houve o acidente da rua 57 em Goiânia, Siron iniciou uma das séries que marcaria uma reviravolta em sua produção. “Começaram a falar que a terra daqui estava contaminada, que tudo estava contaminado. O uso da terra nos meus quadros veio desta afirmação, ‘de que tudo estava contaminado’. ‘Então vou trabalhar com a terra’, decidi.” Gabriel Pérez-Barreiro, no texto de 1998, ressalta: "Ao recusar as técnicas que melhor conhecia e dominava, Siron estava dando um salto no escuro, característico de sua recusa em aceitar meras respostas". peles. A pele está presente em sua obra desde o final dos anos 1970, mas compondo, com outros elementos, o que o artista pretendia expressar – não era o personagem principal. Importante lembrar que Siron as abordou inicialmente pelo interesse em criar ritmos. “As peles nasceram cobrindo as figuras, depois foram saindo do corpo, criando uma autonomia de ritmo que, do ponto de vista de linguagem, gestos e movimentos, era um terreno mais fértil que o dos Retratos imaginários. Tinham toda uma carga clássica. Aí começou. Foi uma procura grande, os quadros eram vendidos antes de serem pintados. Fiquei com medo, fui para casa, peguei um spray... e nunca mais fiz. Isso foi bom para mim.”
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entrevista com siron franco Siron, você já afirmou que “se sou tocado por uma fala, uma frase, uma história, um quadro, isso repercute imediatamente e me faz parar o que eu esteja fazendo”. De que forma se dá isso? Exatamente assim: se estou conversando com você e surge algo que me chame a atenção, passo a desenvolver o assunto imediatamente, embarco naquilo, paro o que estava fazendo. O processo nasce das maneiras mais diversas, você tem de estar o tempo todo à disposição, seja no ambiente físico, seja no mental. Tenho uma memória visual muito forte, e quando produzo deixo o inconsciente fluir, como alguém que acorda sem passado, como se visse aquilo pela primeira vez. Esse olhar, essa sensação é o que procuro. Essa disponibilidade explica a grande variedade de temas e de técnicas, mesmo que contrastantes, numa mesma mostra? Também, mas acho que cada quadro deve ser uma viagem única. Mesmo na série "Peles", a técnica é a mesma, mas o ritmo de cada uma delas é diferente; quero que cada quadro seja uma experiência nova, tenho muito medo de ficar prisioneiro do meu conhecimento. Prefiro ficar atirando para todos os lados, e, mesmo que erre, acho positivo, pois não há crescimento sem erro. Em relação à série "Peles", você comentou numa ocasião que elas marcaram o final de um ciclo, de diversificar usando o gesto sem imagem, quase uma abstração. Sim, mas nunca pensei em fazer pintura abstrata. A pele me dava condições de criar algo que fosse reconhecível, que tivesse uma gestualidade, um ritmo, próprio da pintura tachista ou da abstração, mas não era abstrair a pele, era esse grafismo, essa estampa dos bichos que te invoca uma qualidade pictórica, de beleza, de poesia. Na hora em que estava pintando, aquilo não era uma abstração para mim, era algo concreto, uma verdade. Mas fui sentindo que não daria para continuar levando aquilo, pois ia tirando a magia e a força delas, ia acabar dominando, precisava encerrar por ali. Como você comentou em outra entrevista, “a pintura e a arte são uma forma de descoberta, e, na medida em que descobre algo, ou você se aprofunda ou aquilo te mata”... Sim, o aprofundar significa explorar, buscar novos caminhos. Ficar em cima de uma obra que você considera pronta, ficar se repetindo, não dá, é melhor matar aquilo. Busco sempre um aprendizado mais amplo, eu sempre tive medo de ficar prisioneiro do meu conhecimento. Millôr cita, no texto Retratos 3 x 4 de alguns amigos 6 x 9, escrita para a mostra da série "Semelhantes", de 1980: “Siron segue todos os caminhos, maneira melhor 9
