Celebridade intelectual

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Celebridade Intelectual Pensamento Crítico

André Rangel Rios

I SBN 8 5 8 8 3 1 9 8 3 - 7

Capa: Cecília Leal/ Conexão Gravatá 9 788588 319837

&Pensamento Crítico

Jacques Derrida, Circonfissão § 31

Celebridade Intelectual

“...vasculhando no armário de seu quarto, sob os seus olhos que não mais me vêem, cada vez que me encontro junto a ela [à Georgette, mãe de Derrida] em Nice para constatar que não guardou quase nada, alguns, quando muito, dos cartões postais e cartas que lhe escrevi durante cerca de trinta anos...”

André Rangel Rios

André Rangel Rios, médico e Doutor em filosofia pela Universidade de Berlim, é professor de filosofia no Instituto de Medicina Social da UERJ. Publicou artigos em várias revistas acadêmicas e a coletânea Mediocridade e Ironia, Rio de Janeiro, Caetés, 2001. Escreveu dois romances: A Ilha dos Prazeres, Rio de Janeiro, UAPÊ, 1996, e Nada ou Isto não é um Livro, Rio de Janeiro, Garamond, 2001. Publicou, também pela Booklink, em 2005, a coletânea Ensaios sobre Suarez e Descartes.

André Rangel Rios

Celebridade Intelectual Pensamento Crítico

&

O livro reúne seis ensaios que não só discutem temas relativos a textos e problemas do que se considera usualmente como literatura e filosofia, mas que sobretudo põem em questão as práticas que determinam a constituição dessas disciplinas, bem como o enquadramento desses mesmos textos nessas disciplinas. Em seu cultivo de temas “menores” (tais como celebridade, mediocridade, narrativa impessoal, financiamento de pesquisa, autobiografia e prazer do autor), este livro prossegue vários questionamentos já apresentados em Mediocridade e Ironia (Caetés, 2001). No entanto, há aqui uma ênfase claramente maior na discussão de temas referentes ao corpo doente e à medicalização.


e V o c êe s t ár e c e b e n d ou mao b r a e mv e r s ã od i g i t a l d aB O O K L I N K s o me n t ep a r al e i t u r ae / o uc o n s u l t a . N e n h u map a r t ep o d e s e r u t i l i z a d ao ur e p r o d u z i d a , e mq u a l q u e r me i oo uf o r ma , s e j ad i g i t a l , f o t o c ó p i a , g r a v a ç ã oe t c . , n e ma p r o p r i a d ao ue s t o c a d a e mb a n c od ed a d o s , s e maa u t o r i z a ç ã od o ( s ) a u t o r ( e s ) . V e j ao u t r o st í t u l o sd i s p o n í v e i sd oa u t o r , d eo u t r o sa u t o r e s , e d i t o r e sei n s t i t u i ç õ e s q u ei n t e g r a mon o s s os i t e . C o l a b o r eep a r t i c i p e d aR E D ED EI NF O R MA Ç Õ E SB O O K L I NK( B O O K NE WS ) ed en o s s aR E D ED ER E V E ND AB O O K L I NK . C a d a s t r e s en os i t e .


Celebridade Intelectual & Pensamento CrĂ­tico


Outras obras do autor

A Ilha dos Prazeres (romance). Uapê, 1997 Nada ou Isto não é um Livro (romance). Garamond, 2001 Mediocridade e Ironia (ensaios). Caetés, 2002 Ensaios sobre Suárez e Descartes (ensaios). Booklink, 2005

homepage / e-mail do autor: www.booklink.com.br/andrerangelrios arios2@uninet.com.br


AndrĂŠ Rangel Rios

Celebridade Intelectual & Pensamento CrĂ­tico


Copyright © 2005 André Rangel Rios Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida, em qualquer meio ou forma, seja digital, fotocópia, gravação, etc., nem apropriada ou estocada em banco de dados, sem a autorização do autor.

