Processos de Criação e Leitura Visual

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Processos de Criação e Leitura Visual: Pedagogia para consciência do fazer e autonomia na recepção de imagens Luciana Dilascio Neves DARTES/ ICHS/ UFRRJ ldneves2014@gmail.com Bruno Matos Vieira DTPE/ IE/ UFRRJ bonomatos@gmail.com RESUMO: Este artigo refere-se à parte das ações do Subprojeto PIBID Belas Artes em 2015 que visou incentivar uma prática artística aliada a uma investigação sobre o fazer e sobre a leitura de imagens visuais. Intencionou-se contribuir para uma pedagogia das imagens visuais, em especial, às imagens da arte, indicando um processo de aprendizagem que venha a possibilitar uma recepção mais ativa, crítica e sensível por parte dos alunos da educação básica. Como estratégia, acredita-se no aprofundamento das imagens artísticas, para além de seu conteúdo mais aparente, entendendo a natureza plural e ambivalente de seus sentidos, numa prática que pode ser ensinada e estimulada através do próprio exercício da leitura visual, capaz de incorporar novas maneiras de olhar que se amplificam na dinâmica contínua deste tipo de leitura, distinto da verbal. Acredita-se também que a conscientização sobre o próprio processo de criação contribua para uma recepção mais ativa e uma autonomia do pensar e do imaginar, uma vez que o aluno pode vivenciar a autoria e a autonomia para pensar aquilo que quer “construir”, sendo estimulado a refletir sobre o próprio modo como articulou os elementos constituintes das imagens criadas; qual foi sua intenção e se a mesma correspondeu ao resultado obtido; assim como, no coletivo, poderá também avaliar como outros colegas perceberam e compreenderam a imagem criada por ele, e como ele apreendeu a imagem do outro. Estas ações ajudarão o aluno a penetrar na gênese da imagem, no seu universo próprio, com seus meios materiais e formais, na dinâmica e justa tensão entre forma e conteúdo. A familiarização com o universo e a constituição das imagens artísticas, através do fazer, contribui, em muito, para a conscientização dos diversos níveis e significados presentes nas imagens, relacionados com a própria vivência e as experiências de vida dos alunos. PALAVRAS-CHAVE: Arte/Educação; Criação; Processos; Leitura de Imagens

Algumas das ações do PIBID Belas Artes têm se consubstanciado na prática artística aliada a uma observação da própria produção, assim como de demais imagens da arte. Contudo, didaticamente, consideramos que o mais importante e desafiador seja conseguir congregar neste fazer artístico, a consciência de um processo de trabalho, pelo qual seja possível permitir ao aluno, vivenciar, refletir e conscientizar-se do próprio processo de criação, com suas escolhas, seus arrependimentos, enfim, seu caminho que deixa à mostra as