de nunca chegar onde é mais esperado”. Mas as minhas mudanças não são muito bem estruturadas, você precisa se perder, daí pode surgir uma coisa nova. E como foi sua libertação da figuração dos anos 1970? Senti que aqueles personagens tinham de desaparecer, eles já não estavam me fazendo bem. Aqueles proto-humanos, caricaturais, bem como aquelas figuras ricas, loucas com seus casacos de peles. Foram essas peles que abandonaram os corpos e criaram uma autonomia de ritmo próprio, como comentamos. Na década de 1970 e mesmo em parte da de 1980, as imagens tomaram conta do espaço pictórico, muito como resultado do que eu presenciava aqui no país. Depois, não fui para onde a maioria dos meus amigos foi, aquela coisa mais pop, que eu entendia, mas não me interessava. Tinha um viés sobre as nossas matas, nossos animais, que me interessava muito, e que poderia levar a uma estética diferente. Esse “meio-isolamento” meu aqui em Goiânia só me ajudou a continuar minha obra, que é um pouco fora do eixo. Com isso, achava que conseguiria me preservar mais; imaginava ter algo dentro de mim que me permitiria ter um olhar mais pessoal, autoral, do que se entrasse em outras tendências. Sentia ser de um universo de artistas ligados à alma e às relações humanas. E como você conceituaria a sua arte? Nunca fechei um conceito da minha obra, fecho conceito em algumas séries. Sempre tive medo de qualquer coisa fechada... Se você analisar minhas exposições, em todas elas há uma mudança. É como se eu fosse um caminhante: chego num lugar, fico um tempo, conheço o ambiente. Quando concluo que já conheço o suficiente, vou para outro lugar. Com a pintura é assim, você faz, refaz – cada quadro precisa ser uma experiência nova, mesmo que seja o oposto do que você tenha feito ontem. O meu grande rio é a pintura, mas tenho os afluentes que alimentam essa pintura. Trabalho com outras experiências, experiências me ajudam na hora em que estou pintando, tornando mais fácil seguir ou destruir o que já fiz. Você costuma retomar um trabalho? Muito. O processo é esse, mas, nos anos 1970, eu começava um trabalho e ia até o fim nele, tendo feito vários esboços preliminares. Atualmente, começo a pintar e, se sentir que devo interromper, porque não está bem como eu esperava, mas ao mesmo tempo tem algo de desconcertante que eu talvez possa entender melhor depois, eu guardo a pintura para, após um tempo, que pode levar anos, eu voltar a mexer nela. Entendo esse parar para retomar depois como um lado mais clássico meu. Adoro ficar no ateliê, criando, trabalhando, sinto-me um aprendiz. Adoro a experiência do novo, do fazer, o ato do fazer é o que mais me move. E eu não paro, não tem isso de sábado ou domingo, trabalho justamente para não me perder. Tudo é feito aqui: escolho a madeira, 10
a tela, tenho essa ligação com o material em que vou “impregnar” as minhas ideias. Tem de ser tudo muito bem preparado, porque, independentemente da questão estética, é um objeto que quero que dure, que permaneça, é uma carta que estou enviando para o futuro. A textura, em alguns de seus quadros, é mais líquida... Em alguns quero experimentar a coisa mais líquida mesmo. Eu o preencho, depois o viro contra a parede por um tempo. Quando o desviro, posso ver vários caminhos a seguir – alguns me desnorteiam tanto, são tantas as opções, que fico até perdido, sem saber para onde ir. Posso assumi-lo como uma grande aquarela ou de vez em quando colocar uma massa de cor como contraponto, e ver como reage. Leva tempo. Por isso o meu trabalho precisa de duas leituras, de longe e de perto, para ver as nuanças de camada sobre camada. De longe se percebe o brilho, a cor que não está no quadro mas que é provocada na sua retina. A ciência a chama de cor fisiológica: se você fica diante de uma cor por alguns segundos, um objeto amarelo, por exemplo, e depois olhar para uma folha em branco, aquilo vai se colorir de púrpura, de rosa. Todas essas experiências me vêm à cabeça quando estou pintando. É um trabalho mais complexo do que aparenta, cheio de reações, úmidos, transparências, massa, grafismo, coisas que ainda podem se