Universidade de Passo Fundo - UPF Dissertação que analisa o caso de Soledade”, ocorrido entre 1934 e 1936, no Estado do Rio Grande do Sul/Brasil.
VULCÃO DA SERRA: VIOLÊNCIA POLÍTICA EM SOLEDADE (RS)
A BRIGADA MILITAR é citada por 26 vezes neste trabalho. Ele é uma fonte da História brigadiana nessa cidade. Caroline Webber Guerreiro Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial e final para a obtenção do grau de Mestre em História, sob orientação da Professora Doutora Eliane Lucia Colussi.
Passo Fundo 2005
Caroline Webber Guerreiro
VULCÃO DA SERRA: VIOLÊNCIA POLÍTICA EM SOLEDADE (RS)
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial e final para a obtenção do grau de Mestre em História, sob orientação da Professora Doutora Eliane Lucia Colussi.
Passo Fundo 2005
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Guerreiro, Caroline Webber
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CDU : 981.65
_____________________________________________________________________ Catalogação na fonte: bibliotecåria Jucelei Rodrigues Domingues - CRB 10/1569
Dedico este trabalho aos meus av贸s maternos, Ernesto e Anita Webber, e paternos, Waldomiro (in memorian) e Alvina Guerreiro, sempre prontos a ajudar.
Ao meu marido Alberino, aos meus pais, Inácio e Sirlei, à minha irmã Daniele, ao meu cunhado Marcelo, agradeço pelo incentivo, apoio e ajuda, sem os quais o caminho seria muito mais árduo. À professora Doutora Eliane Lucia Colussi, que me recebeu, primeiro, como aspirante a mestranda e, depois, como orientanda. Seu otimismo e incentivo, sua paixão pela história e pela pesquisa são, sem dúvida, lições para a vida toda. Agradeço também as palavras preciosas e as indicações de leitura dos professores Doutores Astor Antônio Diehl e Germano A. D. Schuartz. Gostaria também de agradecer as importantes sugestões e críticas das Professoras Doutoras Loiva Otero Félix e Janaína Rigo Santin. Na pessoa da professora Doutora Ana Luiza Setti Reckziegel, coordenadora do mestrado, agradeço a todos os professores do programa. Aos colegas de mestrado, tanto aos da mesma turma quanto aos que conheci depois, durante a gestão da Associação dos Pós-Graduandos em História. À UPF, que financiou parcialmente meu curso, não só me permitindo mais tranqüilidade como também me possibilitando o estágio no Arquivo Histórico Regional, ao qual devo grande parte do que apresento neste trabalho. Não posso deixar de agradecer aos colegas do Arquivo Histórico Regional, que me acolheram, em especial à Sandra, à Márcia, ao Renan, à Rudinéia, ao Benhur e à Janete. Todos, sem exceção, estiveram sempre prontos a me esclarecer qualquer dúvida. Aos funcionários da prefeitura de Soledade, da Câmara de Vereadores e demais pessoas que se mostraram disponíveis e interessadas em contribuir para este trabalho.
A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. Pierre Nora
RESUMO
A temática desta dissertação são acontecimentos que ficaram conhecidos como “o caso de Soledade”, ocorridos entre 1934 e 1936, por motivos políticos, e que marcaram pela violência empregada. Através da interpretação desses fatos, busca inseri-los na história política regional, principalmente os aspectos que manifestam a violência das fraudes e disputas políticas no estado no período de “decadência” do coronelismo. Sendo Soledade um município do norte do estado do Rio Grande do Sul, o estudo contribui para o resgate da memória histórica regional, em especial, no âmbito de estudos sobre poder local na região do Planalto Médio gaúcho. Trata dos mandos e desmandos de políticos locais na cidade de Soledade, em especial na década de 1930, com a finalidade principal de intimidar os representantes do Partido Libertador local. O mesmo período foi também marcado por conflitos entre o Judiciário e o Executivo. Destacam-se como casos de violência política o assassinato de Kurt Spalding e a atuação dos bombachudos.
Palavras-chave: história política - história regional - violência política - história judiciária.
ABSTRACT
The theme of this dissertation are the events known as “the Soledade case”, which happened from 1934 to 1936, with political motives, which were marked by violence. Through the interpretation of such facts, this study aims at inserting them into the regional political history, with special regard to the aspects that manifest the violence of frauds and political dispute in the state of Rio Grande do Sul during the decadence of “coronelismo”. Considering that Soledade is situated in the north of Rio Grande do Sul, the study contributes to the retrieval of the regional historical memoir, specially in the scope of studies about the local power in the region of the Medium Plateau of RS. It deals with the abuse of power of local politicians in Soledade, particularly in the 1930s, with the purpose of intimidating the representatives of the local Liberal Party. The same period was also marked by conflicts between the Judiciary and the Executive powers. The murder of Kurt Spalding and the action of the “bombachudos” are remarkable cases of political violence.
Key-words: political history - regional history – political violence – judiciary history.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Alguns políticos locais .......................................................................................39 Figura 2: Políticos locais ...................................................................................................40 Figura 3: Grupo de bombachudos de Soledade..................................................................75 Figura 4: Comissão composta por Edgar Schneider, Firmino Torelly, Oswaldo Vergara e Camilo Martins Costa ......................................................................................84 Figura 5: Kurt Spalding na Farmácia Serrana ...................................................................95
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Evolução da representação da oposição na Assembléia dos Representantes, RS (1913-1929)...............................................................................................62 Tabela2: Rotatividade dos Prefeitos em Soledade .........................................................86
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AALERGS/SC - Arquivo da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul/Solar dos Câmara ABM/ IHRGS - Arquivo Borges de Medeiros/ Instituto Histórico do Rio Grande do Sul AHR/UPF - Arquivo Histórico Regional da Universidade de Passo Fundo AH/RS - Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul AL - Aliança Libertadora AP/RS - Arquivo Público do Rio Grande do Sul BMGSF - Biblioteca Municipal Guilherme Schultz Filho FUG- Frente Única Gaúcha IHG/RS - Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MCSHJC - Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa PL - Partido Libertador PRL - Partido Republicano Liberal PRR- Partido Republicano Rio-Grandense
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................14
1. O CENÁRIO DA VIOLÊNCIA: PODER, CORONELISMO E JUSTIÇA 1.1.O ponto de partida: Processo de Exibição de Autógrafos............................................27 1.2.O que estava em jogo: o processo eleitoral e o problema da qualificação dos eleitores...............................................................................................................41
2. SOLEDADE E O ACIRRAMENTO DAS LUTAS E DA VIOLÊNCIA POLÍTICA (1930) 2.1.Antecendentes históricos.............................................................................................56 2.2. As articulações entre os poderes local e regional.......................................................59 2.3. As articulações entre os poderes locais; o regional e o nacional: o Combate do Fão.....................................................................................................65 2.4. A explosão da violência : Chico touro e os bombachudos.........................................70
3. UM CASO DE VIOLÊNCIA POLÍTICA: O ASSASSINATO DE KURT SPALDING 3.1 O crime na Farmácia Serrana.......................................................................................90 3.2.As várias narrativas do crime.......................................................................................97 3.3. Os acusados e os desdobramentos políticos no cenário da violência.......................108 3.4 A exemplificação da violência para além da política : os monges barbudos.............116
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................120 LOCAIS DE PESQUISA.......................................................................................................125 FONTES DOCUMENTAIS..................................................................................................125
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REFERÊNCIAS.....................................................................................................................126 ANEXOS...............................................................................................................................133
INTRODUÇÃO
As articulações entre os poderes locais, o sistema coronelista e os representantes do Poder Judiciário apontam para uma necessária reflexão sobre a evolução das instituições políticas e judiciárias no Brasil e no Rio Grande do Sul. Em relação ao Judiciário, é interessante salientar que as pretensas imparcialidade e objetividade da ação do campo do direito nunca passaram de uma "utopia", originária da ilusão de autonomia deste poder em relação às pressões externas. A temática proposta neste estudo pressupõe uma aproximação teórica e metodológica entre duas áreas das ciências humanas e sociais, em especial dos estudos de história e de direito. Nessa perspectiva, torna-se necessário uma rápida reflexão sobre a história política "renovada" e, como conseqüência, sobre as muitas possibilidades de estudos interdisciplinares. Acredita-se ser possível estudar o cenário de violência política do município de Soledade na sua dimensão política e coronelística, analisando, ao mesmo tempo, a atuação do Poder Judiciário e a eficiência da legislação da época. Sobre a história do direito, Antônio Carlos Wolkmer esclarece que, para que a história do direito seja escrita de uma forma desmistificadora, há que se "visualizar o direito como reflexo de uma estrutura pulverizada, não só por certo modo de produção da riqueza e por relações de força societárias, mas, sobretudo, por suas representações ideológicas, práticas discursivas hegemônicas, manifestações organizadas de poder e conflitos entre os múltiplos atores sociais."1 Os temas concernentes aos Poderes Judiciário e Legislativo vinham por um longo período sendo relegados a um segundo plano. Isso se deve, nas palavras de Loiva Otero Félix,
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WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de história do direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 7.
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a uma "hipertrofia do poder executivo" somado ao "predomínio do cunho autoritário na política republicana brasileira."2 Ao tratar do campo da história do direito e do Poder Judiciário brasileiro, Wolkmer explicita a sua preocupação no sentido de uma renovação metodológica.3 Dessa forma, no que concerne a esta pesquisa, as atividades exercidas pelo Poder Judiciário, em especial o gaúcho, são analisadas considerando-se as limitações estabelecidas pela legislação da época, pelos regimentos e estatutos aos quais estavam subordinados seus membros, verificando-se a coerência entre as suas atividades reais e as que lhe foram atribuídas. Este estudo tem como ponto de partida um levantamento de processos judiciais 4 referentes às décadas de 1920 e 1930 provenientes da Comarca de Soledade5, município do norte do Rio Grande do Sul. Inicialmente, tinha-se a intenção de estudar a organização do Poder Judiciário no norte do Rio Grande do Sul e suas relações com o sistema coronelista. Contudo, o contato com fontes judiciais localizadas no Arquivo Histórico Regional permitiu o acesso a uma documentação mais rica, que abriu novas possibilidades de estudo e apontou outras direções. Assim, chegou-se ao tema específico das eleições e da violência no período compreendido na década 1930. Ao relacionar violência e política, Mário Stoppino afirma que a utilização daquela visa "destruir os adversários políticos ou colocá-los na impossibilidade de agir com eficácia."6 Dessa forma, o contato com as fontes revelou a necessidade de inversão na temática do estudo: do campo jurídico como eixo central, passou-se para o campo político como principal objeto de análise. Quanto ao estudo referente ao Judiciário, foi mantido como uma das variáveis. Por campo jurídico, de acordo com a concepção de Bourdieu, entende-se o lugar de concorrência pelo monopólio de dizer o direito, isto é, a boa distribuição (nomos) ou a boa ordem, no qual se defrontam agentes investidos de competência, ao mesmo tempo, social e técnica, que consiste, essencialmente, na capacidade reconhecida de interpretar (de
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FÉLIX, Loiva Otero. RS: 200 anos construindo a justiça entre poder, política e sociedade. In: FÉLIX. Loiva Otero; RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti (Org.). RS: 200 anos definindo espaços na história nacional. Passo Fundo: UPF, 2002, p. 298. 3 WOLKMER, História do direito no Brasil, p. 17. 4 Os processos, tanto cíveis quanto criminais, originários da comarca de Soledade, encontram-se atualmente no Arquivo Histórico Regional da UPF (AHR/UPF) e referem-se ao período de 1880 até 1970. 5 O termo "comarca" designa o território, a circunscrição territorial compreendida pelos limites em que se encerra a jurisdição de um juiz de direito. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 360. 6 STOPPINO, Mário. Violência. In: BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Unb, 1986, p. 1295.
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maneira mais ou menos livre ou autorizada) um corpus de textos que consagram a visão legítima e justa do mundo social.7 Foi em meio a caixas de documentos que se localizou o processo que originou este trabalho. Tratava-se dos autos de um "Processo de Exibição de Autógrafos"8 datado de 1929, contendo uma seqüência de eventos em que se relacionam política, Judiciário, fraudes eleitorais e coronelismo.9 No documento visualizou-se um complexo quadro político na região abrangida pelo município de Soledade.10 Dessa forma, com o estudo procura-se compreender e interpretar a estrutura e o funcionamento da política local, especialmente no que tange às eleições e seus desdobramentos, com ênfase nos de cunho violento, no período compreendido entre 1929 e 1935. Com esse objetivo são identificadas algumas das principais lideranças políticas e explicitadas as suas relações com os poderes local e estadual. Nesse contexto, torna-se necessário trabalhar a legislação eleitoral do período, evidenciando a correspondência entre os aspectos relacionados ao legal e ao real. Da mesma forma, por participar ativamente no processo eleitoral e em seus desdobramentos, o Poder Judiciário do período também deve ser analisado, identificando-se os objetivos e interesses que moviam seus membros. A presente pesquisa, nessa perspectiva, aborda as relações entre o Judiciário e os poderes políticos, assim entendidas como as influências recíprocas, as “trocas de favores” e outras práticas, tais como localismo, mandonismo, tráfico de influências e corrupção; assim, são abordadas as tensões que envolviam as relações de poder, o lugar do poder público e o lugar do poder privado em Soledade. Em se tratando da história política, observa-se que ficou por um longo período relegada a uma condição de marginalidade em relação aos estudos socioeconômicos. A
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BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989, p. 212. SOLEDADE. Comarca. Processo de Exibição de Autógrafos. Caixa 30. 1929. AHR/UPF. 9 De acordo com o conceito de coronelismo de Loiva Otero Félix, este é o poder exercido pelos chefes políticos sobre certo número de pessoas que deles dependem. Tal situação visava objetivos eleitorais que permitam aos coronéis a imposição de nomes para cargos que eles indicam. A autoridade dos coronéis é reconhecida pelo consenso do grupo social de base local, distrital ou municipal, e algumas vezes, regional, geralmente devido ao seu poder econômico [...].FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 15-16. 10 O município de Soledade, localizado no centro-norte do Rio Grande do Sul, correspondia no ano de 2004 aos municípios de Alto Alegre, Arvorezinha, Barros Cassal, Boqueirão do Leão, Campos Borges, Espumoso, Fontoura Xavier, Ibirapuitã, Itapuca, Lagoão, Mormaço, Nova Alvorada, Salto do Jacuí, São José do Herval, Soledade e Tunas. Sobre a localização e confrontações de Soledade na década de 1920 ver Anexo 1. 8
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situação de pouco prestígio da política colaborou para que outras áreas de estudo também fossem marginalizadas, como foi o caso dos estudos envolvendo o Judiciário.11 Os críticos denominavam a história política de factual, ou évenementielle, termo que, segundo René Rémond12, era usado com mau sentido, por significar a superfície das coisas e ignorar a vinculação dos acontecimentos a suas causas mais profundas. Assim, a história política estaria mais preocupada em ser narrativa, linear, centrando-se em alguns personagens de prestígio. Mais precisamente na década de 1980, iniciou-se no Brasil de uma "renovação da história política", através de um gradativo abandono da história política tradicional em favor de uma compreensão do político na história. Todavia, é importante salientar que esse retorno não era à história política tradicional, pois trouxe uma nova problemática.13 Segundo Loiva Otero Félix14, a partir das últimas décadas do século XX, vive-se uma crise de paradigmas, de falência do modelo racionalista de visão do mundo e da ciência, a qual se liga, essencialmente, ao sujeito enquanto objeto cognoscível e ser cognoscente (historiador)15. A história que se encontra em crise é aquela unificada pelo fio condutor do progresso, sob a égide de um Estado organizador e de homens e individualidades submetidas a uma construção abstrata de uma humanidade voltada para as grandes utopias, acreditando num tempo uno e eternamente ascensional, que esbarrou, contudo, no século XX, na tomada de consciência de que esse tipo de razão, de logos condutor, justificador e legitimador, não levaria o homem à perfeição sonhada. Essa "nova história política", ou, como preferem alguns, "história política renovada", veio ocupar um espaço antes negligenciado especialmente pelas correntes historiográficas hegemônicas a partir de 1930, que favoreceram o estudo das economias e sociedades em detrimento da política. Trata-se de estudar uma política que não pretende ser a estrutura mais importante ou determinante, mas que procura conquistar um espaço, não a 11
Sobre a problemática da renovação dos estudos de história política ver os já bastante conhecidos trabalhos: REMOND, René. Uma história presente. In: RÉMOND, René (Org). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/FGV, 1996; e JULLIARD, Jacques. A política. In : LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Org). História: novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. 12 REMOND, Uma história presente, p.17. 13 RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. A volta da história política e o retorno da narrativa histórica. In: LACERDA, Sônia et al. (Org). História no plural. Brasília: Editora da Unb, 1994, p.106. 14 FÉLIX, Loiva Otero. A história política hoje: novas abordagens. Revista Catarinense de História, Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, v. 1, n.5, 1998, p. 50. 15 Sobre crise historiográfica, Astor Antônio Diehl, afirma que se dá através do esgotamento das grandes teorias explicativas do real. As teorias, que possuíam um sentido teleológico, de redenção no futuro, apresentavam, em
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totalidade do campo de análise. Dentro dessa conjuntura, buscaram-se saídas, entre as quais o deslocamento do papel do sujeito na história. Pode-se, pois, afirmar que a renovação foi provocada pela rediscussão dos conceitos clássicos e das práticas tradicionais. Percebeu-se que, se o político tem características próprias, também tem relações com outros domínios, ou seja, liga-se a todos os aspectos da vida coletiva. O político não constitui um setor estanque, mas, sim, uma modalidade da prática social. Nessa perspectiva foi construído o presente trabalho, procurando incluir novos temas, que, embora sempre presentes, demandavam de uma análise mais profunda. Essa tomada de consciência a respeito da inclusão de novos temas pode ser percebida nas palavras de Loiva Otero Félix:
Os passos seqüenciais da trajetória de muitos pesquisadores que, como eu, têm se dedicado aos estudos da estrutura do poder e de poder, às análises do coronelismo e da política oligárquica, dos diferentes tipos de relações de poder têm mostrado constantemente sob diferentes formas, a interpenetração entre política e justiça, fazendo-me pensar sobre a abrangência e delimitação do campo do político na história e na história da justiça no Rio Grande do Sul, os ordenamentos legais e jurídicos, bem como as práticas jurídicas e sociais e seus relacionamentos. 16 O estudo da política pelo viés da violência encontra um espaço privilegiado. A violência, como um elemento cultural, social e político, requer uma abordagem interdisciplinar. Assim, a interdisciplinaridade, ou a aproximação das diversas disciplinas das ciências sociais e humanas, permite agregar à história política o direito, como se faz neste estudo, da mesma forma que representa um sintoma da retomada dos estudos históricos no âmbito do direito.17 Com relação à interdisciplinaridade, não há uma definição satisfatória para os que teorizam acerca do tema e, sequer, para os que a praticam, de modo que, atualmente, é grande o debate. Interessante, contudo, é a posição de Jacques Revel, que faz uma crítica à concepção de interdisciplinaridade desenvolvida pelos historiadores franceses
sua maioria, um viés utilitarista e legitimador de atos políticos e ideológicos. Ver mais em DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica nos anos 1980. Porto Alegre: Evangraf, 1993, p. 9 - 10. 16 FÉLIX, RS: 200 anos construindo a justiça entre poder política e sociedade, p. 296-297. 17 "Pode-se conceituar História do Direito como a parte da História geral que examina o Direito como fenômeno sócio-cultural, inserido num contexto fático, produzido dialeticamente pela interação humana através dos tempos, e materializado evolutivamente por fontes históricas, documentos jurídicos, agentes operantes e instituições legais reguladoras. WOLKMER, História do direito no Brasil, p. 4.
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por muito tempo. Segundo o autor, para os franceses, a história teria uma posição privilegiada em relação às demais disciplinas das ciências sociais. Nas suas palavras:
Por detrás da mesma proposição geral, que diz que a história e as ciências sociais possuem objetos, preocupação e procedimentos comuns, sucederam-se por vezes até se combateram, projetos, modelos de conhecimento e organização de saberes muito profundamente diferenciados. Uma palavra pode comodamente resumir esses aspectos contraditórios: a palavra interdisciplinaridade, que, sob várias formas, serve para designar uma esfera e permite medir, à revelia, o afastamento do objetivo.18
Entretanto, apesar das dificuldades para, efetivamente, transpor as barreiras nos estudos que procuram aproximar diversos campos ou disciplinas, Revel considera importante a interdisciplinaridade porque "é, efetivamente, inseparável de um projeto intelectual continuamente reivindicado na longa duração do século, mas descontínuo em sua realização assim como em sua concepção."19 Assim, uma interdisciplinaridade integradora seria o resultado de um esforço para reformar a distribuição das relações de força entre as ciências sociais e as regras da troca interdisciplinar.20 Complementando, Antônio Carlos Wolkmer afirma:
A obtenção de uma nova leitura histórica do fenômeno jurídico, enquanto expressão cultural de idéias, pensamento e instituições, implica a reinterpretação das fontes do passado sob o viés da interdisciplinaridade (social, econômico, político) e da reordenação metodológica, em que o direito seja descrito sob uma perspectiva desmistificadora (grifos do autor). 21
Dessa forma, a interdisciplinaridade deve ser vista como uma solução para o problema da fragmentação do conhecimento, que leva à perda de visão de conjunto da realidade. Para Jaime Paviani, "a rigidez, a artificialidade e a autonomia das disciplinas, e, consequentemente, sua multiplicação excessiva não permitem acompanhar o avanço 18
REVEL, Jacques. História e ciências sociais: uma confrontação instável. In: BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique (Org). Passados recompostos: campos e canteiros da história. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/ Ed. FGV, 1998, p. 79-103. 19 REVEL, História e ciências sociais: uma confrontação instável, p. 80. 20 Idem, p. 85. 21 WOLKMER, História do direito no Brasil, p. 1.
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pedagógico nem a produção de conhecimentos novos na pesquisa." Assim, "a interdisciplinaridade impõe-se cada vez mais como uma necessidade, como uma condição de possibilidade epistemológica e de política fundamental do conhecimento.22 De outra banda, atribui-se igualmente à renovação da história política a sua crescente relação com outras disciplinas, ou seja, a história política hoje é também o resultado dessas trocas, do contato com outras ciências sociais, que, segundo René Remond, "é para ela como o ar de que ela precisa para respirar.”23 Um dos pontos de encontro entre a história e o direito pode ocorrer pela utilização do paradigma indiciário. Para Carlo Ginzburg, o paradigma de natureza indiciária, fundado na semiótica24, desdobra-se por meio de argumentos que apontam a importância de detalhes que geralmente seriam negligenciados. Ao criticar o modelo de ciência moderna, o autor afirma haver uma necessidade de atentar-se para o individual, para o singular. Valorizando o singular, tem-se em mente que os casos individuais devem ser reconstruídos, compreendidos por meio de sinais, signos, pistas, indícios ou sintomas variados.25 Decifrar e ler pistas permite estabelecer elos coerentes entre eventos, o que implica a presença da narrativa na interpretação indiciária. O autor ressalta que, embora se privilegie o singular, a idéia de totalidade não é abandonada, pois esse modelo epistemológico, ou paradigma, busca a conexão de fenômenos, não somente o conhecimento isolado do indício.26 Apesar de considerar a realidade como algo complexo e opaco, Ginzburg admite que existem áreas privilegiadas, sinais, indícios, que permitem tentativas de compreensão da totalidade. Esse saber conjectural, que permaneceu por um longo período à margem da esfera científica, está presente nas mais diversas áreas da vida cotidiana e envolveria médicos, historiadores, políticos, apenas para citar algumas das categorias.27 Os recortes político e geográfico do presente trabalho inserem-se no campo de estudos da história regional, cuja importância está bem clara nas palavras de Lucien Febvre: "Da minha parte, eu não soube jamais e não sei, a não ser um meio, um só, de bem 22
PAVIANI, Jaime. Disciplinariedade e interdisciplinariedade. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, Notadez/PUCRS/!TEC, ano 3, n.12, 2003, p.60. 23 RÉMOND, Uma história presente, p. 29. 24 Semiótica é a teoria e análise de signos e significados; também estuda a forma pela qual os signos significam, seja em textos literários convencionais e documentos jurídicos, seja em anúncios e até mesmo na conduta corporal. LECHTE, John. Cinqüenta pensadores contemporâneos essenciais: do estruturalismo à pósmodernidade. Rio de Janeiro: Difel, 2002, p. 142. 25 GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 154. 26 Idem, p. 177.
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compreender, de bem situar a grande história. É aquele de possuir a fundo, em todo o seu desenvolvimento, a história de uma região, de uma província...!" 28 A região analisada neste trabalho possui características específicas e diferenciadas em termos das relações de poder quando comparada ao restante do Rio Grande do Sul. Nesse sentido, Soledade foi marcada pela forte presença do Partido Libertador, cujos membros eram atuantes e relativamente bem organizados, ocasionando inúmeros atos de violência, que envolveram membros de facções políticas, bem como do Judiciário e do Executivo local. A área abrangida pela Comarca de Soledade foi selecionada pelo fato de através dos anos ter permanecido com a fama de ser uma terra de caudilhos.29 Na década de 1930, ocorreram inúmeros episódios que confirmam essa pecha, como o envolvimento de Cândido Carneiro Júnior, o coronel Candoca, na insurreição do 33o Corpo Provisório a favor dos paulistas no levante de 1932, e o assassinato por motivos políticos de Kurt Spalding. Para o recorte temporal delimitado, tomou-se por base a formação do Partido Libertador e da Frente Única Gaúcha, relevantes antecedentes dos conflitos a serem analisados. Como marco final, o ano de 1935 representa o ápice, em nível local, da violência política. Foi um período de efervescência política, sendo que Soledade era referida na imprensa estadual como o “Vulcão da Serra”. A temática desenvolvida originou-se também da constante referência ao passado de violência que marca o imaginário coletivo, característica que se manifesta com freqüência na historiografia, em documentos, em jornais de época e, sobretudo, na memória coletiva. Baczko enriquece a idéia da existência de um imaginário sobre a violência ao dizer:
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GINZBURG, Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história,, p. 155. WESTPHALEN, Cecília Maria. História nacional, história regional. Estudos Brasileiros, Curitiba: n. 3, jun, 1977, p. 29-34. 29 O caudilho exerce um tipo de dominação ou poder em sentido restrito, estando essa dominação localizada em um grupo social determinado e podendo estar fundamentada no costume ou tradição, na lei ou na graça pessoal ou carisma. Os meios utilizados para obter a dominação são, em geral, o oportunismo político, militar ou religioso, meios econômicos especiais, qualidades peculiares como valor, audácia, poder de persuasão, inteligência, machismo. Era fato freqüente colocarem a seu serviço os ordenamentos legais, jurídicos ou administrativos, justificando tal procedimento como derivado da necessidade de enfrentar os inimigos da ordem social ou as novas mudanças políticas ocorridas. DIÁZ, Fernando. Caudillos y caciques. El colegio del México. 1972, p. 2-3, apud FÉLIX, Loiva Otero, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 33-34. 28
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Os imaginários sociais constituem outros tantos pontos de referência no vasto sistema simbólico que qualquer coletividade produz e através da qual ela se percebe, divide e elabora seus objetivos. É assim que, através de seus imaginários sociais, uma coletividade designa sua identidade, elabora uma certa representação de si, estabelece a distribuição dos papéis e das posições sociais: exprime e impõe crenças comuns; constrói uma espécie de código de bom comportamento.30
Da mesma forma, a partir de acontecimentos recentes, tais como os crimes ocorridos na Fazenda Santo Augusto em 7 de julho de 2001, a fuga em 2003 e morte de Márcio Camargo, réu confesso dos crimes, dias depois. A morte de Antônio Carlos Moraes Casagrande, o Kiko, que estava sendo usado como informante pela polícia para elucidar o crime da Fazenda Ghion, em 13 de setembro de 2003, na ante-sala do plenário da Câmara de Vereadores de Soledade. A posterior execução do advogado soledadense Júlio César Serrano, na noite de 11 de janeiro de 2005, na praça municipal Olmiro Ferreira Porto, nas proximidades de sua casa. Não há como se evitar que ao trabalhar o tema da violência esses fatos venham a mente, pois o historiador é fruto de seu tempo e dele são as suas impressões. Foi a partir dessas e de outras reflexões, que virão ao longo do texto, que optou-se por trabalhar a temática da história presente, da continuidade e da descontinuidade. Com relação às fontes judiciárias, tanto de processos como de acórdãos, são muito valorizadas neste trabalho. Uma observação importante é feita por Délcio Marquetti quando afirma que, no momento da produção da fonte judiciária, os funcionários da justiça não estavam preocupados com as informações que, porventura, os processos viessem a revelar às gerações futuras.31 Os promotores, juízes e demais operadores do direito estavam apenas agindo no exercício de suas funções, que consistiam em levantar informações e dados necessários a fim de buscar a "verdade" numa determinada situação. Nas palavras de Jim Sharpe, "supõe-se que muitos desses compiladores ficariam surpresos e, talvez, preocupados com os usos que os historiadores recentes fizeram dos casos judiciais, registros paroquiais, testamentos e transações de terras feudais que registraram."32 Para o autor, justamente aí 30
BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Porto: Casa da Moeda, 1989, v. 5, p. 308. 31 MARQUETTI, Délcio. Bandidos, forasteiros e intrusos: a criminalidade na região do Alto Irani: 1917-1942. 2003. Dissertação (Mestrado em História Regional) - IFCH, UPF, Passo Fundo, 2003, p. 4. 32 SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter. A escrita da história - novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992, p. 48.
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reside a grande importância de tais corpos documentais, pelo fato de não terem sido deliberadamente produzidos, mas, sim, de "inocentemente" trazerem para os historiadores algo de verdade. 33 No mesmo sentido, Natalie Zemon Davis, ao tratar das cartas de perdão34 do século XVI questionando a validade desse tipo de fonte, que neste ponto pode ser comparada a um processo judicial, destaca:
Qual o "valor documental" das cartas de remissão?, questiona um estudo recente, concluindo que algumas delas, dos séculos XIV e XV, eram uma "trama de contraverdades". No entanto, as cartas de remissão foram e continuarão sendo usadas de diversas maneiras pelos historiadores, sem preocupação com a construção literária. Elas constituem fontes preciosas para o estudo das festas, da violência e da vingança em diferentes meios sociais e grupos etários, das atitudes relativas ao rei e das imagens que dele se faziam e de outras normas sociais e culturais. 35 Por se tratar, ainda, de fontes pouco comuns em pesquisas na área de história, o trabalho com processos e acórdãos exige uma série de reflexões a respeito de seus riscos e suas inúmeras possibilidades. Nesse sentido, são importantes as palavras de Ana Maria Camargo ao alertar que "uma instituição como a Justiça, pela amplitude de seu poder de intervenção na ordem social, é capaz de espelhar, de maneira indireta, boa parte das características dessa mesma sociedade, daí o interesse dos historiadores na consulta da documentação por ela produzida."36 Os processos com que se trabalha são documentos que já perderam seu valor corrente e administrativo. Contudo, conforme vão se distanciando do seu propósito original, ganham um novo valor, cujo sentido é estabelecido pelo pesquisador a partir das perguntas
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SHARPE, Jim. A história vista de baixo, p.48-49. As cartas de perdão eram petições buscando atenuar a culpa de um indivíduo que cometera uma ofensa capital, esperava-se convencer o soberano a perdoá-lo, a livrá-lo da sentença de morte e, em certos casos do confisco de bens. Homens, mulheres, camponeses, artesãos, comerciantes, advogados, notários, sargentos e outros oficiais de justiça, padres e estudantes, cavaleiros e senhores, enfim, gente dos mais diversos meios sociais podia recorrer às cartas de perdão. DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão: e seus narradores na França do Sec. XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 35 DAVIS, Histórias de perdão, p. 17. 36 CAMARGO, Ana Maria. Política arquivística e historiográfica no Judiciário. Palestra proferida no I Seminário de Política de Memória Institucional e historiográfica. Revista Justiça & História, Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Departamento de Artes Gráficas. v. 3, n. 5, 2003, p. 329. 34
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norteadoras de seu trabalho.37 Assim, a documentação judicial é fonte de informações que não foram previstas pelas instituições produtoras de documentação; os processos-crime são utilizados para caracterizar idéias, valores e comportamentos, da mesma forma que também é objeto de atenção a razão pela qual foram elaborados.38 Recentemente, o historiador norte-americano John Chasteen valeu-se de fontes judiciais produzidas no Brasil do século XIX para recriar alguns aspectos dos hábitos culturais e cotidianos dos habitantes da região fronteiriça entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai. O trabalho apresenta uma grande contribuição para o entendimento da identidade característica do gaúcho. A opção metodológica é justificada pelo fato de o sistema judicial brasileiro ter sido mais organizado que os sistemas dos demais países latino-americanos da mesma época, tanto que era uma das poucas instituições estatais que chegavam ao campo.39 Outra fonte que se constitui em terreno fértil para pesquisas são os acórdãos judiciais, que apresentam as decisões de segunda instância dos processos nos quais houve recurso.40 Embora sejam documentos menos ricos em detalhes em comparação aos processos, possibilitam obter algumas informações importantes, além de apresentarem discussões teóricas sobre os casos, permitindo reflexões sobre as concepções vigentes na época.41 A historiografia renova-se ao incorporar com maior ênfase a busca do conhecimento da atuação da justiça no processo histórico. Atendendo a essa demanda, são criados os centros de memória e os grupos de pesquisadores sobre história do Poder Judiciário, visando oportunizar a coleta, a organização e o acesso a acervos documentais específicos, antes dispersos, desconhecidos ou de uso restrito das administrações, agora viabilizadores de avanços na pesquisa. É preciso ressaltar que, embora os documentos preservados num arquivo sejam, pela sua própria natureza e constituição, autênticos, isso não 37
AXT, Gunter. Algumas reflexões sobre os critérios para a identificação e guarda dos processos judiciais históricos. Justiça & História, Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Departamento de Artes Gráficas, v. 4, n. 7, 2004, p. 343. 38 CAMARGO, Política arquivística e historiográfica no Judiciário, p. 329. 39 CHASTEEN, John Charles. Heróes a caballo. Los hermanos Saravia y su frontera insurgente. Montevideo: Ediciones Santillana/Fundación Bank Boston, 2001 apud AXT, Algumas reflexões sobre os critérios para a identificação e guarda dos processos judiciais históricos, p. 342. 40 Os acórdãos constituem-se em relatos opinativos e formativos de novas opiniões, possuindo parcialidade e resumindo aspectos das tramas e pessoas nelas envolvidas; enfatizam detalhes e circunstâncias que direcionam a compreensão do leitor. Estruturalmente apresenta um resumo inicial do caso, uma transcrição literal de um parágrafo do acórdão, o texto na íntegra e um fechamento, onde se apresenta a decisão da instância julgadora. "Na tecnologia da linguagem jurídica [...] quer dizer a resolução ou decisão tomada coletivamente pelos tribunais de justiça. DE PLÁCIDO e SILVA, Vocabulário jurídico, p. 61. 41 CARVALHO, Antônio Carlos Duarte de. Visões e representações sobre as práticas populares de saúde em São Paulo de 1950 a 1980: Uma análise de acórdãos judiciários, Revista Justiça & História. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Departamento de Artes Gráficas, v. 4, n. 7, 2004, p. 262.