marcas de uma lógica interna, não uma lógica pré-determinada, mas uma lógica do próprio autor. Para isto, no entanto, acreditamos ser necessário estimular e possibilitar ao aluno uma intimidade com o meio próprio; material, procedimental, formal e imagético do universo ao qual o mesmo emprega sua vontade, seja este o universo de um desenho, de uma pintura, de uma encenação, de uma animação ou de qualquer outra atividade de criação. Cada uma destas atividades carrega em si universos particulares, com seus meios; materiais, formais, procedimentais e de potenciais semânticos. A intimidade com o meio ao qual se empenha o trabalhador é a primeira maneira para se estabelecer um processo de criação onde a vontade do autor seleciona, escolhe, desiste, retoma, para encontrar e conjugar os materiais, as formas, os procedimentos mais correspondentes a sua própria disposição interior, a sua vontade, seu estado de espírito, mental ou emocional. Em certo sentido, a criação na arte não se difere de qualquer outra forma de criação, se realizando pelo trabalho, e ainda que este trabalho, na arte, possa ser conduzido não especificamente por uma lógica pré-existente, mas por uma lógica interna, ao mesmo tempo subjetiva e objetiva, que vai se consubstanciando no decorrer do próprio trabalho, ele pressupõe uma ordenação que dirige o processo, congregando as instâncias materiais e formais e as instâncias do pensamento, da emoção e da imaginação numa justa tensão ou numa correspondência entre forma e conteúdo guiada pela vontade, pela intenção ou intuição daquele que está criando. De acordo com Dewey, “perceber o significado do que se está fazendo e se regozijar com ele, unificar, simultaneamente em um mesmo fato, o desdobramento da vida emocional interna e o desenvolvimento ordenado das condições externas materiais – isto é arte” (DEWEY, Cultura e Indústria na Educação In: BARBOSA, 2002, pp. 30-31). Seguindo esta via de pensamento, o subprojeto tem se voltado para estratégias didáticas que visam congregar a prática artística com a reflexão crítica daquilo que se faz. Uma das práticas utilizada diz respeito ao fazer artístico conjugado às diversas possibilidades de propor e estimular à leitura de imagens visuais no mundo, em especial, as relacionadas à arte. Com relação a isto, compreendemos o potencial da leitura de imagens artísticas, não especificamente ou somente destinada a uma abertura ao mundo artístico-cultural ao qual cada imagem corresponde, mas principalmente, a uma abertura para as imagens do mundo, as


quais cada e qualquer indivíduo podem percorrer as distâncias e as proximidades que estabelece entre a sua vivência e as imagens. A área de arte/educação1 no Brasil esteve, por muito tempo, inserida num contexto que a desfavoreceu, fruto de preconceitos baseados na Arte como algo desnecessário, uma função decorativa ou para o treino das habilidades manuais, assim como de medidas políticas negativas ao desenvolvimento da área. Hoje, acreditamos que vem sendo construída uma consciência sobre a valoração do ensino e da área de Artes no que se refere a uma formação mais integral dos indivíduos. Entende-se assim que a importância deste ensino não se refere apenas à formação do artista propriamente dito, ou para o desenvolvimento de uma habilidade técnica, mas antes, dos indivíduos de modo geral, com atuação e contribuição nas áreas intelectivas, sensíveis, perceptivas e imaginárias. Entendemos assim, a necessidade de pensar a arte na educação como uma possibilidade de ampliação cultural, de atitudes e de compreensão do mundo em que vivemos com seu potencial interdisciplinar, sem deixar de considerar, no entanto, que a arte comporta também uma maneira particular de experiência, desenvolvida dentro de um pensar próprio dos modos sensíveis e intuitivos, muitas vezes, de natureza distinta das formas discursivas ou de razões exatas. Desta forma, em muitas das atividades didáticas desenvolvidas nas escolas, intencionou-se que os alunos participantes pudessem compreender a arte apresentada como uma manifestação específica que, para além de conteúdos Considerando também a especificidade do nosso contexto histórico, marcado por um grande fluxo de informação e de imagens visuais e audiovisuais, torna-se necessário uma educação visual. Como salienta Barbosa: narrativos e cognitivos que podem estar explícitos ou implícitos nas imagens, a mesma é formada também por sentidos não verbais 2 articulados por cores, formas, movimentos e outros, que, de maneira particular, também imprimem sentimentos, sensações e pensamentos na apreensão do espectador. Em nossa vida diária, estamos rodeados por imagens veiculadas pela mídia, 1 Frange (2008, p. 45) aduz que o termo “Arte/Educação com barra é sugestão de uma linguista para reforçar a ideia de imbricamento, contiguidade, terceiro espaço” entre arte e educação. Utilizamos, portanto, este termo por concordarmos com essa terminologia. 2 De acordo com Ostrower, o termo não verbal “indica que o modo de comunicação não pressupõe a mediação das palavras” (1991, p.23). De acordo com Rudolf Arnheim, “não há motivos para que as formas visuais se desassociem daquilo que nos dizem [...] Longe de ser um registro mecânico de elementos sensórios, a visão prova ser uma apreensão verdadeiramente criadora da realidade – imaginativa, inventiva, perspicaz e bela [...] Toda a percepção é também pensamento, todo o raciocínio é também intuição, toda observação é também invenção” (1989, Introdução).


vendendo produtos, ideias, conceitos, comportamentos, slogans políticos etc. Como resultado de nossa incapacidade de ler essas imagens, nós aprendemos por meio delas inconscientemente. (BARBOSA, 1991, p. 31).