agregar. Problemas pessoais com que você depara se refletem na sua pintura? Eu só consigo criar alguma coisa após a superação do problema. Os quadros mais pesados foram realizados justamente quando eu estava melhor, após ter superado o momento difícil. Não posso fazer na catarse, é perigoso, você deixa de lidar com a sua linguagem. Fale um pouco sobre o seu trabalho tridimensional, quando ele começou? Com o Césio, quando fiz esculturas contendo cadeiras, capacetes, macacões e outros objetos, concretados em colunas de formato retangular, com partes que emergiam da obra. Mas ainda está tudo em aberto... Sou um experimentador nessa área, nem sei se sou um escultor propriamente dito, mas também não penso nisso. Como você vê o futuro da pintura? Primeiro, preciso dizer que não vejo a pintura como uma profissão. No meu caso, é uma atividade sem a qual eu não conseguiria viver. Sobre o futuro da pintura, atualmente existe a teoria de que ela já é passado, que não tem mais como você se expressar por ela, que tudo já foi dito. Esses teóricos, em minha opinião, colocam-se como deuses. Você não sabe o que uma criança de hoje vai desenhar, o que a próxima geração vai desenhar, mas há a necessidade atávica pelo desenho, ela existe sempre. Veja a minha netinha, ela fez três anos agora, mas com um ano e meio ela já riscava. Toda criança desenha e pinta. Como afirmar que tudo já foi dito ou feito? 51
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s/título (executivo) [1974] óleo s/ madeira 1,56 x 1,20 m coleção Gottfried Stützer
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o bispo [1974] óleo s/ madeira 0,90 x 1,20 m coleção particular
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s/título (madona) [s/data (déc. 1970)] óleo s/ madeira 0,53 x 0,43 m coleção Gottfried Stützer
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o ditador [1975] óleo s/ madeira 2,0 × 1,80 m coleção Raphael Serruya
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circo [1976] óleo s/ madeira 0,90 x 0,90 m coleção Eugênia Gorini Esmeraldo e Francisco de Assis Esmeraldo
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metamorfose [1979] óleo s/ tela 1,55 x 2,70 m (díptico) coleção Eugênia Gorini Esmeraldo e Francisco de Assis Esmeraldo
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metamorfose [1979] óleo s/ tela 1,55 x 2,70 m (díptico) coleção Eugênia Gorini Esmeraldo e Francisco de Assis Esmeraldo
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s/ título (proibido nº3) [1979] óleo s/ tela 1,55 x 1,35 m coleção Eugênia Gorini Esmeraldo e Francisco de Assis Esmeraldo
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semelhantes nº13, homenagem a farnese [1980] óleo s/ tela 1,70 x 1,80 m coleção Paulo Darzé
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semelhantes nº39 [1980] óleo s/ tela 1,35 x 1,55 m coleção Eugênia Gorini Esmeraldo e Francisco de Assis Esmeraldo
16
pássaros [1980] óleo s/ tela 0,90 x 0,80 m coleção Eugênia Gorini Esmeraldo e Francisco de Assis Esmeraldo
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traje de inverno com interferência [1981 (fevereiro)] óleo s/ tela 0,90 x 1,20 m coleção Gottfried Stützer
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homem apressado [1982] óleo s/ tela 1,35 x 1,55 m coleção Gottfried Stützer
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pele de onça [1983] óleo s/ tela 1,80 x 1,70 m coleção Orandi Momesso
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o exercício da censura [1984] óleo s/ tela 1,55 x 1,35 m coleção Eugênia Gorini Esmeraldo e Francisco de Assis Esmeraldo
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um certo político ou o fabricante de armas [1984] óleo s/ tela 1,70 x 1,80 m coleção Eugênia Gorini Esmeraldo e Francisco de Assis Esmeraldo
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s/título (rua 57 - série césio) [1987] técnica mista s/ tela 1,0 x 1,0 m coleção particular
