Outras Viagens

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As 55 fotografias da série Maciel estão na Paulo Darzé Galeria até 13 de julho

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SALVADOR DOMINGO 1/7/2018


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Outras

viagens Texto BRUNA CASTELO BRANCO bruna.araujo@grupoatarde.com.br Foto RAUL SPINASSÉ raul.spinasse@grupoatarde.com.br

De volta a Salvador depois de oito anos, Miguel Rio Branco, radicado no Rio de Janeiro, realiza a exposição Cabisbaixo no Paraíso, com fotos do Pelourinho no final da década de 1970

á fazia oito anos desde a última vez que o artista Miguel Rio Branco, 71, que recusa os rótulos de fotógrafo, cineasta e pintor, veio a Salvador. De ascendência francesa e brasileira e nascido na cidade de Las Palmas, nas Ilhas Canárias, também não gosta de ser chamado de espanhol – nem de brasileiro ou de qualquer outra nacionalidade. “Ter morado em muitos lugares medeuaaberturadeseruma pessoasemraízes, mas, ao mesmo tempo, com muitas raízes. Hoje tenho uma conexão muito grande com a França, mais por aproximaçõesculturaisdoqueporquestõesfamiliares.Para mim, o nacionalismo é sempre um atraso. No final, é tudo igual, mais do que a gente pensa”. O que o trouxe de volta à capital baiana, onde morou entre as décadas de 1970 e 1980, foi a inauguração da exposição Cabisbaixo no Paraíso, na Paulo DarzéGaleria.As55imagensexpostas,todasfeitasna região do centro de Salvador na época em que Miguel viveu na cidade, estão à venda por uma média de US$ 15 mil (cerca de R$ 56 mil), variando de acordo com as dimensões da obra. “Aqui são só as fotos, mas o meu trabalho não é só com a fotografia. Por isso não concordo em ser chamado de fotógrafo, acho que não é o termo correto”, explica. Com agenda cheia e pouco tempo na cidade, Rio Branco quase esquece da nossa entrevista. Com mais ou menos uma hora de atraso, começa contando que, diferentemente do que talvez se possa inferir do seu trabalho, a sua relação com a Bahia não começou nos becos do Pelourinho, mas nos lugares pequenos, em Itaparica e no sertão. “É uma relação antiga. Primeiro, fiquei três meses sem sair de Itaparica, em 1970, na gravação do filme Pindorama (1971), de Arnaldo Jabor. Não tinha nada lá, era bem intocado. Depois, conheci Mário Cravo Neto quando eu morava em Nova Iorque, ele morava lá também. Por volta de 1974, comecei a fazer viagens para Salvador, para o sertão... Fui casado com a irmã de Mário Cravo Neto. Muito do meu material foi feito na Bahia”.

ANDANÇAS Lá por 1985, explorou os sertões de carro com Mário e passou por dezenas de cidadezinhas e povoados que nunca gravou o nome. “Viajamos e fotografamos. Fazer um livro sobre essa passagem pelo sertão seria muito interessante, porque mostraria como duas pessoas, eu e Mário, podem fotografar a mesma coisa mas transmitir sentidos completamente diferentes, porque as nossas linguagens fotográficas são completamente diferentes”, lembra. A travessia du-

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MIGUEL RIO BRANCO / DIVULGAÇÃO

rou cerca de 15 dias, num largo perímetro que foi da Bahia ao estado do Ceará. Mesmo pouco tendo visto da cidade nos dias que passou por aqui, Rio Branco, que hoje mora no Rio de Janeiro, sustenta opiniões firmes sobre Salvador, as transformações estruturais pelas quais tem passado e a noção de baianidade. “Vocês acham que a Bahia é tudo, o resto não é nada, esse é o problema. Mas não é bem assim. É claro que é um lugar que tem uma grande história, foi aqui a primeira capital do Brasil, tem uma cultura rica africana. Salvador tem uma luz muito especial”. Comparando as lembranças de oito anos atrás e a Salvador de hoje, pontua as mudanças que mais lhe saltaram aos olhos: “Estive no Pelourinho anteontem. Fui lá na Igreja dos Pretos, que, por sinal, não conhecia. Acho que nesse tempo a Bahia mudou muito, deu uma melhorada interessante. Mas ainda há aqueles problemas que estão em todas as cidades brasileiras, as favelas, as drogas. O Rio, por exemplo, está praticamente invivável. Mas o Brasil é isso, um lugar com grandes possibilidades que, infelizmente, está sendo administrado por pessoas não muito confiáveis, para não dizer outra palavra”. Por isso, a palavra ‘cabisbaixo’ no nome da atual exposição: “Mas aquiaindaestámaisparaísodoquecabisbaixo.Tenho outros projetos com fotos mais dolorosas”.