Com relação a esta constatação, acreditamos que ser afetado apenas inconscientemente pelas imagens significa ser influenciado pelas mesmas de modo passivo; no entanto, consideramos ser necessário que as imagens estimulem a atividade do pensar, do sentir e do imaginar, para que os sentidos sejam revelados ao espectador, ou melhor, para que um espectador ativo reconstrua os sentidos latentes nas imagens. Deste modo, incentivando uma prática criativa aliada a uma investigação sobre o fazer e sobre as imagens artísticas, o subprojeto, muitas vezes, intencionou promover uma pedagogia das imagens, indicando a necessidade de um processo de aprendizagem para leituras de imagens no mundo, que venha a contribuir para que o indivíduo possa assumir um papel mais consciente e sensível frente às imagens. A importância da inserção da leitura de imagem na escola tem sido amplamente discutida por diversos teóricos que apresentam estratégias metodológicas para esse fim. No entanto, como mostra Schlichta: [...] embora os meios de comunicação apresentem uma falsa ideia de participação e de comunicação e de que é “naturalmente fácil” ler uma imagem, a leitura realizada por um aluno com conhecimento precário dos códigos de construção da imagem é de caráter mais emotivo que cognitivo. Aliás, a sensibilidade estética não é um atributo inato ao sujeito, nem o senso estético é uma qualidade natural ao objeto, consequentemente, a formação dos sentidos humanos se configura como uma das principais tarefas da escola, sobretudo, no âmbito do ensino de artes. [...] a grande maioria não consegue compreender e interpretar os significados das imagens para além do que se apresenta de imediato. [...] a leitura de uma imagem, enquanto prática humana, requer um campo de conhecimentos interdisciplinares, tanto históricos e antropológicos quanto estéticos, que consubstanciem a aprendizagem de estratégias de interpretação das imagens (SCHLICHTA, 2006, p.359, apud RIBEIRO & NUNES, 2014, p. 2). Deste modo, como sugere a autora é necessário a “formação” do leitor de imagens visuais, considerando os vários tipos de imagens existentes. Assim, faz-se necessário um aprofundamento nas imagens, para além de seu conteúdo mais aparente, entendendo a natureza plural e ambivalente de seus sentidos, assim como seu caráter interdisciplinar que possibilita relacionar e intercambiar os vários tipos de experiências e conhecimentos humanos. Fundamentalmente, a leitura de imagens no mundo inaugura-se quando as mesmas