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significa que o seu conteúdo seja verdadeiro. Desse modo, o historiador deve, mesmo diante da impossibilidade de atingir a verdade absoluta, ter a veracidade como horizonte ético.42 Os jornais, igualmente, constituem-se em fonte utilizada largamente neste trabalho. Nesse sentido, embora geralmente contenham textos que não foram produzidos pelo próprio órgão de imprensa, apresentam outros em que há uma clara manifestação da linha editorial e do posicionamento político do veículo de comunicação. Todavia, isso não compromete a função de informar, pois, embora a imprensa escrita possua as suas tendências, tendo-se a cautela necessária, não se produzam distorções no trabalho. A pesquisa restringiu-se à documentação e bibliografia pelo fato de ainda existir receio por parte da população de Soledade em falar sobre determinados assuntos. Talvez, com o passar do tempo, quando os ânimos sossegarem em Soledade, seja possível a tomada de depoimentos. Outro aspecto a ser ressaltado é a inexistência de jornais da época, tanto em Soledade quanto no Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, visto que os então existentes, em sua maioria de curta duração, não foram preservados, restando somente alguns fragmentos em mãos de particulares e nos processos presentes no Arquivo Histórico Regional de Passo Fundo. Com relação à documentação do período, na Prefeitura de Soledade há algumas caixas em seu arquivo morto. Por fim, na Biblioteca Municipal, que se encontra no Centro Cultural de Soledade foram encontradas as obras dos autores locais. Assim, especialmente no caso desse trabalho, é necessário salientar que, como toda a formulação historiográfica, esta é uma narrativa estruturalmente instável, passível de reparos, de complementações ou reformulações, que podem advir da descoberta de novas fontes, da apropriação ou da construção de novos marcos teóricos, possibilitadores de abordagens diferenciadas sobre um mesmo aspecto, ou, simplesmente, da riqueza habitual do debate coletivo e acadêmico. Assim, o texto aqui apresentado é uma versão e, como tal, passível de argüição e de transformação. Entende-se que a divisão do trabalho em três capítulos garante uma melhor compreensão de seu conteúdo. O capítulo primeiro traz algumas considerações gerais a respeito do coronelismo, justiça, violência e poder na região de Soledade. Trata-se, mais especificamente, do "Processo de Exibição de Autógrafos", envolvendo um juiz de comarca, diretores dos jornais Correio do Povo e do Diário de Notícias de Porto Alegre e as principais lideranças políticas locais em torno da qualificação de eleitores. A abordagem das normas 42
CAMARGO, Política arquivística e historiográfica do Judiciário, p. 330.
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para eleições e qualificação de eleitores tem o objetivo de demonstrar como a lei facilitava o controle do processo de alistamento pelas facções majoritárias, o que deu margem a fraudes e manipulações das mais diversas formas. No segundo capítulo são trazidas informações sobre Soledade e o contexto político da passagem da República Velha para o estado pós-30. Com ênfase em alguns aspectos, é realizada uma breve retrospectiva sobre a história de Soledade, abordando-se os principais acontecimentos do período, tanto no âmbito local como no estadual. Trata-se, ainda, da atuação do grupo que ficou conhecido como “bombachudos”, que se destacaram pelo recurso à violência para intimidar e manipular a população durante o mandato do prefeito Francisco Müller Fortes. Dedica-se o capítulo terceiro, especificamente, ao crime ocorrido na Farmácia Serrana e suas repercussões, bem como sobre as relações entre os "bombachudos" e Francisco Müller Fortes, aprofundando os aspectos envolvendo violência, política e Judiciário.
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1.O CENÁRIO DA VIOLÊNCIA: PODER, CORONELISMO E JUSTIÇA
1.1. O ponto de partida: Processo de Exibição de Autógrafos
O município de Soledade, situado no norte do Rio Grande do Sul, acompanhou, em linhas gerais, as principais características políticas e culturais presentes no estado durante a República Velha. Entretanto, alguns aspectos nele se evidenciaram com maior vigor, conferindo à história política do território soledadense marcas bastante particulares. Trata-se da violência, especialmente da relacionada com a política, que se manteve como elemento permanente e marcou a história local. Em dezembro de 1928, foi publicado nos jornais Correio do Povo 43 e Diário de Notícias44, ambos de Porto Alegre, capital do estado e com circulação estadual, um conjunto de telegramas originários da cidade de Soledade, trazendo à tona novamente essa realidade. Os telegramas denunciavam as prováveis relações existentes entre o juiz de direito Evaristo 43
O jornal Correio do Povo foi um dos principais veículos de imprensa do Rio Grande do Sul, fundado por Caldas Júnior no pós-guerra de 1895, sob a atmosfera de uma ditadura de partido único, o que teria contribuído para a sua enfaticamente declarada postura independente. Todavia, tal independência poderia, e normalmente era, interpretada como contestação. Assim o Correio era visto como um veículo independente, inclinado à oposição, na medida em que essa inclinação não tornasse impossível a sobrevivência da empresa. A linha de oposição nunca foi efetivamente assumida, mas o jornal sempre abria suas páginas a manifestações dos descontentes. Foi gerador de uma antipatia permanente nos castilhistas. FRANCO, Sérgio da Costa. A evolução da imprensa gaúcha e o Correio do Povo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. n.131. Porto Alegre: Corag, 1995, p.36-38. 44 Fundado em 1925, sob a direção de Francisco Leonardo Truda, egresso da redação da empresa Caldas. O Diário de Notícias foi o grande porta-voz do movimento modernista e liderou no estado toda a preparação para a Revolução de 1930. Houve momentos em que pareceu ameaçar a tranqüila supremacia do Correio do
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Silveira, lotado naquela comarca, e as forças políticas locais. É no processo-crime que visava averiguar quem eram os signatários de tais telegramas que se tem o ponto de partida deste estudo. O processo foi instaurado por requerimento daquele juiz, que queria conhecer os signatários para instaurar contra eles ações de calúnia, injúria e difamação, das quais se considerava vítima. A abordagem do "Processo de Exibição de Autógrafos" é feita com o objetivo de descrever os acontecimentos, as motivações, e de estabelecer as primeiras conexões entre o episódio que motivou o processo, o contexto histórico e seus desdobramentos. Tratavam os autos de uma ação proposta pelo Ministério Público envolvendo os diretores dos jornais Correio do Povo e Diário de Notícias, respectivamente, Fernando Caldas45 e Francisco Leonardo Truda46, ambos residentes em Porto Alegre. A ação foi proposta pelo procurador-geral do estado a pedido do ex-juiz da comarca47 de Soledade, Evaristo Silveira, que alegava ter sido vítima de calúnias e injúrias em razão de seu cargo.48 As alegadas calúnias e injúrias teriam sido feitas pela publicação de telegramas oriundos de Soledade nos jornais mencionados durante o mês de dezembro de 1928.49 Evaristo Silveira fora nomeado juiz em Soledade em 17 de julho de 1928, tendo sido removido, a pedido próprio, para a Comarca de Santo Ângelo em 19 de dezembro do mesmo ano. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais em Porto Alegre, iniciara a atividade
Povo,tendo alcançado um excelente nível através de seus colaboradores, que marcaram época na vida jornalística e literária do Rio Grande do Sul. FRANCO, A evolução da imprensa gaúcha e o Correio do Povo, p. 39. 45 Nasceu em Porto Alegre em 22 de setembro de 1900, morreu no Rio de Janeiro em 14 de abril de 1974. Meioirnão de Breno Alcaraz Caldas, era Bacharel em direito e jornalista; foi redator-chefe do Correio do Povo e do Estado de São Paulo. VILLAS-BÔAS, Pedro Leite. Dicionário bibliográfico gaúcho. Porto Alegre: Est/Edigal, 1991, p. 47. 46 Nasceu em Porto Alegre em 19 de setembro de 1886, morreu no Rio de Janeiro, em 18 de julho de 1942. Foi comerciante, jornalista e historiador; filiado ao IHGRGS; colaborador assíduo dos jornais Diário de Notícias e Correio do Povo. VILLAS-BÔAS, Dicionário bibliográfico gaúcho, p. 251. 47 Os juízes de comarca dirigiam as comarcas. Julgavam, em primeira instância, causas superiores a quinhentos mil réis e, em segunda instância, aquelas inferiores a esse valor. Não precisavam ser bacharéis formados, mas deviam prestar concurso público, o qual costumava ser fraudado. Tinham um pouco mais de autonomia em relação aos chefes locais, mas sofriam influência do Poder Executivo. RIO GRANDE DO SUL. História do Poder Judiciário no Rio Grande do Sul. Memorial do Judiciário do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Departamento de Artes Gráficas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Jul. 2004. 48 SOLEDADE. Comarca. Processo de Exibição de Autógrafos. Caixa 30. 1929. Comarca de Soledade. AHR/UPF. 49 Junto ao processo constam os originais dos jornais Diário de Notícias dos dias 7, 8, 16 e 22 de dezembro de 1928, bem como do Correio do Povo referente aos dias 8, 15 e 20 de dezembro de 1928.
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judicante no ano de 1927, como juiz distrital50, na Comarca de São Sebastião do Caí, e encerraria a carreira em 1942, no município de Livramento.51 O processo judicial teve início com uma petição dirigida por Evaristo Silveira ao desembargador procurador-geral do estado, pela qual requeria que fossem tomadas as providências necessárias para a responsabilização criminal dos signatários dos telegramas e correspondentes dos referidos jornais. Tratava-se, portanto, de descobrir quem eram os correspondentes dos jornais na cidade de Soledade de forma a responsabilizá-los pelas suas declarações. Quanto aos signatários dos telegramas, não havia qualquer mistério: eram Cândido Carneiro Júnior, Kurt Spalding, Aristides Alves Maciel, Pantaleão Ferreira Prestes, Roldão Camargo, Henrique Bohrer Sobrinho e Vivaldino Camargo, todos moradores de Soledade e ligados ao Partido Libertador local (PL).52 Os destinatários eram o presidente do estado, Getúlio Dornelles Vargas, e Raul Pilla, este um dos líderes do PL no estado, ao lado de Assis Brasil. O telegrama, publicado no dia 7 de dezembro de 1928, no Diário de Notícias, e em 8 de dezembro, no Correio do Povo, foi dirigido da vila de Soledade ao então presidente do estado, Getúlio Vargas53, e trazia em seu bojo pedido para que fosse realizada sindicância para averiguar o procedimento do juiz de comarca de Soledade, Evaristo Silveira, objetivando o seu afastamento da comarca. Os motivos denunciados relacionavam-se às supostas arbitrariedades cometidas por esta autoridade no exercício de sua função, como se envolver na 50
Os juízes distritais eram juízes de primeira instância e atuavam nos termos, julgando causas no valor de até quinhentos mil réis e preparando outros processos; não tinham estabilidade e nem sempre eram bacharéis em direito. Eram nomeados pelo presidente do estado, geralmente com base em indicações de coronéis locais, a quem deviam lealdade. RIO GRANDE DO SUL, História do poder judiciário no Rio Grande do Sul, p. 7. 51 Banco de Dados de Magistrados do Memorial do Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, consultado em 30 de jul. de 2004. 52 O Partido Libertador (PL) foi fundado em 3 de março de 1928 com elementos da Aliança Libertadora, que apoiaram a candidatura de Assis Brasil à presidência do estado. Formado tradicionalmente pelas forças de oposição ao Partido Republicano Riograndense (PRR), trazia em seu programa, da autoria de Assis Brasil, a introdução do voto secreto. O partido adotou o lema "Representação e Justiça", no qual no primeiro termo se incluía a exigência de um processo de alistamento eleitoral pelo qual se tornariam, automaticamente, aptos a votar todos os cidadãos hábeis que atingissem a maioridade cívica e mais a instituição do voto secreto, da apuração escrupulosa e de representação proporcional; no segundo termo contem-se a autonomia do Poder Judiciário, tornando a investidura dos juízes, a composição dos tribunais e o acesso dos magistrados independentes de qualquer poder político. O partido compunha-se dos dissidentes republicanos, de todos os elementos do Partido Federalista. O PL, coligado com o Partido Republicano Histórico, formou a Frente Única, que fez no Rio Grande do Sul a Revolução de 1930.DOCCA, E. F. de Souza. História do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Edição da Organização Simões, 1954, p. 372. 53 A chegada de Getúlio Vargas ao cargo máximo do Executivo gaúcho deu-se frente à impossibilidade legal de Borges de Medeiros manter-se no poder. Borges indicou Vargas, que era seu ministro da Fazenda, para sucedêlo. "Em outubro, uma convenção do PRR nomeou Vargas por aclamação; em novembro ele ganhou uma eleição em que os libertadores se negaram a lançar um candidato; e a 25 de janeiro de 1928, empossava-se no governo
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política local, dessa forma O quebrando irremediavelmente a cordialidade que sempre existiu entre os situacionistas e os libertadores deste município e afastando-se da conduta honesta de todos os funcionários públicos de Soledade. O
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O telegrama terminava com um pedido de seu
signatário, Cândido Carneiro Júnior, fazendeiro e secretário do Partido Libertador no município de Soledade, de que sua situação de oposicionista não constituísse obstáculo para o atendimento de sua solicitação. Em 8 de dezembro de 1928, o jornal Diário de Notícias estampou em sua edição a notícia de ter sido dirigida da Vila de Soledade a Porto Alegre, com destinação específica ao presidente do estado, a queixa por parte dos membros do Partido Libertador, representados por Kurt Spalding, então vice-presidente do Conselho Municipal, de que o juiz de comarca Evaristo Silveira, em franca hostilidade com o Partido Libertador local, estaria criando invencíveis dificuldades à inclusão de oposicionistas no alistamento eleitoral55. Spalding ressaltava que falava em nome do grupo minoritário daquele conselho e pedia a abertura de um inquérito para que se elucidassem os fatos. A presença de Kurt Spalding, membro da oposição, no Conselho Municipal de Soledade é explicada pelo fato de terem sido efetuados arranjos de forma que os membros do Partido Libertador dele participassem, visando, dessa forma, apaziguar os ânimos que já haviam se exaltado no pleito municipal no qual fora eleito prefeito Leonardo Seffrin56. O agrimensor Seffrin fora eleito em 10 de agosto de 1928 para a intendência do município de Soledade pelo Partido Republicano Riograndense (PRR).57 com a idade de 44 anos". LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São Paulo: Perspectiva, 1975. p. 233. 54 FORTES acusações a um juiz de comarca. A cordialidade entre situacionistas e oposicionistas em Soledade. Soledade, 6 - Pelo Sr. Cândido Carneiro Jr., prócer libertador nesta localidade e candidato a intendente deste município nas últimas eleições, foi dirigido ao Sr. Getúlio Vargas o telegrama seguinte.Correio do Povo, Porto Alegre, 08 dez. 1928. p. 12. e Diário de Notícias., Porto Alegre, 07 dez 1928. p. 06. 55 POLÍTICA oposicionista. Um juiz de comarca põe obstáculos ao alistamento de eleitores oposicionistas. Soledade, 7. Diário de Notícias, Porto Alegre, 08 dez. 1928. p.3. 56 Neste pleito concorreram para a prefeitura de Soledade Leonardo Seffrin e Cândido Carneiro Júnior. No período em que ocorreu processo de exibição de autógrafos, além de Seffrin, haviam sido eleitos para compor o Executivo municipal o vice-intendente e, para o Legislativo, sete conselheiros e três suplentes. Desses, dois conselheiros e dois suplentes pertenciam aos quadros do Partido Libertador e os demais, ao Partido Republicano. O quadro de funcionários do município era assim constituído: Armindo Lisboa, 1o secretário; Felinto Pereira Charão, tesoureiro; Osvaldo Cunha, cobrador da dívida ativa; Ângelo Rostirola, fiscal geral; Cantídio Moraes, fiscal da zona urbana e Pedro Kaller, contínuo. ZIMMERMANN, Florisbela Carneiro. Dados biográficos de alguns governantes municipais de Soledade. (mimeo) Porto Alegre, 2003. p. 2. 57 O Partido Republicano Riograndense (PRR) organizou-se, por iniciativa do Clube Republicano de Porto Alegre, em fevereiro de 1882. Fez da filosofia positivista a sua doutrina e se organizou de forma a chegar ao poder em um curto espaço de tempo e manter-se como partido hegemônico por longos anos no Rio Grande do Sul. PINTO, Celi R. Jardim. Contribuição ao estudo da formação do Partido Republicano Rio-Grandense (1882-1891). 1979. Dissertação de Mestrado em Ciência Política - UFRGS, Porto Alegre, 1979, p. 31.
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O telegrama seguinte, publicado na mesma data e jornal, era dirigido a Raul Pilla e tratava das audiências para inscrição de eleitores. Neste, Vivaldino Camargo trazia a notícia de que, nas audiências realizadas nos dias 28 e 30 do mês de novembro de 1928, o Partido Libertador teria inscrito um número de cem correligionários. Contudo, o juiz de comarca afirmara que não iria incluir no alistamento eleitoral nenhum dos alistados, razão pela qual Vivaldino considerava a conduta do juiz "parcialista e leviana". Ressaltava, por fim, que Evaristo da Silveira teria seguido para Porto Alegre sem licença, de forma que não havia substituto para se recorrer.58 Vivaldino Camargo, advogado na comarca de Soledade e membro do Partido Libertador local, acreditava na exclusão de seus companheiros, ao passo que os situacionistas teriam tido diversas audiências eleitorais designadas. Finalizava indicando: "Temos cerca de cento e cinqüenta correligionários para alistar, mas em virtude das dificuldades insuperáveis criadas pelo juiz não concorreremos às audiências designadas."59 Em 16 de dezembro de 1928, o jornal Diário de Notícias noticiou que fora dirigido ao presidente do estado outro telegrama proveniente de Soledade, desta vez firmado por Alfredo Alves Maciel, Pantaleão Ferreira Prestes, Roldão Camargo, Henrique Bohrer Sobrinho. Os missivistas reafirmavam a suposta conduta parcial e leviana do juiz e traziam a informação de que, após sua chegada a Soledade, ele teria ficado hospedado na residência particular do intendente municipal Leonardo Seffrin. Em relação a essa questão, na obra Histórias de vida, do Projeto Memorial do Judiciário Gaúcho, podem ser encontrados alguns depoimentos sobre a dificuldade enfrentada pelos juízes para encontrar um local para moradia, como o de José Barizon, referindo-se à comarca de Marcelino Ramos em 1957, o qual relatou:
[...] convivendo com a precariedade de condições do Município na época: sem casa para morar, sem água encanada e sem hotel condizente [...] conseguimos um apartamento nos fundos de um armazém, havia apenas meia parede separando o apartamento do armazém.
58
POLÍTICA oposicionista. Um juiz de comarca põe obstáculos ao alistamento de eleitores oposicionistas. Soledade, 7. Diário de Notícias, Porto Alegre, 08 dez. 1928. p.3. 59 Idem.
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Prossegue o mesmo juiz:
No Caí (1961), também houve problema de residência, paramos dois meses num hotel, depois conseguimos casa que era da Cúria, dos Padres, ao lado da Igreja. [...] em Alegrete houve o mesmo problema de residência. Então fomos para um hotel era o Hotel Real, apelidado de "metrecal" era um remédio para emagrecer.[...] ficamos lá dois meses até conseguirmos casa.60 Moltke Germany, por sua vez, referindo-se ao período em que fora promotor em Canguçu, no ano de 1944, relatou que "Canguçu era um lugar parado. O hotel era pobre, basta dizer que as refeições servidas eram cozidas em fogareiro de chão."61 Assim, no contexto que pressupõe independência do Judiciário para que suas decisões fossem as mais neutras possíveis, fica clara a importância da infra-estrutura adequada como um dos pressupostos para a independência dos juízes frente aos poderes locais. 62Outras afirmações de Moltke Germany também esclarecem as dificuldades enfrentadas no foro de Soledade. Tendo aceito proposta de um colega para permutar Canguçu por Soledade, já como juiz municipal, ele conta:
Foi um "abacaxi" tremendo, porque o pessoal de Soledade não era brincadeira, era um serviço terrível. Além disso, eu já havia sido Delegado em Soledade. Havia muita gente que não me apreciava por ser muito enérgico.63
Atuando em Soledade como delegado, em 1943, Germany conta que entrou em choque com o chefe de polícia por desatender a ordens ilegais dele; ainda, apesar de em Soledade o serviço ser intenso, na delegacia havia somente um escrevente, que não sabia datilografar.64 As desavenças entre o delegado e o juiz Germany representam um tipo de violência específico contra a autoridade, o ataque ao poder desta. O fato da violência contra o poder representado pela autoridade ter sido algo constante, não só em Soledade, como em
60
FÉLIX, Loiva Otero; GRIJÓ, Luiz Alberto. Histórias de vida: entrevistas e depoimentos de magistrados gaúchos. vol 1. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Projeto Memória do Judiciário Gaúcho. 1999, p. 34. 61 FÉLIX; GRIJÓ, Histórias de vida, p. 36. 62 Idem. 63 Idem, p.280. 64 Idem, p.278.
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outros municípios serranos, é um sintoma da limitação do poder público da época frente aos abusos dos mandões da região. Um outro aspecto da dificuldade dos operadores judiciários é salientado por Victor Nunes Leal, em sua obra sobre o coronelismo, sustenta que uma das razões da completa desorganização administrativa dos municípios consistia na "incultura do interior", visto que neles havia dificuldade de se conseguir funcionários competentes.65 Sobre os problemas na atividade judiciária acrescenta Loiva Otero Félix:
Não eram poucas, portanto, as dificuldades para o exercício do trabalho ligado ao Judiciário. As condições materiais para o exercício cotidiano das atividades do foro esbarravam nas precárias instalações, nas deficiências de comunicação, na falta de pessoal qualificado, bem como nas dificuldades do próprio juiz em colocar em prática os seus conhecimentos teóricos.66
Com relação à situação de Soledade, no mesmo telegrama de 16 de dezembro de 1928, Alfredo Alves Maciel, Pantaleão Ferreira Prestes, Roldão Camargo, Henrique Bohrer Sobrinho prosseguiam ressaltando que contra o intendente municipal tramitavam duas importantes ações no foro de Soledade,67 das quais seria responsável pelo julgamento o próprio juiz Evaristo Silveira. Forneciam ainda informações de outras prováveis arbitrariedades cometidas pelo magistrado:
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LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto, 2. ed. São Paulo : Alfa-Omega, 1975. p. 39. FÉLIX, Histórias de Vida, v. 1, p. 36. 67 Contra Leonardo Seffrin, corriam de fato duas ações; uma de prestação de contas, movida contra o mesmo por Jacques Borges de Camargo, julgada pelo juiz de comarca Ciro Pestana, em favor de Jacques Borges de Camargo e outra Ação de Força Nova Turbativa, em que era autor o Sr. Vitório dos Reis e réus a empresa colonizadora Seffrin e Souza e Cia. Caixa 61. AHR/UPF. 66
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No dia 30 do mês passado, instalou-se na casa de moradia, transportando para ela quase todo o mobiliário do fórum local. Ainda em dias do mês passado, o juiz de comarca, levianamente, representou às autoridades militares contra o tenente Astrogildo Nobre, instrutor do Tiro de Guerra desta vila, sendo suspenso e punido o brioso oficial. O Dr. Evaristo retratou-se por telegrama, alegando ter agido mal informado. O juiz de comarca tem procedido com violência, porque mandou deportar desta localidade, para lugar ignorado, o nosso conterrâneo Antônio Gonçalves, contra quem não existe sequer denúncia em juízo; mandou prender arbitrariamente Anacleto Pelotas, contra quem nada consta em cartório; mandou chamar à polícia, para dar explicações acerca de referências feitas a sua pessoa, o distinto cidadão Armando Ávila, honesto telegrafista desta localidade. O juiz de comarca não procedeu bem ainda diversas vezes, em pescarias pelo interior do município com réus processados e sujeitos a seu julgamento. 68 Prosseguindo, o telegrama de 16 de dezembro de 1928 trazia a informação de que "o juiz de comarca foi parcial, encerrando a audiência eleitoral do dia 28 sem atender a dez libertadores que requereram inscrição e, agora mesmo, verificamos em cartório que, entre cem libertadores inscritos nas audiências eleitorais dos dias 28 e 30 do mês passado, nenhum foi incluído no alistamento."69 Os emissores encerravam o telegrama requerendo a abertura de um inquérito para comprovar a veracidade das alegações. Portanto, as acusações que pesavam sobre Evaristo Silveira eram muitas e graves. Embora não seja possível a constatação da veracidade de todas as denúncias, os indícios presentes na imprensa da época, bem como nos processos analisados, levam a crer que o juiz realmente teria praticado grande parte dos fatos denunciados. Assim, fica evidenciado que o quadro político do município de Soledade era de disputas. Ao contrário de muitas cidades do norte do Rio Grande do Sul, nas quais havia uma predominância do PRR sobre a oposição liberal, em Soledade a luta política era acirrada, quando não, mesmo, violenta. Embora a maioria dos eleitores se submetesse à dominação do PRR, o PL tinha uma atuação marcante.
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POLÍTICA oposicionista. Acusações a um juiz de comarca. Soledade, 15, pelos presidentes honorários do partido libertador deste município, Srs. Alfredo Maciel, Pantaleão Ferreira Prestes, Roldão Camargo e Henrique Bohrer Sobrinho, foi dirigido o seguinte telegrama ao presidente do Estado. Diário de Notícias, Porto Alegre, 16 dez 1928. p. 1. 69 Idem.
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Nos autos do Processo de Exibição de Autógrafos, o juiz de comarca Evaristo Silveira trouxe em sua defesa a alegação de que o motivo determinante das calúnias e injúrias contra ele fora a denúncia realizada pelo então presidente da Junta de Alistamento Eleitoral, capitão Leonardo Seffrin, que o teria alertado a respeito do fato de os libertadores terem preparado processos de habilitação de eleitores com documentação falsa. Tendo em vista esses fatos, Evaristo Silveira determinara a prisão dos cidadãos Abrilino José da Rosa e Emiliano Pimentel da Silva, que teriam apresentado em audiência atestados falsos de renda e residência. Evaristo Silveira defendia-se, ainda, alegando que não teria chegado a tomar conhecimento dos processos que corriam contra Leonardo Seffrin, em cuja casa afirmou ter estado de fato hospedado por algum tempo, mas por absoluta falta de local para se instalar em Soledade. Contudo, a relação entre Seffrin e Silveira parecia ser de fato próxima, conforme pode ser percebido na seguinte passagem: "O capitão Leonardo Seffrin, intendente municipal e chefe do Partido Republicano local, percorreu hoje, pessoalmente, as repartições públicas e os escritórios dos advogados, angariando assinaturas para um telegrama de solidariedade ao juiz de comarca, dirigido ao presidente do Estado." 70 No jornal Correio do Povo, em sua edição de 22 de dezembro de 1928, consta um telegrama redigido por Vivaldino Camargo e Cândido Carneiro Júnior, os quais informavam ao presidente do estado que o Partido Libertador "desinteressa-se pela qualificação, em face da conduta parcial, violenta e claudicante do juiz de comarca.”71 Os missivistas ressaltavam os seguintes fatos: No dia 17 do corrente, os libertadores Abrilino Loureiro e Emiliano Pimentel, de “motu próprio”, foram alistar-se na audiência realizada no 9o distrito, sendo presos pelo juiz sob o pretexto de exibirem prova de falsa residência. Abrilino e Emiliano, que têm cerca de 60 anos, são criadores e conhecidos proprietários nasceram e envelheceram nesta localidade. 72
Informavam ainda no telegrama que o juiz de comarca teria vindo da capital acompanhado de um contingente da Brigada Militar, o que o teria estimulado a praticar as mais diversas arbitrariedades. Segundo os libertadores, Evaristo Silveira percorria as ruas de 70
ACUSAÇÕES a um juiz de comarca. Soledade, 14. Correio do Povo, Porto Alegre, 15 dez 1928. p. 2. A ATITUDE de um juiz de comarca. Soledade, 19. Correio do Povo, Porto Alegre, 20 dez 1928. p. 16. 72 Idem. 71
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Soledade acompanhado de praças armados; assim, concluíam afirmando que "o juiz de comarca Dr. Evaristo Silveira é um prevaricador e venal. Assumimos as responsabilidades deste asserto e desejamos a instalação de uma sindicância para produzirmos provas."73 O jornal Diário de Notícias, em sua edição de 22 de dezembro de 1928, mais uma vez trouxe a notícia de um telegrama dirigido da vila de Soledade, desta vez endereçado a Raul Pilla74 e assinado por Cândido Carneiro Júnior e Vivaldino Camargo. O telegrama tratava dos impedimentos de alistamento dos libertadores Abrilino Loureiro e Emiliano Pimentel. Do texto veiculado extraiu-se o seguinte trecho: Motivou tal procedimento, da parte do juiz de comarca, ter este contratado conosco pagarmos a quantia de 5 mil réis por cada correligionário incluído no alistamento eleitoral. Inscritos cem companheiros nas audiências de 28 e 30 do mês passado, o juiz pretendeu receber o preço ajustado antes da inclusão dos alistados. Recusamo-nos a efetuar esse pagamento antes da inclusão, porque já nos constava terem os situacionistas comprado o juiz por maior preço, para não mandar incluir os libertadores. 75
A questão central motivadora das denúncias veiculadas nos telegramas ao juiz Evaristo Silveira era, portanto, política. Tratava-se, mais especificamente, de problemas ocorridos quando do alistamento eleitoral de correligionários do Partido Libertador, cujo diretório era composto por Vivaldino Camargo, Cândido Carneiro Júnior e Kurt Spalding. Antes de se iniciarem as denúncias, os dirigentes locais do PL haviam solicitado, em correspondência ao então juiz de comarca, em 6 de novembro de 1928, a designação de audiências eleitorais para a inscrição de eleitores visando à eleição de deputados estaduais. No requerimento tinham pedido que as audiências fossem realizadas a partir do dia 20 de novembro de 1928, justificando que, assim, poderiam os interessados tomar conhecimento delas e, assim, providenciarem a documentação necessária para o alistamento. Solicitavam, ainda, a realização de uma audiência de alistamento no local denominado “Lagoão”, então 6o 73
A ATITUDE de um juiz de comarca. Soledade, 19. Correio do Povo, Porto Alegre, 20 dez 1928. p. 16. Raul Pilla nasceu em Porto Alegre em 20 de janeiro de 1892 e faleceu na mesma cidade em 7 de junho de 1973. Mesmo formado em medicina e letras, atuou muito mais como político e jornalista. Foi líder do Partido Libertador, que sucedera o antigo partido federalista. Defensor do sistema parlamentarista entre 1922 e 1965, tendo publicado diversos trabalhos em defesa desse sistema. In: VILLAS-BÔAS, Pedro Leite, Dicionário bibliográfico gaúcho, p. 184. 75 ACUSAÇÃO gravíssima. Afirma-se que um juiz contrarara, a 5$000 por cabeça, a inclusão de eleitores oposicionistas no alistamento. Pede-se a abertura de inquérito para esclarecer o vergonhoso caso. Diário de Notícias, Porto Alegre, 22 dez 1928. p. 3. 74
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Distrito da vila de Soledade, por ser local distante da sede do município, o que impediria muitos eleitores de comparecerem às audiências. Nos autos do processo-crime consta a informação de que esse requerimento teria sido prontamente atendido.76 Kurt Spalding, um dos descontentes, chegou a dirigir-se a Porto Alegre a fim de relatar pessoalmente ao governo do estado os acontecimentos envolvendo o juiz Evaristo Silveira.77 Contudo, a tentativa resultara infrutífera, visto não ter obtido do presidente do estado qualquer manifestação. Com relação aos diretores dos jornais Correio do Povo e Diário de Notícias, Fernando Caldas e Francisco Leonardo Truda, respectivamente, citados78 para que revelassem a autoria dos telegramas, foram uníssonos em afirmar que à redação do jornal cabe a responsabilidade das publicações telegráficas feitas e que o correspondente as teria transmitido simplesmente a título de informação. Já os representantes do Partido Libertador naquela localidade afirmavam que tinham divulgado as informações a fim de "amainar os espíritos exaltados"79, pois temiam que pudesse ser praticado algum ato de violência pessoal contra o juiz Evaristo da Silveira. Consta ainda da sentença proferida pelo juiz da Comarca de Porto Alegre, Inocêncio Borges da Rosa:
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SOLEDADE. Comarca. Processo de Exibição de Autógrafos. Caixa 30. 1929. AHR/UPF. SOLEDADE. Correio do Povo, Porto Alegre, 20 dez. 1928. p. 16. 78 Pelo termo citação, entende-se o ato processual pelo qual se chama ou se convoca para vir a juízo a fim de participar de todos os atos e termos da demanda intentada, a pessoa contra quem ela é promovida. DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário jurídico, p. 338. 79 SOLEDADE. COMARCA. Processo de Exibição de Autógrafos. Caixa 30. 1929. AHR/UPF. Certidão da sentença proferida pelo juiz da Comarca de Porto Alegre, Inocêncio Borges da Rosa. 77
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Está, pois, patente que os acusados não podem arcar com a responsabilidade dos despachos telegráficos publicados pelos jornais “Diário de Notícias” e “Correio do Povo”, à revelia dos mesmos, pelos correspondentes dos ditos jornais, na vila de Soledade, maxime quando os diretores esses jornais declaram que as redações assumem a responsabilidade pela referida publicação. Se crime cometeram os acusados, só podem consistir nas afirmações ditas caluniosas e injuriosas constantes das representações dirigidas ao Sr. Dr. Presidente do Estado. Porém, neste caso, há uma interrogação a fazer-se: “Antes de um inquérito, que descubra indícios de criminalidade, pode ser processado por crime de calúnia ou injúria quem se dirige aos poderes públicos, mediante petição em ofício ou telegrama, denunciando atos ou fatos, que, a seu ver, constituem abusos, crimes violências ou ilegalidades das autoridades, invocando o direito consagrado no art. 72 parágrafo 9o da Constituição da República ? ? ? (grifo no original) Se esta lei magna confere a qualquer cidadão o direito de representar contra os abusos da autoridade, não é lógico concluir –se que a primeira causa a fazer é indagar, é verificar se tais abusos ocorreram ou não, e só depois de verificada a falsidade ou improcedência das acusações contidas na representação é que terá lugar o processo por crime de calúnia ou injúria ? ? ? (grifo no original) É visto que sim. 80
Continuava o juiz suas afirmações com relação aos signatários dos telegramas (Cândido Carneiro Júnior, Kurt Spalding, Vivaldino Camargo, Pantaleão Ferreira Prestes, Roldão Camargo e Henrique Bohrer Sobrinho), dizendo: Foi, pois, com muita razão que os acusados insistiram pela abertura de um inquérito. Este não foi feito, portanto, não podem ser os acusados processados. Já ficou dito que a reprodução pela imprensa dos telegramas ditos caluniosos e injuriosos foi feita pelos jornais “Diário de Notícias” e “Correio do Povo” à revelia dos acusados, assim sendo, isenta-os de responsabilidade o art. 9o, n.1, do Decreto n.4743, de 31 de outubro de 1923 (Lei de Imprensa). 81
Apesar do clima de confronto político e de indisposição entre os partidos, em 1929, tendo em vista a unificação das forças políticas gaúchas, representadas pelos partidos 80
SOLEDADE. COMARCA. Processo de Exibição de Autógrafos. Caixa 30. 1929. AHR/UPF. Certidão da sentença proferida pelo juiz da Comarca de Porto Alegre, Inocêncio Borges da Rosa. 81 SOLEDADE. COMARCA. Processo de Exibição de Autógrafos. Caixa 30. 1929. AHR/UPF. Certidão da sentença proferida pelo juiz da Comarca de Porto Alegre, Inocêncio Borges da Rosa.
