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PROTAGONISMO DOS MUNICÍPIOS NA CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA CIDADÃ.

Juarez Pinheiro Secretário Adjunto da SSP/RS

A Constituição Federal de 1988, conhecida também como

“Constituição

Cidadã”,

foi

um

marco

no

constitucionalismo brasileiro e até mundial. Com o fim da ditadura militar e a conseqüente redemocratização do país o texto constitucional teve um avanço significativo na ampliação dos direitos fundamentais e sociais. Entretanto, fruto da recente ruptura com o período anterior as inovações na área da segurança pública foram praticamente inexistentes. Com um texto lacunoso e conservador, não houve aprofundamento adequado na matéria. O arranjo institucional determinado pela Carta Magna estabeleceu no artigo 144 as competências para a gestão da segurança pública. Segundo o dispositivo, “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal; polícia rodoviária federal;

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polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares” Por anos a interpretação do referido dispositivo, já deficiente e desatualizado, ainda foi interpretado de forma restritiva, colocando a exclusividade da gestão da política de segurança no rol de atribuições dos governos estaduais, com a União ditando diretrizes gerais para uma agenda nacional. Além disso, o texto constitucional praticamente restringe a atuação dos municípios somente à constituição das Guardas Municipais, destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme §8 do mesmo artigo. A partir dos anos 90, a realidade social do fenômeno da violência obrigou uma reinterpretação das atribuições e responsabilidades

na

área

de

segurança

pública.

Considerando a complexidade de uma federação trina, composta pela União, Estados-Membros e Municípios, ganhou força

entre

os

gestores

públicos,

instituições

policiais,

acadêmicos e organizações sociais a idéia de que a problemática deveria ter novos contornos, principalmente, no que diz respeito à inclusão dos Municípios no contexto do enfrentamento à violência. O aumento da criminalidade tinha deixado de ser um fenômeno exclusivo das capitais e regiões metropolitanas e se estendido para o interior do país, atingindo cidades que até então nunca tinham contemplado o problema como objeto de suas políticas públicas.

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Assim,

a

idéia

centralizadora

da

formulação

e

execução de políticas de segurança, que propunha uma pauta única, sem considerar a diversidade territorial, cultural e social de cada localidade, cedeu ao entendimento de que o Município,

como

unidade

federativa

mais

próxima

da

comunidade, pode e deve atuar na gestão local das questões de segurança pública. Naquela etapa da vida nacional uma das experiências de maior sucesso, no âmbito da política municipal de segurança pública, foi a do município de Diadema, localizado na Região Metropolitana de São Paulo. Em 1999, a cidade possuía a taxa mais alta de homicídio do Estado. Na época, a prefeitura assumiu a responsabilidade e colocou a segurança pública na pauta da agenda política. De início, incluiu-se no planejamento

do

trabalho

policial,

através

de

reuniões

periódicas com as polícias civis e militares. Além disso, começou a implementar uma série de ações voltadas ao controle e prevenção da violência. Uma das mais emblemáticas foi a criação da lei que obrigou o fechamento de bares às 23h, evitando o comércio de bebidas alcoólicas durante a noite, período no qual se concentravam os homicídios. Criou, ainda, projetos de prevenção da violência entre adolescentes e jovens, e outros direcionados aos crimes contra as mulheres. Por meio da Secretaria Municipal de Defesa Social e seus órgãos elaborou um Plano Municipal de Segurança Pública, composto por 17 compromissos e ações das mais diversas