passam a receber a atenção e a observação do espectador, para além de uma recepção passiva; quando passam a ser problematizadas e investigadas, quando passam a sensibilizar e serem vistas pelo olhar sensibilizado do observador. Acreditamos que o primeiro encaminhamento para a leitura de imagem trata-se de um “ativar” o olhar, numa prática que pode ser ensinada e estimulada através do próprio exercício da leitura, capaz de incorporar novas maneiras de olhar que se amplificam na dinâmica contínua desta leitura. Neste sentido, acreditamos que o olhar ativo é aquele que articula os diversos sentidos latentes na imagem numa síntese criativa, fazendo revelar a si próprio a sua compreensão da imagem. A síntese criativa torna, de certa forma, também o leitor em criador, e, com relação aos processos de criação inerentes à vivência humana, Ostrower nos mostra que: A cada síntese, a cada novo nível de compreensão que é possível alcançar, corresponde a base para o aparecimento de novas possibilidades de ser e de criar. A cada síntese se requalificam os limites que funcionam como referencial para o desenvolvimento subsequente. O próprio referencial é continuamente requalificado pelo mesmo processo que ele referencia e qualifica (OSTROWER, 2008, p.165). Como indicamos no início, consideramos também que as várias imagens as quais temos contato e fazem parte de nossa vida são formadas por um meio constituinte específico, sejam estas imagens: pintura, escultura, foto, imagens audiovisuais etc. Deste modo, tais imagens são pensadas aqui como “construções”, com meios e procedimentos próprios que fazem parte desta “construção”. Por isto, entendemos que a consciência da criação destas imagens se relaciona diretamente com o potencial para sua leitura, sendo a experiência de criação um fator que vem a contribui fundamentalmente para a leitura das mesmas. Acreditamos que o fazer artístico é de grande importância para a formação deste tipo de leitor. Na medida em que experimenta, o aluno pode ser estimulado a se conscientizar e a refletir sobre o modo como articulou os elementos constituintes da imagem – com suas cores, formas, proporções, ordenações espaciais etc – qual foi sua intenção e se a mesma correspondeu ao resultado obtido; assim como, no coletivo, poderá também avaliar como outros colegas perceberam e compreenderam a imagem criada por ele, e como ele apreendeu a imagem do outro. Estas ações ajudarão o aluno a penetrar na gênese da imagem, no seu universo próprio, com seus meios materiais e formais, na dinâmica e justa tensão entre forma e conteúdo.


Para melhor esclarecer o que queremos dizer, exemplificamos com uma atividade de desenhos desenvolvida com alunos do primeiro ciclo do ensino fundamental da Escola Estadual Municipalizada Creuza de Paula Bastos, após uma visita ao Museu Nacional de Belas Artes do RJ. A proposta em si era apenas uma ação inicial que visava o registro visual do primeiro contato com algumas obras do museu, por parte de alguns alunos da referida escola. Nossa intenção foi, através dos desenhos, perceber um pouco da relação dos alunos com as imagens artísticas, e as primeiras formulações estabelecidas pelo impacto com as obras, uma vez que acreditamos que a visualidade pode nos revelar uma leitura específica, distinta daquilo que, muitas vezes, é expresso verbalmente. Neste sentido, os desenhos são discursos visuais que imprimem sensações, sentimentos e pensamentos dos alunos, ainda que tais discursos tenham uma maneira particular de se realizar, muitas vezes, mais plurisignificativo e mais sugestivo do que direto. Na proposta, cada aluno deveria desenhar, a seu modo, a imagem que mais lhe impactou. No desenho abaixo (Fotografia 1), o aluno tomou como referência uma das pinturas de batalha do Museu, Batalha dos Guararapes, 1879, de Vítor Meireles. De certo, incapaz de registrar a complexidade de elementos da imagem, o aluno assim soluciona visualmente aquilo que para ele se tornou o elemento primordial. Desenha dois pequenos combatentes num canto da folha, e registra a turbulência de movimentos – através de grafismos lineares – que parece ser aquilo que mais lhe impactou visualmente. Ainda que este traçado corresponda a um gesto aleatório, é importante ressaltar aqui esta percepção visual do aluno, onde o conteúdo da cena está claramente imbricado ao formal: o movimento que a tudo, combatentes e natureza, abarca, integra e unifica, torna-se primordial.

Fotografia 1: Desenho criado por aluno do Fundamental 1 – E.E.M. Profª Creuza de Paula Bastos.