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Republicano Riograndense e Libertador, em torno da Aliança Liberal e da candidatura de Getúlio Vargas à presidência da República, os ânimos se acalmaram também em Soledade. Foi eleito como presidente efetivo dessa aliança no município o intendente capitão Leonardo Seffrin e, como presidente de honra do partido, Vivaldino Camargo; para primeiro, segundo e terceiro secretários foram escolhidos, respectivamente, Rosauro Tavares, Ubirajara Albuquerque e Jorge de Paula. Do Conselho Fiscal fizeram parte o major Pedro Carneiro (irmão de Cândido Carneiro Júnior), Jerônimo de Oliveira Neves, Pacífico Batista da Silva, entre outros; para o Conselho Deliberativo, foram eleitos o major Cândido Carneiro Júnior, Álvaro Rodrigues Rodrigues Leitão, Abelardo e Olavo de Almeida Campos, além de Tomaz dos Santos Vaz.82 Portanto, os que antes se digladiavam estavam agora lado a lado na Frente Única Gaúcha.
Alguns Políticos Locais Foto 1: Da esquerda para a direita, segundo: Candoca; quinto: Kurt Spalding, seguido por Guilherme de Vasconcelos. Oitavo: Vivaldino Camargo, seguido por Leonardo Seffrin. Da direita para a esquerda, segundo: Jacques Camargo, terceiro: Mário Carneiro. Fonte: WEDY, Garibaldi Almeida. Soledade: Fatos Políticos, Violências e Mortes: Reminiscências Década de 1930 -1940. Porto Alegre : Renascença, 1999, p. 94.
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ZIMMERMANN, Dados biográficos de alguns governantes municipais de Soledade, p. 02.
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Políticos Locais Da esquerda para a direita, a partir do quarto: Vivaldino Camargo; sexto: Pedro Carneiro, seguido por Lisboa; Mário Carneiro; Kurt Spalding; Roldão Camargo e Jacques Borges de Camargo. Fonte: WEDY, Garibaldi Almeida, 1999, op. cit., p. 94.
A "pacificação" em torno da Aliança Liberal durou três anos, de 1929 a 1932, período em que as forças políticas gaúchas mantiveram uma relativa harmonia nas suas relações. A revolução de 1930, que conduziu Getúlio Vargas à presidência da República, foi o resultado de um amplo e diversificado pacto, reunindo grupos e segmentos sociais com interesses bastante diferenciados. Assim, em 1931, já começaram a surgir as divergências no seio desta aliança tão heterogênea. As oligarquias, forças sociais e políticas predominantes até o movimento de 1930, perdiam o poder exclusivo gradativamente. Foi nesse contexto que irrompeu a Revolução Constitucionalista, liderada pelos paulistas descontentes, que teve aliados em Soledade. O Combate do Fão, ocorrido em 13 de setembro de 1932, representou em Soledade o confronto entre as forças rebeldes e as forças oficiais. Em seguida, mais precisamente em 1934, merece destaque a ação do grupo, cujos membros ficaram conhecidos como "bombachudos", ao qual foi atribuída a prática de inúmeras violências, entre as quais o crime da Farmácia Serrana.
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1.2 O que estava em jogo: o processo eleitoral e o problema da qualificação dos eleitores
A questão das eleições e da qualificação de eleitores foi central durante o período da República Velha no Brasil, marcado pelas fraudes eleitorais. Mais que isso, tendo em vista a importância do sistema coronelista para a efetivação das relações de poder em nível nacional, estadual e local, o controle sobre os processos eleitorais locais era primordial. Para compreender a organização político-adminstrativa brasileira no contexto da República Velha são fundamentais as obras de Vitor Nunes Leal e Raymundo Faoro. Victor Nunes Leal83 é autor de uma das mais importantes obras sobre o sistema político brasileiro e o municipalismo, onde trata das relações entre magistrados e coronéis desde o Segundo Império até a Primeira República. Ao analisar as relações entre o tribunal do júri e o sistema coronelista, afirma:
Na influência da política local sobre os julgamentos populares podemos observar, nitidamente, como a autoridade própria dos "coronéis", derivada de sua ascendência econômica e social, é reforçada pela autoridade de empréstimo, recebida do governo estadual através do compromisso característico do "coronelismo."84 Em outra passagem, ao referir-se às garantias que resguardassem a autonomia dos magistrados,85 Leal afirma que em razão da falta de estipulação dessas na Constituição da época, os governos dos estados sentiam-se livres para intervir no Judiciário.86 83
LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto, 2. ed. São Paulo : Alfa-Omega, 1975. LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 211. 85 Foi com a Constituição de 1934 que foram estabelecidas as garantias dos magistrados: “Art. 64. Salvas as restrições expressas na Constituição, os juízes gozarão das garantias seguintes: a) vitaliciedade, não podendo perder o cargo senão em virtude de sentença judiciária, exoneração a pedido, ou aposentadoria, a qual será compulsória aos 75 anos de idade, ou por motivo de invalidez comprovada, e facultativa em razão de serviços públicos prestados por mais de trinta anos, e definidos em lei; b) inamovibilidade, salvo remoção a pedido, por promoção aceita, ou pelo voto de dois terços dos juízes efetivos do tribunal superior competente, em virtude de interesse público; c) irredutibilidade de vencimentos, os quais ficam, todavia, sujeitos aos impostos gerais. Parágrafo único. A vitaliciedade não se estenderá aos juízes criados por lei federal, com funções limitadas ao preparo dos processos e à substituição dos juízes julgadores.” CASTRO, Flávia Lages de. História do direito: geral e do Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 455. Atualmente os magistrados possuem inscritas na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 95, as seguintes garantias: "I -vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado; IIinamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII; III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39 parágrafo 4o , 150, II, 153, III e 153, parágrafo 2o, I. " 84
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Raymundo Faoro,87 por sua vez, ressalta o domínio da magistratura na vida pública, embora não exclua os proprietários de terra, sugerindo que os magistrados imperiais seriam também, muitas vezes, fazendeiros ou proprietários. Contribui trazendo o tema do direito, especialmente do público e do constitucional, para a historiografia brasileira, relacionando sua formatação e aplicação também às injunções das forças políticas em ação no cenário nacional. O texto traz uma leitura muito particular da montagem da burocracia do Estado no Brasil e da forma como o setor público, que o autor considerava um "aparato artificial", foi se distanciando dos interesses da sociedade. Com respeito aos procedimentos eleitorais durante o período analisado neste trabalho, pode-se dizer que eram o resultado de um complexo sistema. Como não havia unidade jurídica, sobre as eleições incidiam regulamentos federais, estaduais e municipais, que poderiam ser, e geralmente eram, alterados de uma para outra. No período em que não havia ainda a Justiça Eleitoral instituída, intervinham no pleito em diferentes momentos os chefes dos poderes Executivos estadual e federal, a Assembléia Legislativa, a magistratura, as autoridades municipais (executivas e legislativas), além das autoridades policiais. Mais do que isso, não havia data fixada para a realização das eleições, nem havia coincidência de datas entre os pleitos municipais, estaduais e federal, o que conduzia a que houvesse eleições quase que anualmente.88 A questão dos processos eleitorais e sua legislação remete ao final do período imperial brasileiro. Durante o Império elegiam-se representantes para diversos postos do sistema político, tais como juiz de paz, Câmara municipal, Assembléia Provincial (Poder Legislativo das Províncias), Câmara dos Deputados e Senado.89 Figura importante do processo eleitoral imperial era o "fósforo", assim definido pelo deputado conservador Francisco Belisário Soares de Souza:
ABREU FILHO, Nilson Paim de. Constituição Federal: Promulgada em 05 de outubro de 1988. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 3 ed, 2001. p. 84. 86 LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 202-203. 87 FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 10. ed. São Paulo: Globo, 1995. 88 AXT, Gunter. Votar por quê? Ideologia autoritária, eleições e justiça no Rio Grande do Sul borgista. Justiça & História, Porto Alegre, n. 1/ 2, p. 175-216, 2001. p. 290. 89 NICOLAU, Jairo. História do voto no Brasil (Descobrindo o Brasil). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 12.
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O invisível, o fósforo, representa um papel notável nas nossas eleições, e mais ainda, nas grandes cidades do que nas freguesias rurais. Um bom fósforo vota três, quatro, cinco e mais vezes em várias freguesias quando são próximas. Os cabalistas sabem que F. qualificado morreu, mudou de freguesia, está enfermo; em suma não vai votar: o fósforo se apresenta. É mui vulgar que, não acudindo à chamada um cidadão qualificado, não menos de dois fósforos se apresentem para substituí-lo, cada qual cabe melhores provas de sua identidade, cada qual tem maior partido e vozeria para sustenta-lo em sua pretensão.90 Para Walter Costa Porto, “teimou o Brasil em legislar demais, disciplinando, por leis episódicas, cada eleição, sem cuidar de incluir as novas disposições em definitivo, na norma geral". Outro problema apontado pelo autor é a influencia nos pleitos do poder econômico, que, com o passar do tempo não foi aplacada. 91 Esses fatores levariam a uma verdadeira anarquia eleitoral, a ponto de tornar muito difícil a administração dos pleitos. Até a implantação da Lei Saraiva (1881), as eleições eram indiretas, havendo distinção entre votantes e eleitores. A qualificação dos cidadãos era feita em nível municipal e ficava sob inteiro controle dos mandatários locais, acentuando o poder coronelístico. 92 Elaborada pelo conselheiro Saraiva e baseada num projeto de Rui Barbosa, a lei número 3.029, de 9 de janeiro de 1881, exigia renda mínima anual de 200$000 como requisito para inclusão no alistamento, do que também lhe adveio a denominação de "Lei do Censo". Objetivando garantir o sigilo do voto e ampliando os casos de inelegibilidade e incompatibilidade,93 esta lei proibia, ainda, o voto dos analfabetos, o que foi denominado por Rui Barbosa de "Censo Literário."94 Sobre a exclusão dos portadores dessa condição, Walter Costa Porto relata: E, pela primeira vez na história eleitoral brasileira, os analfabetos iriam ser excluídos do sufrágio. Antes, o silêncio da Carta de 1824, e as disposições permissivas dos textos posteriores - de que não se assinassem as cédulas ou que se deixasse a outro o encargo de assinaturas - permitiram sempre o direito do voto aos que não soubessem ler e escrever. 95 90
NICOLAU, História do voto no Brasil, p. 12 -13. PORTO, Walter Costa. O voto no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002, p. 10. 92 JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. O coronelismo: uma política de compromissos. São Paulo: Brasiliense, 3. ed. 1984, p. 19-20. 93 LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 223. 94 "O projeto estabelece dois quilates para o eleitorado - o que poder-se-ia chamar de censo literário - saber ler e escrever- e o censo pecuniário" Discurso em 10.07.1879, in BARBOSA, Rui, Obras completas, vol. VI , t. I, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1943, p. 238, apud PORTO, Walter Costa, O voto no Brasil, p. 106. 95 PORTO, O voto no Brasil, p. 106. 91
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Com relação à política municipal, como os estados possuíam autonomia para deliberar sobre a matéria, havia uma enorme variação no processo eleitoral. Para que se tenha uma idéia dessa disparidade, a denominação dos dirigentes era bastante variada: prefeito, intendente, superintendente, agente do Executivo. Em alguns estados, não havia sequer eleição para o chefe do Executivo municipal, de modo que todos os que exerciam esse cargo eram indicados pelo presidente do estado; em outros, havia indicação dos prefeitos das capitais e de outras cidades consideradas de relevância, como estâncias hidrominerais e cidades com obras e serviços de responsabilidade do Estado.96 A qualificação dos eleitores era confiada em cada termo ao juiz municipal, cabendo ao juiz de direito a definitiva organização da lista de eleitores de sua comarca. Estava prevista a revisão anual da lista para que fossem incluídos novos nomes ou excluídos. As mesas eleitorais, que tinham a incumbência de apurar os votos, eram constituídas pelo juiz de paz mais votado da paróquia, como presidente, de quatro mesários, que eram os dois juízes de paz que se seguiam em votos ao primeiro e de dois cidadãos imediatos em votos. Contudo, a apuração final, baseada nas atas das mesas, competia a uma junta formada pelo juiz de direito da "comarca cabeça"97 do distrito eleitoral, como presidente, e pelos presidentes das mesas eleitorais da circunscrição.98 A maior interferência das autoridades judiciárias na qualificação e na fase final da apuração representava, sem dúvida, um passo avante, mas reduzido em seu alcance pela dependência política dos juízes municipais 99 e, mesmo, dos juízes de direito100. 101
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NICOLAU, História do voto no Brasil, p.28. Quando a comarca é compreendida por vários termos - circunscrição judiciária onde se limita ou se estabelece uma jurisdição, em geral de categoria inferior à comarca - entende-se por comarca “cabeça” o lugar onde se encontra a sede desta, e em conseqüência do juízo principal. PLÁCIDO e SILVA, Vocabulário jurídico, p. 459. 98 LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p.223-224. 99 Os juízes municipais eram nomeados e temporários, foram criados pela Constituição de 29 de junho de 1935. O cargo foi extinto pela Carta Estadual de 1947. RIO GRANDE DO SUL, História do poder judiciário no Rio Grande do Sul, p. 10 e12. 100 Juizes de direito eram os concursados. RIO GRANDE DO SUL, História do poder judiciário no Rio Grande do Sul, p.10. 101 LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 224. 97
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Sobre o caos no processo eleitoral Flávia Lages de Castro registra: As eleições de qualquer nível eram feitas de maneira a facilitar a fraude. O candidato não precisava estar cadastrado, não precisava pertencer a nenhum partido, as cédulas eleitorais não eram oficiais (muitas vezes eram utilizadas as cédulas dadas pelos cabos eleitorais ou recortadas de jornais) e, principalmente, o voto não era secreto.102 A fraude durante as eleições, voto de cabresto e ordem do coronel eram difundidos de tal forma que o legislador do Código Penal de 1890 incluiu em seus artigos o de número 166, que, em vista da realidade então vigente, não seria levado a sério:
Art. 166. Solicitar, usando promessas ou ameaças, votos para certa e determinada pessoa, ou para esse fim comprar votos, qualquer que seja a eleição a que se proceda. Penas: de prisão celular por três meses a um ano, e de privação dos direitos políticos por dois anos.103 A preocupação do legislador com o assunto revela a disseminação dessa prática, pois “a transgressão, para existir como tal, necessita de uma lei – que será, precisamente, transgredida". Indo-se um pouco além, é possível afirmar que a norma só se torna aparente, graças às transgressões.104 Com a proclamação da República e o novo regime presidencialista sob o signo do federalismo, foi implantado um regime político descentralizado, sob o controle de partidos únicos regionais, representativos das oligarquias estaduais dominantes e coordenados nacionalmente pelo presidente da República. Esse regime se contrapunha, pelo menos aparentemente, ao centralismo do Império.105 Os republicanos históricos acreditavam que, modificando-se a legislação eleitoral, conseguiriam suprimir o mandonismo local, o que, contudo, não ocorreu, pois com o novo sistema ocorreu um aumento da zona de influência dos mandões locais. Assim, a modificação do sistema eleitoral só veio contribuir para a consolidação do coronelismo, que teve seu ápice
102
CASTRO, História do direito, p. 424. Idem, p. 432. 104 TODOROV, Tzvetan. Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980. p. 44-5. 105 TRINDADE, Hélgio. Brasil em perspectiva: conservadorismo liberal e democracia bloqueada.In MOTA, Carlos Guilherme. Viagem Incompleta: a experiência brasileira (1500-2000): a grande transação. São Paulo: Editora SENAC, 2000, p. 357. 103
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no Brasil na Primeira República, embora já existisse como prática específica do poder político brasileiro desde o Império.106 Seguiu-se um retrocesso em muitos aspectos da legislação eleitoral. Dos numerosos textos de lei sobre a matéria expedidos pelo Governo Provisório do Marechal Deodoro, destacam-se dois decretos, o 200-A, de 8 de fevereiro de 1890, e o 511, de 23 de junho de 1890, também conhecido como "Regulamento Alvim", nome que veio do ministro referendatário.107 O decreto 200-A reduziu a idade dos homens para ter direito a voto de 25 para 21 anos; para casados, oficiais militares, bacharéis formados, doutores e clérigos, o direito de voto independia da idade. Uma ressalva foi feita: todos os alistados pela Lei Saraiva (última legislação imperial), mesmo os analfabetos, seriam incluídos ex-officio.108 A Constituição de 1891 excluiu os mendigos, os analfabetos, as praças de pré (menos os alunos das escolas militares de ensino superior) e os religiosos sujeitos a voto de obediência que importasse renúncia da liberdade individual e do direito ao voto, mas manteve o sufrágio amplo na forma da lei, que, contudo, excluía as mulheres.109 A mesma Carta limitou a competência legislativa da União para "regular as condições e o processo da eleição para os cargos federais", ficando os estados livres para legislar sobre as eleições estaduais e municipais. 110 A primeira lei eleitoral federal posterior à Constituição foi a de n° 35, de 26 de janeiro de 1892, a qual estabeleceu novas regras para o alistamento federal, que passou a ser feito em cada município por comissões de cinco eleitores, escolhidos pelos membros dos governos municipais (Câmara, Intendência ou Conselho). Cada comissão tinha a responsabilidade pelo alistamento de uma seção eleitoral do município. Dessa forma, as facções majoritárias na política local passaram a controlar o processo de alistamento, o que deu margem a toda sorte de fraudes e manipulações para facilitar a inclusão de correligionários e a exclusão de adversários. Para o alistamento estadual e municipal a responsabilidade ficava a cargo dos Estados e Municípios. 111 As maiores alterações no sistema eleitoral viriam em 1904, com a "Lei Rosa e Silva", que mudou a composição da comissão de alistamento, porém não impediu a influência 106
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O coronelismo numa interpretação sociológica. In: FAUSTO, Bóris (Org.) História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1983. p.155. 107 LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 225. 108 PORTO, O voto no Brasil, p. 116. 109 LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 226. 110 Constituição de 1891, art. 34, inciso número 22. 111 NICOLAU, História do voto no Brasil, p. 28.
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da política local. A comissão era composta pelo juiz de direito, dois dos maiores contribuintes de imposto predial, dois dos maiores contribuintes de imposto sobre a propriedade rural e três cidadãos eleitos pelo governo municipal. Para ter seu cadastro como eleitor, o cidadão deveria provar saber ler e escrever, escrevendo perante a comissão de alistamento, em livro especial, seu nome, estado civil, filiação, idade, profissão e residência.112 A partir de 1916, a responsabilidade pela qualificação nas eleições federais voltou a ser do Judiciário. A documentação para o alistamento deveria ter firma reconhecida e o alistando deveria provar idade, capacidade de assegurar sua subsistência, residência por mais de dois meses no município, além de demonstrar saber ler e escrever. 113 Apesar de todos os esforços, as fraudes nos processos de qualificações persistiam e eram generalizadas, ocorrendo em todas as fases do processo eleitoral, desde o alistamento e votação, até a apuração dos votos e reconhecimento dos eleitos. Destacam-se o "bico de pena" e a "degola" como principais instrumentos de falsificação eleitoral. Nas palavras de Vitor Nunes Leal, na eleição a "bico de pena" "inventavam-se nomes, eram ressuscitados os mortos e os ausentes compareciam; na feitura das atas, a pena todo-poderosa dos mesários realizava milagres portentosos". 114 Para ser eleito, o candidato precisava ter o cômputo dos seus votos reconhecido em várias instâncias, dependendo do cargo pretendido; ao final da tramitação, cabia às Comissões de Verificação de Poderes diplomar os eleitos. A "degola" consistia, pois, no impedimento da posse dos candidatos indesejáveis através de alegação de fraudes ou irregularidades burocráticas115, ou, ainda, pela retirada de nomes de deputados das listas para as legislações seguintes. A Câmara dos Deputados tinha uma comissão responsável por organizar a lista dos deputados presumivelmente legítimos para a legislação seguinte (Comissão Verificadora dos Poderes); como havia controle da comissão pelos deputados governistas, freqüentemente, deputados eleitos pela oposição não tinham os seus diplomas reconhecidos.116 Em relação ao Rio Grande do Sul, Joseph Love, através da compilação de documentos da Federação das Associações Rurais do Estado do Rio Grande do Sul e do Arquivo Borges de Medeiros, constatou a existência de 69 relatórios relativos a casos de 112
LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 227. A Lei Saraiva, última regulamentação eleitoral do Império, responsabilizava o Judiciário pelo alistamento federal. NICOLAU, História do voto no Brasil, p.28-29. 114 LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 229. 115 JANOTTI, O coronelismo, p. 38. 113
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fraude eleitoral e violências motivados pela política entre 1913 e 1927. Cerca de três quartos dos incidentes envolveram a violência ou a intimidação física; quase 80% desses casos dizem respeito a fraudes nas eleições ou no registro de eleitores. Dos 69 incidentes, 60 foram atribuídos ao PRR e o restante, à oposição. 117 Joaquim Francisco de Assis Brasil foi um dos críticos mais incisivos das mazelas eleitorais da Primeira República, esclarecendo:
No regime que botamos abaixo com a Revolução, ninguém tinha a certeza de se fazer qualificar, como a de votar... Votando, ninguém tinha a certeza de que lhe fosse contado o voto... Uma vez contado o voto, ninguém tinha a segurança de que seu eleito havia de ser reconhecido através de uma apuração feita dentro desta Casa e por ordem, muitas vezes, superior.118 No Rio Grande do Sul, em nível municipal, de 1913 a 1927, o domínio era do PRR, que detinha a quase totalidade dos cargos públicos. O PRR manteve durante mais de trinta anos sua hegemonia política através da sua capacidade de criar uma máquina políticoadministrativa eficiente e com ramificações por todo o estado.119 Segundo Félix, o que poucos sabem é que foi exatamente no estado que se verificou o maior crescimento eleitoral no país no início do período republicano, com o maior índice de população alfabetizada, contudo sem alteração dos quadros partidários.120 Durante a República Velha (1889–1930), a organização política brasileira foi marcada pela predominância da esfera estadual em relação à federal e à municipal. O município não era entendido como uma unidade político-administrativa prestadora de serviços, mas, sim, como o local onde as autoridades do centro procuravam os votos em períodos eleitorais. Por isso, não interessava às autoridades estaduais que os municípios se fortalecessem, visto que, se isso ocorresse, poderiam se rebelar contra o situacionismo
116
NICOLAU, História do voto no Brasil, p. 34. FEDERAÇÃO das Associações Ruraes do Estado do Rio Grande do Sul. Annaes do Congresso de Criadores. Porto Alegre, 1927. P. 9-20; Borges de Medeiros, carta circular aos líderes locais do PRR, Porto Alegre, 12 fev. 1926, Arquivo Borges de Medeiros apud LOVE, Joseph, A locomotiva, p. 140. 118 BRASIL, Assis. In Anais da Assembléia Constituinte de 1933-34, II, p. 507. 117
119
COLUSSI, Eliane Lucia. Estado Novo e municipalismo gaúcho. Passo Fundo: Ediupf, 1996. p. 29.
120
FÉLIX, RS: 200 anos construindo a justiça entre poder política e sociedade, p 304.
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estadual. Interessava, sim, fortalecer o poder local, por intermédio de coronéis comprometidos com acordos políticos e eleitoreiros.121 Nas palavras de Antonio O. Cintra:
Só se conseguem coisas para o município quando se tem os favores da máquina central – do Estado ou da União – mas para consegui-los é preciso que o coronel apóie o governo. O município fraco precisa do coronel, e o coronel precisa do governo, e, enquanto precisar, apoiará o partido governante. Por isso não é conveniente, na lógica dos poderes que controlam o governo, ter localidades fortes e autônomas. 122 No Rio Grande do Sul, a fraude e a violência política, práticas comuns no sistema coronelista brasileiro, também prosperaram, em especial durante o período da República Velha. É importante destacar que essa era uma situação comum também em nível nacional, onde as fraudes e as violências eram comuns. Segundo Joseph Love, os municípios rurais possuiriam um baixo índice de fraude e violência, explicado pelo estreito controle político do partido no poder, no caso do Rio Grande do Sul, do PRR.123 Aqui, mais uma vez, Soledade apresenta uma situação diferenciada, visto que era um município eminentemente rural, mas que apresentava um índice de fraudes e violências relacionadas à política que persistiu até a metade da década de 1930.124 O Código Eleitoral, aprovado pelo decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, teve como inovações a instituição do voto feminino, a redução para 18 anos do limite de idade para ser eleitor e a pretensão de dar segurança efetiva ao sigilo do sufrágio. Jairo Nicolau descreve o sistema adotado para a instituição do sigilo do voto:
121
COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p. 15. CINTRA, Antonio Octávio. A política tradicional brasileira: uma interpretação das relações entre o centro e a periferia. Cadernos do departamento de Ciência Política. Belo Horizonte, n. 1, março de 1974. p. 88. 123 LOVE, Joseph. A locomotiva: São Paulo na Federação Brasileira 1889-1937. São Paulo: Paz e Terra, 1982. p. 141. 124 Aqui a delimitação temporal se refere em especial ao estudo realizado neste trabalho. 122
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O sigilo do voto foi aperfeiçoado com duas medidas. A primeira era a obrigatoriedade do uso de sobrecarta (envelope) oficial, no qual os eleitores deveriam inserir a cédula eleitoral [...] Assim, evitava-se a prática comum na Primeira República de os partidos utilizarem envelopes de cores tamanhos e formatos diferentes para controlar o voto dos eleitores. A segunda medida foi a introdução de um lugar indevassável (cuja porta ou cortina deviam estar fechadas) onde o eleitor pudesse colocar a cédula na sobrecarta oficial.125
O novo diploma eleitoral reconhecia, ainda, a existência jurídica dos partidos e regulava seu funcionamento; todavia, com partidos, em sua maioria fracos e sem ideologia, permaneceram no poder aqueles mesmos grupos estaduais que tinham tido destaque na Primeira República. 126 Outro aspecto inovador do código foi a exigência de registro prévio dos candidatos antes do pleito, implicando que partidos, alianças de partidos ou grupos de pelo menos cem eleitores registrassem no Tribunal Regional Eleitoral a lista de candidatos pelo menos cinco dias antes da eleição.127 Todavia, a principal inovação do código foi confiar o alistamento, a apuração dos votos e o reconhecimento e proclamação dos eleitos à Justiça Eleitoral.128 Cabe ressaltar que a nova lei permitiu que o alistamento fosse realizado de duas maneiras: por iniciativa do cidadão, como já ocorria na República Velha, ou ex-officio, caso em que os chefes de repartições públicas e empresas eram obrigados a inscrever os seus subordinados.129 Sobre a obrigatoriedade do voto, Flávia Lages de Castro cita o seguinte artigo da Constituição de 1934:
Art. 109. O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções e salvas as determinações que a lei determinar.130
A Justiça Eleitoral era constituída pelo Tribunal Superior Eleitoral, com jurisdição em todo o país e sede no Distrito Federal, e pelos tribunais regionais, um em cada estado, no 125
NICOLAU, História do voto no Brasil, p. 38. MEZZAROBA, Orides. O partido político no Brasil: teoria, história e legislação. Joaçaba: Unoesc, 1995, p. 48-52. 127 CASTRO, História do direito, p. 444. 128 LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 230-231. 129 NICOLAU, História do voto no Brasil, p. 38. 130 CASTRO, História do direito, p. 458-459. 126
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Distrito Federal e no território do Acre. Em cada circunscrição judiciária funcionava como juiz eleitoral de primeira instância o juiz local vitalício, ou o escolhido pelo Tribunal Regional (nos locais onde houvesse mais de um), e juntas apuradoras nos locais designados, cada uma constituída de três juízes locais vitalícios, sob a presidência daquele que tivesse jurisdição no município da sede.131 Eram atribuições da Justiça Eleitoral: expedir, por seus órgãos superiores, instruções complementares da legislação eleitoral, o trabalho de alistamento, a apuração e o reconhecimento, a divisão dos municípios em seções eleitorais, a distribuição dos eleitores pelas várias seções e a formação das mesas receptoras. Estas, sendo uma para cada seção, compunham-se de um presidente, um primeiro e um segundo suplente, todos nomeados pelo juiz eleitoral, e de dois secretários, escolhidos pelo presidente da mesa. A lei trazia as incompatibilidades e preferências para o exercício da função de mesário e permitia que os trabalhos das mesas fossem inspecionados pelos fiscais e delegados dos partidos. Fatos dessa natureza são relatados por Domingos Velasco como ocorridos na eleição de 1933:
Apesar de todas as precauções, os juízes facciosos ou desatentos podiam favorecer uma das correntes políticas, compondo mesas partidárias, ou nomeando para elas justamente os elementos mais ativos dos partidos adversários, para impedir que pudessem, livremente, no dia da eleição, coordenar, orientar e assistir seus eleitores. 132 Para um tipo de coação, especialmente, não havia punição no Código Eleitoral, segundo a interpretação restritiva que lhe deu o Tribunal Superior Eleitoral. Trata-se aqui exatamente da intimidação, que teria sido imprimida aos eleitores de Soledade especialmente no ano de 1934 através de homicídios, ameaças e coações. Era uma coação difusa, mas efetiva, pela criação de um ambiente de insegurança para os eleitores da oposição. Os atos de violência, atual ou iminente, manifestavam-se em pequenas ou grandes façanhas, durante dias semanas e até meses a fio. A participação de membros da magistratura na vida política como parlamentares não era bem vista; assim, desde 1848 vinha-se tentando o afastamento desses dos pleitos, seja por meio da reforma judiciária de Nabuco, seja pela reforma eleitoral. Pela reforma judiciária, 131
LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 231. VELASCO, Domingos. Direito Eleitoral. Sistema eleitoral. Nulidades. Crítica. Rio de Janeiro, 1935, p. 72, apud LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 232. 132
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tentada em 1854, fora eliminada a incompatibilidade dos juízes pelo parecer dos deputados magistrados.133 Havia duas correntes antagônicas no que tange à presença dos magistrados na política: a corrente favorável argumentava que, por já possuírem cargo público, não se utilizariam da Câmara como degrau para a conquista deste e, ainda, que, sem eles, o Parlamento perderia em ilustração, experiência e capacidade para a elaboração das leis; para os defensores da lei, o país de 1853 já possuía outras categorias cultas, não só a magistratura e o clero, razão pela qual queriam o empregado público longe da Câmara, dando lugar a outras categorias sociais mais representativas da população.134 Entretanto, foi através da lei de 20 de outubro de 1875, de iniciativa do conservador visconde do Rio Branco, que se alargaram as incompatibilidades, para alcançar, além das altas autoridades e dos magistrados, os funcionários mais aptos a influir no eleitorado. De candidatos, os juízes passaram a fiscais das eleições. Todavia, outro perigo se vislumbrava: o domínio dos coronéis.135 Assim, ao constatar as polêmicas envolvendo os agentes jurídicos da comarca de Soledade e os desdobramentos de muita violência nos anos seguintes, percebe-se como a complexidade do mundo social e os diferentes campos de luta impulsionaram também diferentes formas de atuação da justiça e do direito. Nesse sentido, é afirmação corrente de que o Estado, através do Poder Judiciário, almeja em última instância a paz social. A concessão do poder de julgar e modificar situações é tirada do particular e transferida para um ser supostamente imparcial e autônomo. Contudo, o que se observa através do estudo é a existência em Soledade de um Judiciário inoperante, que, mesmo aplicando a lei, não aplacava os conflitos. Deve-se entender a justiça como uma construção histórica sobre a qual interagem diversos fatores, dos quais se podem citar: a estrutura burocrática do Estado, a estrutura da própria justiça, as doutrinas jurídicas e ideologias, o feixe de relações de poder dominante na sociedade, a capacidade organizativa dos grupos de interesses dentro e fora da justiça, a chance de autodeterminação dos indivíduos. De acordo com Gunter Axt, " a Justiça aplicada hoje não é a mesma que foi conhecida pelos agentes do passado, e provavelmente não será a mesma no futuro, pois, de uma forma ou de outra, ela acompanha o processo de
133
NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império, p. 141, apud FAORO, Os donos do poder, p. 372. FAORO, Os donos do poder, p. 372-373. 135 Idem, p. 373. 134
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transformação sociocultural, relacionando-se dialeticamente com o mesmo, num continuo ir e vir interativo e coletivo". 136 As tentativas de aplicação da lei em Soledade, dependendo de qual grupo político fosse o atingido, podia levar os agentes do Poder Judiciário a muitas dificuldades; assim, existem relatos de espancamento de promotores e de represálias a juizes. Quem não seguisse a ordem imposta não era bem vindo. Os conflitos entre poder local e poder estadual, acirrados na época, pressionavam os operadores do direito a assumir um posicionamento, ora pendente para um lado, ora pendente para outro. É nesse contexto que surge a necessidade de elucidarse o porquê de o Judiciário ser muitas vezes manipulado por interesses outros que não a idéia de justiça. Para Gunter Axt, “ essas considerações são fundamentais para que se situe o papel dos vários instrumentos do Poder Judiciário nesta sociedade, ora liberal, ora positivista no discurso,
oligárquica
na
conformação
social,
coronelista
na
prática
política
e
constitucionalmente autoritária”.137 Em Soledade, assim como no Rio Grande do Sul, o Judiciário destacou-se, em alguns momentos, como uma instituição repressora das oposições. A atuação dos seus agentes, embora pautada pela lei e normas, também era alvo de pressões externas e, ainda, pela sua própria avaliação dos acontecimentos e dos indivíduos neles envolvidos. Nesse sentido, embora já se encontrasse relativamente profissionalizado, o que implicava a formação de uma corporação capaz de produzir comportamentos e objetivos comuns aos seus membros, havia uma relativa autonomia na sua intervenção na sociedade, podendo, assim, em certos momentos distanciar-se da legalidade. Entretanto, não é possível afirmar que fossem alvos somente dos projetos de ordenação propostos pelo Estado ou somente pelos propostos por grupos dominantes. Com isso afirma-se que o papel do Estado ou dos poderes locais não deve ser superestimado, pois o Judiciário não deve ser visto simplesmente como um instrumento nas mãos de um ou de outro, mas como uma instituição capaz de desenvolver os seus próprios procedimentos e prioridades. Assim, deve-se fugir das posições maniqueístas, visto que "os efeitos que se geram no seio dos campos não são nem a soma puramente aditiva de ações anárquicas, nem o produto integrado de um plano concreto".138 Todavia, não pode ser subestimada a influência 136
AXT, Gunter. O Poder Judiciário na sociedade coronelista gaúcha (1889-1930). AJURIS, Revista da Associação dos Juízes do RS, Porto Alegre, ano XXVI, Tomo I, n. 84, jun. 2001, p. 320. 137 AXT, Gunter, O Poder Judiciário na sociedade coronelista gaúcha, p. 320. 138 BOURDIEU, Pierre. A força do direito. Elementos para uma sociologia do campo jurídico. O poder simbólico. Lisboa/ Rio de Janeiro: Difel/Bertrand, 1989, p. 254.