Capa Cecília Leal Editoração Rafael Viegas Revisão Rafael Viegas e Paula Glenadel

Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livros, SP, Brasil) ____________________________________________________________________

Rios, André Rangel, 1958Celebridade Intelectual e Pensamento Crítico / André Rangel Rios – Rio de Janeiro : Booklink, 2005. 128 pp. ISBN 85-88319-83-7 1.Teoria Literária. 2. Crítica e interpretação. 3. Literatura. I. André Rangel Rios. ____________________________________________________________________

Direitos exclusivos desta edição. Booklink Publicações Ltda. Caixa postal 33014 22440 970 Rio RJ Fone 21 2265 0748 www.booklink.com.br booklink@booklink.com.br


Índice

Prefácio ............................................................................................

009

Soberania e Cooptação A Liberdade de Teimar em Machado de Assis ................................. 00111 A Construção de Derrida como Celebrity ........................................

041

Celebridade e Medicalização da Crueldade na Autobiografia de Jacques Derrida ...............................................

059

Inventado e Planejado ......................................................................

079

O Prazer do Autor ...........................................................................

109

Nada é sem razão Impessoalidade e Eurocentrismo na História do Ser .......................

119



Marcelo Cattanio ascetae diligentissimo otii cum dignitate ac sine celebritate



Prefácio

Os textos reunidos neste livro resultam do diálogo com pessoas de diversas áreas. Quase todos foram lidos em eventos acadêmicos ou discutidos em meus cursos no Departamento de Ciências Humanas e Saúde do Instituto de Medicina Social da UERJ. Quatro deles já foram publicados, ainda que nem sempre na versão final aqui incluída. Agradeço à amizade, ao diálogo e à colaboração prática de Rafael Viegas, Marilena Villela Corrêa, Paula Glenadel, Luiz Fernando Medeiros de Carvalho, Gulnar Azevedo e Silva, Maria Andréa Loyola, Eduardo Guerreiro e Paulo César Duque Estrada. Cada um a seu modo tornou esse livro possível.

Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 2005



Soberania e Cooptação A Liberdade de Teimar em Machado de Assis

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Ah! Brejeiro! Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas

I

B

CUBAS tem sido universalmente considerado como um filhinho de papai, desrespeitoso, desambicioso e sem firmeza de caráter até para empreender as maldades que ele, porém, não deixa de perpetrar. Seria, enfim, um parasita da sociedade, um inútil, tanto perdulário quanto avaro, conivente com o patriarcalismo escravocrata, convictamente fútil e frívolo. As rabugens de pessimismo pouco disfarçariam sua total falta de solidariedade social. De certo modo, seu máximo de preocupação e generosidade com o próximo seria para com o filho que ele não teve, a saber, por não lhe ter – visto que ele nunca existiu – legado a miséria da nossa (sic) existência. O que me surpreende nesse consenso é que ninguém tenha notado, ou destacado, que Brás RÁS

Uma primeira versão deste texto foi apresentada no Colóquio «Estetização da Miséria», realizado na UFF, em 2001.


SOBERANIA E COOPTAÇÃO _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Cubas tinha uma profissão, que a praticava e que chegou a ter nela relativo sucesso. Brás Cubas era escritor. Lobo Neves, por exemplo, o cumprimenta e o elogia por seus escritos políticos, sendo que, se não comenta os literários, é por “não entender deles” (cap. 50). Porém, nós, que conhecemos suas Memórias, podemos constatar ainda que se trata de um escritor com excelente estilo, extremamente erudito e perspicassíssimo, que nunca se cansa de questionar a própria escrita, sempre atento ao formato dos capítulos e às reações dos leitores. Um dos índices de seu sucesso como escritor é ter conseguido fundar um jornal de oposição que durou, o que a rigor é um tempo bem longo, pouco mais de seis meses. Parece-me lamentavelmente ingênuo não se valorizar as habilidades literárias de Brás Cubas por atribuí-las apenas a Machado de Assis. Também não é aceitável que se negligencie a repetida preocupação com a escrita do livro por ser ela alegadamente uma imitação de Sterne1. É tempo da crítica cessar com essa injustiça secular e reconhecer o talento e brilhantismo de Brás Cubas2. 1