Fotografia dos bolsistas do PIBID Belas Artes/UFRRJ Fonte: Arquivos do PIBID Belas Artes/UFRRJ

Ainda com relação a dois outros desenhos (Fotografia 2) também inspirados nas pinturas das batalhas; a já citada Batalha dos Guararapes e também, Batalha do Avaí, 1868, de Pedro Américo, percebemos novas formulações. Conforme podemos observar abaixo, no primeiro desenho o aluno suprimiu os demais elementos, preservando apenas dois, colocados lado a lado: uma árvore que parece sintetizar a presença da natureza no quadro, e duas armas cruzadas, que parece sintetizar a própria batalha. Visualmente, a natureza e a batalha parecem receber a mesma importância com relação ao significado da imagem. Podem de alguma maneira, estabelecer pólos opostos, como guerra e paz, luta e tranqüilidade, como pares inconciliáveis ou indicando um sentido de complementaridade entre ambos. A presença de raízes na árvore também pode denotar um caráter simbólico, que, visualmente, cria também uma relação com as armas cruzadas. As raízes, em baixo, se ramificam, e se opõem visual e semanticamente, com as armas, em cima, que se fecham. Neste sentido podem indicar também oposições complementares como vida e morte, perpetuação e destruição etc.

Fotografia 2: Desenhos criados por alunos do ensino fundamental 1 – E.E.M. Profª Creuza de Paula Bastos

Fotografia dos bolsistas do PIBID Belas Artes/UFRRJ Fonte: Arquivos do PIBID Belas Artes/UFRRJ


No segundo desenho, o aluno fez pequenas figuras lutando, com algumas caídas, já mortas. Bem acima, utiliza formas de arco colorido, que podem sugerir um arco iris ou montanhas. Visualmente, as pequenas figuras em luta estão inseridas bem abaixo dos arcos que parecem englobar todo o espaço vazio que respira entre as figuras de proporções diminutas e os extensos arcos, remetendo estes também a idéia de natureza. Observamos que também neste desenho as ideias de luta humana e natureza parecem relacionadas, com a diferença que, aqui, a luta humana parece visualmente subordinada à força e extensão dos arcos coloridos, que indicam uma vitalidade, fazendo também certa oposição ao sentido de morte na parte de baixo. Podemos considerar que esta relação entre força da natureza e batalha humana está presente na dinâmica compositiva das pinturas apresentadas, e foram de algum modo assimiladas pelos alunos, dentro de suas formas de compreensões e de expressões. É claro que entendemos que tais aspectos sugestivos ressaltados aqui não foram intelectualizados ou conscientizados pelos alunos, no entanto, como dissemos anteriormente, em algum nível, a imagem visual imprimiu as compreensões, as sensações e intuições destes alunos. O que pretendemos foi evidenciar a potencialidade das imagens em abrigar sentidos diversos. Que a leitura visual é distinta da leitura verbal e institui seu universo, sua dinâmica e sua lógica própria. Que os aspectos visuais e formais se interligam aos conteúdos intelectivos da experiência humana para sínteses de compreensões e para as reconstruções dos significados. Certamente, sendo desenhos que não foram feitos necessariamente com uma intencionalidade artística, suas formulações são, em grande parte, inconscientes para o criador, sendo importante, didaticamente, fazer refletir, individual e coletivamente, sobre o que foi feito, porque foi feito desta maneira, quais as possibilidades de se fazer e os sentidos que suscitam. Com relação às atividades de desenhos e outros meios de criação, afirmamos que a visualidade nos revela uma leitura específica, sendo o fazer criativo e investigativo a melhor maneira para se conscientizar a respeito desta experiência. De acordo com Artus Perrelet, desenhar [...] não é apenas o gráfico traçado sobre o papel ou a pedra; mas é sobretudo uma elaboração mental” que resulta “da comunhão do indivíduo com o mundo e, mais especificamente, com o objeto para o qual dirige sua atenção” (PERRELET, 1930, p. 23, apud BARBOSA, 2002, p. 111). De acordo com Barbosa, esta interpenetração de sujeito e objeto deveria ser a base do ensino de arte:


Com efeito, não é talvez a crença geral que a criação de determinada estátua seja resultado da maravilhosa harmonia entre os olhos e a mão do artista? Para um indivíduo ser considerado escultor, bastará que se coloque a uma distância conveniente do modelo e que lhe reproduza imediatamente a bela aparência? Ser artista é precisamente dissipar esta distância, penetrar no modelo com imaginação. O que é em geral avaliado é a antinomia destas duas entidades – sujeito e objeto – seguida pelo esforço de distinguir cada vez mais uma da outra, sem compreender que a arte impõe a mais íntima comunhão entre elas (PERRELET, 1930, p.19, apud BARBOSA, ibid).