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exercida, em especial, dos aspectos políticos sobre a organização judiciária durante a República Velha.139 Bourdieu afirma que falar do campo do direito significa enunciá-lo a partir de uma visão interna, que parte de dentro do próprio campo, de seus membros, ou de uma visão externa. Olha-se de dentro ou olha-se de fora, contudo não se pode afirmar que uma visão seja desinteressada e a outra, comprometida. Nesse sentido, as oposições simétricas são o alvo preferencial da sua crítica intelectual à redução da complexidade das coisas. Se, por um lado, no âmbito da visão internalista, pode-se identificar a construção da ideologia da independência do direito e do corpo judicial, por outro, a visão externalista defende a idéia de que o direito e a jurisprudência se constituem num reflexo direto das relações de força existentes, sejam as determinações econômicas sejam os interesses dos dominantes, quando não se opera a justaposição desses termos. 140 A saída analítica, segundo Bourdieu, seria levar em conta o conjunto das relações objetivas entre o campo jurídico, o campo do poder e o campo social. Por isso o autor critica as visões essencialistas (interna e externa) por serem incapazes de considerar o jogo social, com suas lutas, que são históricas. Dessa forma, não se pode analisar a atuação do Poder Judiciário e do Estado em Soledade sem entender que essas duas esferas são dimensões do mundo social e das suas próprias identidades históricas e culturais. Assim, a situação envolvendo as denúncias contra o juiz Evaristo faz parte de um período no qual as forcas externas, em especial as forcas políticas, atingiam o Judiciário de forma contundente, levando-o muitas vezes a decisões que atendessem aos interesses das elites locais. A situação tornava-se ainda mais delicada quando envolvia questões eleitorais, porque, se, por um lado, a luta para manter-se no poder ou chegar a ele não tinha limites, por outro, a possibilidade de uma disputa em nível de igualdade esbarrava na própria organização da legislação eleitoral, que permitia o controle de um certo grupo sobre os processos de alistamento, votação e apuração de votos. 139
O Projeto do Centro de Memória do Judiciário Gaúcho, que teve início com a Dra. Loiva Otero Félix, foi o precursor no estudo da história do Judiciário no Rio Grande do Sul e deu origem a outros projetos, como o Projeto de Memória do Ministério Público, onde também são desenvolvidas linhas de pesquisa que possibilitam aproximações a algumas das principais questões que relacionam história e a prática da justiça no Rio Grande do Sul. São projetos atualmente em andamento no Memorial do Judiciário Gaúcho: A instituição Judiciária na abertura política; O seqüestro dos uruguaios; Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais; Os Juizados de Menores; A Ronda da Cidadania; O coronelismo, justiça e relações de poder em Caxias do Sul; O perfil e a trajetória da magistratura sul-rio-grandense no período de 1833 a 1889. Site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul http://tj-rs.gov.br. Acesso em 25 jun. 2003. 140 BOURDIEU, A força do direito, p. 211.
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As declarações acusatórias feitas ao juiz Evaristo Silveira, decorrentes de possíveis fraudes na elaboração das listas de eleitores, foram por ele entendidas como ofensas, levando-o a requerer a instauração do “Processo de Exibição de Autógrafos”. Tais declarações provinham de políticos soledadenses e foram veiculadas nos jornais Correio do Povo e Diário de Notícias. As denúncias foram entendidas como lícitas pelo juiz da comarca de Porto Alegre, que também entendeu cabível o pedido de abertura de um inquérito para averiguá-las. Embora o julgamento não tivesse sido favorável a Evaristo, bem como este deixasse a comarca de Soledade, a situação ainda estava longe de ser tranqüila, tanto que as conseqüências desse e de outros episódios foram sentidas em longo prazo na luta política no município, levando aos desdobramentos violentos da década de 1930, quando a luta pelo poder não conheceu trégua e não se submeteu, sequer, à lei.
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2. SOLEDADE E O ACIRRAMENTO DAS LUTAS E DA VIOLÊNCIA POLÍTICA (1930)
2.1. Antecendentes históricos
A história do município de Soledade apresenta um conjunto de características semelhantes ao processo de ocupação/colonização de outras regiões do norte do Rio Grande do Sul. Contudo, muitos aspectos políticos, sociais e culturais assumiram um teor muito específico em termos da região. Assim, as lutas políticas foram quase sempre acirradas e violentas, gerando um imaginário de violência e valentia que perdura até os dias atuais. A retrospectiva do contexto em torno da história de Soledade tem, aqui, a finalidade de situar a problemática deste estudo, isto é, as rivalidades políticas, a violência e a relação do Poder Judiciário com as forças políticas locais no final da República Velha e nos primeiros anos do pós-30. A colonização da região de Soledade por brancos e paulistas deu-se com a abertura da picada de Botucaraí em 1810,141 em decorrência da busca de uma comunicação entre Rio Pardo e o Planalto142 com a finalidade de afugentar os bugres143 da encosta da serra, 141
Na realidade, o que houve foi uma reativação do caminho já aberto pela expedição de dom José de Saldanha, em 1798. Saldanha empreendeu uma expedição, em 1798, aos campos e ervais localizados ao norte das cabeceiras do Rio Pardo por determinação do governador da capitania, general Sebastião Xavier Veiga Cabral da Câmara, depois de inteirado de notícia levada por particulares que haviam estado na região em julho de 1796. O capitão José de Saldanha deixou um minucioso relato sobre a região. FRANCO, Soledade na história, p.18-20. 142 Para este trabalho entende-se a divisão do estado do Rio Grande do Sul em Litoral, Campanha, Zona Colonial e Planalto, incluído neste último as Missões e o Platô Central como uma só área de influência. A divisão é apresentada em FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 45-46. Entende-se essa como a divisão mais apropriada para estudos envolvendo relações de poder, pois apresenta quatro áreas econômicosocioculturais, com interesses e características políticas próprias que podem ser nitidamente visualizadas nos fins do séc. XIX e séc. XX. 143 Denominação comum na região e repetidamente utilizada por FRANCO, Soledade na história, p. 21-22. Tem-se por bugre a denominação pejorativa dos caboclos, pequenos agricultores camponeses. As obras de
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de encurtar o caminho para os tropeiros que se dirigiam a São Paulo e de estabelecer um comércio direto entre Rio Pardo e as Missões. Ainda, o governo do Rio Grande do Sul também tinha planos de iniciar a distribuição dos campos de cima da serra.144 A efetiva ocupação branca no território de Soledade deu-se no período da concessão das sesmarias, a primeira outorgada em 1816 pelo governador e capitão-general marquês de Alegrete e a última, em 1823, pela Junta Governativa da província.145 Obtidas as sesmarias, os respectivos concessionários começaram sua exploração diretamente ou por meio de terceiros. Como os matos não se incluíam na concessão de sesmarias de campos, eram livremente explorados por lavradores pobres, o que levou ao povoamento da região com relativa rapidez. 146 Em 1833, a Câmara do Rio Pardo aprovou a elevação da localidade à condição de "distrito", denominado "Sima da Serra do Butucarahy". Em 11 de março do mesmo ano, o distrito passou a pertencer ao município de Cruz Alta, através da criação deste, e do município de São Borja. Pelos limites atribuídos ao termo da vila de Cruz Alta, a região de Cima da Serra de Botucaraí passou a lhe pertencer. 147 No ano de 1832, foi construída uma capela, sob a liderança de Lúcio Ferreira de Andrade,148 em terras adquiridas de Francisca Maria da Silva, conhecida como "Chica ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do planalto médio gaúcho: 1850-1920. Ijuí: Editora Unijuí, 1997, e RUCKERT, Aldomar Antônio. A trajetória da terra: ocupação e colonização do centro-norte do Rio Grande do Sul: 1827 -1931. Passo Fundo: Ediupf, 1997, são de consulta obrigatória para a compreensão desse segmento social. Para fins deste estudo, tem-se presente na designação de caboclo componentes étnicos, socioeconômicos e culturais. Tem-se, portanto, o caboclo como o morador das áreas rurais que se dedicava à atividade extrativista - em especial erva-mate-, e/ou atividades relacionadas a culturas de subsistência, em roçados de pequeno porte; pequenos proprietários, agregados ou arrendatários com significativa carga étnica, fruto da mestiçagem do índio, do branco, e mesmo, do negro, apresentando um modo de vida típico do meio rural. 144 As iniciativas oficiais e particulares nesse terreno determinaram uma alteração profunda no quadro étnico do município. Contudo, já havia a presença dos alemães Knopf, Rochembach, Walendorff, Hellmann, Jandrey, Bagestein (que se tornaram Bageston com o decorrer do tempo), Schimitt, Bohrer e Vanner, desde meados do século XIX. No Jacuizinho os alemães parecem ter entrado dede 1857. Foi, contudo, no princípio do século que os alemães se estabeleceram na colônia das tunas, em Arroio do Tigre e nas divisas com o município de Santa Cruz do Sul. Isto levaria também a Vila de Soledade, que fora maciçamente cabocla a receber a marca da influência estrangeira. FRANCO, Soledade na história, p. 107-108. 145 Idem, p. 23. 146 VALENTE, Maria Jovita. (Elab) Coletânea: Legislação Agrária, Legislação de Registros Públicos, Jurisprudência. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1983. 19 ed. Lei de Terras de 1850. 146 FRANCO, Soledade na história, p. 26. 147 Esse fato não se deu de forma totalmente regular, visto que a decisão de criar os dois novos municípios São Borja e Cruz Alta, desvinculando-os de Rio Pardo pelo Conselho Administrativo e pelo presidente da província, a rigor, não era legal, pois somente o ato adicional de 1834 autorizaria as províncias a criarem novos municípios. Ocorreu que a Câmara de Rio Pardo não aceitou a perda do distrito e, em 31 de agosto do mesmo ano, estabeleceu a sua divisão territorial em dez distritos, entre eles o de Sima da Serra do Botucarahy. 148 Lúcio Ferreira de Andrade, foi a primeira autoridade civil de Soledade, podendo ser considerado como o primeiro líder local. Pode se depreender seu parentesco dos primeiros sesmeiros do local, os Ferreira de Andrade, Tenente André e Furriel Vicente, respectivamente, pai e filho. Estes receberam uma sesmaria de igual
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Mineira".149 A capela foi concluída em 1837, conforme registros da Diocese de Santa Maria, e teve rubricado o seu primeiro livro pelo pároco de Cruz Alta em 16 de abril do mesmo ano. Através da lei provincial nº 50, de 19 de maio de 1846, a povoação de Nossa Senhora da Soledade, do município de Cruz Alta, foi convertida em "capela curada", alcançando, após, a elevação a freguesia150. Em ofício de 10/08/1852, a Câmara de Cruz Alta informava ao governo da província sobre a principal riqueza de seu termo:
[...]existem imensos ervais nas serras ou pontões de serra que bordam os distritos desta vila, Santo Ângelo, Palmeira, Passo Fundo e Soledade, em cujos trabalha imensa gente atualmente(...) Todos estes ervais encravados nas serras, a câmara os tem conservado públicos desde sua instalação em 1835, por meio de Posturas, fazendo a principal parte de suas rendas o imposto de 40 réis em arroba, que pagam os exportadores, não consentindo que os particulares se apossem deles como propriedade, permitindo, porém, a todos o fabrico da erva. 151 Observa-se que, durante o período em que Soledade pertenceu ao município de Cruz Alta, não houve integração efetiva entre o distrito e sua sede, o que se evidencia pela sua inexpressiva participação na vida econômica, política e social deste município. De outra banda, Rio Pardo persistia tentando recuperar a área perdida, tanto que, em de 1855, quase às vésperas da criação do município de Passo Fundo, que levaria consigo a freguesia de Soledade, ainda houve forte movimento, concretizado através de um abaixo-assinado contando com 160 assinaturas, para que Soledade retornasse à sua comuna de origem.152
descrição, como se devessem ser condôminos.A referida sesmaria foi concedida pelo marquês do Alegrete. Documentos do Arquivo Histórico do Estado, Requerimentos de Sesmarias, apud FRANCO, Soledade na história, p. 24. 149 Idem, p. 26. 150 SOARES, Solon Macedônia, Breviário Cívico do Rio Grande do Sul, p. 41. 151 Ofício da Câmara de Cruz alta para o Presidente da Província do Rio Grande do Sul. 10-08-1852. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. 152 Uma das personagens fortes desse movimento de tentativa de permanência de Soledade integrado a Rio Pardo foi Lúcio Ferreira de Andrade. Nesse intento, enviou ofícios à Câmara de Rio Pardo e ao presidente da província, José Mariani, nos quais afirmava ser representante do povo de Soledade, que, em massa, não anuía com a anexação por Cruz Alta, o que resultaria em atraso e dificuldades para os soledadenses se concretizado. FRANCO, Soledade na história, p. 31-33.
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Em 1855, a freguesia de Soledade passou a pertencer à vila de Passo Fundo,153 sendo dividida em três distritos, Restinga do Botucaraí, Soledade e Lagoão.154 A emancipação ocorreu no ano de 1875, com a elevação da freguesia de Nossa Senhora da Soledade à categoria de "vila".155 Soledade, contudo, manteve-se vinculada a Passo Fundo, agora como termo judicial da comarca passo-fundense, da qual se emanciparia em 14 de junho de 1885.156
2.2. As articulações entre os poderes local e regional
É importante analisar a situação atípica do Rio Grande do Sul em termos políticopartidários nessa fase, em especial durante a República Velha, quando o espaço político gaúcho foi marcado por lutas entre facções da classe dominante, que resultaram nas revoluções de 1893/95 (Revolução Federalista) e 1923. Soledade não passou imune pelas revoluções. Sobre a Revolução Federalista, Prestes Guimarães157 afirma que Passo Fundo, Soledade e Palmeira estavam foram da lei no 153
Entre 27 e 30 de junho de 1875, realizaram-se as eleições para a constituição da primeira Câmara Municipal. Na data de 9 de setembro de 1875, a Câmara de Passo Fundo deu posse aos novos vereadores soledadenses, entre os quais se percebe uma maioria de criadores de gado. Com a proclamação da República, a Câmara Municipal foi dissolvida, tendo sido substituída pela Junta Executiva Municipal. A partir do ano de 1891, os municípios passaram a ser dirigidos pelos intendentes municipais As informações sobre o Executivo foram localizadas no site: www.soledade.org.br. Acesso em: 29 out. 2003, sendo confrontadas com informações fornecidas pela Prefeitura Municipal de Soledade em documento da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto, do ano de 2000. (Anexo 1) 154 SOARES, Solon Macedônia, Breviário Cívico do Rio Grande do Sul, p. 42. 155 Lei provincial n.º 962, de 29/03/1875. Assinou a lei o então presidente da província José Antônio de Azevedo Castro, sancionando o que fora aprovado pela Assembléia Legislativa, em razão de um projeto dos deputados Cândido Lopes, A. Corrêa de Oliveira, Antunes Ribas e Antônio Eleutério de Camargo. 156 Lei 1.251 de 14 de junho de 1885. 157 Antônio Ferreira Prestes Guimarães nasceu em 13 de junho de 1837 e faleceu em Passo Fundo, aos 74 anos de idade em 19 de setembro de 1911, filho de José Prestes Guimarães e de Maria do Nascimento Rocha. Pelo lado materno era neto do capitão de milícias Manoel José das Neves, primeiro morador de Passo Fundo, ali estabelecido em 1827. Prestes Guimarães desempenhou funções administrativas em Passo Fundo, onde a vida municipal teve início em 1857. Em 1964 secretariava o comando da Guarda Nacional. Em 1865 era suplente de delegado de polícia. Entre 1870 e 1873 foi o 2o suplente de juiz municipal, tendo o posto de Capitão da Guarda Nacional. Secretariou a Câmara Municipal, foi Juiz de Paz do 1o Distrito. Entre 1883 e 1886, exerceu a presidência da Câmara Municipal, o que correspondia, nos municípios do Império à condição de prefeito. Foi figura destacada do Partido Liberal na região serrana, eleito para a Assembléia Legislativa Provincial pelo 2o Distrito Eleitoral, sucessivamente em três legislaturas: 1885, 1887 e 1889. Com a ascensão dos liberais ao poder em 1889 (Ministério do Ouro Preto) foi nomeado um dos vice-presidentes da Província, sendo Gaspar Silveira Martins o presidente. Assumiu efetivamente a presidência entre 25 de junho e 8 de julho de 1889. Após a proclamação da República foi candidato para a Assembléia Constituinte do Estado em abril de 1891 através da chapa oposicionista da União Nacional, contudo, pelo sistema eleitoral então vigente o Partido Republicano fez a maioria, assumindo todas as cadeiras. Deposto Júlio de Castilhos, em novembro de 1891, Prestes Guimarães
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segundo semestre de 1892 e primeiro semestre de 1893. Daí a adesão imediata ao movimento. Com o domínio do poder pelos republicanos em Passo Fundo, Soledade e Palmeira, ocorreram vários atentados e em Soledade foi maior o número de assassinatos.158 Sobre a Revolução de 1923, diz Arthur Ferreira Filho159:
Achando-se a então Vila de Soledade ameaçada por um grupo de revolucionários chefiados por Galdino Loureiro, fez o General Firmino de Paula seguir para aquele município o Esquadrão de Vaqueanos sob o comando do Cap. Marcos Fortes, que obrigou os rebeldes a retirarem-se para a zona da serra, ao tempo em que o Tem. Luiz Magalhães, do mesmo Esquadrão, surpreendia um pequeno acampamento inimigo, causando-lhe diversas baixas.160
Ilustrativamente, o Cemitério Municipal de Soledade guarda o seguinte epitáfio no túmulo de Galdino Loureiro: "Aqui jaz o nosso pai, Galdino José da Rosa Loureiro. Foi assassinado pelos borgistas de Soledade”.161
ocupou a cidade de Passo Fundo, tomando para si o poder local. O seu envolvimento nas lutas civis se daria, quase sem interrupção, até a celebração da paz, em 1895. Após a Revolução Federalista, viveu algum tempo em São Paulo. Ao retornar ao Rio Grande do Sul dedicou-se ativamente a advocacia e integrou o diretório do Partido Federalista até a sua morte, em 1911. GUIMARÃES, Prestes Antônio Ferreira. A Revolução Federalista em Cima da Serra. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986, p. 9-12. 158 GUIMARÃES, Prestes Antônio Ferreira. A Revolução Federalista em Cima da Serra. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986, p. 21-23. 159 Artur Ferreira Filho nasceu em São José do Norte, Rio Grande do Sul, em 20 de setembro de 1899. Filho de Artur Silva Ferreira e Maria José Villar Ferreira. Autodidata, foi Juiz municipal em Bom Jesus, em 1925, Intendente do mesmo município em 1928. Ocupou ainda o cargo de diretor do jornal O Município da mesma cidade no período de 1925-27. Atuou como Delegado de Polícia, no mesmo local no ano de 1930. Em Carazinho foi Juiz municipal em 1933, posteriormente, transferiu-se para Passo Fundo, onde foi Delegado de Polícia em 1934 e Prefeito municipal, nas legislaturas de 1938-42 e 1944-46, além de Redator dos jornais Diário da Tarde e Diário da Manhã. Em nível estadual, foi chefe de gabinete do Secretario da Agricultura em 1937, e membro da Assessoria do Palácio do Governo do RS em 1968. Tornou-se Prefeito municipal de S. Leopoldo em 1947. Ocupou a função de Diretor da Biblioteca Pública do Estado no período de 1956-58. Foi membro do Conselho Estadual de Cultura em 1969. Destacou-se além de político, também como historiador, tendo sido membro da Academia sul-rio-grandense de Letras, que presidiu até 1969; do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e da Estância da Poesia Crioula. Faleceu em Porto Alegre em 25.3.1996. Site do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul : http://www.paginadogaucho.com.br/ihgrgs/resumo.htm Acesso em 02/04/2005. Foi combatente na Revolução de 1923, era filiado ao Partido Republicano Histórico, de Júlio de Castilhos. FILHO, Arthur Ferreira. Revolução de 1923. Porto Alegre: Oficinas Gráficas de Imprensa Oficial do Estado, 1973, contracapa. 160 FILHO, Arthur Ferreira. Revolução de 1923. Porto Alegre: Oficinas Gráficas de Imprensa Oficial do Estado, 1973, p. 4. 161 WEDY, Soledade, p. 203.
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As marcas deixadas pela violência desses confrontos fizeram surgir novos levantes, em especial porque a estrutura de poder permanecia inalterada e cada vez mais enfeixada na mão dos republicanos, tanto em nível estadual quanto no municipal. Quando da proclamação da República, o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) encontrava-se ainda fragilmente enraizado; logo, teve de encontrar elementos para manter-se no poder. Contudo, pelos seus traços fundamentais, em menos de cinco anos tornou-se o partido hegemônico no estado:
Esses traços particulares – o seu aspecto tardio, a juventude de seus membros, aliada à instrução superior e ausência de experiência partidária, juntamente com a base ideológica positivista – farão do PRR um modelo de organização partidária e controle do Estado ímpar na República Velha. 162 Na década de 1920, mais precisamente nos anos de 1921 a 1923, houve um momento de reatualização da estrutura de poder, o que ocorreu através do ingresso no campo político de grupos políticos e de indivíduos não pertencentes aos quadros do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), o qual, desde 1895, monopolizara o aparelho estatal gaúcho. A década de 1920 foi de crise na conjuntura política e econômica brasileira. Em termos políticos, as oligarquias do país foram abaladas por um conjunto de episódios que levariam ao movimento de ruptura de 1930. No relato de Eliane Lucia Colussi:
É importante destacar que, conquanto não tivesse conseguido imporse eleitoralmente, a oposição teve atuação política permanente e foi a promotora de dois movimentos de luta armada de grande importância na vida política gaúcha: a Revolução Federalista de 1883 e a Revolução de 1923, os quais, ainda que derrotados pela força, primeiro castilhista e posteriormente, por Borges de Medeiros, reforçaram a polarização e a radicalização política no estado.163
Há, portanto, a necessidade de se atentar para aqueles que atuavam na oposição, contrários ao grupo hegemônico. O ano de 1922 marca a rearticulação das oposições mais importantes de toda a República Velha. No Rio Grande do Sul, atravessavam-se dificuldades
162
TRINDADE, Hélgio; NOLL, Maria Izabel. Rio Grande da América do Sul: partidos e eleições (1823-1990). Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS/Sulina, 1991, p. 41. 163 COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p.32.
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econômicas,164 ao que se somou a candidatura de Borges de Medeiros, que pleiteava a quinta reeleição para o governo do estado. Nesse contexto, federalistas (de tradição parlamentarista) uniram-se aos republicanos dissidentes (presidencialistas), lançando Assis Brasil como candidato pela Aliança Libertadora.165 As eleições foram realizadas num clima de pré-revolução. Os resultados oficiais, emitidos pela Comissão de Constituição e Justiça (presidida por Getúlio Vargas) deram a vitória a Borges de Medeiros, todavia ficou claro que, apesar de a oposição se concentrar na metade sul do estado, em especial São Sepé, São Gabriel, Piratini e Canguçu, já se expandia para a metade norte.166 Na Assembléia dos Representantes, a luta foi ainda mais árdua e constante.167 Apenas em 1913 os federalistas conseguiram eleger seu primeiro representante. Dos 32 deputados eleitos nessa que era a sétima legislatura da República, 31 eram republicanos.
Tabela 1 - Evolução da representação da oposição na Assembléia dos Representantes - RS (1913-1929) Legislatura
Data de início
Número de Representantes
7a
1913
1
8a
1917
2
9a
1921
3
10
a
1925
4
11a
1929
7
Fonte: TRINDADE, Hélgio; NOLL, Maria Izabel. Rio Grande da América do Sul : partidos e eleições (18231990). Porto Alegre: Ed. Da Universidade/UFRGS/Sulina, 1991, p. 48.
Em 25 de janeiro de 1923, iniciou-se movimento armado na região serrana do Rio Grande do Sul, com Arthur Caetano liderando as hostilidades ao governo do estado em Passo Fundo.168 Se, em janeiro e fevereiro de 1923, a revolução ficara restrita a Passo Fundo, Palmeira, Nonoai e Erechim, ao final de abril tomou conta de todo o estado, como pode ser 164
Para uma análise sobre essa relação entre política e economia, consultar: ANTONACCI, Maria Antonieta. A Revolução de 1923: as oposições na República Velha. In: RS: economia e política. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1979. p. 229-253. 165 TRINDADE; NOLL, Rio Grande da América do Sul, p. 47. 166 Idem, p. 48. 167 Sobre o processo de crescimento e luta do Legislativo e da oposição para se institucionalizarem num regime autoritário como o republicano castilhista, ver TRINDADE, Hélgio. Poder Legislativo e autoritarismo no Rio Grande do Sul (1891/1937). Porto Alegre: Sulina, 1980. 168 ANTONACCI, A revolução de 1923, p.244
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percebido através das palavras de Menna Barreto: "Generalizada por todo o Estado, com exceção de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande, onde existe grande oposição, porém inerte por se achar sem armas e sem organização sob a maior opressão governamental”.169 Essa revolução projetaria ainda dois importantes coronéis na região: Valzumiro Dutra e Victor Dumoncel Filho. 170 Vitor Dumoncel Filho nasceu em 10 de abril de 1882 na fazenda do Capão Ralo, município de Cruz Alta, e faleceu em 6 de setembro de 1972, em Santa Bárbara. Foi uma das figuras políticas mais importantes da região no período compreendido entre 1900 e 1937, embora sua atuação possa ser identificada até o pós-64.171 Dumoncel, por sua vez, foi subchefe de polícia da 1a Região Policial do Estado do Rio Grande do Sul, que englobava Soledade, de 22 de setembro de 1931 a 26 de novembro de 1932; reassumiu o cargo em 14 de janeiro de 1933, nele permanecendo até 27 de outubro de 1937.172 Tanto os chefes de polícia como os subchefes eram de livre nomeação pelo governador do estado, que ainda tinha autonomia para dividir o estado em tantas regiões policiais quantas considerasse conveniente. Essas e outras disposições encontram-se na lei 11, de 04 de janeiro de 1896, que organizava o serviço policial no estado. Através do Pacto de Pedras Altas173, a hegemonia do PRR ficaria para sempre abalada. Em janeiro de 1924, em São Gabriel, os grupos de oposição, coligados, constituíram a Aliança Libertadora, que em março de 1928, em Bagé, daria origem ao Partido Libertador. O novo partido contestava a fraude eleitoral e colocava em questão a fragilidade do pacto federativo, visto que alguns estados preponderavam sobre os demais. Em 1929, com a superação da cisão no interior da oligarquia gaúcha, formou-se a Frente Única Gaúcha (FUG) através da união entre republicanos e libertadores, que viabilizou o nome de Getúlio Vargas à presidência da nação. A votação obtida pelo PL em 1929 para a Assembléia dos Representantes, mesmo reproduzindo o padrão constante de predominância na zona da campanha, mostra uma expansão, levando a um equilíbrio das forças opositoras no estado. Esse crescimento, é importante ressaltar, sempre esbarrava na ampla autonomia concedida aos Estados para 169
Carta de Menna Barreto a Assis Brasil. Rio de Janeiro, 22, abril, 1923. Arquivo Assis Brasil. A importância dos coronéis Vazulmiro Dutra e Victor Dumoncel Filho tanto no norte do Rio Grande do Sul quanto em nível estadual estão salientes na obra de FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política. O estudo mantém a sua atualidade e é referência para a história política do estado, especialmente sobre relações de poder e coronelismo. 171 FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 143. 172 GIULIANO, João. Esboço histórico da organização da polícia no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Imprensa Oficial, 1957, p. 395. 173 A "Ata de Pacificação", foi firmada no Castelo de Pedras Altas, em 14 de dezembro de 1923. 170
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elaborarem a sua legislação, situação que vigorou durante a Primeira República. Com essa margem de ação, conseqüência do pacto federativo estabelecido na Constituição de 1891, o Estado era livre para organizar um alistamento próprio de eleitores federais, estaduais e municipais, indo, assim, ao encontro dos interesses das oligarquias dentro de um sistema de voto distrital que equilibrava forças governamentais e dividia redutos oposicionistas. Nesse sentido, são importantes as observações de Hélgio Trindade sobre o processo de formação do sistema partidário do Rio Grande do Sul, em especial quando destaca três aspectos fundamentais:
(1) a persistência de uma clivagem ideológica entre duas famílias políticas que se confrontam ao longo do tempo, inserindo-se em diferentes movimentos e estruturas partidárias: os conservadores-liberais versus os conservadores autoritários. [...] (2) o processo de formação e progressiva legitimação da oposição política conservadora-liberal que se constitui, de um lado, penetrando nos espaços abertos pela via revolucionária ou parlamentar contra o exclusivismo do poder republicano e, de outro, pela erosão interna da coesão partidária dos conservadores-autoritários diante da ausência de rotatividade no poder [...] (3) no processo de esgotamento do modelo borgista de dominação e sob a intensificação da competição políticopartidária de 1922 a 1928, criam-se as condições de “ressocializacão” de uma nova geração de republicanos riograndenses [...] viabilizando a aliança política dos conservadores-autoritários com os conservadores-liberais (Frente Única), bem como a formação, após 30, de uma nova forca político-partidária reunindo os autoritários e liberais moderados através do Partido Republicano Liberal. 174 Trindade ressalta também que o Rio Grande do Sul da Primeira República se diferenciou dos outros estados da federação por possuir uma oposição estável, sendo que isto teria ocorrido porque o custo político para eliminá-la seria maior do que a necessidade de tolerá-la.175 A “divisão das forças políticas” no jogo político da Primeira República, e a “bipolarização partidária”, gerando a “coesão e a disciplina interpartidária”, definem, no contexto interno da política regional, as peculiaridades do processo político-partidário no Rio 174
TRINDADE, Hélgio. Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-grandense (1882-1937) : da confrontação autoritário-liberal à implosão da aliança político-revolucionária de 30. In: RS: Economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p. 119-120. 175 TRINDADE, Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-grandense (1882-1937), p. 120.
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Grande do Sul. Assim, enquanto nos demais estados reinava a dominação dos Partidos Republicanos únicos, no Rio Grande do Sul havia um sistema bipartidário em relação direta com o processo de competição político-eleitoral crescente.176 Esse era o quadro políticoeleitoral no Rio Grande do Sul.
2.3. As articulações entre os poderes locais, o regional e o nacional: o Combate do Fão
Os anos da década de 1930 foram marcados pela ascensão de Vargas ao poder em nível nacional, o qual, com o estabelecimento do processo de centralização política, buscou constituir um Estado que mantivesse o controle político-econômico pela nomeação de interventores para governar as unidades federadas, o que resultou na montagem de uma máquina burocrática, visando reduzir o poder dos grupos estaduais. É importante ressaltar que, durante esse período, os cargos governamentais nacionais foram ocupados, em sua maioria, por mineiros e gaúchos, gerando a insatisfação dos outros estados, em especial São Paulo. Então, os paulistas, especialmente os oligárquicos, mobilizaram-se e obtiveram apoio para uma reação ao governo centralizador de Getúlio Vargas. O estado do Rio Grande do Sul, unificado politicamente através da Frente Única Gaúcha (FUG), inicialmente prestara apoio ao movimento que conduziu Vargas à presidência e, posteriormente, através do interventor Flores da Cunha, solidarizara-se com o seu governo. Entretanto, a unidade frente ao governo de Vargas desfez-se quando, em 1932, teve início o movimento constitucionalista, liderado por São Paulo, que se opunha às atitudes do mandatário
da
nação.
