Memória Negra

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Memória

suas fotos da feira expostas ao lado das do francês Pierre Verger. Depois, a mostra foi para Recife. Ainda em 1990, enquanto produzia e organizava as imagens da feira, percebeu que já tinha um montinho considerável. “Muitas eu nunca nem tinha visto, porque não tinha dinheiro para revelar”. No mesmo ano, depois de concluir um curso de fotografia, chamou os fotógrafos Raimundo Monteiro e Ademar Marques e, com eles, fundou o Zumvi Arquivo Fotográfico. Curiosamente, o nome nada tem a ver com Zumbi dos Palmares. Nasceu de uma mistura de “zoom”, o que a lente da câmera faz , com o que fazem os nossos olhos, “vi”. Das 30 mil fotos do acervo, cerca de 20 mil são de Lázaro. As outras vieram dos parceiros do Zumvi e da doação de acervos pessoais de figuras como Jônatas Conceição (1952-2009), diretor do Ilê Aiyê e um dos fundadores Movimento Negro Unificado na Bahia, e Luiz Orlando (1945-2006), militante e estudioso do cinema negro. Desde meados dos anos 1990, Lázaro cuida do arquivo sozinho. Nunca teve financiamento de instituições. “Construí isso porque sei da importânciadeserumfotógrafonegroecuidardessamemória. Mesmo com o desestímulo e abandono”.

negra Texto BRUNA CASTELO BRANCO bruna.araujo@grupoatarde.com.br

Com cerca de 30 mil imagens do cotidiano da Bahia nas últimas três décadas, Lázaro Roberto tenta preservar a história documentada no Zumvi Arquivo Fotográfico

LÁZARO ROBERTO / DIVULGAÇÃO

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Série Cabeça Feita, 1995. Intervenções feitas pelo fotógrafo

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primeiro laboratório de fotografia do Zumvi Arquivo Fotográfico ficavanumcasarãodaIgrejaNossaSenhoradaPenha,naRibeira. Foi lá, no ano de 1990, que Lázaro Roberto dos Santos começou a revelar e ampliar as duas mil fotos que fez das festas populares, como Senhor do Bonfim e Carnaval, e manifestações do Movimento Negro de Salvador. Hoje, esse acervo é de 30 mil. Lázaro, 60 anos, descobriu a fotografia aos 20. Foi num festival de artes anual organizado pelo Grupo Experimental de Artes de Fazenda Grande do Retiro, onde nasceu, cresceu e vive até hoje. Lá, viu uma exposição do cineasta Antônio Olavo (Paixão e guerra no sertão de Canudos, 1993) e percebeu, pela primeira vez, o poder transformador da fotografia. “Aquilo ali me impactou, um trabalho de fotografia em preto e branco”, lembra. Com uma Minolta ganhada de presente, fotografava as festas da cidade e os moradores do bairro. “Ninguém me ensinou, fui aprendendo sozinho. Saía muita foto sem foco”. Como fotografar era “uma arte cara, mais uma profissão de branco”, Lázaro sobrevivia do trabalho numa gráfica com o padre Paulo Maria Tonucci, “um padre progressista”, que panfletava contra a ditadura militar. Foi nesse tempo que conheceu o Movimento Negro – e o jeito que via o mundo mudou. Seu primeiro grande trabalho foi na Feira de São Joaquim, nos anos 1990. Em parceria com o amigo pesquisador Jorge Batista, fotografou detalhes: o rosto cansado dos trabalhadores braçais, toda a gente que passava apressada entre as barracas e os feirantes. “Ele fez uma pesquisa para livro, para jornal, e eu com a câmera. Tomava café lá, passava o dia”. O título do projeto foi: O trabalho do negro de Água de Meninos e São Joaquim. No início, foi recebido com desconfiança. “Eles me perguntavam: ‘Pra que essas fotos? É pra vender pra branco, é?’. Mas fui fazendo amizade, dia de domingo ia lá, tomava uma cerveja com eles. Descobri que tinham vergonha de se ver naquela posição, trabalhando, sujos. Até hoje continuo a ir lá”. Dois anos mais tarde, em 1992,Lázaroparticipoupelaprimeiravezdeumaexposição,naCasadoBenin,com

SONHO

CAMPANHA

Até o dia 19 de dezembro, o Zumvi está com a campanha de financiamento coletivo Salve a Memória do Povo Negro. A meta é arrecadar R$ 12 mil para pagar uma equipe responsável por digitalizar e disponibilizar o acervo. Para saber mais, acesse: www.benfeitoria.com/ salveamemoriadopovonegro

De lá para cá, ele participou de cerca de 25 exposições – na Bahia, Pernambuco e São Paulo. Tendo que fazer de um tudo para sobreviver, chegou a trabalhar com fotografia de batizado, aniversário e casamento, mas não tirou muito proveito da experiência. Desde que começou, carrega um sonho. Tornar toda essa riqueza fotográfica e artística pública, acessível para pesquisa, e criar um museu digital. O fotógrafo Adenor Gondim, conhecido por registrar manifestações culturais populares da Bahia, com um amplo trabalho sobre as festividades da Irmandade da Boa Morte, vê com alguma tristeza o desmazelo com a memória fotográfica: “Lázaro tem um trabalho muito significativo, mas que não circula muito. Quantos devem ter um trabalho como esse, mas não conseguem divulgar, caem no desconhecido?”. Digitalizar as fotos, armazenadas em gavetas e envelopes numa salinha de dois metros quadrados na casa de Lázaro, não é só um desejo, mas uma urgência. Junto com o sobrinho José Carlos Ferreira, historiador, ele organiza, digitaliza e cataloga as imagens. “Imagine se a gente perde todo esse arquivo? É apagar a memória da população negra da cidade”, diz Carlos. Mais para a frente, querem inaugurar o primeiro museu da memória do povo negro. Não deixar escondida a história da negritude da Bahia. «

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LÁZARO ROBERTO / DIVULGAÇÃO

Irmandade do Rosário dos Pretos no desfile do 2 de Julho, no Pelourinho, 2012

JÔNATAS CONCEIÇÃO / DIVULGAÇÃO

Ato no centenário da abolição da escravidão na Praça Municipal de Salvador, 1988

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LÁZARO ROBERTO / DIVULGAÇÃO

Acima, primeira caminhada da Consciência Negra, do Curuzu ao Pelourinho, 2000

Nelson e Winne Mandela desembarcando em Salvador, 1991

ROGÉRIO SANTOS / DIVULGAÇÃO

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Oficina de tranças em Paripe, 1990

FOTOS: LÁZARO ROBERTO / DIVULGAÇÃO

Dilunga, pescador e quilombola de Ilha de Maré, 1994

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À direita, desfile em homenagem ao mês da Consciência Negra, no Colégio Odorico Tavares, 2000

Abaixo, criança do quilombo Ilha de Maré com um cesto para o saveiro, 1993

Segurança de bloco de trio elétrico no Carnaval de Salvador, 1992

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Desfile do bloco Ilê Aiyê, 1993

Abaixo, Carlinhos Brown na Lavagem do Bonfim, 1994 FOTOS: LÁZARO ROBERTO / DIVULGAÇÃO

À esquerda, mestre Neguinho do Samba no Carnaval de 1987

Abaixo, trabalhadores no porto da Feira de São Joaquim, 1994

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