Há perícia mesmo em uma imitação, sobretudo quando a imitação é consciente; além do que, se Brás morreu em 1869 (ver cap. 27) e Sterne em 1868, seu recurso a esse mestre inglês não deixa de ser uma contribuição para o cenário literário da sua época. 2 Mas, se Brás Cubas é competente, isso não vai sem uma bem dosada porção de incompetência. Refiro-me sobretudo ao seu servilismo em imitar Sterne (por vezes beirando o plágio como no uso de sinais gráficos, o que é freqüente em Sterne, no capítulo LV), ao mesmo tempo em que ostenta orgulhosamente esse servilismo como quem tem certeza de que o público aceitará bem tal procedimento. Trata-se claramente de uma paródia a como os escritores de língua portuguesa submetem-se – sem qualquer criatividade, questionamento ou elaboração – aos modelos literários europeus. Contudo, a crítica aceita tão naturalmente esse procedimento servil que nunca cessou de louvá-lo em Machado de Assis. A crítica tem, com isso, se exposto ao ridículo. Veja-se, por exemplo, Roberto Schwartz; ele sabe que há em Brás Cubas, digamos, influência de Baudelaire, mas acaba por preferir destacar o que o próprio Brás Cubas diz, apresentando Sterne como sendo a influência predominante, sem nunca se dar conta de que o que está em questão é uma paródia da servilidade artística e intelectual aos europeus (quer franceses, quer ingleses – dos quais a influência, segundo alguns críticos, seria a novidade em Machado –, 12


CELEBRIDADE INTELECTUAL & PENSAMENTO CRÍTICO _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Inegável é, porém, que ele, embora bem-sucedido, não se imortalizou, ao menos como literato. Prova disso é que tão poucos – “Onze amigos!” (cap. 1) – tenham ido a seu enterro. Fato que Brás nos narra, como Schwartz repara, com certo amargor. Mas até que esses onze nem são tão poucos, pois ele alega não esperar que suas Memórias tenham mais que cinco leitores. Que ele será pouco lido é, aliás, o primeiro assunto que ele despacha, talvez seja o assunto que mais lhe incomode, não lhe restando, assim, senão esconder mais esse insucesso, quer ostentando-o galhofeiramente, quer buscando soterrá-lo com mais uma zombaria, a saber, ao ridicularizar suas pretensões de chegar finalmente ao sucesso justo com o emplasto Brás Cubas (uma cabotinice, algo bem abaixo dos consideráveis méritos literários dele). Contudo, ele se empenha – mesmo decepcionado, pois seu sucesso pregresso é afinal diminuto frente a sua gargantuesca vaidade – em escrever ainda mais um livro, suas Memórias, que provavelmente também não faria grande sucesso, legando-o à posteridade que se recusa a imortalizá-lo1. É portanto, além das qualidades já mencionadas, um escritor insistente. Derrotado mas insistente. Retornando, já calejado na quer alemães – através dos quais Tobias Barreto esperava renovar a cultura brasileira). Desse modo, o que deveria ser discutido pela crítica é como Machado de Assis assimila Baudelaire, se ele o faz sem o servilismo de Brás Cubas para com Sterne, ou seja, como Machado de Assis também põe a ironia para funcionar como princípio estrutural de sua escrita, assimilando a ironia, ao ironizar o próprio processo de assimilação da ironia, como que problematizando a ironia por meio de complexas contorções topológicas. Enfim, até que ponto devemos levar a sério os críticos que levam a sério uma genealogia literária dada por Brás Cubas, que, logo abaixo, no capítulo 3, vai debochadamente dizer que a genealogia de seu próprio nome é uma fabricação cínica? No capítulo 27, Brás deixa de novo bem claro que genealogias são para ele basicamente manipulações ou mentiras visando um tipo de autolegitimação: “Mas é isso mesmo que nos faz senhores da Terra, é esse poder de restaurar o passado, para tocar a instabilidade das nossas impressões e a vaidade dos nossos afetos”. 1 As Memórias podem ser entendidas como uma explicação de Brás Cubas para o seu insucesso; insucesso que, afinal, se deveria a essa sociedade ser – no seu ponto de vista – medíocre e corrupta, não estando à altura de reconhecê-lo como um grande escritor. 13


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