Como
exigência
básica
os
revolucionários
queriam
a
constitucionalização do Brasil. Então o Rio Grande do Sul dividiu-se e, apesar de relutante, Flores da Cunha permaneceu ao lado de Vargas, tentando apaziguar a ala descontente, em especial a Frente Única Gaúcha. Eliane Colussi sintetiza o panorama do estado naquele contexto ao relatar: "Passada a euforia pós-revolucionária, assistiu-se no Rio Grande do Sul à configuração de um clima de frustração e de descontentamento em relação às políticas adotadas inicialmente pelo governo getulista, as quais atingiram a Frente Política Gaúcha, que sustentava a candidatura 176
TRINDADE, Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-grandense (1882-1937), p. 120-121.
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de Vargas e o posterior movimento revolucionário”. 177 Deflagrada a revolução de 1932, o interventor gaúcho colocou suas tropas bem equipadas e armadas à disposição do governo federal, o que repercutiu de forma negativa entre os revoltosos, que o consideraram traidor da causa liberal e constitucional. As disputas políticas resultaram no fim da Frente Única Gaúcha e na formação do Partido Republicano Liberal (PRL), que aglutinou o grupo político em torno de Flores da Cunha. O PRL dava sustentação ao governo estadual e ao governo federal. Nesse contexto, os setores políticos importantes de Soledade posicionaram-se a favor da causa constitucionalista através de diversos políticos locais, tendo como principal líder o coronel Cândido Carneiro Júnior, mais conhecido como "Candoca". Cândido Carneiro Júnior era filho de Florisbella Theodora de Almeida e do major Cândido Alves Carneiro. Candoca destacou-se como pecuarista e político, faleceu em 1950. Foi secretário do Partido Libertador em Soledade no ano de 1928, tenente-coronel da Brigada Militar em 1930 e tenente-coronel do 33o corpo auxiliar da Brigada Militar em 1932.
178
Através da liderança do 33o Corpo Provisório,179 organizou as forças revolucionárias que lançaram o "Manifesto ao povo do Rio Grande do Sul" em 1o de setembro de 1932. No texto, o governo de Vargas era criticado por seu autoritarismo, exaltava-se a causa constitucionalista e convocavam-se os gaúchos para a luta. Em conseqüência do manifesto, Soledade tornou-se um campo de batalha, no qual se enfrentaram as forças constitucionalistas e as forças da Brigada Militar. No dia 3 de setembro de 1932, Cândido Carneiro enviou ao general interventor Flores da Cunha telegrama cujo conteúdo era o seguinte:
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COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p. 55. DE PAULA, Jorge Augusto. O Fão: um episódio da Revolução de 1932 no Rio Grande do Sul. 2. ed. Passo Fundo: João B.M. Freitas, Gráfica e Serviços, 1972, p. 21-22. 179 Os Corpos Provisórios foram organizados com voluntários para atuarem junto à Brigada Militar na luta armada. A sua participação ocorreu em vários conflitos armados: que foram as "revoluções" de 1893, 1923, 1924, 1930 e, finalmente, 1932. PEREIRA, Maristela Silva. Os Corpos Provisórios da Brigada Militar : seus aspectos sociais e utilitários (1923-1927). 1993. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993. Resumo e p.13. 178
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Hoje, defrontei-me com suas forças no "Paço do Rocha"; foram mortos oito homens. Estabeleci governo e prendi os que não estavam com o Rio Grande neste município. Estou à frente de 1.500 homens e com armas, ou sem elas, lutarei até o meu assassinato com aqueles que vão acompanhar o Rio Grande no despenhadeiro em que se acha. Organizei o Corpo de 400 homens com recursos que V. Exa. me forneceu, mas não recebi armas nem munições para traí-lo. O dinheiro é do povo, usemolo com igual direito. Sou dos maiores contribuintes ao fisco municipal e estadual. Meus bens ficam para responder pelo ato que cometo.Vejo em V. Exa., o Bento Gonçalves da atualidade, o general querido do Rio Grande, nada temo. V. Exa. poderá mandar contra mim todo o exército, enfrentá-lo-ei de ânimo resoluto nas matas deste município, quando não possa lutar em campo, e estarei no último reduto a ser batido. Não me queira mal, serei ainda um seu amigo e soldado. Isso passa e nós ficamos. Cândido Carneiro Júnior, ex-tenente-coronel, Comandante do 33o Corpo Auxiliar.180
Dessa forma, Cândido Carneiro Júnior - ligado ao Partido Libertador e tendo recebido ordens e dinheiro de Flores da Cunha para organizar o 33o Corpo Provisório para lutar contra os paulistas - acabou por organizar um grupo revolucionário. Soledade contava com dois corpos provisórios, tendo sido criado ao lado deste do 33o CP, o 44o CP, esse sob o comando e organização de Pedro Corrêa Garcez, de filiação republicana, que se manteve fiel ao interventor federal .181 Em 15 de setembro de 1932, o Jornal da Serra trouxe em sua última página notícias sobre o Combate do Fão em Soledade:
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DE PAULA, O Fão: um episódio da Revolução de 1932 no Rio Grande do Sul., p. 31-33. A oficialização destas unidades provisórias deu-se pelos decretos 5.067 de 23/8, que criou o 33º CP, e 5.074, de 30/8, que criou o 44º CP. 181
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À última hora, pouco antes de encerrarmos esta página, colheu a nossa reportagem que na Serra do Butiá, no município de Soledade, houve sangrento combate entre a coluna do Cel. Vitor Dumoncel Filho e os rebeldes daquele município, sob o comando do Cel. Cândido Carneiro Júnior. O Cel. Dumoncel Filho, depois de ter ocupado a vila de Soledade, onde repôs as autoridades destituídas pelos revolucionários do vizinho município, sabendo que estes se haviam retirado em direção a Serra do Butiá, para ali se dirigiu a fim de batê-los. Na tarde de anteontem, a coluna Dumoncel, que se compõe de cavalaria, infantaria e artilharia, defrontou-se com o reduto dos revolucionários, que estavam bem entrincheirados, travando com eles violento combate, que durou algumas horas, terminando com o cair da noite. Aproveitando-se desta, os revolucionários retiraram-se em rumo ignorado, deixando no campo da luta, segundo as informações que colhemos 52 mortos. A coluna Dumoncel teve 6 mortos, entre estes, um 1o tenente da Brigada Militar, pertencente ao regimento presidencial e diversos feridos. 182 O Combate do Fão culminou no dia 13 de setembro às margens do Rio Fão,183 envolvendo forças rebeldes e forças oficiais, estas mais numerosas e bem equipadas, resultando em decisiva derrota àquelas. Então, Candoca embrenhou-se na mata com um pequeno grupo de homens que lhe permaneceram fiéis. Somente em 5 de outubro, pela intervenção de Félix Engel Filho representando o interventor do estado ocorreu de fato a pacificação,184 sendo firmada na cidade de Guaporé a ata definitiva do acordo estabelecido entre as partes. Assinado o acordo definitivo, por ordem expressa da Interventoria, o general Cândido Carneiro Júnior foi preso, sendo autorizado a sair da cadeia somente para assinar escritura de terras para o Estado, pois teve de ressarci-lo dos prejuízos causados pela insubordinação do corpo provisório sob o seu comando. Entretanto, mesmo após o ato de pacificação, a região de Soledade prosseguiu sendo alvo de conflitos decorrentes dessas disputas políticas, sucedendo-se atos de violência e vingança, muitas vezes patrocinados pelas próprias autoridades oficiais. De acordo com 182
COMBATE em Soledade. Jornal da Serra., Carazinho, 15 set. 1932 . p. 4. No surto de imigração alemã de 1875, algumas famílias de ascendência nobre vieram habitar a região onde se situam Lajeado e Fontoura Xavier. Entre estas a família Von Reichemback, que teria fixado residência a beira de um rio. A pronúncia do vocábulo germânico Von é Fon, e o povo passou a dizer Fão. DE PAULA, O Fão: um episódio da Revolução de 1932 no Rio Grande do Sul, p. 10. 184 DE PAULA, O Fão, p.92. 183
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Sérgio da Costa Franco, "apesar da solução relativamente magnânima do Interventor Federal, segue-se um longo período de intranqüilidade para os soledadenses que haviam participado do levante. E vários incidentes e conflitos que ocorreram mais adiante não passaram de reflexos da luta de 1932, dos ressentimentos e vinganças que desencadeou”.185 Mesmo vencida a revolta paulista, o Governo Provisório de Getúlio Vargas atenderia às forças constitucionalistas, encaminhando, em 1933, as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, que resultaria na terceira Carta brasileira – a Constituição de 1934 – em substituição à de 1891, a qual, apesar de conservar os fundamentos republicanos do federalismo e do presidencialismo, apresentava vários aspectos novos, como o voto às mulheres, restrição à autonomia dos Estados e aumento dos poderes do Executivo federal, representados pelos “três títulos inexistentes nas Constituições anteriores que tratavam da ordem econômica e social; da família, educação e cultura; e da segurança nacional”.186 A Frente Única, cujos membros haviam sido perseguidos e exilados em 1932, quando da Revolução Constitucionalista, tentava realizar a sua propaganda no estado. Em Soledade essas lideranças enfrentavam algumas das suas maiores adversidades, porém seguiam tentando se articular e ampliar seu eleitorado. As campanhas eleitorais davam-se através de comícios, de caravanas distritais, e de publicações na imprensa, transformando o panorama político que se apresentava até então, caracterizado por um certo adormecimento oriundo da derrota no movimento constitucionalista de 1932. No período de 1932-1933, a região do Planalto apresentava um grau bastante elevado de radicalismo político e violência respaldados pela atuação dos coronéis Vitor Dumoncel Filho e Valzumiro Dutra, ambos subchefes de polícia, que então apresentavam um certo equilíbrio de forças. Dumoncel tinha sob sua jurisdição os municípios de Soledade, Carazinho, Santa Maria, Ijuí, Tupanciretã e Cruz Alta; Valzumiro, por sua vez, supervisionava os municípios de Palmeira, Iraí, Passo Fundo, Erechim, Lagoa Vermelha, Vacaria e Bom Jesus.187 As eleições estaduais para compor a Assembléia Estadual Constituinte realizaramse no Rio Grande do Sul em outubro de 1934, tendo sido eleito para deputado federal o candidato da Frente Única Gaúcha Nicolau de Araújo Vergueiro, recém-chegado do exílio, representante do município de Passo Fundo e região. Não conseguiu, porém, o mesmo feito 185
FRANCO, Soledade na história, p.128. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp. 1995. p. 351. 187 FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 164. 186
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Arthur Caetano da Silva, pertencente ao Partido Republicano Liberal, que também disputava uma cadeira na Assembléia estadual. O PRL constituía-se, naquele momento, na força situacionista estadual, tendo as eleições de 1934 confirmado a sua predominância. Num contexto político mais complexo e radicalizado, com o aparecimento de outras forças políticas, PRL e FUG foram os únicos a elegerem os seus candidatos. Para a Assembléia Estadual o PRL conseguiu 13 cadeiras contra sete da FUG.188 Nos municípios, as agremiações políticas mobilizavam-se em torno das candidaturas dos prefeitos. As eleições municipais realizadas em 17 de outubro de 1935 foram um acontecimento que se revestiu de especial importância uma vez que representavam a eleição do primeiro prefeito constitucional dos municípios. Em Soledade a escolha recaiu sobre José Campos Borges, representante do Partido Republicano Liberal e que já estava na administração de Soledade desde 1o de outubro de 1935, em substituição ao prefeito Francisco Müller Fortes.
2.4. A explosão da violência: "Chico Touro" e os bombachudos
Não se pode precisar um momento para o início da violência, em especial a política, na região de Soledade, visto que desde a sua formação esteve envolvida em conflitos e disputas. Entretanto, os fatos tomaram proporções estaduais e federais a partir de 1932, com o Combate do Fão, seguido em 1934 por forte repressão, que se manifestava através de agressões, ameaças, prisões, perseguições e eliminação de opositores. Esse aumento da violência em geral e da violência relacionada à política, em particular, culminou no grave caso político denominado "o caso de Soledade", conforme consta nos jornais da época. O caso constituiu no exagerado número de violências e arbitrariedades cometidas, com o predomínio das ligadas ao prefeito Francisco Müller Fortes, vulgo "Chico Touro", apoiado por Vitor Dumoncel Filho. A situação de Soledade é assim resumida por Loiva Otero Félix:
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Participaram dessas eleições também candidatos da Ação Integralista Brasileira (AIB) e de duas organizações operárias: Trabalhador ocupa teu posto e Liga Eleitoral Operária. TRINDADE, Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-grandense (1882-1937), p. 188.
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[...] esse município (Soledade), ao lado de Palmeira, era conhecido como reduto de grande concentração de bandidos e marginais que usavam as suas matas como refúgio ou como caminho para a fuga do Estado. Além do que, nessas regiões encontravam também "serviço" com alguns coronéis da região. [...] o termo fazer uma "limpeza" equivalendo a assassinato de indesejados ou desafetos fazia parte do vocabulário local.189
Em 2 de maio de 1934, assumiu o prefeito Francisco Muller Fortes em substituição a Amilcar Cunha Albuquerque, que estivera à frente da prefeitura de 17 de janeiro de 1933 a 8 de fevereiro de 1934. No período em que Fortes esteve à testa da prefeitura de Soledade, esta levou a denominação de "Vulcão da Serra". E não há exagero algum em afirmar, como o faz Garibaldi Wedy, que este "vulcão" tinha sentido ao considerarse o panorama político dominante no Rio Grande do Sul.190 Relata o autor: Em Soledade, onde a Revolução Constitucionalista teve apoio armado, luta campal, vicejou um duradouro clima de desconfiança, prevenção, discórdia, delação, repressão e agressão de toda ordem. Nesse ambiente, o prefeito Francisco Muller Fortes contribuiu, decisivamente, para o agravamento da situação existente, porque não se limitou a administrar o município. Foi além, ao enveredar para a atividade partidária nitidamente lesiva à normalidade ideal da comunidade. A conduta partidária do prefeito gerou a agressão e desencadeou a reação da oposição. 191 O prefeito Fortes pertencia ao Partido Republicano Liberal, mesmo partido do interventor federal, general José Antônio Flores da Cunha, tendo sido nomeado por este através de decreto.192 Em oposição a este se encontrava a Frente Única, formada pelo Partido Republicano Rio-grandense, liderado por Borges de Medeiros e pelo Partido Libertador, sob o comando de Raul Pilla. A possibilidade pelo governador gaúcho de "nomear prefeitos (intendentes), subprefeitos, funcionários, delegados de polícia, juízes distritais, fiscais
189
FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 167. WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p.19. 191 Idem, p.20. 192 CRACCO, Rubia Mara. O mandonismo local e a ação dos "bombachudos de Soledade". Revista de Filosofia e Ciências Humanas, Passo Fundo, ano 10, n. 2 , out./dez.1994. p. 12. 190
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coletores",193 preenchendo, dessa forma, a administração com pessoas de sua inteira confiança, aptas a lutar pelos seus interesses, era pressuposto para a conservação dos cargos públicos em meio às inúmeras correntes ideológicas que se digladiavam no poder. A Constituição de 1891 tratou a federação como um produto da união indissolúvel das antigas províncias;194 com isso, a tarefa de organizar os municípios foi delegada aos estados. O texto constitucional limitou-se no art. 68 a estabelecer: "Os Estados organizar-seão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”.195 Contudo, esse artigo não definiu o que era o peculiar interesse a que estava assegurada a autonomia local, o que levou os estados a submeterem os municípios aos seus interesses político-eleitorais imediatos.196 Veja-se o que diz Raul Machado Horta:
Os Estados esgotaram na amplitude de sua autonomia a organização municipal, submetendo o poder local aos rigores do controle hierárquico, como é visível na “permitida anulação das deliberações, decisões ou quaisquer outros atos das câmaras municipais” por órgão do Estado, prática que se generalizou no Direito Constitucional Estadual da Primeira República. 197 Segundo José Murilo de Carvalho, o sistema federativo de 1891 teria aberto "as portas do paraíso para o coronel.", de forma que a partir daquele momento havia um governador de estado eleito que dependia mais dele do que do ministro da Justiça. Formava-se uma espécie de corrente ligando coronéis de diversos graus. Essa dependência entre coronéis se daria da seguinte forma: o coronel municipal apoiaria o coronel estadual que apoiaria o coronel nacional, "também chamado de presidente da república" que, por sua vez, apoiaria o coronel estadual, que apoiaria o coronel municipal. 198 Em Soledade, as desavenças entre o prefeito Fortes, que representava no município o poder estadual, e os representantes locais da Frente Única, em especial Cândido Carneiro Júnior e Kurt Spalding, eram constantes. Tanto o era que Fortes foi acusado publicamente de perseguição política e de ter provocado a quase cessação da atividade social 193
CAMPOS, Deroncina Alves. Flores da Cunha X Getúlio Vargas: da união ao rompimento. 1995. Dissertação (Mestrado. PUCRS) – Porto Alegre, 1995. p. 57. 194 HORTA, Raul Machado. A posição do município no direito constitucional federal brasileiro. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 55, jul. de 1982, p. 199. 195 CAMPANHOLE, Adriano. Constituições do Brasil. São Paulo: Atlas, 1986. p. 609. 196 COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p. 18. 197 HORTA, A posição do município no direito constitucional federal brasileiro, p.199. 198 CARVALHO, José Murilo de. As metamorfoses do coronel. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6 Mai 2001. http://www.brazilink.org/history.asp Acesso em 24/02/2005.
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em Soledade em razão de suas normas, além de acusações de que ameaçava juízes e de que teria agredido o promotor público, bem como de coagir advogados.199 A utilização de mecanismos legais e extralegais pelas oligarquias estaduais, no caso de manifestações de rebeldia dos poderes locais, revela que as relações entre as duas esferas de poder não eram nada pacíficas.200 O auge dos conflitos deu-se com a atuação dos "bombachudos", cujas façanhas alarmavam os habitantes de Soledade, bem como davam margem a freqüentes comentários na imprensa escrita.201 Esses "pistoleiros", que trajavam largas bombachas e ostentavam armas, eram acusados pela oposição de terem sido recrutados, em grande parte, "entre os criminosos da pior espécie não só do município, como de outros vizinhos"
202
e pagos pelos cofres
públicos.203 De acordo com o jornal Correio do Povo, o grupo seria comandado por Sebastião Garcia dos Santos, vulgo “Tatão Quitério”.204
E os provisórios [...] foram suplantados no RS pelos famosos "bombachudos" [...] Em 1934 surgiu no município de Soledade um perfeito exército de malfeitores chefiados por Muller Fortes, então prefeito da comuna. Esses facínoras montavam bons cavalos, usavam largas bombachas e ficaram conhecidos como "bombachudos". As façanhas desses bandoleiros alarmavam os habitantes da região serrana, dando margem a vastos comentários pela imprensa.205
Há, entretanto, controvérsia a respeito de se os "bombachudos" seriam capangas do prefeito Francisco Muller Fortes ou do coronel Victor Dumoncel Filho, porém o fato é que ambos eram aliados políticos. De acordo com o regime ditatorial vigente na época, o serviço de policiamento foi entregue à Brigada Militar do estado, representada nos municípios pelos
199
WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 21. COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p. 19. 201 REIS, Gomercindo. Defendendo a verdade: o que foi a administração de Artur Ferreira Filho em Passo Fundo na vigência do Estado Novo. Passo Fundo: Empresa Gráfica Editora, 1947, p. 50. 202 OS SUCESSOS de Soledade. O relatório apresentado pelo representante da OAB sobre o inquérito procedido. Correio do Povo, Porto Alegre, 8 ago. 1935, p.9. 203 WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 21. 204 TATÃO Quitério ocultou-se. Correio do Povo, 20 ago. 1935, p. 8. 205 REIS, Defendendo a verdade, p. 50. 200
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destacamentos. Em Soledade, a responsabilidade era do 38o Corpo Auxiliar da Brigada Militar do Estado, comandado por Victor Dumoncel Filho. 206 Algum tempo após o episódio dos bombachudos, em 1944, contestando uma entrevista concedida por Flores da Cunha a uma revista carioca, foi publicado em Passo Fundo um artigo, depois transcrito no Correio do Povo (sob a espécie A pedido), que comentava:
os atentados de Lageado e Soledade aí estão, vivendo em nossa memória, presentes à nossa lembrança. Ouvimos, mau grado a distância, o tropel sinistro dos provisórios de um Victor Dumoncel: em nossa retina aparecessem, ainda, as figuras apavorantes de seus "bombachudos", perseguindo, matando, atentando contra os direitos e a liberdade dos que discordavam, no terreno ideológico, da atitude do então governador do Rio Grande.207
Em 1934 eram visíveis as duas faces da fama de Dumoncel: ao mesmo tempo em que seu prestígio crescia entre os situacionistas, pela constância dos traços de personalidade e de ação, desde 1923, também se propagava a fama de seu nome ligado à violência dos "bombachudos", em especial durante o mandato de Francisco Müller Fortes. Nesse período Dumoncel e Valzumiro Dutra ainda mantinham uma relação relativamente amistosa, contudo esse quadro sofreria alterações com a modificação da política estadual.208
206
CRACCO, Rubia Mara. O mandonismo local e os bombachudos de Soledade. 1994. Monografia de PósGraduação do curso de Especialização em História do Brasil Republicano. UPF -IFCH, Passo Fundo, 1994. p. 71 e 75.(mimeo) 207 O democrata desta hora, Correio do Povo, Porto Alegre, 22 jun. 1944, apud FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 170. 208 FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 167.
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Grupo de bombachudos de Soledade Fonte: CRACCO, Rubia Mara. O mandonismo local e os bombachudos de Soledade. Monografia de PósGraduação do curso de Especialização em História do Brasil Republicano. UPF- Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Soledade, 1994 (mimeo).
Para Florisbela Carneiro Zimmermann, a origem dos bombachudos está diretamente ligada à Revolução de 1932, pois, além das forças regulares da Brigada Militar, foram recrutados no interior do estado inúmeros homens para compor as chamadas forças provisórias – "os pés no chão". Com o fim da revolução, as forças irregulares teriam sido dissolvidas, entretanto muitos de seus integrantes, já como civis, encontraram trabalho como capangas de determinadas autoridades, às quais serviam. Rubia Maria Cracco acrescenta que, além do fator monetário, essas pessoas buscavam também proteção política, ou seja, protegiam e eram protegidas. Ao que consta, os bombachudos não teriam se formado nesse período, mas anteriormente a 1935, fazendo parte de um esquema político-partidário comprometido e desvirtuado de eleições que se desenvolviam no estado e no país. Na realidade, mesmo com denominações diferentes nos demais estados, os políticos da época sempre mantiveram uma espécie de polícia particular.209 Quanto aos bombachudos, estes, mesmo servindo de inspiração a brincadeiras carnavalescas, tinham ressaltada a sua violenta faceta: 209
CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 74-75.
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Os 'bombachudos" continuam mostrando o que são.... em Carnaval. No Comercial, amanhã, eles combaterão com ardor. Conforme havíamos noticiado, o combate serrado que o esquadrão das bombachas planejou, foi transferido para a amanhã, Domingo, no salão do Clube Comercial. Irão assim, os adeptos da folia fazer, amanhã, uma algazarra sem precedentes. Será um "Salve-se quem puder", pois é sabido que os "bombachudos" são respeitados aqui e em qualquer parte. O valor que eles têm, os seus grandes feitos, há pouco e pouco passam à posteridade.... carnavalesca. Vai ser o entrevero de domingo, uma fuzilaria única. O ataque é por todos os flancos, pois os soldados estão aptos para tal manobra. Não faltam coronéis a serem convencidos de que a farra é boa e também existe bastante nessa zona. Os "bombachudos" nunca perderam vasa certa. Falarão de perto com seus homens na hora precisa.210 Através dos fragmentos abaixo percebe-se como a imprensa porto-alegrense, por meio do jornal Correio do Povo, também se posicionava contra a continuidade do prefeito Chico Touro no cargo:
Desenvolvendo grande atividade e abordando umas e outras, chegamos a conclusão de que o prefeito, o delegado de polícia e muitas outras autoridades policiais e administrativas são acusadas da prática de inúmeros crimes, alguns de alta gravidade. Os partidários do prefeito, em sua maioria, quase não prestam esclarecimentos sobre os crimes imputados, àquele moral e materialmente, limitando-se a afirmar, sem demonstração de fundamentação que o Senhor Francisco Muller Fortes é bom administrador.211 Muito embora os funcionários da prefeitura se dedicassem a colher assinaturas do Partido Liberal para requerer, em telegrama que seria dirigido ao coronel Victor Dumoncel Filho e ao governador do estado, a permanência de Francisco Müller Fortes,212 a situação em Soledade era de apreensão, conforme pode ser percebido através da leitura do seguinte fragmento do Correio do Povo de 11 de agosto de 1935:
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O Nacional, Passo Fundo, 1 de ago. de 1935, p. 2. OS SUCESSOS de Soledade: [...] encerrado anteontem Correio do Povo, Porto Alegre, 13 set. 1935. p. 8. 212 TELEGRAMAS pedindo a manutenção do prefeito Muller Fortes ao governador do estado e ao Coronel Dumoncel. Correio do Povo, Porto Alegre, 11 ago.1935. p. 8. 211
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Elementos pertencentes à guarda especial, capangas, que o povo denomina de bombachudos, percorrem a vila, distribuindo boletins em que constam apreciações elogiosas ao prefeito local, expedidos ao jornal "O Comércio", de Cruz Alta pelo subchefe de polícia coronel Bráulio Oliveira.213 A população está apreensiva, visto quando se verificou o atentado ao Sr. Kurt Spalding seus matadores dissimulavam a atitude usando o expediente de distribuição de boletins.214 Como já referido, os bombachudos andavam pelas ruas da vila portando armas e alarmando a população local, sendo responsáveis pela quase cessação da vida social devido às agressões físicas e ameaças efetuadas contra os integrantes da Frente Única, a mando, supostamente, do prefeito Müller Fortes. Por isso, a atuação do grupo foi amplamente noticiada e comentada nos jornais do estado. Transcrevem-se abaixo três quadras sobre os bombachudos, originárias da época e contidas em panfletos políticos que eram jogados nas ruas, pátios de casas e praças de Soledade:
Nesse regime de farda Cá no Rio Grande do Sul Viu-se alguém em calças pardas Prá encontrar o calça azul. Os provisórios estão Pelo Rio Grande espalhados Mas na Palmeira é que tem Os parentes mais chegados Soledade dá de tudo Isso é público e notório Pois já deu os Bombachudos Que suplantaram os provisórios.215 Um dos episódios mais emblemáticos para revelar a violência política em Soledade foi o assassinato do farmacêutico Kurt Spalding durante o mandato do prefeito "Chico Touro". Como referido anteriormente, em outubro de 1934 realizaram-se as eleições para deputados federais e estaduais. A nova ordem constitucional estabelecida iniciava em todo o estado os preparativos para o futuro pleito, a realizar-se no dia 14 de outubro, no qual 213
Bráulio de Oliveira assumiu a subchefia de polícia em substituição a Dumoncel, que estava em Porto Alegre. Correio do Povo, Porto Alegre, 11 ago.1935. p. 8. 215 CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 104. 214
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seriam eleitos os novos deputados federais, assim como a composição da Assembléia Constituinte Estadual. O acontecimento gerou no meio político intensa movimentação, visto que se lutava para que houvesse segurança de “ampla liberdade de qualificação e, principalmente, possibilidade a todas as correntes políticas de franca propaganda eleitoral, sem entraves nem temores”.216 Após a apuração dos votos, como em outros locais do estado, em Soledade, houve anulação da votação em algumas seções eleitorais. Anulada a votação marcaram-se as eleições suplementares. O assassinato de Kurt Spalding, então com cinqüenta anos, deu-se no dia 15 de dezembro de 1934, véspera dessas eleições, e ganhou repercussão tanto local quanto estadual. O Tribunal Regional Eleitoral anulou a votação na 9a mesa de Soledade, 2a e 5a seção, 1o e 5o distritos, respectivamente,217 por conta de irregularidades. De acordo com o Correio do Povo de 1o de dezembro de 1934 ,
[...] ficou apurado que a urna daquela mesa receptora devia ter sido entregue ao correio de Soledade, que era o mais próximo e não ao de Passo Fundo, tardiamente, como sucedeu. Também ficou esclarecido que a urna não foi acompanhada até o correio, de acordo com as prescrições do Código Eleitoral, mas confiada esta tarefa ao sub-prefeito do lugar onde se realizou a eleição. [...] o tribunal decidiu por maioria [...] não responsabilizar os mesários.218 O clima era tenso, conforme pode ser observado através do teor de alguns telegramas publicados no jornal Correio do Povo. Num deles, o advogado Caio Graccho
216
AS ELEIÇÕES futuras. O Nacional, Passo Fundo, 22 mar. 1934, p. 1. O 1o Distrito era a sede do município e o 5o Distrito correspondia a Jacuizinho. Em 1920, Soledade dividia-se em nove distritos: Soledade, Povoado Vitória, Depósito, Sobradinho, Jacuizinho, Lagoão, Restinga, Rincão de Santo Antônio e Espumoso. RECENSEAMENTO DO BRASIL 1920: População. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, 1926. v. 4, pt. 1. p. 499-518, apud FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA. De província de São Pedro a estado do Rio Grande do Sul : Censos do RS 1803-1950. Porto Alegre, 1981. p. 123. Vale ressaltar que Sobradinho tornou-se município através do decreto n. 3.924, de três de novembro de 1927. FORTES, Amyr Borges; WAGNER, João B. Santiago. História administrativa, judiciária e eclesiástica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1963, apud FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA. de província de São Pedro a estado do Rio Grande do Sul : censos do RS 1803-1950. Porto Alegre, 1981, p. 138. 218 Os trabalhos da Justiça Eleitoral. Em sua reunião de ontem, o Tribunal Eleitoral decidiu anular a votação de dez mesas receptoras de diversos municípios. Em todas elas, porém, se realizarão novas eleições, de acordo com o preceituado na lei. Correio do Povo, Porto Alegre, 1 dez. 1934, p. 13. 217
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Serrano relatava a Dario Crespo, chefe de polícia do estado,219 que ele e outros integrantes da Frente Única soledadense estariam sendo ameaçados de assassinato por parte da "capangagem a soldo da Prefeitura”. Dizia que a vila continuava "dominada pela insânia partidária", embora lá existisse um destacamento da Brigada Militar.220 Prosseguia relatando que o prefeito Francisco Muller Fortes, depois dos assassinatos de Kurt Spalding e João Ferreira da Silva, teria declarado que agia de acordo com instruções recebidas do governo, que teria lhe dado "carta branca". A situação de insegurança levou Clóvis Cardoso, advogado e integrante da Frente Única soledadense, a impetrar ordem de habeas-corpus em favor dos eleitores oposicionistas da oitava seção eleitoral de Soledade perante o presidente do Tribunal Eleitoral de Porto Alegre. Dizia em seu arrazoado esperar que cessasse a violência que aqueles vinham sofrendo, de forma que pudessem comparecer livremente ao pleito do dia 16. Queixava-se também de que o subdelegado daquela secção estaria percorrendo as colônias 13 de Maio e Posse Maia Rodrigues, acompanhado de dez homens armados de fuzis, os quais teriam espancando cidadãos que presumiam serem da Frente Única e ameaçado os que comparecessem ao pleito. Nesse contexto, Cardoso acreditava faltarem as devidas garantias para a lisura do pleito, em razão do desrespeito às leis tornar impossível o comparecimento dos colonos à eleição suplementar. 221 Nesse aspecto, constata-se que, em Soledade, as ações não se pautavam pela lei, havendo uma grande distância entre o que estava previsto nos códigos da época e o que ocorria na prática. Nesse quadro se insere a violência política dos bombachudos e os assassinatos, em especial de Kurt Spalding. Apesar dos direitos e deveres previstos em lei, na prática, as regras que vigoravam eram outras. Para Norberto Bobbio, norma é algo que pode modificar ou influenciar comportamentos, embora nem todas as mudanças de comportamento sejam efeito de uma norma.
219
Dario Crespo foi chefe de polícia do Estado do Rio Grande do Sul de 3 de janeiro de 1933 a 16 de abril de 1935, quando assumiu o cargo o bel. Poty Medeiros, que permaneceu até 20 de outubro de 1937. GIULIANO, Esboço histórico da organização da polícia no Rio Grande do Sul, p. 393. 220 OS GRAVES sucessos de Soledade. O Dr. Armando de Souza Kanters ex-promotor público abandonou o município por falta de garantias. Um telegrama do Dr. Caio Graccho Serrano ao Chefe de Polícia. Correio do Povo, 29 dez. 1934, p. 7. 221 Citado por CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 89-90.
