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Entrevista com Mauricio de Sousa
O cartunista brasileiro comemora 63 anos de carreira com a Turma da Mônica
Por Alethéa Mantovani, São Paulo (May/June 2022)
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O cartunista mais famoso do Brasil está comemorando 63 anos de uma trajetória pautada por muito sucesso, dedicação e momentos inesquecíveis.. Estamos falando de Mauricio de Sousa, 86 anos, o ícone das histórias em quadrinhos infantis e criador da divertida Turma da Mônica.
Os seus personagens se tornaram conhecidos não só no Brasil, mas em diversas parte do mundo, aproximadamente 30 países, e são muito queridos por uma geração que cresceu familiarizada com a Mônica, baixinha e dentuça, o Cebolinha, que troca o "R" pelo "L", a Magali, comilona que só, o Cascão, que vive fugindo de um bom banho e tantos outros.
O gosto de Mauricio pelo desenho veio durante a sua infância, quando ele já fazia os primeiros esboços nos cadernos escolares. Alguns anos mais tarde, ele começou a fazer pôsteres e a elaborar cartazes para comerciantes da cidade em que morava na ocasião, Mogi das Cruzes, em São Paulo.
Aos 19 anos, o cartunista começou a trabalhar como redator de reportagens policiais no jornal Folha da Manhã, atual Folha de São Paulo, onde ficou durante cinco anos. Em meados de 1959, Mauricio criou o seu primeiro personagem da famosa turminha, o cachorrinho Bidu, e lançou uma série de tirinhas em quadrinhos que eram publicadas semanalmente no jornal.
E vieram outras tiras e novos personagens, como Cebolinha, Piteco, Chico Bento, Penadinho, Horácio, Raposão, Astronauta, etc.
Mas, e a famosa Mônica, quando surgiu de fato? Para a alegria das crianças, em 1970, quando foi lançada a revista da Mônica pela Editora Abril e cuja tiragem foi de 200 mil exemplares.
E o sucesso do brasileiro só aumentou, a cada ano, e veio também a revista Turma da Mônica Jovem, na qual os personagens estavam crescidos, com 15 anos de idade. Mais tarde veio também a Mônica Toy, uma aposta de Mauricio no estilo toyart, ou seja, nos traços 2D, nas animações sem diálogo, com um toque divertido e que podem ser encontradas no canal oficial da Turma da Mônica no YouTube.
Também merece destaque um outro projeto idealizado pela estrela dos quadrinhos e que é um sucesso de crítica e de vendas, as Graphics MSP, ou seja, histórias dos personagens feitas por artistas brasileiros consagrados e com estilos diferentes do padrão dos quadrinhos.
Atualmente, além de cartunista consagrado e cujo índice de vendas das suas revistas corresponderem a 86% do mercado brasileiro, Mauricio é também um grande empresário e possui mais de 150 contratos de licenciamento dos seus produtos com grandes empresas, que geram, aproximadamente, 4 mil itens com os personagens criados por ele. Incluindo brinquedos, jogos, roupas, calçados, material escolar e de higiene, itens de alimentação e por aí vai... Ou seja, sucesso absoluto.
E podemos dizer que a empreitada não parou por aí, pois também vieram os desenhos animados da Turma da Mônica lançados no Brasil e no exterior, os longas-metragens produzidos pela Mauricio de Sousa Produções, o Parque da Mônica (inaugurado em São Paulo e outras cidades), o Parque Mauricio em Portugal, o Instituto Mauricio de Sousa e os espetáculos musicais com temas voltados à cultura e à cidadania, sempre estimulando a educação e a socialização do púbico infantil.
Dos projetos mais atuais e que merecem destaque temos alguns internacionais e que já saíram do papel. Um deles é a série que a HBO está produzindo com o personagem Astronauta, baseado na Graphic MSP e com o autor Danilo Beyruth. O outro é um filme que contará a história da vida de Mauricio de Sousa. E ainda, a Turma da Mônica ganhou recentemente mais uma personagem, a Sueli, uma garotinha de 9 anos surda e apaixonada por esportes. A novidade era um sonho antigo do Mauricio e somente agora pôde virar realidade.
Recentemente, o cartunista também lançou um livro para adultos e crianças com tema ecológico, é o "Sou um Rio". A obra traz a história de um rio, desde a sua nascente até o enfrentamento da poluição e o seu futuro. “Eu creio que o assunto dele é algo que interessa ao mundo todo. Seria ótimo se ele pudesse ser publicado no Canadá, ou seja, um país que valoriza e muito a ecologia” - diz Mauricio.