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áreas relacionadas à segurança pública – guarda municipal, infra-estrutura

urbana,

promoção

da

cultura

de

paz,

desarmamento, articulação com as polícias, análise dos indicadores criminais, produção de informações, entre outros. Nos anos que se seguiram, houve uma queda acentuada nos números de homicídios e uma melhoria geral da segurança pública da cidade, demonstrando, de forma inequívoca, o papel indutor que assume o município na política de segurança local. Já a partir dos anos 2000, com o início da discussão do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), o debate que até então estava restrito a alguns municípios, começou a tomar ares institucionais. Em primeiro lugar aprofundou-se a questão sobre a indispensável necessidade de integração entre os entes federados, que gerou a emergência dos Gabinetes de Gestão Integrada dos Estados (GGI-E). Tal ferramenta buscou congregar os diversos entes estatais responsáveis direta ou indiretamente pelas questões de segurança pública, com o objetivo de possibilitar o planejamento estratégico e sistêmico dos programas, projetos e ações na área. Paralelamente e conectado com esse processo, desenvolveu-se

uma

nova

concepção

nas

atribuições,

responsabilidades e estratégias no enfrentamento à violência. Ficou evidenciado, àquela altura, que o enfrentamento à criminalidade não era somente caso de polícia, mas também

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de polícia.

A gestão na área sempre pendeu para um viés

repressivo, com foco direcionado somente para a reação, no agir depois que o conflito já está instaurado. Entretanto, percebeu-se, que essa política restritiva não surtia o efeito desejado na diminuição dos índices e na sensação de segurança da população. As ações policiais, por mais efetivas e necessárias que fossem, atingiam um limite de atuação e efetividade.

Os

fatores

criminais

estavam,

portanto,

relacionados intrinsecamente com as mais diversas questões sociais, da educação e saúde ao planejamento urbano da cidade. A partir daí, um novo conceito de enfrentamento à violência foi sendo gerado, com uma atuação mais direcionada à

prevenção

e

às

causas

da

violência.

Aliados

ao

enfrentamento tradicional e indispensável das polícias, projetos sociais e de inclusão começaram a ser implementados, objetivando, no médio e longo prazo, inverter essa dinâmica criminal. Dentro desse novo contexto emergiu o novo paradigma na segurança pública. Em 2007, com a constituição do PRONASCI

(Programa

Nacional

de

Segurança

com

Cidadania), se aperfeiçoaram diretrizes que incorporaram a perspectiva

da

prevenção

como

forma

essencial

e

complementar no enfrentamento da criminalidade e violência. Por conseqüência, tal perspectiva se traduziu na inclusão do papel ativo do ente federado município nas políticas de

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segurança. O projeto visou, sobretudo, priorizar a dimensão local, no tocante à formulação de pautas e ações conjuntas que atendessem as realidades dos municípios, assim como promover a cultura de paz, a fim de implantar ações integradas e de prevenção. Para isso foi necessário renovar o conceito de relacionamento entre polícia e comunidade, mudar a cultura do aparato policial, e dotar as prefeituras de meios para produzir políticas de segurança conjugadas a políticas sociais e preventivas. O PRONASCI, afora trazer propostas eficientes e inovadoras para enfrentar a questão trouxe a “lume” a necessidade de um grande debate nacional sobre a temática. Mais do que isso. Propôs a mudança de paradigma para o enfrentamento da violência e da criminalidade. A Lei que instituiu o PRONASCI, aprovado de forma unânime no Congresso Nacional, caracterizando-a como uma “política de estado”, estabeleceu 2 (dois) focos fundamentais: a) foco territorial: atuando prioritariamente em regiões urbanas com altos índices de criminalidade e b) foco etário: que tem como centro de sua atuação o jovem que se encontra em situação infracional ou no caminho de situação infracional, destacadamente os seguintes segmentos sociais da juventude: adolescentes em conflito com a lei, jovens oriundos do serviço militar obrigatório, jovens presos, jovens egressos do sistema

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penitenciário e jovens em situação de descontrole familiar grave. O novo paradigma de segurança pública consiste no fortalecimento

institucional

do

Estado

para

atuar

preventivamente. É uma nova concepção de atuação policial, com o objetivo de fortalecer os laços comunitários e criar condições para o acesso a políticas públicas e sociais. A

implementação

deste

novo

paradigma

de

segurança pública é uma necessidade, para garantir nossa segurança jurídica e política. Apenas assim será possível promover um programa de inclusão e recoesão social no país. De ressaltar-se, que o novo paradigma tem, entre outros, 02 (dois) marcos fundantes. Em primeiro lugar, articula ações de segurança e ações de natureza sociais e preventivas, atuando