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Para que se possa dizer que existe uma norma [...] não basta que cada indivíduo se comporte como outros se comportam, é preciso que, se não forem todos, pelo menos parte daqueles que se comportam da mesma maneira o façam por considerarem esse comportamento como um critério geral de conduta, um modelo de comportamento de todo o grupo e, ao mesmo tempo, como um ponto de referência para criticarem o comportamento daqueles que se desviam. 222 Sabe-se que toda a norma, como próprio resultado de sua construção, instaura papéis e status. Por papel tem-se o conjunto de atitudes que a norma dita, o conjunto de direitos e obrigações decorrentes da norma; status, por sua vez, é a posição social determinada pelo papel ou pelos papéis que as pessoas devem desempenhar em virtude das normas promulgadas. É através do comportamento infracional aos papéis e ao status que surge o desvio jurídico, que nada mais é do que um comportamento não conformado à norma promulgada na matéria. 223 Assim, entende-se que toda a norma traz uma dicotomia que se funda na oposição entre conformismo e desvio, já que, ao ser posta, pressupõe que alguns a respeitarão e outros, não. Sobre esse desvio André-Jean Arnaud e Maria José Fariñas Dulce referem:
Por vezes, o desvio pode aparecer não como um ato isolado de uma pessoa que "infringe" a norma; mas como um conjunto de atitudes coletivas, correspondente a uma escolha deliberada à margem da norma, além da norma, ou, até, contra a norma em vigor. Nesse último caso, principalmente, pode-se determinar um verdadeiro sistema, que vem pôr-se como concorrente do sistema de direito oficial em geral, com a esperança de substituir este último ao longo de uma mudança jurídica. [...] Desse modo, compreender-se-á, por um novo prisma, o desvio, que nem sempre é uma vontade de infringir a lei, mas, às vezes, e sob certas condições muito precisas, é a expressão de representações diferentes [...]224
Dessa forma, não é exagero afirmar que em Soledade existia um verdadeiro "campo jurídico paralelo" onde o que valia não era o direito oficial. Com isso, pretende-se afirmar que o discurso normativo válido não era aquele que emanava da lei positivada, mas, 222
BOBBIO, Norberto. Norma. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Porto: Casa da Moeda, 1989. v. 14. p. 107. ARNAUD, André-Jean; DULCE, Maria José Fariñas. Introdução à análise sociológica dos sistemas jurídicos. Rio de Janeiro: RENOVAR, 2000, p. 314. 224 ARNAUD; DULCE, Introdução à análise sociológica dos sistemas jurídicos, p. 314 - 315. 223
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sim, o que emanava de uma autoridade reconhecida naquele local e que correspondia aos valores socialmente aceitos. A normatização dos comportamentos não era oculta, mas explícita, sendo utilizadas, até mesmo, "sanções" para quem não agisse de conformidade com o que era esperado. Dessa forma, pode-se afirmar que a força legal externa não conseguia romper com a teia de poder informal, que, embora não legal, se sobrepunha à lei através de suas práticas, das quais a violência foi o símbolo. Wolkmer, ao tratar sobre as "regras perversas", afirma que
[...]um corpo social intermediário ou grupo dirigente qualquer pode criar regras perversas, objetivando atender interesses contrários à comunidade, expressando diretamente intentos de minorias identificadas com o poder, a dominação, a ambição, a exploração e o egoísmo. 225 É importante atentar para o fato de que o período compreendido entre os anos de 2001 e 2005, que corresponde em parte ao tempo de elaboração deste trabalho, representou para Soledade um período igualmente violento. Os crimes ocorridos têm como característica comum a eliminação das vítimas e, até mesmo, dos seus familiares. Essas execuções, que ganham hoje repercussão estadual e nacional, não são um fenômeno recente na história soledadense. Na década de 1930, o descumprimento da lei em Soledade levou Cândido Carneiro Júnior e Clóvis Cardoso a enviarem um telegrama ao presidente do Supremo Tribunal Eleitoral, instância máxima eleitoral, com sede no Rio de Janeiro, afirmando que, apesar de terem pedido ao Tribunal Eleitoral do Estado do Rio Grande do Sul que fossem tomadas providências a fim de que a oposição tivesse garantias para comparecer livremente ao pleito suplementar, nada havia sido feito. A solução, segundo os missivistas, seria o envio de força federal para garantir a ordem.226 Consta do telegrama:
225
Pluralismo jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no direito. São Paulo: Alfa Ômega, 1994. p. 324.
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Oitava secção, 5o Distrito deste município, subprefeito em companhia escolta armada fuzil guerra tem espancado pacatos cidadãos pertencentes Frente Única fito atemorizar povo, afastar companheiros sufrágio. Ontem à noite, naquele distrito, chegou subprefeito dum distrito município Cruz Alta acompanhado mais ou menos 50 homens armados, espalhando ameaças contra eleitores oposicionistas comparecessem pleito, ameaçando-os. Ambiente de completa insegurança. 227
Afirmavam, ainda, que as garantias do Código Eleitoral eram letra morta em Soledade, pois a sede do município encontrava-se tomada por piquete comandado pelas autoridades locais, ameaçando a segurança do pleito. E prosseguiam dizendo:
Querem vencer pela força eleição já vencida pelo voto oposição. Na sede deste município existe destacamento Brigada Militar vem mantendo ordem desnecessária, portanto, reunião outras forças policiais manter ordem pleito. Último recurso, dirigimonos essa Suprema Corte Eleitoral solicitando garantia possa oposição comparecer pleito amanhã. Isto será viável vindo força federal urgentemente. Caso contrário somos forçados recomendar abstenção a fim evitar desagradáveis acontecimentos, sacrifícios inúteis. Excelência, confiando comparada rigidez caráter, integridade e cultura jurídica, respeitosamente impetramos Vossência providência cumprimento lei. Poderemos confiar na ação Poderes Públicos esse desideratum?228
Da mesma forma, Cândido Carneiro Júnior acusava as autoridades de estarem alertadas, inclusive por ele próprio, da situação tensa que se instalara às vésperas das eleições suplementares no município. Porém, mesmo cientes, teriam se mantido indiferentes, nada fazendo para coibir o uso da violência, que impedia o cumprimento da lei eleitoral. A Ordem dos Advogados também intercedeu na questão da violência em Soledade, protestando contra a indiferença das autoridades diante do grande número de crimes cometidos. De acordo com relatório de Armando de Souza Kanters à subsecção da OAB de Soledade: 226
COMO foi resolvido o pedido de habeas-corpus do sr. Clóvis Cardoso de Soledade, que se queixa de ameaças e espancamentos[ jornal rasgado] pelo delegado de polícia, Correio do Povo, Porto Alegre, 15 dez. de 1934, p. 10. 227 Idem. 228 Idem.
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Os antigos métodos policiais, hoje abandonados, pelo menos em grande parte, dos bolos, palmatoadas, espancamentos a chicote, adquiriram, pela sua freqüente e quase diária repetição, foros de causas normais naquele município e muitas das autoridades usam e abusam dos castigos corporais, aplicam-nos em miseráveis e cidadãos dignos, com a mesma naturalidade, como penas insculpidas em lei. Para comprovar a assertiva [...] e dar uma idéia do incremento assustador de criminalidade naquela comuna e do regime de impunidade reinante, transcreverei uma relação de fatos delituosos lá ocorridos e a respeito dos quais não se procederam perícias, não se instauraram investigações, ou pelo menos até a presente data não foram remetidas ao judiciário.229
Os protestos condenando os atentados à lei em Soledade e a forte pressão da imprensa visavam obter uma resposta, fosse do governo estadual, fosse do federal. Nesse sentido, uma comissão, formada por Firmino Torelly, Edgar Schneider, Camilo Costa e Oswaldo Vergara, levou até o presidente Getúlio Vargas um manifesto a respeito dos acontecimentos solicitando providências para que fosse restabelecida a estabilidade política e administrativa no município.
229
Relatório do Dr. Armando de Souza Kanters, à sub-secção da OAB de Soledade. O Nacional, Passo Fundo, 1 ago. 1935, p. 2 -3.
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Comissão composta por Edgar Schneider, Firmino Torelly, Oswaldo Vergara e Camilo Martins Costa.230 FONTE: UMA representação da Frente Única ao Presidente da República, Correio do Povo, Porto Alegre, 19 dez.1934. p. 12.
Realizada a eleição suplementar, em razão dos atentados e ameaças aos eleitores e aos integrantes da Frente Única soledadense, foi questionada a validade dos resultados. Interposto o recurso ao Tribunal Regional Eleitoral, sediado em Porto Alegre, este entendeu não existirem provas suficientes das coações e violências, negando, assim, o provimento. Conforme nota publicada no jornal Correio do Povo de 27 de dezembro de 1934:
230
O professor Edgar Schneider foi reitor da UFRGS nos anos de1942 e 1943. www.ufrgs.br/faced/home.html, 17/12/2004. Oswaldo Vergara foi fundador da OAB Seção Rio Grande do Sul. AXT, Gunter. Júlio de Castilhos e Maria Degolada: A justiça nos espaços públicos da memória gaúcha. www.tj.rs.gov.br/institu/memorial/julio.doc, 17/12/2004. Camilo de Almeida Costa foi presidente do IARGS Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul de 1941 a 1943. www.iargs.com.br/historia/presidentes.asp, 17/12/2004.
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O Dr. Osvaldo Vergara impugnara perante a 21a turma, a apuração referente às eleições suplementares realizadas nas 2a e 8a seções de Soledade, apresentando depois, dentro do prazo, as razões escritas do recurso. Nestas razões, declara o recorrente que, na véspera das eleições suplementares foi tal a coação e violência exercida contra o eleitorado da Frente Única que esta resolveu se abster de comparecer às urnas. Acrescenta o recorrente, em suas razões, que não apresenta prova da coação porque os fatos e as violências eram públicas e notórias [...] 231 Assim, foi negado provimento ao recurso da Frente Única sob o fundamento de que não bastava a simples alegação de coação, mas era necessária a sua prova. O desembargador La Hire Guerra, em voto vencido, afirmou que "as violências de Soledade, pela forma mais grave – a morte– eram de notoriedade pública". Concluindo, emendava que, no seu entender, as eleições não haviam sido livres, como a lei exige.232 As eleições de 14 de outubro de 1934, tanto para a Assembléia Estadual Constituinte como para deputação federal, tiveram como resultado final a vitória da maioria situacionista do estado, representada pelo PRL, tendo como resultado final a aprovação da Constituição e a escolha indireta do governador do estado. Assim, Flores da Cunha passou de interventor a governador constitucional do Rio Grande do Sul. Quanto à política municipal de Soledade, percebe-se que o limite da autonomia municipal era a aceitação dos acordos políticos estaduais pela elite local; quando isso não ocorria, a elite estadual intervinha na localidade, anulando as eleições municipais ou nomeando prefeitos.233 No quadro a seguir apresenta-se a sucessão de prefeitos em Soledade, salientando-se que cada um permaneceu no máximo um ano à testa da prefeitura. Segundo Garibaldi Almeida Wedy, "a sucessão de prefeitos revela que algo havia na política soledadense, com relação ao governo da própria terra. Era a luta política e sem trégua, clandestina ou pública, com as suas inquietações e conseqüências, muitas vezes funestas."234
231
POR falta de prova da coação alegada, foi negado provimento ao recurso sobre as eleições suplementares de Soledade, Correio do Povo, Porto Alegre, 27 de dez. de 1934 p. 9. 232 Idem. 233 COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p. 20. 234 WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 68.
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Tabela 2 - Rotatividade dos Prefeitos em Soledade PREFEITO Olívio de Carvalho Marques (nomeado) Guilherme Vasconcelos (nomeado) João Carmeliano de Miranda Amilcar Cunha de Albuquerque Francisco Müller Fortes (nomeado) José Campos Borges (nomeado e posteriormente eleito) Reinaldo Heckmann (eleito)
PERÍODO 1931 – 1932 23/01/1932 - 12/08/1932
OCUPAÇÃO 1o tenente da Brigada Militar Comerciante
17/08/1932 - 17/01/1933 17/01/1933 - 08/02/1934
pecuarista Funcionário público 02/05/1934 - 01/10/1935 Engenheiro agrônomo 1935 – 1936 advogado,major, ex-juiz distrital e ex-promotor público 15/06/1936 – 12/03/1938 médico
Olmiro Ferreira Porto235
13/03/1938-31/08/1938
farmacêutico
Tissiano Felipe de Leoni (nomeado)
31/08/1938 - 20/12/1938
1o tenente da Brigada Militar
PARTIDO S/P S/P PRL PRL PRL PRL
PRL Frente Única (PRR) S/P
LEGENDA: S/P: sem identificação de partido PRL: Partido Republicano Liberal PRR: Partido Republicano Rio-Grandense Fonte: Pesquisa da autora
Os prefeitos de Soledade foram, em sua maior parte, no período analisado, nomeados pelo presidente do estado. Essas nomeações eram justificadas com base na noção de que, para que o prefeito pudesse desempenhar as tarefas administrativas, deveria possuir determinados conhecimentos técnicos. A isso se acrescenta a não menos importante necessidade de que as oligarquias locais procurassem eliminar os conflitos locais colocando nas prefeituras homens de sua confiança.236 Para Orlando M. de Carvalho, essa foi uma prática comum durante a República Velha. Explica o autor:
235
Olmiro Ferreira Porto, farmacêutico, substituiu, como subprefeito que era, o prefeito Reinaldo Heckmann, exonerado. Esteve à frente da prefeitura até a posse de Tissiano Felipe de Leoni. Olmiro provinha do Partido Republicano Riograndense e pertencia à Frente Única. 236 COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p. 20.
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Assim é, que muitos Estados adotaram como medida não infringente da constituição a nomeação de prefeitos pelo presidente dos Estados. Como se sabe, a noção de autonomia envolve a de auto-organização, portanto por si mesmo os órgãos de sua administração. Entretanto, os Estados não consideravam sempre essa doutrina como essencial, porque doze deles adotam o regime de nomeação para as prefeituras. Em alguns Estados (Ceará, Bahia, Paraíba), para todos os municípios; em outros somente para alguns. 237 Guilherme Vasconcelos, comerciante, foi nomeado pelo interventor federal para o cargo de prefeito de Soledade, tendo sido substituído sete meses após pelo tenente-coronel João Carmeliano de Miranda,238 que era prefeito quando Soledade se revoltou, em 1932. João Carmeliano de Miranda foi substituído por Amílcar Cunha de Albuquerque. Francisco Müller Fortes, ou "Chico Touro", como era conhecido, assumiu a prefeitura em 2 de maio de 1934, nomeado por Flores da Cunha, tendo ficado no cargo até 1o de outubro de 1934. Além de prefeito, foi chefe liberal no município de Soledade. O substituto de Müller Fortes foi José Campos Borges. Em 26 de maio de 1936, ainda prefeito de Soledade, Campos Borges foi morto por Leonardo Seffrin, o qual foi absolvido por terem os jurados considerado que agira em estado de legítima defesa própria.239 Serviram de testemunhas no processo os menores Gudbem240 e Albuquerque. De acordo com Garibaldi Wedy, as motivações deste crime não teriam sido políticas, pois ambos eram filiados ao Partido Republicano Liberal, mas econômicas, originadas de uma dívida de Seffrin para com a Prefeitura, tratava-se de uma execução fiscal movida contra Seffrin e seu irmão.241 No acórdão de número 390, de 4 de novembro de 1936, consta que réu e vítima "mantinham boas relações e eram ambos de precedentes abonados, embora fosse o primeiro (Seffrin) de temperamento calmo e o segundo de temperamento violento (Campos Borges)”.242 O histórico de Soledade, envolvendo acirradas lutas políticas, levou a se questionar se o assassinato de Campos Borges havia se dado também por esse motivo. Todavia, há que se ressaltar que, no período, havia uma rivalidade aberta entre Vazulmiro 237
CARVALHO, Orlando M. de. Política do município (ensaio histórico). Rio de Janeiro: Agir, 1946, p. 82. WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 67. 239 RIO GRANDE DO SUL. Decisões do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, proferidas durante o ano de 1936. Publicação autorizada pelo art. 79, parágrafo 8o da Constituição do Estado. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1939, v.1, p. 232-233. 240 Não foi possível confirmar tratar-se de Gudbem Castanheira. 241 WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 94. 242 RIO GRANDE DO SUL, Decisões do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, proferidas durante o ano de 1936, p. 234. 238
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Dutra e Victor Dumoncel, com o primeiro atuando em consonância com a oposição do município, no sentido de obter a integração de Soledade à 5a região policial, retirando-a, assim, da alçada de Dumoncel. Esse foi mais um agravante na crise da política local, seguindo-se uma fase de grandes intrigas, que chegaram a levantar suspeitas sobre um suposto "complô" para matar Dumoncel, movimento que contaria com o apoio de Valzumiro. Posteriormente, descobriu-se que tudo fazia parte de uma armação produzida pelo jornalista Joaquim Mendes.243 Em 1936 abriu-se novamente a questão e, desta vez, tudo teria sido planejado por Campos Borges, amigo e compadre de Dumoncel. Em maio de 1936 aconteceu o assassinato de Campos Borges, quando, então, Dumoncel pediu a Flores da Cunha a abertura de rigoroso inquérito.244 A situação tornou-se tensa e, em outubro de 1936, grupos ficaram de prontidão e vigilância em várias localidades da serra de prontidão para "qualquer emergência". Sobre os preparativos da luta armada, o informante que Getúlio Vargas tinha na região, Otero, teria relatado que todos os preparativos bélicos e a convocação dos principais coronéis (nominalmente citados, entre eles Dumoncel) para se deslocarem a Porto Alegre, bem como a organização dos "corpos" após o retorno da capital. A minuta de resposta revela "com surpresa" o "conhecimento medidas militares alarmantes e despropositadas do governador deste estado que não encontram justificativa. Serão tomadas providências defensivas sentido respeito autoridade governo federal e garantias população Rio Grande, fim restabelecer tranqüilidade e assegurar livre manifestação pensamento”.245 Estava em disputa, em nível local, o poder entre os dois coronéis e, em nível estadual, o desdobramento das divergências pró-Flores e pró-Getúlio, que iriam arrastar-se durante todo o ano de 1936. Vazulmiro romperia definitivamente com Getúlio em 1937.246 A renúncia de Flores da Cunha precipitou a de Dumoncel da subchefia de polícia, o qual foi perseguido, esteve foragido e respondeu a inquérito, do qual foi absolvido, tendo a defesa argüido o princípio da obediência a ordens superiores. Dumoncel, durante o Estado Novo, ficou no ostracismo político.
243
FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 170. Telegrama de Victor Dumoncel para Flores da Cunha. 26 mai. 1936. AFC/UFRGS, apud FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 171. 245 AGV 36.09.30/2 XXIII 88 CPDOC/FGV e AGV 36.09.30./2 XXIII 89 CPDOC/FGV, apud FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 172. 246 FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 171. 244
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Desde o combate do Fão, em 1932, os integrantes da oposição soledadense eram vistos com muito mais cuidado pelos governantes, tanto estaduais quanto municipais. Essas autoridades temiam que a qualquer momento irrompesse uma nova revolta. A rivalidade entre a situação e a oposição seria despertada com as eleições de 1934, quando a luta pelo poder levaria Soledade a uma situação que requereria a intervenção de membros externos à localidade. Com a breve retrospectiva histórica feita, é possível concluir que as rivalidades políticas, a violência e a relação do Poder Judiciário com as forças políticas locais foram uma constante em Soledade, que se estendeu desde a República Velha até o pós-30. E, embora não seja possível precisar uma data para o início desses conflitos, bem como para o seu término, o que a pesquisa possibilita é a visão de uma intensificação dessa violência dentro do período estudado. Assim, tem-se o auge das rivalidades políticas nos anos compreendidos pelo mandato do prefeito Francisco Muller Fortes, de 2 de maio de 1934 a 1o de outubro de 1935. Foi durante esse mandato que os 'bombachudos" atuaram em Soledade, que duas eleições foram anuladas e quando ocorreu o episódio da Farmácia Serrana.
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3. UM CASO DE VIOLÊNCIA POLÍTICA: O ASSASSINATO DE KURT SPALDING
3.1 O crime na Farmácia Serrana
Neste capítulo trata-se, em especial, do crime ocorrido na Farmácia Serrana, do qual foram vítimas fatais Kurt Spalding e os bombachudos Gerôncio Assis Ferreira e Alvino dos Santos Ferreira, saindo feridos Cândido Carneiro Júnior e Ricardo Schaeffer, este também pertencente ao grupo dos bombachudos. Serão apresentadas as versões atribuídas ao crime, com especial destaque à que atribui ao prefeito Francisco Müller Fortes a autoria intelectual do fato. Destaca-se, ainda, a permanente pressão por parte de setores da sociedade soledadense para que fossem tomadas providências quanto às ilegalidades e à radicalização política, para que findassem os atritos entre as facções políticas. O estudo da história do município de Soledade faz surgir relatos que assombram pela crueldade e pela freqüência com que ocorriam. A identificação da região como espaço de violência, presente no imaginário local, é confirmada na historiografia. Todavia, é preciso ter presente que o período analisado foi particularmente tenso em todo o estado, considerando que as condições políticas de confronto entre as facções que buscavam o controle do poder em nível estadual não podiam deixar de repercutir nos municípios. O assassinato de Spalding repercutiu na imprensa, levando os partidos Libertador e Republicano a se manifestarem, conforme pode ser percebido da nota extraída do jornal O Nacional de Passo Fundo em 17 de dezembro de 1934:
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Dia dezesseis de dezembro, às quatorze horas, realizaram-se as cerimônias de encomendação e sepultamento dos restos mortais de Kurt Spalding. O seu corpo foi encomendado na igreja da vila. No cemitério, usaram da palavra os advogados Abelardo Campos, Caio Gracho Serrano247 e Armando de Souza Kanters, que lamentando o acontecimento, apresentaram as despedidas em nome dos dois partidos, Republicano e Libertador, então concretizados na Frente Única.248
Desse modo, não se pode dizer que as relações interpessoais no plano político se caracterizassem pela civilidade, pois podem ser observadas inúmeras matérias pagas nos jornais onde vicejam as violências verbais. Contudo, o período do coronelismo, em especial, tem como uma de suas características justamente a supressão física dos adversários; assim, eram comuns no período denúncias de violência, perseguição e, até mesmo, de mortes encomendadas. Em Soledade, o assassinato de Kurt Spalding, e as demais violências, comuns no período e na região, visavam intimidar o eleitorado oposicionista impedindo que comparecesse às urnas. Dessa forma, pode-se afirmar que as abstenções eleitorais poderiam ser um sintoma da desconfiança da população na justiça e no Estado, além do temor de represálias, pois a coação moral e física era algo constante. Para Stoppino, o poder político funda-se sempre, parcialmente sobre a violência e, parcialmente sobre o consenso.249 Contudo, conforme Antônio Carlos Wolkmer, "não é possível pensar e estabelecer uma dada ordem política e jurídica centrada exclusivamente na força material do poder". Deve-se vislumbrar, por trás de todo o poder, político ou jurídico, "uma condição de valores consensualmente aceitos e que refletem os interesses, as aspirações e as necessidades de uma determinada comunidade". Assim, essa "adequação" do poder às práticas históricas da vida cotidiana, bem como a justificação de estruturas normativas, traz a problematização da temática legitimidade e legalidade. Direito e poder político possuem uma estreita ligação, sendo necessário que a ordem legal justifique e organize o exercício do poder de uma forma que seja aceita como justa e moralmente compartilhada pelos membros da sociedade.250 247
Não foi possível precisar o parentesco de Caio Graccho Serrano como Júlio César Serrano, o advogado assassinado em janeiro de 2005, na praça Olmiro Ferreira Porto em Soledade. 248 SOLEDADE: O sepultamento de Kurt Spalding. O Nacional, Passo Fundo, 17 dez. 1934. p.4. 249 STOPPINO, Mário. Violência. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Unb. p. 1294. 250 WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, estado e direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 80.
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Por legalidade pode-se entender a "fidelidade dos sujeitos sociais ao cumprimento de suas atividades dentro da ordem estabelecida necessariamente no grupo humano a que pertencem".251 Já legitimidade refere-se à consensualidade dos ideais, crenças, valores e princípios ideológicos, à conformidade com as acepções do justo tidas pela coletividade.252 Assim, o cumprimento das leis e ordens ocorre não porque haja temor ou por simples obediência, mas, sim, porque os atores sociais reconhecem tal condição como boa e justa.253 Em Soledade, a lei não era respeitada porque não representava as aspirações dos poderosos locais. Assim, atuava-se fora da lei, manipulando-se os poderes públicos, atemorizando-se a população e reprimindo qualquer atitude tida como “indesejável”. Cândido Carneiro Júnior e Kurt Spalding destacaram-se como dois verdadeiros coronéis da oposição. O primeiro teve consolidado seu prestígio após o Combate do Fão, surgindo, então, como uma das lideranças políticas em Soledade. Spalding, por sua vez, sendo comerciante, tinha em suas mãos "posse de fortuna", como afirma Maria Isaura Pereira de Queiroz.254 Ora, num meio econômica e culturalmente pouco desenvolvido como Soledade, era natural que as noções de comerciante e, às vezes, de médico se confundissem com a noção de fortuna. No mesmo sentido para Pierre Bourdieu:
A posição de um determinado agente no espaço social pode assim ser definida pela posição que ele ocupa nos diferentes campos, quer dizer, na distribuição dos poderes que atuam em cada um deles, seja, sobretudo, o capital econômico –nas suas diferentes espécies –, o capital cultural e o capital social e também o capital simbólico, geralmente chamado prestígio, reputação, fama, etc. que é a forma percebida e reconhecida como legitima das diferentes espécies de capital. 255 E, de fato, a ascensão de Kurt Spalding em Soledade deve ser creditada, em parte ao menos, à sua capacidade de fazer favores (auxiliar doentes, vender fiado); isso, somado ao fato de ser descendente de alemães, o que já atraía a simpatia desta colônia em Soledade,
251
LA TORRE, Angel Sanchez. Legalidade, In: SILVA, Benedito (Coord.) Dicionário de ciências sociais. Rio de Janeiro, FGV, 1986. p. 673. 252 WOLKMER, Ideologia, estado e direito, p. 81. 253 Idem., p. 82. 254 QUEIROZ, O coronelismo numa interpretação sociológica, p. 171. 255 BOURDIEU, O poder simbólico, p. 134.
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contribuiu para que se tornasse um líder carismático, fato que teria levado ao seu assassinato como forma de intimidação. Sobre este tipo de crime, Stoppino esclarece:
[...] o assassinato político, que freqüentemente tem um objetivo psicológico indireto, em certos casos volta-se para a destruição do inimigo. Isto acontece especialmente quando no grupo adversário a autoridade está (ou acredita-se que esteja) fortemente concentrada nas mãos de um único homem e quando o poder deste chefe depende (ou acredita-se que dependa) de seus dotes pessoais muito mais do que do cargo que ocupa. Daí a freqüência dos atentados contra os chefes carismáticos.256
A prática de resolver conflitos pela supressão dos adversários mostra-se algo constante, ao menos nos casos levantados nessa pesquisa. Trata-se de uma estratégia que utilizada ao longo dos anos e que teima em se repetir. A fama, propagada muitas vezes pela própria população local, de Soledade ser um local de "gente destemida e valente", é um sintoma desta situação na cultura local. 257 Gudbem Borges Castanheira, 78 anos, advogado criminalista, deputado emérito do Rio Grande do Sul e polêmico personagem da atualidade soledadense trouxe mais uma vez a tona essa situação ao resumir na seguinte frase esta situação que permanece no imaginário local e estadual: "Não sou homem de mandar matar. Sou de matar".258 Castanheira teve seu nome envolvido em acontecimentos trágicos. Trata-se da chacina da Fazenda Santo Augusto, ocorrida na noite de 7 de julho de 2001, na qual perderam a vida o fazendeiro Augusto Ghion, sua mulher Liamara, sua sobrinha Ana Maria Spalding Cavalli, o capataz Olmiro Adelar Graeff, a mulher deste, Iranês Salete, e o filho do casal, Alexsandro. A filha de Ghion escapou com vida porque se fingiu de morta ao ser alvejada no ombro. Foi preso o empregado de Ghion, Márcio Camargo, como suspeito do crime. Camargo confessou os assassinatos, contudo a polícia não se convenceu de que ele tivesse agido sozinho e, atrás do mandante do crime, decidiu usar Antônio Carlos Moraes Casagrande, o 256
STOPPINO, Mário. Violência. In: BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Editora Unb, 1986, p. 1295. 257 Embora o conceito de cultura atravesse na atualidade, por uma grande discussão, acredita-se que para esta análise o conceito expresso por GEERTZ, Cliford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989, p.103, mostra-se adequado, ao dizer que cultura compreende um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporados em símbolo. Representa, assim, um sistema de concepções herdadas expressas em forma simbólica por meio das quais os homens comunicam perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação a vida. São os elementos que representam o modus vivendi de um grupo social. 258 Zero Hora, Porto Alegre, 16 jan. 2005, p. 47.
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Kiko, como informante, pois este tinha relações com Camargo. Em 2003, Camargo fugiu do presídio de Soledade, dias depois envolveu-se em um tiroteio e foi morto. Em agosto, Kiko começou a circular por Soledade dizendo que tinha informações inéditas sobre a chacina, teria então chantageado Gudbem Borges Castanheira. Em 13 de setembro de 2003, na ante-sala do plenário da Câmara dos Vereadores de Soledade, Kiko foi abatido com quatro tiros, disparados por Elpídio Teodoro Ferreira, irmão de criação de Castanheira. O Ministério Público pediu a prisão preventiva de Castanheira e de Ferreira, porém a justiça concedeu somente a de Ferreira, que ficou preso até obter habeas-corpus. Por decisão do então juiz de direito de Soledade, Lucas Maltezkachny, ambos irão a júri popular. 259 Esse e outros episódios são ilustrativos da importância de se analisar a história na perspectiva da continuidade e da descontinuidade. Além disso, trazem a questão de que o presente impulsiona o olhar do historiador para o passado. Sobre o tempo do historiador Sirinelli afirma: O historiador trabalha sobre o passado, mesmo que próximo, isto é, sobre o que está abolido. Não que ele conceba sua prática unicamente como uma espécie de retorno das cinzas do passado a um presente que seria totalmente desconectado daquele. Bem ao contrário, esse historiador, qualquer que seja sua especialidade cronológica, bebe em seu presente e, longe de pensar que "é de nenhum tempo e de país nenhum", ele sabe que está ligado por múltiplas fibras a seu tempo e à comunidade à qual pertence.260 Kurt Afonso Frederico Spalding nasceu em 12 de abril de 1884 no município de Triunfo.261 Estudou em Triunfo, São Leopoldo e Porto Alegre, neste último chegando a exercer a profissão de farmacêutico. Chegou a Soledade em 1907 e, em 1910, comprou parte da Farmácia Gomide, de seu sócio Olímpio Gomide. A farmácia, que então passou a denominar-se Farmácia Serrana, localizava-se na zona central da cidade de Soledade e seria, mais tarde, palco de um dos conflitos políticos mais marcantes de sua história. Spalding rapidamente se integrou à elite local e passou a conviver ativamente nos diversos espaços de sociabilidade existentes no município. Seu prestígio cresceu pelo fato de
259
UM caudilho no banco dos réus. Zero Hora. Porto Alegre, 15 jan. 2004, p. 43. SIRINELLI, Jean-François. Ideologia, tempo e história. In: Questões para o tempo presente, p. 78. 261 Spalding era filho de Louis Emil Spalding, natural da Alemanha, e de Maria Silvéria Riedel Spalding, natural de Minas Gerais. Teve dois irmãos, Eurico Spalding e Herta Mina Spalding, que não deixaram descendência. 260
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exercer a profissão de farmacêutico e de muitas vezes ser, na prática, um médico.262 Elegância, correção e dignidade são alguns dos predicados atribuídos a ele na obra de Garibaldy Almeida Wedy. O autor acrescenta ainda que Kurt Spalding "não era dado ao jogo nem à bebida, gostava, porém, de política". 263 A trajetória política de Spalding teve início com a sua filiação ao Partido Libertador, do qual foi um dos lideres em Soledade. Em 1929, quando da Aliança Liberal, foi vice-presidente do Conselho Municipal.264 Durante o Combate do Fão, foi médico da coluna revolucionária chefiada por Cândido Carneiro Júnior, Jorge Augusto de Paula, em obra sobre esse combate lembra " [...] o infatigável Kurt Spalding, médico da coluna [...]".265 Spalding inscreveu-se como eleitor em 8 de fevereiro de 1933 na 40a Zona Eleitoral; votou na eleição de 14 de outubro de 1934, quando foram anuladas duas seções eleitorais em Soledade, mas não chegou a votar na eleição suplementar de 16 de dezembro de 1934, em razão de sua violenta morte.266
262
Segundo WEDY, Soledade, p. 12, Kurt Spalding assim agia somente quando o procuravam para tal. "Kurt Spalding exercia não por vontade própria, mas por força das circunstâncias imperantes em Soledade, a medicina. Era chamado para atender doentes na sede e no interior do município." 263 WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 12. 264 Neste congresso foram discutidos assuntos referentes ao ensino público, primário e profissional, assistência social, saúde, política administrativa e viação. ZIMMERMANN, Dados biográficos de alguns governantes municipais de Soledade, p. 02. 265 DE PAULA, O Fão, p. 68. 266 WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 60 - 61.
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Kurt Spalding na Farmácia Serrana Fonte: WEDY, Garibaldi Almeida. Soledade: Fatos Políticos, Violências e Mortes: Reminiscências Década de 1930 -1940. Porto Alegre : Renascença, 1999, p. 15.
A polarização política que ocorria em nível estadual repetia-se em Soledade pelo confronto entre oposição (FUG) e situação (PRL). A presença atuante de Spalding e Candoca representando os setores da oposição colocava em questão o domínio da situação florista. Esse fato, ao mesmo tempo em que permitia aos eleitores uma margem maior na troca de favores, pois, o que estava em jogo, para a maioria dos eleitores não era o predomínio deste ou daquele partido, mas sim, o atendimento dos seus interesses mediatos. Por outro lado, a bipolarização política em Soledade também levava a conflitos violentos, imprimindo mais agressividade à disputa e às relações políticas, pois apenas dois grupos se digladiavam pelo poder. Segundo constatação de Jean Blondel, via de regra, nos locais onde três ou mais grupos políticos se opõem, as divergências podem ser menos brutais, pois as alianças políticas tornam-se indispensáveis.267 As eleições representavam o auge dos jogos entre as forças políticas, quando vinham à tona os conflitos pessoais entre figuras de destaque dos partidos soledadenses. 267
BLONDEL, Jean. As condições da vida política no estado da Paraíba. Rio de Janeiro: FGV, 1957, p. 62-63.
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O grupo da situação tinha liberdade de ação pela certeza da impunidade; ao contrário, o grupo da oposição era constantemente perseguido por seus adversários. A resposta dos oposicionistas dava-se, muitas vezes, com mais violência, muito embora soubessem o risco que corriam.