Ainda de acordo com Barbosa, Perrelet considera que esta não é apenas uma condição básica para a experiência estética, mas para o conhecimento de qualquer natureza, uma vez que, para a educadora, a apreensão resulta da interação das características daquilo que é observado com a experiência de vida anterior de uma pessoa. Deste modo, a experiência não se reduz ao reconhecimento de algo preexistente, nem tão pouco pressupõe uma liberdade subjetiva com relação ao observado, mas sim, “resulta de nossa inserção ativa no mundo” (ECO, Umberto, Obra Aberta, 1968, p. 72, apud BARBOSA, 2002, p.110). É deste modo que salientamos a importância da educação para o exercício da sensibilização e estimulação do olhar, possibilitando que o mesmo possa continuamente construir e reconstruir significados. Com relação às considerações sobre discurso verbal e imagem visual, podemos observar que, de certo modo, obtemos respostas diferenciadas quando solicitamos para que os alunos falem verbalmente das imagens e quando solicitamos que desenhem sobre as mesmas. Acreditamos que são modos de estruturações diferentes. Consideramos que, muitas vezes, as respostas verbais tendem a ser mais diretas e específicas; apresentam noções mais simples como qualidades relacionados aos gostos e aos repertórios do contexto social e ideológico dos alunos, expressando assim, indagações e formulações vinculadas às experiências e realidade dos mesmos. As respostas visuais tendem a ser mais indiretas assumindo a ambivalência e a pluralidade de sentidos. No entanto, acreditamos que as respostas verbais também são modos para a conscientização e descoberta de elementos e aspectos imanentes às imagens, principalmente, quando conjugadas com a perscrutação do pensamento visual. Acreditamos que a leitura da imagem artística contribui para uma apreensão mais aprofundada sobre as imagens no mundo, uma vez que predispõe o potencial de pensar as imagens para além de seu sentido mais aparente, assim como procura relacionar o sentido das imagens às vivências particulares e a visão de mundo dos alunos. Através do fazer artístico e de um procedimento investigativo baseado na leitura de imagem, procuramos desenvolver estratégias para conscientização a respeito da lógica própria


das imagens visuais, entendidas dentro de sua natureza plural, ambivalente e, construída nas relações imbricadas entre as formas e os conteúdos. Acreditamos também que a familiarização com o universo e a constituição das imagens artísticas, através do fazer, contribui, em muito, para a conscientização dos diversos níveis e significados presentes nas imagens, relacionados com a própria vivência e as experiências de vida dos alunos. Com estas ações esperamos vir a contribuir para uma ampliação no modo de olhar, apreender e reconstruir sentidos e significados presentes nas imagens visuais, por parte de alunos das escolas conveniadas, ativando e amplificando também sua própria leitura do mundo e seu potencial de expressão. REFERÊNCIA ARNHEIM, R. Arte e Percepção Visual. São Paulo: Pioneira, 2003. ARTUS PERRELET, Louise. O Desenho a serviço da Educação. Rio de Janeiro: Villas Boas e Cia., 1930. BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 1991. BARBOSA, A. M. John Dewey e o Ensino da Arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002. FRANGE, L. B. P. Arte e seu ensino, uma questão ou várias questões. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças no ensino de arte. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2008. OSTROWER, Fayga, Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis: Vozes, 2008. ________________. Universos da Arte. Rio de Janeiro: Campus, 1991. RIBEIRO & NUNES. Leitura de imagem: uma compreensão crítica da arte visual. Ponta Grossa: II Congresso Internacional da Federação de Arte/Educadores, 2014.



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