Leia a seguir, depois das ilustrações, a entrevista exclusiva que Mauricio de Sousa concedeu à Wave.
Entrevista com Mauricio de Sousa
BRAZILIAN WAVE – Quais são as suas emoções ao completar 63 anos de carreira durante esse ano? Qual é o filme que passa pela sua cabeça de toda essa vivência com a Turma da Mônica?
MAURICIO DE SOUSA – Passar um filme é a imagem certa para isso. Durante esse ano começa a ser gravado um filme dramatizado sobre a minha vida e que mostrará que, quando temos vontade e foco, chegamos ao objetivo. Hoje, na verdade, a minha medalha no peito é saber que, nestes anos todos, nós conseguimos alfabetizar milhões de crianças, algumas hoje já são avós que passaram pelas nossas revistas e livros.
BRAZILIAN WAVE – As suas histórias em quadrinhos levaram entretenimento, educação e diversão, principalmente para a geração de uma época em que não havia Internet. Como foi essa experiência e qual a importância que você teve como formador de opinião para estes leitores?
MAURICIO DE SOUSA – O nosso primeiro objetivo sempre foi a diversão para o lazer das crianças, ou seja, histórias com humor e muita criatividade para o estímulo à leitura. Mas, sabemos que ao mesmo tempo também somos responsáveis por milhões de crianças que quiseram se alfabetizar para ler as revistas da Turma da Mônica. Mesmo com a vinda da Internet e das redes sociais, os nossos personagens continuam a realizar este trabalho, que é uma medalha em meu peito. Também procuramos passar nas historinhas os sentimentos de empatia, solidariedade, amizade e saúde, itens que todo ser humano precisa ter para sentir-se feliz.
BRAZILIAN WAVE – Você faz sucesso não só no Brasil, mas também em outros países. Conte-nos um momento marcante que os quadrinhos trouxeram para você ao redor do mundo, preferencialmente no Canadá e Estados Unidos.
MAURICIO DE SOUSA – Eu nunca estive no Canadá, mas sei que é um dos melhores países no mundo para viver. Nos Estados Unidos eu tive lindos encontros com desenhistas americanos, especialmente com o meu ídolo, o grande Will Eisner. Depois, ele visitou o Brasil também algumas vezes, inclusive o meu estúdio, e nos sentimos unidos pelo desenho. Foi também nos Estados Unidos que eu assinei o meu primeiro contrato internacional com um Syndicate, ou seja, um distribuidor de tiras pelo mundo. Durante muitos anos, eu tive um escritório de representação da nossa empresa em Nova York. Hoje, eu tenho um escritório no Japão que trabalha com a Sanrio para a distribuição mundial. A Sanrio é a criadora da Hello Kitty e o Horácio está participando das historinhas dessa personagem no jornal da empresa. Mas, o nosso maior sucesso e que atinge todos os países do mundo é a animação Mônica Toy. São mais de 10 bilhões de visualizações pelo mundo.
BRAZILIAN WAVE – Como surgiu a ideia de criar o Instituto Maurício de Sousa? Qual a finalidade dele e os principais projetos sociais que promove?
MAURICIO DE SOUSA – Os nossos quadrinhos institucionais sempre tiveram uma ótima recepção nas campanhas sobre saúde, cidadania e direitos das crianças. Era preciso um olhar de uma entidade que trabalhasse à parte com outras para essas campanhas. Assim, o direcionamento educativo é a base para a sustentação do nosso Instituto Mauricio de Sousa. Por exemplo, durante a pandemia, era preciso passar a informação correta para as crianças e fizemos uma campanha junto à Unicef e os órgãos públicos para o Brasil e outros países, como o próprio Japão e países de língua inglesa. O nosso personagem Cascão, que tem medo de água, resolveu mostrar que é importante lavar as mãos e cuidar da higiene para evitar o vírus. A repercussão foi enorme. Além disso, nós produzimos animações, um clipe e campanhas em impressos.
BRAZILIAN WAVE – Você sempre teve uma preocupação em colocar personagens com algum tipo de deficiência nas suas histórias. Conte-nos um pouco sobre essa iniciativa e como foi o feedback do público?
MAURICIO DE SOUSA – Realmente. Quando criança, eu convivia com amiguinhos que tinham alguma deficiência. Porém, para nós, crianças, todo mundo era igual. Então, era importante passar este ensinamento e eu comecei a criar personagens como o Luca, cadeirante; a Dorinha, cega; o André, autista; o Humberto, surdo-mudo e, recentemente, a Sueli, com deficiência auditiva e outros. Nós estamos conseguindo mostrar que todos podem conviver muito bem com todas as diferenças de cada um e o sucesso é absoluto. As crianças deficientes sentem-se representadas e as outras começam a entender como tratá-las, ou seja, com empatia.