nas

criminalidade,

raízes por

socioculturais

meio

do

da

violência

fortalecimento

dos

e

da

laços

comunitários e das parcerias com as famílias, sem abdicar das estratégias de ordenamento social e repressão qualificada, incluindo ações de capacitação dos operadores de segurança pública e modernização das instituições policiais. Em segundo lugar,

fomenta

uma

agenda

federativa

compartilhada,

empoderando os municípios como protagonistas da temática. Afinal é no município que as pessoas vivem, trabalham, constituem suas famílias, etc.

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De outra banda, o novo paradigma da segurança pública trás uma nova ferramenta de gestão. Essa ferramenta é o Gabinete de Gestão Integrada Municipal – GGIM. O GGIM, enquanto principal ferramenta de gestão garante sua viabilidade operacional, reunindo o conjunto de instituições que incide sobre a política de segurança no município, promovendo ações conjuntas e sistêmicas de prevenção e enfrentamento da violência e da criminalidade e aumentando a percepção de segurança por parte da população e a valorização dos servidores públicos que atuam na área de segurança em todas as esferas. A gestão integrada e a atuação em rede dos GGIM permitem,

de

forma

sistêmica,

maior

eficiência

no

enfrentamento da violência e da criminalidade, uma vez que evitam o isolamento e a fragmentação dos vários segmentos que compõem a área da segurança pública. O Colegiado Pleno, contando com o Prefeito como Presidente,

a

participação

das

autoridades

municipais

responsáveis pela segurança pública e defesa social, as autoridades municipais responsáveis pelas ações sociais e preventivas, bem como autoridades estaduais da área de segurança que atuem no município: Polícia Civil, Polícia Militar e Defesa Civil é a instância superior. Têm funções de coordenação e deliberação, sendo responsável por decidir quais ações e medidas serão adotadas para combater a criminalidade e prevenir a violência.

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O GGIM rompe com a exclusividade da perspectiva imediatista das ações policiais em resposta à crise e projeta soluções com foco estratégico, de médio e longo prazo, estabelecendo

o

planejamento

efetivo

da

segurança,

configurado nos planos e programas locais.

RS na Paz O Programa Estadual de Segurança Pública com Cidadania – RS na PAZ recebe e compreende esta nova estratégia de enfrentamento da violência e da criminalidade. Estruturado

em

três

eixos

estratégicos

(Prevenção,

Transversalidade e Gestão) inaugurou uma nova fase no processo de consolidação de políticas de segurança baseadas no princípio segundo o qual segurança pública não é sinônimo de polícia. Essas políticas residem na percepção de que o diálogo entre ações sociais e policiais é fundamental para a redução dos índices de violência e da vulnerabilidade das pessoas. O RS na PAZ é composto por 18 projetos e ações. Essa intervenção estruturada nos processos de gestão e ações voltadas para a segurança pública procurou evidenciar a multisetorialidade da violência e criminalidade, e provocar entre os diversos órgãos que incidem sobre a segurança pública – agentes policiais e agentes sociais – a necessidade de agregar suas várias contribuições para a tomada de decisão, tanto no que se refere à constituição de diagnósticos, quanto à identificação de demandas.

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Dessa forma, o município passou a assumir um papel protagonista na tarefa de criar um ambiente de integração entre as diferentes forças de segurança e a sociedade civil organizada, passando pelas polícias Federal, Estadual e a Guarda Municipal, além

dos órgãos administrativos do

Município, Estado ou União. Todavia, o leque aberto para a atuação do município se mostra muito mais amplo. Além desse viés intermediador, surgem diversas ações que o fazem indutor das políticas de segurança pública, principalmente na área social, preventiva e comunitária.

Exemplo de ações cabíveis ao ente federado município no enfrentamento e prevenção à violência: a) a instituição de um GGI-M, como nova ferramenta de gestão, descentralizadora da macropolítica de segurança, que opera por consenso e sem hierarquia.