DE VOLTA AO MACIEL Quase 40 anos depois da produção da série Maciel, um dos seus trabalhos mais reconhecidos, o artista reencontrou uma das tantas mulheres fotografadas na época. “Na verdade, eu a conheci pouco antes de Maciel, foi para uma matéria da Playboy sobre as meninas da Bahia – que nunca foi publicada. Por acaso eu estava num hotel, Casa Petúnia, e foi Petúnia quem tinha feito a produção com as mulheres que queriam posar nuas. Acabou que uma delas apareceu lá, porém ela não se lembrava. Mas o pessoal do trabalho no Maciel nunca mais encontrei”. Hoje, a foto dessa mulher compõe a instalação Ophelia, exposta em Miami, na Clima Art Gallery. “Prometi que vou levar uma foto para ela de presente. Inclusive, preciso resolver logo isso”. As fotos, marcadas pelas cores supersaturadas e pela aparente intimidade entre fotógrafo e fotografado, foram todas feitas no extinto Maciel de Cima, no Pelourinho, área lembrada pelas festas, bregas e bebedeiras dos jovens visitantes. “O Maciel era uma questão muito dura. Um Centro Histórico em ruínas com pessoas também em ruínas, muito machucadas. Mas isso já mudou bastante, estive lá outro dia e você

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Desta vez, o artista reviu uma mulher (detalhe acima) que fotografou há 40 anos: instalação Ophelia


não sente mais isso”, reflete. Para construir a série, ele passou seis meses visitando o Pelourinho regularmente. Lembra que, quando andava com a câmera, muitas pessoas pediam para ser fotografadas. “E eu levava os retratos para as pessoas depois. Foi a única relação de troca que eu pude ter. E as mulheres nuas, em geral, eu pagava o que elas cobrariam em um programa”, lembra. Para a pesquisadora Lívia de Aquino, coordenadora da pós-graduação em fotografia na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e autora da tese Imagem-poema: a poética de Miguel Rio Branco, o trabalho no Pelourinho inaugurou um modo de produção na trajetória de Rio Branco. “Esse trabalho tem um fôlego maior, é uma espécie de mergulho, ele fotografava as pessoas que saltavam aos olhos dele, e essa característica foi vista depois em outras imagens”. Sobre a mesma série, o fotógrafo Christian Cravo, aparentado com Rio Branco, comenta: “Ele estabeleceuumvínculodeafinidadecomseusretratados,principalmente as prostitutas, assim como fez Henri de Toulouse-Lautrec no final do século XIX nos bordéis de

Paris. A linguagem heterodoxa é uma característica de seu trabalho. Quando menos se espera... aparece o que menos se espera”. Em relação aos afetos pessoais, prefere não expor muito. “Amigo e contemporâneo do meu pai, as histórias favoráveis (e não) permeavam as conversas quando o tópico era Miguel”.

TÉDIO Grande parte do acervo do artista está exposta no Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG), numa galeria que leva o seu nome. Hoje, Miguel está mais interessadoemtrabalharcominstalaçõesdoquecomfotografia,cinemaoupintura. Quando fala sobre o cenário artístico atual, é com um tanto de ceticismo. “Não tenho acompanhado tudo o que se faz na arte contemporânea porque muitas vezes não me traz nada, só tédio. Vejo artistas com uma estética pouco desenvolvida, coisas que você vê mas não te levam para outras viagens”, opina. Entre as coisas que costuma falar com frequência quando dá entrevistas, como política, problemas sociais e arte, também afirma que o mundo se tornou um lar para os marqueteiros em todos os campos possíveis – inclusive na fotografia. “Eu ainda tenho esse romantismo de achar que a gente faz as coisas por necessidade, uma questão interna, não para o mercado, para o ego, para ser conhecido e ter um status. Vejo que muitos dos que se dizem fotógrafos-artistas não conhecem as potencialidades do instrumento que usam, não sabem até onde a fotografia pode chegar. Hoje em dia, há uma banalidade estética tão grande que você olha e pensa: pô, e daí?”. «

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