BRAZILIAN WAVE – O último lançamento da Mauricio de Sousa Produções, o filme "Turma da Mônica: Lições", mostra os seus principais personagens enfrentando situações difíceis. Fale-nos um pouco sobre a mensagem que você quis passar ao público com esse enredo?
MAURICIO DE SOUSA – Tanto o primeiro filme live-action, "Laços", como a sua sequência, "Lições", falam basicamente da amizade. As crianças brigam entre si, mas depois tudo fica bem porque elas são unidas. A criança adora estar junto de outras e isso mostra o quanto é importante convivermos em harmonia, apesar dos problemas que todos enfrentamos. Em "Lições", a Mônica, uma das personagens da turminha, tem que mudar de escola e isso mexe tanto com ela quanto com todos os seus amiguinhos. O final do filme eu não posso contar, mas pode levar um lenço que vai ser bem emocionante. Os dois filmes fizeram tanto sucesso que agora viraram seriado na Globoplay, com a parceria da Disney.
BRAZILIAN WAVE – A Turma da Mônica está atualizada de acordo com as novas tendências digitais e vem fazendo sucesso também neste ambiente, pois tem muito engajamento, seja no Instagram ou YouTube. Como aconteceu essa adaptação dos quadrinhos para o mundo digital?
MAURICIO DE SOUSA – Os quadrinhos são a base toda a filosofia dos personagens criados nesses anos todos. O mundo evoluiu e as plataformas de comunicão foram ampliadas. Temos que estar em todas elas e naquelas que irão surgir logo mais. Mas, tem algo que é mais importante do que a própria tecnologia, o bom conteúdo. Nós sabemos que as crianças gostam de boas histórias e para elas não importa a plataforma, porque vão atrás deste conteúdo. Por isso, ainda temos uma enorme venda de revistas impressas.
BRAZILIAN WAVE – Quais são os conselhos que você dá para os jovens que gostam de desenhar e têm vontade de seguir a sua profissão? Por onde eles devem começar?
MAURICIO DE SOUSA – Ter muita curiosidade por algo que se gosta leva ao aprendizado rápido. Portanto, quem gosta de desenhar tem que pesquisar tudo sobre desenho, ou seja, as técnicas de trabalhos em papel e digital, além de como construir uma boa história. Ler muito e entender para quem quer escrever e desenhar também. A estrada é difícil porque tem muita concorrência. Mas, fazer dos sonhos uma realidade é correr atrás e não se deixar vencer pelos obstáculos do caminho.
BRAZILIAN WAVE – Fale-nos um pouco sobre essa parceria da Turma da Mônica com o personagem Garfield que acontecerá este ano? O que os fãs de ambos podem esperar?
MAURICIO DE SOUSA – Nós já fizemos crossover com os personagens da Marvel, com os personagens de mangá do grande Tezuka Osamu, do Japão, com a Hello Kitty, com o Chapolin e agora temos essa nova experiência com o amigo Jim Davis e seu Garfield. Eu posso dizer que está muito engraçado esse encontro do gato que gosta de lasanha e o gato da Magali, que é a nossa personagem que adora comida. Será uma edição especial e eu acredito que, conforme a sua receptividade, não vai parar por aí.
BRAZILIAN WAVE – Quais são os seus próximos projetos?
MAURICIO DE SOUSA – Nós temos muitos projetos internacionais que estão começando a formatar. A HBO está produzindo uma série com o personagem Astronauta, baseado na Graphic MSP e com o autor Danilo Beyruth, e um filme contando a minha história de vida, que deve ser a base para que mais pessoas conheçam como nós construímos esse caminho, inclusive fora do Brasil. Eu também acabo de lançar um livro para adultos e crianças com teor ecológico e que conta a história de um rio, desde a sua nascente, até o enfrentamento da poluição e o seu futuro. Chama-se "Sou um Rio", e foi lançado pela Editora Nova Fronteira. Eu creio que o assunto dele é algo que interessa ao mundo todo. Seria ótimo se ele pudesse ser publicado no Canadá, ou seja, um país que valoriza e muito a ecologia. A cada dia nós temos novos sonhos e a nossa fábrica de realizá-los tem dado certo nestes 63 anos de vida.