3.2 As várias narrativas do crime
O assassinato de Kurt Spalding, no dia 15 de dezembro de 1934, tem várias versões. A sua autoria intelectual, embora nunca comprovada, foi atribuída ao então prefeito soledadense, membro do PRL, Francisco Müller Fortes. Segundo a imprensa, dias antes do fato, Spalding teria sido procurado por dois bombachudos que o teriam ameaçado de morte. Ele, então, teria solicitado garantias de segurança com antecedência às autoridades centrais e impetrado um pedido de habeas-corpus, porém tais solicitações não foram atendidas a tempo de evitar o seu assassinato, os ferimentos em Cândido Carneiro Júnior, bem como os atentados que se seguiram.268 No dia 17 de dezembro de 1934, foi publicada no O Nacional, em sua capa, e reproduzida no Jornal da Serra, igualmente em sua capa, notícia a respeito do episódio: Quarta-feira, regressou de Porto Alegre o Prefeito de Soledade, reunindo-se na vila numerosos capangas, conhecidos ali por bombachudos, parte dos quais vieram com Sebastião Rosa, SubPrefeito do 11o Distrito daquele município. Sábado o Sr. Kurt Spalding, farmacêutico e prestigioso cidadão de Soledade, convidou os Srs. Drs. Décio Pelegrine 269 ex-juiz de comarca e Oscar de Toledo270, atual juiz da comarca, para almoçarem em sua companhia. Após o almoço estes se retiraram. 268
OS ACONTECIMENTOS de Soledade. O que disse a “O Nacional” dr. Armando de Sousa Kanters, advogado ali residente.O Nacional, Passo Fundo, 28 dez. 1934. p. 4. 269 A grafia correta é Pelegrini. Décio Pelegrini formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito de Porto Alegre em 1924. Natural de Rio Pardo, filho de Francisco Antonio Pelegrini e de Rosalina Jacobus Pelegrini, nasceu em 12 de janeiro de 1901. Tomou posse como Juiz de Comarca em Soledade em 07 de maio de 1929, tendo sido transferido para São João do Camaquã em 14 de julho de 1931 e, em 29 de outubro de 1931, para Alto Taquari (Lajeado). Foi vice-presidente e, posteriormente, presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Faleceu em 28 de dezembro de 1967.Banco de Dados de Magistrados do Memorial do Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, consultado em 30 jul. 2004. 270 Aqui se deve ler Oldemar de Toledo. Oldemar Nogueira da Gama de Toledo nasceu em Porto Alegre, em 1o de agosto de 1906, filho de Luiz Maria de Toledo e Dalila Nogueira da Gama de Toledo. Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, tendo iniciado sua atividade como juiz na comarca de Soledade em 07 de abril de 1934. Foi
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Prosseguia a notícia informando:
Nesse ínterim, o Gal. Cândido Carneiro Júnior, prócer da Frente Única do município recebeu um telegrama de Cruz Alta, avisando-o que um tal Barroso, comandando um destacamento de civis, munidos de armas de guerra, havia invadido a fim de fazer pressão no 5o Distrito, onde se iam realizar no dia seguinte as novas eleições ordenadas pelo Tribunal Eleitoral. De posse deste telegrama, o Sr Cândido Carneiro Júnior, procurou o Dr. Juiz da Comarca, que prometeu tomar providências. 271
Feito isso, Cândido Carneiro Júnior teria se dirigido à casa de Kurt Spalding, que ficava anexa à Farmácia Serrana. De acordo com o mesmo fragmento jornalístico, ao chegar lá, teria entrado pelos fundos da residência. Kurt Spalding e Candoca teriam conversado por algum tempo; pouco depois, entraram no local três indivíduos, um dos quais apresentou um bilhete dizendo: "Leia isto, seu alemão". 272 Spalding negara-se a ler o bilhete; então, um dos indivíduos, "pertencente aos bombachudos da prefeitura, desfechou-lhe dois tiros de revólver, prostrando o morto".273 Cândido Júnior, que até aquele momento não tinha sido notado pelos agressores, pois mantinha-se distante, detonara seu revólver contra o agressor de Spalding, porém seria atingido também por um tiro. O agressor de Spalding fora mortalmente ferido por Cândido, que seguira alvejando os demais bombachudos. 274 Nesse ínterim, teriam entrado no local mais quatro indivíduos ligados ao grupo dos bombachudos, os quais, contudo, logo se retiraram, por ter Albino Senger, que estava em um carro próximo ao local, corrido em defesa de Spalding. Logo a seguir, chegara ao local do crime o prefeito municipal, Chico Touro, tendo sob seu comando uma turma de cerca de quarenta homens, armados de fuzis Mauzer, exigindo a entrega de Cândido Júnior aos gritos de: "Avancem e não poupem". 275
desembargador, tendo tomado posse em 20 de março de 1952, e aposentou-se em 07 de julho de 1966. Faleceu em 17 de agosto de 1989. Banco de Dados de Magistrados do Memorial do Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, consultado em 30 jul. 2004. 271 SÁBADO último deram-se em Soledade sangrentos acontecimentos. Foi assassinado o Sr. Kurt Spalding e ferido Gal. Candido Carneiro Júnior.Outros mortos e feridos. Jornal da Serra, Carazinho, 19 dez 1934. p. 1. 272 Idem. 273 Idem. 274 Idem. 275 Idem.
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Cândido Júnior aquiescera em render-se mediante o oferecimento de todas as garantias legais pelo delegado de polícia, ressalvando, contudo, que somente se entregaria ao destacamento da Brigada Militar, sendo, por conseguinte recolhido ao seu quartel. Criou-se assim, em Soledade, na véspera das eleições para a Assembléia Estadual Constituinte, um clima de terror, que levou a população a temer a repetição de tais atos. 276 Realmente, esse não teria sido um caso isolado, pois não fora o primeiro nem seria o último. Sobre o acontecido escreveu Onildo Gomide, ex-sócio de Spalding:
Soledade, a invicta, está fora da lei, porque essa mentalidade aberrante que julgávamos desaparecida para sempre de todos os âmbitos do Rio Grande, ressurge, ali em tenebrosas explosões de força de sangue e de extermínio. É preciso que todo o Rio Grande saiba que, dentro de suas fronteiras, existe um município transformado em verdadeira terra conquistada, onde a situação dominante mantém uma horda de bandidos, escolhidos na elite do crime da Serra, para a prática de todos os desatinos contra uma população inerme, cujo único crime consiste em ter dado a história do Rio Grande de nossos dias, a mais fulgurante página de heroísmo. Entretanto, os dias escuros de 1932 já vão longe. Homens e estados que acenderam o facho da revolução constitucionalista acham-se integrados na comunhão brasileira, trabalhando pelo bem comum, embora em outro campo e sob ideais diversos; por isso, não tem justificativas nem defesa essa série de crimes, que sob a coberta oficial vem se praticando naquela terra mártir, onde uma polícia ignóbil e covarde assanha a ferocidade animal dos seus asseclas contra vidas úteis, vidas preciosas a coletividade. Soledade precisa de ordem e de sossego e, se a submissão dos heróis vencidos não pode conter a fúria sanguinária dos vândalos, se os seus apelos angustiados não encontram eco nos poderes capazes de estancar essa onda de atrocidades, resta àquele povo lançar mão dos recursos de que dispõe, para cauterizar o cancro que lhe incrustaram no organismo. P&Q&Q Uma diferente versão do assassinato de Kurt Spalding foi dada por Silvestre Ramires Barbosa, motorista de Müller Fortes na época do crime. Silvestre relatou que, diante da insistência de Pedro Corrêa Garcez, Cândido Carneiro Júnior e Clóvis Cardoso, Francisco Müller Fortes vira-se obrigado a distribuir boletins à população nas vésperas das eleições de 276
SÁBADO último deram-se em Soledade sangrentos acontecimentos. Foi assassinado o Sr. Kurt Spalding e ferido Gal. Candido Carneiro Júnior.Outros mortos e feridos. Jornal da Serra, Carazinho, 19 dez 1934. p. 1. 277 GOMIDE, Onildo. Soledade, terra conquistada! O Nacional, Passo Fundo, 17 dez. 1934. p.4.
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1934, para orientá-la sobre o procedimento das eleições suplementares. 278 O primeiro local em que seria feita a entrega de tais materiais teria sido a farmácia de Kurt Spalding. Ali teriam chegado dois bombachudos, um que seria surdo e, ao colocar o boletim sobre o balcão, teria sido mal interpretado, como se fosse sacar uma arma, tendo sido morto à bala por uma pessoa que lá se encontrava – Silvestre declarou não se recordar de quem seria o assassino. O outro bombachudo teria, então, reagido, dando início ao tiroteio, porém também acabara sendo morto com nove tiros. Ainda segundo Silvestre, Albino Senger, negociante da cidade, que se encontrava em seu carro, ao ouvir o tiroteio, teria atirado da rua em direção ao interior da farmácia. A intenção de Senger seria atingir os bombachudos, defendendo Kurt Spalding, contudo um de seus tiros acabara por acertá-lo. Assim, de acordo com essa versão, o assassino não intencional de Spalding seria Albino Senger, seu correligionário e amigo, não os bombachudos, além de que a oposição teria se aproveitado do fato para tentar desmoralizar a reputação de Francisco Müller Fortes. Entretanto, essa versão tem pouca sustentação em provas, exceto a palavra de Silvestre Ramires Barbosa, uma vez que os documentos consultados apontam em outra direção, tanto processos quanto acórdãos, bem como as notícias veiculadas na imprensa. Outra testemunha, Saudade Gralha Tomasi, sobrinha de Cândido Carneiro Júnior, narrou o incidente da seguinte forma:
Albino Senger, amigo pessoal e de causa política de Cândido Carneiro Júnior, leva-o de carro para conversar com Kurt Spalding. Candoca entra e Albino fica esperando-o no carro. Chegam os bombachudos com panfletos eleitorais e ordenam a Spalding: "Leia, alemão de merda". A expressão cria confusão e tiroteio. Um tiro, vindo do carro de um bombachudo chega a ultrapassar o pala de Candoca, que o abrira no intuito de defender o amigo, muito embora inutilmente. Candoca acerta um bombachudo nas nádegas, matando-o. Comenta que após dizia-se: "Candoca apagou o Lampião (alcunha deste bombachudo) com um tiro na bunda". Albino, ao perceber o que está ocorrendo na farmácia também atira de dentro de seu carro.279
278 279
CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 83 - 84. Idem.
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No testamento cerrado do general Cândido Carneiro Júnior, feito em 3 de novembro de 1949, em Porto Alegre, e aberto em 11 de julho de 1950, em Soledade, consta o seguinte registro sobre o episódio:
Quando foi do bárbaro assassinato de meu amigo e distinto cidadão Cel. Kurt Spalding, em Soledade, em dezembro de 1934, em sua residência, desarmado, em palestra comigo estava, de surpresa, entraram três capangas armados ao mando do Prefeito Municipal e o mataram; reagi em defesa do amigo e correligionário, matando dois deles e saindo o terceiro ferido, graças ao auxílio que me prestou o valente Cap. Albino Senger, (que) havia ficado fora do automóvel em que andava, de propriedade de meu velho amigo Cel. Euzébio dos Santos Ortiz. Com ferimento gravíssimo fiquei caído e alguns segundos morto.280 Cândido Carneiro Júnior, por estar ferido, não pôde se evadir do local, como teriam feito Clóvis Líbero Cardoso e Albino Senger, tendo sido, então, preso pela Brigada Militar, que havia cercado o local. Candoca, mesmo ferido à bala, foi recolhido ao destacamento do 3o RC da Brigada Militar, tendo ali ficado à disposição do prefeito municipal. 281 Ferido, Candoca aguardava a permissão do juiz distrital para se dirigir à cidade de Passo Fundo, onde deveria se submeter a atendimento médico, especificamente a uma cirurgia para retirar o projétil que ficara alojado em seu tórax.282 Todavia, o procedimento não foi fácil, pois, embora concedida a licença pelo juiz, a requisição de força para acompanhar o preso feita ao prefeito Müller Fortes não obteve sucesso. Apesar da urgência da situação, o prefeito negava-se veementemente a fornecer escolta policial para conduzir Candoca a Passo Fundo.283 A comunidade soledadense já estava marcada pela desmoralização da polícia, instituição representada por pessoas que muitas vezes agiam sem o respaldo legal, tendo suas práticas influenciadas pelas estratégias dos poderosos locais. De acordo com a notícia veiculada na imprensa:
280
WEDY, Soledade, p. 43-44. CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 83 e 85. 282 Cândido Carneiro Júnior, que tinha uma bala alojada em região profunda da nuca, ao lado da quinta vértebra, foi operado pelos médicos Dino Caneva, Nicolau Vergueiro e Tenack W. de Souza. GENERAL Cândido Carneiro Jr. O Nacional, Passo Fundo, 31 dez. 1934. p. extra. 283 CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 83 e 85. 281
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O senhor Cândido Carneiro Junior, que se encontra preso em Soledade, em virtude dos acontecimentos ali havidos, comunicou que a sua vinda para esta cidade foi adiada, por ter o prefeito daquele município negado uma escolta pra trazê-lo. O pedido feito a respeito ao chefe de polícia e ao doutor Juiz da Comarca ainda não teve solução. A vinda do gal. Candido Junior a esta cidade foi concedida pelo juiz, a fim de tratar-se dos ferimentos recebidos no conflito. A situação de Soledade, segundo informações que recebemos ontem, ainda continua grave e de inquietação. 284
O fato foi levado ao conhecimento do então secretário do Interior do estado do Rio Grande do Sul, João Carlos Machado, por intermédio de Men de Sá e Rosauro Tavares, que interveio ordenando que o interventor e o comandante da Brigada Militar fizessem o transporte do baleado a Passo Fundo com toda a segurança necessária. Conforme Garibaldi Wedy, o telegrama tinha o seguinte conteúdo:
Drs. Victor Graef e Batista Luzardo - P. Alegre. De Passo Fundo n. 900. Data 20, hora 18. Obséquio providenciar comando Brigada autorize 3o Regimento Cavalaria mandar escolta trazer Cândido Carneiro - Passo Fundo - visto já licença concedida juiz, pois autoridades soledadenses negam fornecer força constando prefeito municipal distribui capangas percurso estrada. General Carneiro necessita intervenção cirúrgica só pode ser feita esta cidade. Saudações (drs.) - Celso Fiori e Aurélio Willig.285
Já internado no Hospital, Cândido Carneiro Júnior prestou declarações ao jornal O Nacional falando sobre os acontecimentos da Farmácia Serrana. Afirmou que continuava preso, mas já havia requerido um habeas-corpus ao juiz da comarca de Soledade, Oldemar Toledo. Quanto à investigação dos fatos, declarou que não estava sendo levada com a devida seriedade e acrescentou:
284 285
Os ACONTECIMENOS de Soledade. O Nacional, Passo Fundo, 21 dez. 1934. p. 1. WEDY, O pequeno mundo de Soledade, p. 34.
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Tratando de sua vinda para esta cidade, em benefício de seu tratamento, disse-nos que a escolta que o trouxe, pertencente à Brigada Militar, foi por ele requerida ao juiz distrital de Soledade e acredita que se não fosse a intervenção dos srs. Borges de Medeiros e Raul Pilla junto ao senhor Getúlio Vargas, talvez ainda não tivesse saído de Soledade. 286 No hospital, na condição de prisioneiro, Candoca encontrava-se vigiado por dois guardas e deveria retornar a Soledade para responder ao processo referente ao ocorrido na Farmácia Serrana.287 Após alguns dias de recuperação, contudo, fugiu do Hospital São Vicente de Paulo, tendo seguido para o município de Getúlio Vargas e, de lá, para o Paraguai, onde permaneceu. A fuga, em circunstâncias pitorescas, teria se dado com o auxílio de amigos e correligionários. De acordo com a versão corrente,288 um amigo teria lhe entregado um frasco com substância sonífera, a qual Candoca teria utilizado para provocar o sono dos agentes da guarda policial que o vigiavam. Consta que os guardas teriam dormido e que Candoca teria fugido de automóvel com um amigo que o aguardava nas redondezas do hospital. 289 Cândido Carneiro Júnior e Albino Senger foram processados na comarca de Soledade pelos fatos ocorridos na Farmácia Serrana. O promotor de justiça, visando à pronúncia de Candoca e Senger por crime de homicídio, uma vez que haviam sido considerados culpados somente por lesões graves pelo juiz de direito, recorreu ao tribunal do estado, onde obteve decisão favorável. Assim, Candoca foi pronunciado pelo homicídio de Gerôncio Assis Ferreira e pela co-autoria na morte de Alvino dos Santos Ferreira, e Albino Senger, pela co-autoria na morte de Alvino dos Santos Ferreira e por lesão corporal leve em Ricardo Schaeffer. Consta do acórdão:
286
GENERAL Cândido Carneiro Jr. O Nacional, Passo Fundo, 27 dez. 1934. p. 4. CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 83 e 86-87. 288 CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 86 e WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade,, p. 36 - 37. 287
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Na espécie não há prova de ter havido um acordo expresso e prévio de vontades entre os recorridos, para conseguir um fim comum. Porém, houve um concurso tácito de vontades, surgido instantaneamente, no início do conflito, em conseqüência da solidariedade e da intensidade da luta política existente então no município. [...] O acusado Cândido Carneiro Júnior, nas suas declarações não nega a autoria dos ferimentos[...] apenas procurou justificar os seis tiros que desfechou, dando a entender que agiu em sua defesa. 290 Candoca apresentou-se ao chefe de polícia do estado, Poty Medeiros, a fim de se submeter ao julgamento. Como fora oficial superior da Brigada Militar do Estado, pois, em 1930, atuara como coronel comandante de um corpo provisório organizado em Soledade, o governo do Estado reconheceu as prerrogativas inerentes àquele posto. Por isso, por determinação do coronel Canabarro Cunha, comandante-geral daquela milícia, foi recolhido ao quartel do 3o Batalhão de Infantaria, na Praia de Belas. 291 Cândido Carneiro Júnior e Albino Senger foram absolvidos pelo tribunal do júri de Soledade.292 Segundo as fontes pesquisadas nenhum bombachudo foi processado, seja pelos fatos da Farmácia Serrana ou por qualquer outro relacionado com a atuação do grupo em Soledade. O que pode ser percebido no contexto analisado é que a impunidade era conseguida pela troca de favores, pela ação coronelística, situação que encontrava respaldo até mesmo perante o tribunal do júri, isso "quando, antes, os coronéis, seus próceres ou comandados já não tinham providenciado e conseguido a impronúncia do réu ou o engavetamento do processo”.293 Em Soledade o clima ainda era de insegurança. Armando de Souza Kanters, expromotor público de Soledade e Livramento, advogado e membro da comissão executiva do Partido Republicano em Soledade, vendo-se obrigado a deixar Soledade, estava hospedado no hotel Glória em Passo Fundo, quando relatou ao jornal O Nacional:
289
WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 36 - 37. RIO GRANDE DO SUL, Decisões do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, proferidas durante o ano de 1936, p. 219. 291 Correio do Povo, Porto Alegre, 7 out. 1936, citado por WEDY, Soledade, p. 38. 292 WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 38. 293 FÉLIX; GRIJÓ. Histórias de Vida, p. 46. 290
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[...] que anteontem, pelas 10:30 horas da noite, mais ou menos, a sua residência, em Soledade, foi cercada por numerosos capangas do prefeito daquele município, mais conhecidos ali pela alcunha de bombachudos, os quais em sua opinião tinham intenção de eliminá-lo. Tendo, porém, os sitiantes esperado a sua fuga pelos fundos do prédio, postaram ali melhor guarda, motivo porque o doutor Kanters e mais um amigo seu o senhor José Gralha, de revólver em punho conseguiram romper o cerco pela frente do prédio, saltando o muro da casa fronteira à sua e galgando outras cercas e tapumes de prédios vizinhos, até chegarem a casa de um outro amigo seu. Ali chegado a salvo, arranjou desde logo um cavalo, dirigindo-se sem mais demora a Carazinho, de onde, em companhia de outro emigrado de Soledade que lá se encontrava, vieram, em automóvel para esta cidade. PSRUT Entre os outros obrigados a deixar Soledade encontravam-se ainda os membros da Comissão Mista da Frente Única, Clóvis Libero Cardoso e Ivo Thomazzi. Kanters acrescentou que a situação de insegurança do município teria sido a causa de se retirarem dali diversas pessoas, por se julgarem ameaçadas de possíveis represálias.
P&RWV
Prosseguindo em
seu relato declarou : que a respeito de garantias, nenhuma providência prática fora tomada até agora, sendo a situação em Soledade de absoluta intranqüilidade e insegurança. Continuam a passear pelas ruas da vila os bombachudos, cujo número continua a aumentar com a chegada do interior de novos elementos. [...]. Soledade vive horas de ansiedade, sendo geral a repulsa aos meios brutais que estão sendo postos em prática. - O doutor Kanters, disse-nos que já em 18 do corrente, o sub-prefeito do 11o Distrito, Sebastião Rosa, á frente de 10 capangas, o haviam procurado quando acabava de sair da casa de seu correligionário Sr. Raymundo Costa.296 Achavam-se ainda em Passo Fundo Abelardo Campos, Caio Graccho Serrano, Ulderno Silva, Artidor José Assunção e Hugo Tomazzi, todos cidadãos integrantes da oposição soledadense, que também tinham deixado a cidade temendo por sua vida. 297
294
OS ACONTECIMENTOS de Soledade. O que disse a “O Nacional” dr. Armando de Sousa Kanters, advogado ali residente.O Nacional, Passo Fundo, 28 dez. 1934, p. 4. 295 Idem. 296 Idem. 297 GENERAL Candido Carneiro Jr. O Nacional, Passo Fundo, 31 dez. 1934. p. extra
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O quadro de violência política continuou em Soledade, onde prosseguiram os atentados políticos. Na quinta-feira, 24 de janeiro de 1935, O Nacional publicou a notícia de que havia sido degolado o subprefeito de Jacuyzinho, distrito de Soledade, Godofredo Silveira, crime atribuído a elementos da Frente Única Soledadense.298 No dia 31 do mesmo mês e ano, foi publicado mais um "sucesso" de Soledade: "O prefeito de Soledade telegrafou ao Chefe de polícia, dizendo que por motivos políticos, José dos Santos Leite, cunhado do general Cândido Carneiro Júnior, baleou gravemente José dos Santos Neto". 299 É importante ressaltar que a década de 1930 não foi violenta somente na região de Soledade, mas também em outros municípios do Rio Grande do Sul, como Palmeira das Missões300 e, em especial, na região de fronteira entre Brasil e Uruguai, onde se deu o assassinato de Waldemar Rippol. Muitas autoridades políticas estaduais, ainda sob o impacto da morte de Waldemar Ripoll, que alcançara grande repercussão, viram em Soledade o que acreditavam ser uma repetição daqueles fatos. Assim, foram freqüentes na imprensa da época as comparações entre os assassinatos de Rippol e Spalding:
Diante dos vandálicos acontecimentos anteontem ocorridos vizinho município Soledade e que tanto depõem contra a cultura do Rio Grande do Sul, a Comissão Central do Comitê Feminino da Frente Única de Passo Fundo vem protestar junto a Vossa Excelência pelo inominável barbarismo solicitando enérgicas providências punição, afim de que criminosos não fiquem impunes como os do malogrado Waldemar Ripoll. Nosso apelo é endereçado diretamente a Vossa Excia. como a única esperança de justiça. Respeitosas Saudações. Jovina Vergueiro Alice Issler Loureiro - Alini Miranda - Horacia Knoll -Odith Freitas Valle. 301 Rippol, que, assim como Spalding, fora membro do Partido Libertador e, posteriormente, da Frente Única Gaúcha, foi morto em Rivera no ano de 1934, na madrugada de 30 para 31 de janeiro, por motivos políticos.302 Então, a questão que mais inquietava era de que as investigações a respeito do assassinato de Spalding seguissem o mesmo caminho do 298
A SITUAÇÃO em Soledade. P.ALEGRE, 24 (N.) O Nacional, Passo Fundo, 24 jan. 1935. p. 1. OUTRA morte em Soledade. P. ALEGRE, 31 (N) O Nacional, Passo Fundo, 31 jan. 1935. p. 1. 300 Ver ARDENGHI, Lourdes Grolli. Caboclos, ervateiros e coronéis: luta e resistência no norte do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: UPF Editora, 2003. 301 PEDEM-NOS para transcrevermos este despacho: Dr. Vicente Rau Ministro Justiça – Rio Os acontecimentos de Soledade. O Nacional, Passo Fundo, 21 dez. 1934. p. 1. 302 Sobre o assassinato de Ripoll ver o trabalho de RANGEL, Carlos Roberto da Rosa. Crime e castigo: conflitos políticos no Rio Grande do Sul (1928-1938). Passo Fundo:UPF Editora, 2001. 299
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caso Rippol, que, na época, fora encerrado por falta de provas: "E na verdade, é bem preciso que, pela punição severa dos culpados e não pela tolerância que vimos presenciando em casos como o do assassínio do doutor Rippol, a polícia ponha fim a tais processos violentos, cujas conseqüências, se impunes, não tardarão a se fazer sentir".303 Na quarta-feira, dia 16 de janeiro de 1935, o jornal O Nacional veiculava mais uma notícia pedindo providências: "Já que autoridades não puderam evitar atentados, que ao menos não deixem seus responsáveis impunes como vem acontecendo desde assassinato Valdemar Ripoll até sangrentos acontecimentos Palmeira e Soledade".304 No contexto de acirramento das lutas políticas no Brasil, o caso de violência de Soledade não seria um elemento anormal.305 Todavia, a situação na cidade era tida por muitos setores, como pela própria imprensa, como exemplo de barbárie, de inconstância das forças públicas. As atitudes do prefeito Chico Touro em Soledade foram objeto de um inquérito, que visava averiguar questões como o afastamento dos juízes Oldemar Toledo e Mário Moraes, o desacato ao promotor306 Severiano Sampaio 307 e ao tenente Eduardo Messias, delegado da Junta de Alistamento Militar; ainda, o afastamento de advogados, a coação, a violência nas eleições, os assassinatos de Spalding e João Pereira da Silva.308 Dessa forma,
303
SÁBADO último deram-se em Soledade sangrentos acontecimentos. Foi assassinado o Sr. Kurt Spalding e ferido Gal. Candido Carneiro Júnior. Outros mortos e feridos. O Nacional. Passo Fundo. e Jornal da Serra, Carazinho, 17 dez.1934. 304 O INCÊNCIO d’ “O Libertador”. Um telegrama do dr. Bruno Lima. O Nacional, Passo Fundo, 16 jan. 1935. p. 4. 305 Eleito pela Assembléia Nacional Constituinte presidente da República em 1934, Getúlio Vargas enfrentou novos movimentos sociais, polarizados na Ação Integralista Brasileira (AIB) (inspirada no fascismo italiano, proclamava um nacionalismo autoritário, o qual se opunha à expansão do movimento operário Para maiores esclarecimentos sobre o assunto ver TRINDADE, Hélgio. Integralismo. O fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1979) e na Aliança Nacional Libertadora (ANL) ( movimento no sentido oposto a AIB, que representou "o momento máximo da política de massas da Segunda República e exemplo de sua capacidade organizatória e reivindicatória” e reunia comunistas, socialistas e sindicatos, sob a presidência ostensiva de Hercolino Cascardo, tendo como presidente honorário Luiz Carlos Prestes. Essa frente popular, sob a orientação do PCB, em poucos meses atingiu enorme projeção, contudo de efêmera duração sendo fechada em julho de 1935. CARONE, Edgar. A República Nova (1930-1937). São Paulo: Difel, 1982. p. 256). Paralelamente a esses acontecimentos nacionais importantes e conflituosos, a vida política dos estados fazia-se intensa através da formação das Assembléias Constituintes, as quais elegeriam o primeiro governador constitucional dos estados. No Rio Grande do Sul, foi eleito o general Flores da Cunha. 306 O Ministério Público foi organizado e instituído com o ingresso no cargo pelo meio de concurso público através da Carta constitucional de 1934. Ficou estabelecido que só perderiam o cargo por sentença judicial ou processo administrativo, resguardada a ampla defesa. CASTRO, História do Direito, p. 457. 307 Severino Leite Sampaio tomou posse como promotor publico interino de Soledade em 1o de junho de 1934. Livro de Termos de Compromissos dos Promotores de Justiça, 13.03.1895 a 07 06.1954. Livro de Registro das Promotorias Publicas das Comarcas do Estado. Memorial do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. 308 CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 77.
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nem os homens que representavam a lei e a ordem estavam imunes às arbitrariedades. Sobre o episódio envolvendo Severiano Sampaio consta a seguinte notícia no Correio do Povo:
Pediu licença, tendo seguido para essa capital o Dr. Severino Leite Sampaio, promotor público desta comarca. Consta como certo que o motivo do seu pedido foi a circunstância de ter o Dr. Severino Leite Sampaio requerido ao delegado de polícia Sr. Macário Graccho Serrano um auto de corpo de delito no local onde se deu o conflito do dia 15 de dezembro p. findo, no qual foi assassinado o Sr. Kurt Spalding e ferido Cândido Carneiro Júnior, além de outros requerimentos que não foram atendidos. Desgostoso.309
Ainda, segundo a maior parte das notícias veiculadas na imprensa, Sampaio teria caído em desagrado junto ao prefeito Müller Fortes porque este lhe teria imposto que não fosse denunciado Ricardo Schaeffer, um dos supostos matadores de Kurt Spalding. 310 Quanto a João Pereira da Silva, teria sido, conforme notícia publicada no jornal O Nacional, fuzilado por sete capangas do prefeito, fato que, somado ao crime da Farmácia Serrana e aos demais acontecimentos, teria servido para intimidar os integrantes da Frente Única de Soledade, os quais não compareceram às eleições suplementares, determinadas por terem sido anuladas as realizadas em 14 de outubro de 1934. 311
3.3 Os acusados e os desdobramentos políticos no cenário da violência
Os atos de Chico Touro deram margem à instauração de um inquérito policial, presidido pelo coronel Bráulio de Oliveira, subchefe de polícia da 7a região, sob determinação do governador do estado Flores da Cunha, atendendo a solicitação do ministro da Justiça em virtude de representação levada à Ordem dos Advogados do Brasil.312 Armando de Souza Kanters foi designado pela subsecção da OAB de Passo Fundo, que compreendia Soledade,
309
Correio do Povo, 25 jan. 1935. p. 8. Correio do Povo, 31 ago. 1935. p. 8. 311 OS ACONTECIMENTOS de Soledade. O Nacional, Passo Fundo, 19 dez. 1934. p. 1. 312 OS SUCESSOS de Soledade. O relatório apresentado pelo representante da OAB sobre o inquérito procedido. Correio do Povo, Porto Alegre, 8 ago. 1935, p. 9. 310
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para representá-la no inquérito. Posteriormente, uma via do relatório foi encaminhada ao governador do estado, acompanhada da seguinte mensagem:
Vê-se pela enumeração de fatos atentatórios da liberdade, vida e da honra dos cidadãos que em Soledade, como disse a testemunha coronel João Ferreira Dias, Coletor Federal: com a atuação do prefeito Francisco Müller Fortes, a vida do município sofreu um colapso, desaparecendo a Justiça e as garantias individuais; elementos de representação abandonaram o município e a vida social extinguiu-se. Diante da horrível situação a que está reduzido o povo de Soledade, urge uma providência decisiva, e em tal sentido esta Diretoria apela para os sentimentos humanitários de V. Exa. (Assinados) João Junqueira Rocha - Presidente. Mauro P. Machado- VicePresidente, Gelso Ribeiro - 1o Secretário, Frederico C. Daudt Tesoureiro, Verdi de Césaro -2o Secretário.313
No relatório apresentado por ele, Kanters insiste que teriam ficado comprovadas as acusações feitas contra o prefeito Francisco Müller Fortes, em especial o fato de manter, à custa dos cofres municipais, avultado número de capangas armados, os "bombachudos". Mencionava ainda que os entraves e obstáculos impostos pelo prefeito de Soledade e seus apaniguados ao exercício das funções judiciárias estariam intimidando a atuação de juízes na comarca. Citava os casos que haviam envolvido Oldemar Toledo, juiz da comarca, e Mário Moraes, juiz distrital, que afirmava se encontrarem na contingência de abandonar o município, seguindo aquele para Santa Vitória do Palmar, para onde teria sido removido a pedido, e este solicitando contínuas licenças. Kanters indicava ainda o fato de o então promotor público da comarca, Severino Leite Sampaio, ter sido, a 26 de janeiro de 1935, agredido em plena praça pública da vila por Fortes," a bofetadas, enquanto que dois sargentos da polícia o calçavam, de revólveres em punho, fato esse ocorrido na presença de soldados, capangas do prefeito e outras pessoas". Além desses fatos, que afirmava terem sido relatados por testemunhas, relatava que, conforme as circunstâncias anteriores e posteriores ao delito trazidas à luz do inquérito pelos depoentes, o autor moral do assassinato de Spalding seria, sem dúvida, Müller Fortes. Mencionava também que o prefeito teria aliciado capangas e armado-os com revólveres
313
Citado na obra de WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 80-81.
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comprados nas casas comerciais de Triches & Dal Santo, em Soledade. Consta ainda do relatório:
A existência da capangagem, recrutada entre malfeitores e criminosos, quando o serviço de policiamento era atribuição da polícia municipal e destacamento (25 homens) da Brigada Militar do Estado - é já de si suspeita. À 14 e 15, vésperas das eleições suplementares, chegaram do interior, à vila os subprefeitos dos 10o e 11o distritos [...] chefiando grupos armados. No dia 15 pela manhã, Maria dos Santos, que parava na casa de uma das testemunhas, que depôs no inquérito, e a ela se referiu, viu o delegado de polícia falando com os capangas, os mesmos que assaltaram Kurt Spalding[...] "Façam o serviço bem feito". À mesma hora do assassinato era cercada a residência de Cândido Carneiro Júnior, que, no momento estava ausente. Era o desenvolvimento do plano arquitetado pelo prefeito, seus auxiliares e apaniguados, quando, em sua própria casa de moradia, expôs os meios que havia escolhido para evitar o acesso às urnas dos elementos oposicionistas, plano que ia da intimidação ao espancamento e aos assassinatos miseráveis, que se consumaram com indiferença das autoridades, que, cientes, nada fizeram para impedi-los. [...] encheu de luto duas famílias: a de Kurt Spalding, na vila, e no mesmo dia, no 6o distrito, a do "frentreunista" João Pereira Gomes, que assistiu ao bárbaro trucidamento de seu chefe, por um grupo armado, na frente de sua própria residência. São fatos notórios, largamente foram comentados pela imprensa daqui, de São Paulo, da Capital da República, e que lançam uma nódoa negra na história da política de nossa terra, fazendo aumentar o círculo dos pessimistas que não crêem no evoluir da nossa apoucada educação cívica[...] 314
Kanters prosseguia afirmando que a sociedade de Soledade ainda sofria com a violência que grassava à solta no município:
314
OS SUCESSOS de Soledade. O relatório apresentado pelo representante da OAB sobre o inquérito procedido. Correio do Povo, Porto Alegre, 8 ago. 1935, p. 9.