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s/título (rua 57 - série césio) [1987] técnica mista s/ tela 1,0 x 1,0 m coleção Gottfried Stützer
objeto mágico [1994] óleo s/ tela 1,35 x 1,55 m coleção Paulo Darzé
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pele, cabeça e armadilha [1994/1995] óleo s/ tela 0,90 x 1,10 m coleção particular
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a rainha [1996] óleo s/ tela 0,90 x 0,80 m coleção Eugênia Gorini Esmeraldo e Francisco de Assis Esmeraldo
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casulo de seda [1996] óleo s/ tela 0,90 x 1,10 m coleção particular
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outros gritos [1996] óleo e radiografias s/ tela 1,55 x 1,35 m coleção particular
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o que vi pela tv - canal 25 [1999] óleo s/ tela 1,35 x 1,55 m coleção Gottfried Stützer
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pistas [2006] óleo s/ tela 2,5 x 2,7 m coleção do artista
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o livro da vida [2006] óleo e ouro s/ tela 2,00 x 3,00 m coleção do artista
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mecca [2005/2006] óleo s/ tela 2,0 x 1,5 m coleção particular
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fim de jogo [2006] óleo s/ tela 1,60 x 2,40 m coleção do artista
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o quarto anjo [2007] óleo s/ tela 1,90 x 1,80 m coleção Paulo Darzé
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territórios [2002/2006/2009] óleo s/ tela 1,80 x 1,90 m coleção Paulo Darzé
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segredo nº10 [2009/2010] óleo, borracha e ouro s/ tela 2,0 x 1,5 m coleção particular
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situação em azul [2016] óleo s/ tela 2,0 x 1,5 m coleção do artista
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tripas [2009/2017] óleo s/ tela 2,0 x 1,5 m coleção do artista
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chuva de azul [2013/2017] óleo s/ tela 1,8 x 1,9 m coleção do artista
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semi aberto [2016/2017] óleo s/ tela 1,5 x 2,0 m coleção do artista
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outros territórios [2017] óleo s/ tela 1,6 x 2,0 m coleção do artista
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carta de pero vaz de caminha [2017] folhas em braile, folhas de ouro e tinta dourada s/ tela 2,2 x 1,9 m coleção do artista
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opostos [2017] óleo s/ tela 2,0 x 1,75 m (díptico) coleção do artista
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Prefeito do Município de São Paulo
EXPOSIÇÃO
João Doria
Siron Franco em 38 obras: 1974-2017
Secretário Municipal de Cultura
Curadoria e montagem
André Sturm
Gottfried Stützer Matheus Araujo de Andrade
BIBLIOTECA MÁRIO DE ANDRADE
Design gráfico
Charles Cosac
Gabriel Hideki Raul Loureiro
Ação cultural
Preparação e revisão de texto
Adriane Freitag Gabriel Hideki Marcos Guilherme Paulo Pirozelli Paolo Ribeiro Silas Rocha
Maria Eugênia Régis
Diretor
Fotografia
Pedro Henrique R. Rocha
Jorge Bastos p.p. 21, 23, 25-36, 41, 44 Andrew Kemp p.p. 29, 39, 49, 50 Luciano Momesso p.p. 34 Óscar Sjostedt p.p. 24 Edgar Soares p.p. 45, 46, 48, 52-58 Vivafotos p.p. 22, 37, 40, 42, 43, 47, 51
Atendimento
AGRADECIMENTOS
Emanuel Guedes Natan Sezerdello Ana Carolina Russo William Okubo Laís Frazani
Francisco de Assis Cotrin Esmeraldo Paulo Darzé Eugênia Gorini Esmeraldo Luizmar Medeiros de Oliveira Orandi Momesso Raphael Serruya sibam Justo Werlang
Supervisor de administração e finanças
Arquitetos
Bruno Bianchini Andrea Peruzini Assistente jurídico
Jorge Josino Luis Rodrigo Costa
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biblioteca mário de andrade rua da consolação, 94 centro 11 3775-0002
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