Com

representação

estadual

e

municipal, objetivando uma gestão integrada e colegiada entre os diversos atores incorporados ao processo de segurança pública municipal; b) a

criação

de

Coordenadoria

Municipal

de

Segurança Pública ou de Secretaria Municipal de Segurança Pública, que viabilizem o planejamento, implementação, monitoramento e avaliação de ações, projetos e programas;

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c) a constituição de canais de comunicação entre a população e

as

agências

responsáveis

pelo

provimento da segurança pública no nível local em Municípios

pequenos

que

não

dispõem

de

orçamento suficiente para manter a estrutura administrativa

de

uma

Secretaria

ou

Coordenadoria; d) a realização de fóruns itinerantes para discutir segurança pública nas diversas regiões da cidade, com a inclusão das organizações da sociedade civil; e) a

elaboração

de

um

diagnóstico

preciso,

quantitativo e qualitativo, identificando os crimes mais recorrentes e os fatores relacionados a eles; f)

criação de um observatório de segurança pública, objetivando a produção de dados confiáveis para elaborar um diagnóstico e traçar estratégias mais eficientes;

g) a partir dele, a elaboração de um Plano Municipal de Segurança Pública, com a priorização dos problemas locais, formulando pautas e ações conjuntas que atendam as realidades da cidade, identificação dos recursos humanos, institucionais e financeiros, planejamento a curto, médio e longo prazo e definição das responsabilidades;

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h) criação

e/ou

fortalecimento

das

Guardas

Municipais, com um papel protagonista nas ações de prevenção à violência, fortalecendo os laços comunitários e de integração entre as forças de segurança pública da cidade; i)

estabelecimento de uma boa rede de proteção social, através da criação de projetos sociais de saúde,

esporte

e

lazer,

bem

como

de

oportunidades sociais de educação e trabalho, que visem reduzir os fatores que geralmente levam cidadãos marginalizados a optar por uma vida criminosa; j)

formulação de programas entre União, Estados e Municípios para ressocialização, acolhimento e reinserção social dos presos, egressos do sistema prisional visando a redução da reincidência e criminalidade;

k) fiscalização e adequação do ordenamento urbano, loteamentos irregulares, espaços públicos seguros, iluminação pública; l)

promoção de políticas de habitação, saneamento, infra estrutura;

m) mobilização de toda a sociedade, fomentando práticas democráticas e participativas com o fim de produzir e disseminar a percepção de segurança da população;

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n) utilização de tecnologias, câmeras de segurança, áudio-monitoramento, cerca eletrônica, softwares de gestão.; o) desenvolvimento de uma política que promova uma cultura de paz, mediante a implantação de ações integradas de prevenção e enfrentamento da violência e criminalidade.

O Governo do Estado, vertebrado pelo RS na PAZ, com fundamento nas deliberações do 12º Congresso da ONU, realizado no ano de 2010, que teve como título “Prevenção ao Crime e Justiça Criminal”, bem como na literatura mais recente, no que tange ao enfrentamento do fenômeno social da violência, que caracteriza a sociedade pós-moderna está buscando construir uma política de segurança pública cidadã, fundada no fortalecimento institucional do Estado para atuar preventivamente. Uma nova concepção de atuação policial, estabelecendo laços de aproximação e parceria com a população, sem nunca abdicar das necessárias estratégias de repressão qualificada e combate à impunidade. Baseada no aprofundamento das relações federativas inclui os municípios como protagonistas de uma política que vise garantir o exercício pleno da cidadania, com a integral garantia de direito. Essa política se aperfeiçoa com a valorização dos profissionais da segurança pública e do incremento de ferramentas operacionais

e

tecnológicas,

objetivando

não

o

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enfrentamento à violência, mas, principalmente, a promoção de uma cultura de paz. Para que essa política de segurança pública cidadã tenha total efetividade se faz cogente que os municípios, não só a compreendam como também assumam de forma definitiva seu papel protagonista, na temática da segurança pública, em especial na área da prevenção.

Porto Alegre, 11 de novembro de 2013.

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