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[...] de que agora como a um ano, continua sendo burla grosseira, em Soledade, os direitos e garantias individuais, as imposições de lei letra morta e um mito a constituição. O que prevalece naquele martirizado município, é a vontade discricionária das autoridades - do prefeito ao mais ínfimo de seus subalternos. O que se observa é a volta do caciquismo desenfreado, é o retorno, o regresso ao barbarismo. O crime campeia livremente garantido pela mais desbragada impunidade. 315
Francisco Müller Fortes não se intimidou e, tampouco, deixou de reagir às acusações. Em nota paga publicada na imprensa de veiculação estadual, afirmou em sua defesa que a ordem pública sempre teria sido "um sonho irrealizável" das autoridades de Soledade. Veja-se o texto por ele veiculado:
A família soledadense nunca teve a ventura de viver tranqüila, tal a falta de garantia que servia de estímulo aos atentados de toda sorte à integridade física e moral de seus membros. O Poder Público local sempre foi impotente para reprimir esses atentados, essas contínuas desordens que recrudesciam assustadoramente, uma série, enfim, hedionda de crimes de toda a espécie, que apavoraram uma época e encheram os cartórios, ao ponto de existirem, não findos, duzentos e tantos processos sobre fatos ocorridos antes do início da minha gestão. As nomeações de prefeitos se sucediam, ao ponto de, em 42 meses terem sido nomeados sete prefeitos! [...] Cada prefeito nomeado era recebido com antipatia e logo passava a ser combatido e injuriado, vítima de difamações e ameaças. A oposição chegou a reunir grande número de indivíduos para depor um dos prefeitos nomeados, cuja casa foi alvo de bombas. A criminalidade não encontrava o menor obstáculo. Crimes de homicídio se praticavam tanto na vila, como no interior do município [...] Quem transitasse pelas ruas da vila, penetrasse num café ou fosse a qualquer reunião, correria perigo, dada a existência de elementos turbulentos que se embriagavam e dirigiam toda sorte de provocações. Foi essa, em concisos traços a herança recebida pelos prefeitos nomeados após 1930, os quais, encontrando dificuldades de toda monta, não conseguiram normalizar a situação anárquica reinante, agravada ainda mais, pelo movimento subversivo de 1932, que, na ordem econômica e social, tantos prejuízos acarretou à comuna.316 315
OS SUCESSOS de Soledade. O relatório apresentado pelo representante da OAB sobre o inquérito procedido. Correio do Povo, Porto Alegre, 8 ago. 1935, p. 9. 316 APEDIDO A Campanha contra a situação de Soledade. Explicações à opinião pública do Rio Grande. A minha defesa. Diário de Notícias, Porto Alegre, 14 set. 1935.
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Fortes atribuía a situação política tumultuada de violência em Soledade à falência do sistema preventivo e repressivo estatal, que deixava a vila e o interior livres para a atuação de desordeiros e bandidos. Essa idéia vai ao encontro da percepção da época, de que o sistema jurídico também poderia exercer um papel importante para defender os interesses da sociedade e criar um ambiente de ordem e respeito às leis. Assim, ao invés de ser concebido como um sistema para resolver os conflitos, sua função seria justamente a oposta: estabelecer um controle para que os conflitos não aflorassem ou fossem sufocados.317 Sobre o episódio do assassinato de Spalding e dos ferimentos de Candoca, Francisco Müller Fortes atribuía as muitas acusações a ele dirigidas a intrigas de seus desafetos, que teriam se aproveitado do que chamava "grave e lamentável conflito da Farmácia Spalding". Afirmava ainda em sua defesa que dois moços "da família liberal" de Soledade (aqui se referia a integrantes do PRL) teriam chegado ao estabelecimento em torno das 11h e 30 m, no intuito de entregarem um boletim, como fariam em toda a vila. Contudo, Kurt Spalding teria se recusado a receber o boletim oferecido por Gerôncio Ferreira, passando a ofender a ambos com palavras. Durante a discussão entre Gerôncio e Spalding, Cândido Carneiro Júnior teria detonado, por "debaixo do pala", o seu revólver contra o liberal, que "caiu morto, empunhando o maço de boletins, perfurado por bala e chamuscado". Fortes afirmou ainda que Gerôncio Ferreira não tivera tempo de usar a sua arma, pois caíra com todos os cartuchos intactos. Morto Gerôncio, estabelecera-se violento conflito. Alvino dos Santos Ferreira, que acompanhava Gerôncio, teria recebido tiros "pela frente e pelas costas"; "Cândido Carneiro Júnior e outros atiravam pela frente; Albino Senger, que deixara o automóvel junto a porta da farmácia, detonava o revólver contra Alvino pelas costas". Assim teria se dado a morte de Spalding, em meio a um fogo cruzado. Albino Senger, que Fortes refere como "companheiro inseparável" de Cândido Carneiro Júnior, teria fugido em seguida à consumação do crime. Fortes menciona ainda que teria saído levemente ferido Clóvis Libero
317
ROLIM, Rivail Carvalho. Normas positivas e regras sociais compartilhadas: uma abordagem na perspectiva da história social do direito sobre os princípios e postulados que orientaram o ordenamento jurídico-penal estadonovista. In: Anais. SIMPÓSIO INTERNACIONAL FRONTEIRAS NA AMÉRICA LATINA. UFSM: Santa Maria. CD-ROM.
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Cardoso, que fugiu em seguida para a cidade de Porto Alegre.318 A versão é confusa e inverossímil quando comparada às demais presentes na documentação. Nesse ponto, é importante relatar que Francisco Müller Fortes seria também assassinado pouco tempo depois desses acontecimentos. Foi morto em 19 de janeiro de 1936 durante a pacificação política,319 em Cruz Alta, para onde se mudara após deixar a prefeitura de Soledade.320 A notícia de mais um crime violento, provavelmente um desdobramento do episódio dos bombachudos, foi assim relatada: Cruz Alta. O Assassinato do Sr. Francisco Müller Fortes, exprefeito de Soledade. Cruz Alta 21 (via postal). Domingo, 17, a praça matriz desta cidade foi teatro de um bárbaro crime que, dadas as circunstâncias em que se desenrolou, impressionou fundamente o espírito público. Como é notório, a imprensa do Estado, por longo tempo ocupou-se do regime de perseguições e de terror em que se viu envolvida a população de Soledade, no período de governo do Sr. Francisco Muller Fortes, que, após exoneração, teve que sair daquela localidade, passando a residir nesta cidade, à praça da Matriz, onde foi morto a tiros, não se sabendo ao certo por quem. Achava-se o Sr. Francisco Müller Fortes em pé, à porta da frente de sua residência, assinando o recibo de um recado telegráfico, quando recebeu dois tiros na cabeça e um no braço, tombando sem vida.321
Imediatamente, as suspeitas sobre a autoria do homicídio recaíram sobre Aderbal Pitágoras, cabo do Exército e filho 322 de Kurt Spalding; contudo não foi encontrada qualquer prova de que ele fosse o autor dos disparos. Conforme o Correio do Povo de 24 de janeiro de 1936 :
318
APEDIDO A Campanha contra a situação de Soledade. Explicações à opinião pública do Rio Grande. A minha defesa. Diário de Notícias, Porto Alegre, 14 set. 1935. 319 A pacificação política deu-se por meio de uma ata, onde os partidos rio-grandenses, por intermédio de seus representantes, estabeleceram algumas normas reguladoras, visando à colaboração no governo de todas as correntes de opinião. Tratava-se de uma nova tentativa de reaproximação entre o PRL e a FUG, então aliados contra o governo federal. Foi justamente o afastamento crescente entre Flores da Cunha e Getúlio Vargas que permitiu uma rápida reaproximação entre as forcas políticas tradicionais rio-grandenses. Contudo, a assinatura do modus vivendi, em janeiro de 1936 não garantiu que o acordo durasse mais que alguns meses. COLUSSI, Eliane Lucia, op. cit., p. 61-62. 320 WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 91. 321 ASSASSINATO do Sr. Francisco Muller Fortes, ex-prefeito de Soledade, Correio do Povo, Porto Alegre, 24 de jan. de 1936. p. 8. 322 Há controvérsia a respeito de ser Aderbal Pitágoras filho natural ou adotivo de Kurt Spalding. Garibaldi Wedy traz a informação de que Aderbal era tido como filho natural de Spalding, e teria sido concebido antes do casamento deste com Lúcia Portela dos Santos. Faleceu em 17 de abril de 1988, em Passo Fundo. WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 78 - 79.
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E porque se ache servindo no 8 C. R. I. um moço de Soledade, filho de uma das vítimas assassinadas no governo Fortes - o distinto cidadão Kurt Spalding - cujo crime era ser pessoa de influência na política frentista. Porque esse moço é filho dessa última e é militar foi preso por suspeita de ser o criminoso, sendo que se achava ele no quartel quando se deu o fato.323 O local dos fatos, praça da cidade de Cruz Alta, remete a um outro assassinato, também levado a cabo em praça pública, dessa vez em Soledade, e tendo como vítima o advogado Júlio César Serrano. Com pelo menos dois tiros, o advogado Serrano, 54 anos, foi executado na noite de 11 de janeiro de 2005, quando estava conversando com quatro amigos num banco da praça Olmiro Ferreira Porto, nas proximidades de sua casa, no centro da cidade. Segundo testemunhas, às 21h30min, um jovem saiu detrás de uma árvore com uma arma na mão, aproximou-se de Serrano e disparou pelo menos quatro vezes. Ele foi atingido por pelo menos dois disparos no tórax e no antebraço direito. O crime ocorreu na frente de sua casa, onde também funcionava seu escritório. Segundo a Brigada Militar, os tiros foram dados à queima-roupa. O criminoso aproveitou a confusão e fugiu enquanto a vítima era socorrida. Segundo o delegado Sander Ribas Cajal, havia um carro esperando o assassino nas proximidades da praça. O fato, remete ao assassinato de Spalding, em seu local de trabalho. 324
Chegando a ser a ele comparado na imprensa estadual. 325 Assim, embora o tema de estudo do presente trabalho seja a violência política,
entendida aqui como elemento constitutivo da estrutura política brasileira e consolidada ao longo de sua história, deve-se atentar para o fato de que a violência se apresentou de diferentes formas e intensidades nos muitos períodos e espaços geográficos e culturais. Dessa forma, acredita-se que a permanência da violência tanto nas práticas quanto na cultura política do Brasil foi uma característica de longa duração, que conviveu com situações históricas específicas de descontinuidade. Nesse sentido são as palavras de Bernstein e Milza:
323
ASSASSINATO do Sr. Francisco Muller Fortes, ex-prefeito de Soledade, Correio do Povo, Porto Alegre, 24 jan. 1936. p. 8. 324 ADVOGADO é executado em praça de Soledade Serrano foi atingido pelas costas. Violência, Zero Hora, Porto Alegre, 12 jan. 2005. 325 PRAÇA foi palco de execução nos anos 30. Polícia, Zero Hora, 16 de jan. de 2005. p. 46
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O historiador tenta restituir a evolução na duração que permite compreender por que processo chegou-se à situação presente: ele se dedica a escrever as estruturas cujas transformações dão conta da emergência factual de fenômenos cuja gênese se situa sempre a médio ou longo prazo.326 Com relação à política estadual, Flores da Cunha, líder do PRL, permaneceu ao lado de Vargas até o movimento constitucionalista de 1935, momento a partir do qual se seguiu um afastamento progressivo de ambos. No ápice das divergências, Vargas interveio no estado, em 1937, para substituir Flores da Cunha na interventoria estadual por Daltro Filho. Hélgio Trindade esclarece a complicada situação de Flores da Cunha: Com a aproximação das eleições, em 37, Getúlio passa a atacar Flores em duas frentes: primeiro, fechando o cerco do controle militar sobre a Brigada, Provisórios e compra de armamentos; depois provocando, por intermédio de seu irmão, Benjamin Vargas, uma dissidência dentro do PRL, onde a autoridade de Flores como líder do partido é questionada. O grupo de dissidentes cresce rapidamente.327 Acrescente-se a esse quadro o rompimento do modus vivendi que havia pacificado por pouco tempo o PRL e a FUG, que buscava reaproximar Getúlio das antigas lideranças políticas do PRR e do PL. A situação de instabilidade política isolava cada vez mais Flores da Cunha. Desse modo, com a divisão dos principais partidos políticos, o Rio Grande do Sul encontrava-se fragilizado, o que criava as condições ideais para a intervenção federal. Tudo isso contribuiu para que a chegada do Estado Novo no Rio Grande do Sul fosse antecipada em relação ao resto do Brasil, tendo se dado na data de 19 de outubro de 1937.328 Especificamente a respeito dos fatos ocorridos na Farmácia Serrana, do qual restaram vítimas fatais Kurt Spalding e os bombachudos Gerôncio Assis Ferreira e Alvino dos Santos Ferreira e saíram feridos Cândido Carneiro Júnior e Ricardo Schaeffer, este também bombachudo, a versão que encontrou maior sustentação no material pesquisado foi a de que se tratou de um crime com motivação política. Embora não seja possível precisar as circunstâncias em que ocorreu, o fato é que o assassinato movimentou a vila de Soledade em torno das acusações aos bombachudos e ao prefeito Müller Fortes, apontado como mandante. 326
BERNSTEIN, Serge; MILZA, Pierre. Conclusão. In: CHAUVEAU, Agnes; TETARD, Philip (Org). Questões para a história do presente. Bauru: Edusc, 1999, p. 127. 327 TRINDADE, Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-grandense (1882-1937), p. 189. 328 COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p. 63-66.
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Até onde foi possível pesquisar, nenhum bombachudo foi preso por conta desse fato. Francisco Müller Fortes foi exonerado e transferiu-se para Cruz Alta, não tendo respondido a processo algum. Os dois únicos processados foram Cândido Carneiro Júnior e Albino Senger, que acabaram sendo absolvidos pelo tribunal do júri. Pode-se, portanto, afirmar que a violência em Soledade durante a atuação dos bombachudos já fazia parte do cotidiano local, pois foram raras as vezes em que se abriu um jornal da época e não se encontrou alguma manchete a respeito. E, embora não fossem incomuns as ocorrências de mortes e ameaças atribuídas a esse grupo, o Estado, através da polícia, da Brigada Militar e do Poder Judiciário, não conseguia ou não desejava modificar a situação. A situação de Soledade despertou o interesse de políticos estaduais e integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul, que também tiveram dificuldades para fazer frente ao poder que sustentava os bombachudos, o qual, através do uso da violência, perpetuava-se desconhecendo os limites da lei e do direito. Dessa forma, a denúncia da parcialidade do juiz Evaristo, o assassinato de Spalding, as demais mortes e ameaças, a ação dos bombachudos, o assassinato de Müller Fortes em Cruz Alta e a eclosão do movimento dos Monges Barbudos são episódios que, vistos em conjunto, revelam o quadro de violência política e social de um município do norte do Rio Grande do Sul. Infelizmente, acontecimentos recentes levam a crer que, talvez, o ciclo de violência não tenha se encerrado com os monges. Ainda hoje permanecem antigas rivalidades políticas, desavenças antigas e públicas que, vez ou outra, abalam Soledade com suas conseqüências trágicas.
3.4 A exemplificação da violência para além da política: os Monges Barbudos
A década de 1930 foi fértil em seu contexto político e econômico, tanto em nível nacional quanto no estadual, tendo profundas repercussões e releituras em nível local. Soledade participou de inúmeros episódios, levantes políticos, nacionais e estaduais, em
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grande parte de caráter oposicionista, o que justificou a contínua repressão política, atos de violência e de vingança aos grupos de oposição local. Soledade sofreu por ter sido um dos locais onde se manteve forte oposição à política centralizadora de Vargas no período antecedente ao Estado Novo. E um movimento que sofreu com a intervenção estatal foi o dos Monges Barbudos, no ano de 1938, o qual adquiriu a conotação de questão de segurança nacional, razão pela qual deveria ser combatido329. Esse movimento social consistiu num conflito de grandes proporções para a época e local, que se deu na localidade de Bela Vista, em Sobradinho, durante o outono de 1938, congregando um grupo de caboclos que manifestava uma leitura crítica da situação cultural, política e econômica do período, tentando resgatar uma visão religiosa, mítica e social, econômica e simbólica da natureza. A luta dos monges deu-se com as armas de sua mística religiosa e camponesa, incorporando no seu cotidiano vivido a liderança religiosa de um monge chamado João Maria, ao mesmo tempo profeta e conselheiro.330 Esse movimento foi estudado por Henrique Kujawa, que trabalhou alguns aspectos da história de Soledade. Contudo, o seu enfoque principal restringiu-se ao episódio dos Monges Barbudos, ocorrido em Sobradinho, município então já emancipado de Soledade. Pela análise do contexto político, da interferência da Igreja Católica, das idéias pregadas pelos monges, da imprensa e da ação da Brigada Militar, Kujawa buscou identificar o elemento caboclo, sua cultura e religiosidade, tentando dar uma resposta para a questão da perseguição aos integrantes do movimento. A região de Soledade, conforme já ressaltado, vinha há tempo sendo palco de conflitos, dos quais um dos mais graves fora o apoio dado ao movimento constitucionalista de 1932. Havia, portanto, pelas denúncias de moradores locais, suspeitas de um novo movimento de resistência político-ideológica, o que representava uma ameaça à ordem pregada pelo regime. Através do fragmento a seguir, percebe-se a suspeita de que o movimento dos Monges Barbudos tivesse realmente essa conotação:
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Sobre o movimento dos Monges Barbudos ver: KUJAWA, Henrique Aniceto. op. cit. e VERDI, Valdemar C. Soledade das sesmarias, dos monges barbudos e das pedras preciosas. Não-Me-Toque: Gesa, 1987. 330 KUJAWA, Cultura e religiosidade cabocla, p. 12 e 47.
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No interior do município de Soledade, está reunido um grupo de mais de mil homens em atitude suspeita. Há suposição de que se trata de meros fanáticos exploradores, alguns espertalhões que se dizem monge. O Cel. Feio tomou providências mandando destacamento da Brigada para fazer reconhecimento. Houve tiroteios resultando a morte de um fanático, ferido um soldado e presos noventa e seis indivíduos que integravam o grupo. Receia-se que referido agrupamento tenha intuitos políticos mascarados.331 Temia-se também que a região abrigasse movimentos subversivos por causa da estreita ligação que havia entre Flores da Cunha, então rompido com Getúlio Vargas, e Victor Dumoncel Filho, bem como destes com figuras de destaque da política soledadense. Para entender essa questão, deve ser retomado o contexto histórico da década de 1930, quando Flores fora o braço direito de Getúlio na implementação do governo varguista. Em 1932, com a eclosão do movimento constitucionalista em São Paulo, embora tenha demorado a se decidir, Flores acabou por permanecer ao lado de Vargas, reprimindo os rebeldes gaúchos e mandando tropas para auxiliar na repressão ao movimento em São Paulo. Implantado o Estado Novo no Rio Grande do Sul em 1937, Vargas buscou a centralização do poder, detendo o controle político sobre os estados; para desempenhar esse projeto nomeou como interventor para o estado do Rio Grande do Sul, o general Daltro Filho, que tinha como principal tarefa desarmar a Brigada Militar e os Corpos Provisórios. Flores, inconformado com tais medidas e temendo pela própria sorte, buscou exílio no Uruguai. Com isso, passou a simbolizar a oposição gaúcha ao regime varguista, de forma a temer-se a sua possível vinculação com o Movimento dos Monges Barbudos, que revestido de ameaça ao regime, necessitava ser reprimido de forma enérgica. Fica clara essa preocupação no fragmento da carta de Batista Luzardo endereçada a Getúlio Vargas, em 19 de setembro de 1938: "Na serra, com Victor Dumoncel, que tem, segundo afirma Flores, de 800 a 1.000 armas escondidas em três pontos que Flores não revelou."332 Assim, embora o tempo passasse, Soledade continuava estigmatizada, tanto pelos governantes como pela própria população, que passou a temer a repetição dos atos violentos que marcavam a memória local, dentre os quais os episódios envolvendo o grupo dos bombachudos. Como os fatos não eram devidamente investigados e não havia punição aos
331
Carta de Aladino Neves a Alzira Vargas. Arquivo Getúlio Vargas. Doc. 38.04.20/1. Solar dos Câmara. Carta de Batista Luzardo a Getúlio Vargas, 19.09.1938. Arquivo Getúlio Vargas. Doc. 38.09.19. Solar dos Câmara. 332
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culpados, permanecia a sensação de impunidade, que, por sua vez, estimulava mais atos dessa natureza.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se analisar a situação que teve como ponto de partida as denúncias do "Processo de Exibição de Autógrafos", fica claro que fazem parte de um período no qual as forcas externas, em especial as forças políticas, atingiam o Judiciário de forma contundente, levando muitas vezes a decisões que atendiam aos interesses dos poderosos locais. A situação tornava-se ainda mais delicada quando envolvia questões eleitorais, seja porque a luta para manter-se no poder ou a ele chegar não possuía limites, ou porque a possibilidade de uma disputa eleitoral em nível de igualdade esbarrava na própria organização da legislação eleitoral, que permitia o controle de um certo grupo sobre os processos de alistamento, votação e apuração de votos. Assim, não eram poucos os casos em que os juizes tinham sua atuação "fiscalizada" pelos detentores do poder local ou estadual. As declarações que fizeram com que o juiz da comarca de Soledade Evaristo Silveira se sentisse ofendido, levando-o a requerer a instauração do “Processo de Exibição de Autógrafos”, no ano de 1929, foram justamente as que o acusavam de fraudes na elaboração de listas de eleitores. Embora o processo tivesse perdido sua razão, bem como o juiz tivesse deixado a comarca de Soledade, a situação ainda estava longe de ser tranqüila, sendo os resultados desse e de outros episódios sentidos a longo prazo na luta política no município. Com relação especificamente ao Judiciário, o entendimento de sua trajetória possibilita uma real compreensão de sua dimensão atual. Assim, ao se voltar para o passado, o olhar pode indicar os erros e os acertos e, até mesmo, refletir a realidade atual com outra roupagem. O trabalho histórico não consiste somente numa leitura de documentos antigos, mas também é uma reflexão necessária e que deveria ser realizada de forma regular, para que o trajeto já percorrido não seja esquecido. No espaço de poderes políticos de Soledade, pode-se afirmar que as atitudes do governo do estado do Rio Grande do Sul, tais como a aprovação do Código Eleitoral e as
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tentativas de validá-lo, não possuíam sustentáculo nas redes micro de poderes. Por outro lado, a ineficácia do Estado em proteger os direitos dos eleitores, ou a atuação no sentido de coibir as práticas oposicionistas, acabava por manter o partido da situação no poder. A luta pelo poder era travada tanto em nível municipal quanto estadual e nacional. Conforme visto, em Soledade, o ápice deu-se com as coações e violências exercidas contra o eleitorado, em especial oposicionista, e suas lideranças. Nesse sentido, o descrédito na atuação estatal e no processo eleitoral levaria a uma desconfiança em relação à atuação da justiça, o que, por fim, ocasionaria um abandono das regras oficiais e intensificaria as práticas informais e alternativas para solução de conflitos. Dessa forma, foi natural que certas pessoas de destaque surgissem como substitutos da figura estatal aos olhos da população de Soledade. A oposição soledadense era vista, em especial após o combate do Fão (1932), com cautela pelos governantes, tanto estaduais quanto municipais. A rivalidade entre a situação e a oposição viria à tona através dos violentos episódios desencadeados pelas eleições de 1934. A luta pelo poder levaria Soledade a uma situação que requereu a intervenção de membros externos à localidade. Percebe-se que as rivalidades políticas, a violência e a relação do Poder Judiciário com as forças políticas locais foram algo constante e que se estendeu desde a República Velha até o pós-30. E, embora não seja possível precisar uma data para o início desses conflitos, bem como para o seu término, o que a pesquisa possibilitou foi a percepção do aumento da intensidade dentro do período estudado. Assim, tem-se o auge das rivalidades políticas, com o aumento da violência nos anos compreendidos no mandato do prefeito Francisco Muller Fortes, de 2 de maio de 1934 a 1o de outubro de 1935, quando os bombachudos atuaram em Soledade, duas eleições foram anuladas e ocorreu o episódio da Farmácia Serrana. Embora o tempo passasse, Soledade continuava estigmatizada tanto pelos governantes como pela própria população, que passou a temer a repetição dos atos violentos que marcariam a memória local. Dentre os episódios citados destaca-se o ocorrido na Farmácia Serrana, do qual resultaram vítimas fatais Kurt Spalding e os bombachudos Gerôncio Assis Ferreira e Alvino dos Santos Ferreira e saíram feridos Cândido Carneiro Júnior e Ricardo Schaeffer, este também bombachudo. Sobre este, a versão que encontrou mais sustentação no material pesquisado foi a de que se tratou de um crime com motivações políticas. Embora não seja possível precisar as circunstâncias em que ocorreu, o fato é que o assassinato movimentou não
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só Soledade, mas todo o estado em torno das acusações aos bombachudos e ao prefeito Müller Fortes, apontado como autor intelectual. Segundo consta, nenhum bombachudo foi preso. Francisco Müller Fortes foi exonerado, tendo passado a residir em Cruz Alta, e não respondeu a processo algum, embora diversos segmentos sociais de Soledade requeressem a sua punição. Os dois únicos processados foram Cândido Carneiro Júnior e Albino Senger, que acabaram sendo absolvidos pelo tribunal do júri de Soledade. Embora não fossem incomuns as ocorrências de mortes e ameaças atribuídas a esse grupo, o Estado, através da polícia, da Brigada Militar e do Poder Judiciário, não conseguia ou não desejava modificar a situação. Tanto isso é verdade que a situação de Soledade despertou o interesse de políticos estaduais e integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul, que também tiveram dificuldades para fazer frente ao poder que sustentava os bombachudos. Dessa forma, a denúncia da parcialidade do juiz Evaristo, o assassinato de Spalding, as demais mortes e ameaças, a ação dos bombachudos, o assassinato de Müller Fortes em Cruz Alta e a eclosão do movimento dos Monges Barbudos são episódios que, vistos em conjunto, revelam o quadro de violência política e social de um município do norte do Rio Grande do Sul. Não se pode negar que as inúmeras práticas ilícitas, em grande parte violentas, ligadas à tentativa de manutenção do poder de mando através da vitória nas eleições tenham deixado sua marca na população de Soledade, ocupando espaços no imaginário local. E, de certa forma, apesar de as motivações dos crimes da década de 1930 serem, em sua maior parte, políticas, e os que nesse momento novamente movimentam a cena local e estadual, não terem tido ainda suas causas reveladas, pode-se vislumbrar um elemento comum, que é a violência, em especial pela sua característica mais marcante, ao apresentar-se sob a forma de atitudes que visam à demonstração de poder, com a intenção de intimidar, impedindo, assim, a reação de um determinado grupo. Os casos analisados neste trabalho representam uma ruptura, são episódicos, porque ocorridos em determinado espaço e num período de tempo específico. A continuidade é representada pela permanência de características específicas, sendo a violência uma delas. E, embora o enfoque desta pesquisa seja a violência política, em linhas gerais, acredita-se ser possível traçar um paralelo entre os acontecimentos de 1930 e os ocorridos entre 2001 e 2005. A brutalidade, a característica de supressão dos adversários, a execução pública são demonstrações de poder presentes ontem e hoje no cotidiano de Soledade. São elementos que
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se repetem e, embora não seja possível obter as respostas para os acontecimentos do presente, o passado permite que se reflita, no sentido de reconstituir o caminho percorrido por um grupo social, pois os episódios do passado não podem, nem devem, ser apagados, uma vez que, invariavelmente, acabam por refletir no presente. Assim, a forma da prática dos crimes, a execução, encontra eco num passado não tão distante, que ainda hoje marca o imaginário da população soledadense, tanto que a cada repetição de atos violentos ressurgem os fantasmas do passado, a dizer que Soledade permanece uma terra de pistoleiros.333 Nesse sentido, as palavras de Pierre Nora são lapidares: "A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações".334 Este estudo se apresenta ainda sob o impacto dos acontecimentos da atualidade. Acredita-se que, embora a tarefa seja árdua, o estudo do passado representa uma possibilidade para se encontrarem pistas para o entendimento do presente. Não há, portanto, como deixar de lado a atualidade, visto que a história está sendo solicitada (em todos os sentidos do termo). Não se sabe se será possível corresponder a todas as expectativas, contudo o que não se pode negar é que representa, sem dúvida, um ponto de partida. Marc Bloch já escrevia que "a incompreensão do passado nasce afinal da ignorância do presente". Invertendo essa afirmação, pode-se dizer, com igual verdade, que "a incompreensão do presente nasce também da ignorância do passado".335 No mesmo sentido, Lucien Febvre afirma que a " análise do presente" pode dar "a régua e o compasso" à pesquisa histórica. 336 Segundo José Murilo de Carvalho, o coronelismo, como sistema nacional de poder, acabou em 1930, mais precisamente com a prisão do governador gaúcho Flores da Cunha, em 1937. O centralismo estado-novista destruiu o federalismo de 1891 e reduziu o poder dos governadores e de seus coronéis. Todavia, os coronéis não desapareceram por completo. Alguns até sobreviveram ao Estado Novo, dando origem a um novo coronel, "metamorfose do antigo, que vive da sobrevivência de traços, práticas e valores
333
SOB o estigma da pistolagem. Polícia. Zero Hora, 16 jan. 2005, p. 46. NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Revista Projeto História. São Paulo. v. 10. dez. 1993, p. 9. 335 CHAUVEAU, Agnes; TETARD, Philip. Questões para a história do presente. In: CHAUVEAU, Agnes; TETARD, Philip (Org). Questões para a história do presente. Bauru: Edusc, 1999. p.10. 336 CHAUVEAU; TETARD, Questões para a história do presente. p. 10. 334
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remanescentes dos velhos tempos".
337
Acreditando ser o novo coronel parte de um sistema
clientelístico nacional, afirma o mesmo autor:
[...] mantém do antigo coronel a arrogância e a prepotência no trato com os adversários, a inadaptação às regras da convivência democrática, a convicção de estar acima da lei, a incapacidade de distinguir o público do privado, o uso do poder para conseguir empregos, contratos, financiamentos, subsídios e outros favores para enriquecimento próprio e da parentela. Somam-se, ainda, a tudo isso, o uso do paternalismo e do clientelismo para distribuição das sobras das benesses públicas de que se apropria. Habilidoso, pode surgir através do líder populista, ou do campeão da moralidade. Para conseguir tudo isso, conta hoje, como contava ontem, com a conivência dos governos estadual e federal, prontos a comprar seu apoio para manter as suas bases de sustentação, para fazer aprovar leis, para evitar investigações indesejáveis. 338 Quanto ao material a pesquisar, o trabalho apresentado é apenas o início haja vista o enorme conjunto documental que se encontra no Arquivo Histórico Regional da Universidade de Passo Fundo, que ainda se encontra em fase organização (conferência, catalogação e limpeza), o que tornou muito difícil a localização de determinados processos. Permanece, dessa forma a possibilidade de se retornar ao arquivo para aprofundamentos e em busca de novas descobertas. Ficam, também, como possibilidades para trabalhos futuros a restrição ou ampliação da região estudada, bem como a realização de estudos de outros casos levantados durante o processo de pesquisa nas fontes judiciais. Reitera-se a necessidade de ser estudada a relação entre imaginário e violência em Soledade, que até os dias atuais permanece forte entre a população local.
337
CARVALHO, José Murilo de. As metamorfoses do coronel. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6 mai 2001. http://www.brazilink.org/history.asp Acesso em 24 fev. 2005. 338 CARVALHO, José Murilo de. As metamorfoses do coronel.
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LOCAIS DE PESQUISA Arquivo da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul/Solar dos Câmara AALERGS/SC - Porto Alegre, RS. Arquivo Borges de Medeiros/ Instituto Histórico do Rio Grande do Sul – ABM/ IHRGS Porto Alegre, RS. Arquivo Histórico Regional da Universidade de Passo Fundo – AHR/UPF, RS. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – AH/RS - Porto Alegre, RS. Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul – IHGRS - Porto Alegre, RS. Memorial do Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS. Memorial do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul - Porto Alegre, RS. Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa – MCSHJC - Porto Alegre, RS. Prefeitura Municipal de Soledade, RS. Câmara de Vereadores de Soledade, RS. Centro Cultural de Soledade, RS. Biblioteca Municipal Guilherme Schultz Filho - Carazinho, RS. Biblioteca central UPF/RS
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ANEXOS
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ANEXO 1 - Localização dos municípios existentes em 1920 (censo de 1920)
Fonte: FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA. De Província de São Pedro a Estado do Rio Grande do Sul : Censos do RS 1803-1950. Porto Alegre, 1981, p. 115.
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ANEXO 2 - Quadro de Intendentes de Soledade (1892-1930)
INTENDENTE Aldino José da Rosa Loureiro Antônio João Ferreira Rodolfo Joaquim Borges Francisco Prestes Júlio César de Oliveira Cardoso Manoel Pereira Alves (Provisório) Major João Fonseca Paim (Provisório) Francisco Prestes Diniz Dias Hilário
PERÍODO 1892 - 1895 1895 - 1904 1904 – 1908 1908 - 1912 1912 - 1916 1916 - 1917
OCUPAÇÃO pecuarista escrivão pecuarista advogado advogado _______
1917 - 1918
_______
1918 - 1920 1920 - 1921
Major Sebastião Schleiniger
1921 - 1923
advogado juiz distrital, subdelegado de polícia e sub-intendente do 1o distrito notário, comandante do corpo provisório de Soledade engenheiro
Álvaro Rodrigues Leitão (viceintendente de Sebastião Schleiniger) Leonardo Seffrim
Fonte: Pesquisa da autora.
1923 - 1924 e 1924-1928 1928 - 1931 (não completou o mandato em razão das alterações institucionais decorrentes da Revolução de 1930)
agrimensor
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ANEXO 3 - Controle político dos coronéis Victor Dumoncel e Valzumiro Dutra
Fonte: FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política.
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ANEXO 4 - Votação da FUG em 1935
Fonte: NOLL, Maria Izabel. Partidos políticos no Rio Grande do Sul 1928-1937. 1980. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - UFRGS, Porto Alegre, 1980.