Revista MAM

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mam Por dentro da exposição 140 caracteres




EDITORIAL

FOTO DA CAPA

A ARTE DE SE EXPRESSAR 140 caracteres. É este o limite

Trazendo uma pessoa vestida de palhaço com uma buzina na mão, a reação das pessoas ao observá-lo não era exatamente alegria. Saiba mais em “O outro lado do palhaço” (página 10)

SUMÁRIO DE FORA PARA DENTRO

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140 CARACTERES

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O OUTRO LADO DO PALHAÇO

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EU QUERO VOCÊ

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SEDUÇÃO E REPULSA

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SOBRE BINÓCULOS, LUNETAS E UMA VISTA DA CIDADE

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para cada texto presente no Twitter. “140 caracteres”, indicava o MAM como o nome da exposição apresentada. A relação entre os dois? Simples. A exposição, presente no MAM entre os dias 28 de janeiro e 16 de março, faz uma alusão as redes sociais e sua presença nas manifestações de junho de 2013. Uma das obras que mais chama a atenção é o palhaço, que se encontra na capa da revista. Encostado à parede, junto a criações de outros artistas, causava reações diversas nos visitantes, por vezes até engraçadas. Obras como “Luneta”, “Binóculo” e “Uma Vista” são tratadas aqui de maneira conjunta, já que nos apresentam um mesmo tema. Cidade. As três abarcam ideias complementares, levando a compreensão do espaço urbano.

SIGA EM FRENTE OU RETO, SÓ NÃO OLHE PARA OS LADOS

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O FÍSICO QUE NOS FAZ SENTIR

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A DITADURA MILITAR E OS

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PROBLEMAS NACIONAIS

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OUTROS OLHARES

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REALIZAÇÃO Anne Caroline Bruno Leão Cibele Mendes Danielle Albuquerque Maria Rossi Rebeca Bergue Thais Bugelli Victor Reche


Jardim de Eculturas do MAM

6 Na segunda sala da exposição, encontramos obras com um tom mais político e engajado, abordando principalmente o período da ditadura militar no Brasil. Aqui encontramos também obras como “Transestatal” e “Problemas Nacionales”, que se misturam ao resto da sala, criando um ambiente propício. Por fim, “Outros Olhares” procura apresentar a visão de outros visitantes sobre a exposição. Nela, podemos acompanhar a maneira como uma estrangeira e um casal com deficiência visual percebem as obras e compreendem a exposição. Assim, com breves relatos, fechamos esta edição. Apresentando não só aquilo que vimos e como vimos, mas sim com a ideia de que a arte é uma experiência sobretudo sensorial, devendo ser sentida e percebida por cada um de nós.

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Exposição “140 caracteres”

“Palhaço com buzina reta- monte de irônicos” de Laura Lima

10 Análise das obras “Uma Vista”, “Binóculo” e “Luneta” de Cássio Vasconcellos e Márcia Xavier

14 Análise das obras “Problemas Nacionales” e “Transestatal” de Jonathas de Andrade e Marcelo Cidade

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A experiência de outras pessoas sobre a exposição

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mam Bruno Leão e Victor Reche

DE FORA PARA DENTRO

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edifício onde hoje está o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) foi projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer para compor a marquise do Parque Ibirapuera. Em 1959, enquanto marquise, Lina Bo Bardi e Martim Gonçalves idealizaram a cultura baiana em um “terreiro”, através da exposição “Bahia”, com paralelo a 5ª Bienal de São Paulo. Conseguinte da exposição realizada por Lina e Martim, o “terreiro” virou depósito da Bienal. Junto dos arquitetos André Vainer e Marcelo Ferraz, Lina volta ao prédio apenas em 1982 para reformá-lo. Uma das principais mudanças foi

trocar a parede de alvenaria por um panorama de vidro, para que o interno pudesse interagir com a vista do parque e da cidade. Após a sua reforma, Oscar Niemeyer, Lina Bo Bardi e os arquitetos responsáveis pelo projeto denunciam a escolha de deixar um museu sob a marquise do parque - a intenção de ter um museu no edifício rompe com a paisagem da marquise sugerida por Niemeyer. Projetado e inaugurado em 1993, por Roberto Burle Marx, o Jardim de Esculturas – com uma área de seis mil metros quadrados - contempla 30 obras no exterior do edifício museológico e é um dos

principais museus nacionais a ter parte de seu acervo exposto a céu aberto. O jardim com as esculturas transformam a paisagem natural; tais esculturas podem ser interpretadas como uma crítica à evolução da modernização, de modo que o consumo excessivo está esgotando os benefícios naturais essenciais para o ser humano, inclusive a perda da paisagem. O fato de haver esculturas em locais públicos como no jardim do museu, além de propor a ligação natural com a arte moderna, ajuda também a interagir com o olhar das pessoas que passam pela região. “Fora do país é comum ver escultu-


qualquer arte. Usar a luz sem estudar a forma como usá-la na obra pode causar interpretações diferentes da proposta, mas no jardim não há esse problema: a luz é natural. Rafael Manzo afirma que a forma de abrigar esculturas a céu aberto é uma tendência, inclusive em outros tipos de museus: “Esses espaços são pensados não para qualquer tipo de objeto artístico, o edifício já é projetado com foco em um tipo de arte mais interativa”. O arquiteto diz que a arquitetura moderna se preocupa em integrar outras expressões artísticas com suporte ou não da tecnologia; uma forma de coesão na linguagem. “Quase todos os edifícios públicos do Niemeyer, ele sempre procurou inserir a arte”, completa. “O papel da arquitetura em

ras nas praças, aqui em São Paulo é raro”, diz Rafael Manzo, Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. “’Deselitizar’ a arte faz parte da ideologia moderna, quando você joga a arte para fora, qualquer um pode ver, compreender, é uma forma de aproximar as pessoas”, explica. O arquiteto explica que esculturas tridimensionais devem ter a luz homogênea, além disso, é um aspecto fundamental para

Atualmente o edifício/ museu é composto por duas galerias de exposição, auditório, ateliê, loja e restaurante. Mesmo com a possibilidade de o museu ter que procurar outro lugar para ficar, ele está se mantendo firme às críticas sob a marquise

O Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), foi fundado em 1948, por Francisco Matarazzo Sobrinho (Ciccillo Matarazzo) e sua mulher. Ciccillo, também criador da Fundação Bienal de São Paulo, o museu foi um dos primeiros museus a produzir obras com laços modernistas. Inicialmente sua sede localizava-se na Rua Sete de Abril, anos depois foi transferido para o edifício projetado na marquise do Parque Ibirapuera pelo famoso arquiteto Oscar Niemeyer.

A escultura“Aranha”, de Emanoel Araújo, é uma das obras que compõe o jardim do museu

Foto: Victor Reche

Apenas uma obra das 30 não é da coleção do museu. “A Caçadora”, de Lélio Coluccini, pertence À Prefeitura de São Paulo.

um museu é fundamental, o edifico de Niemeyer tem um repertório moderno e nacional para dar uma identidade a um museu de arte moderna”, exclama Rafael sobre o espaço ser completamente cúmplice dos objetos que são expostos no local. “A Marquise é um elemento de passagem. Por que não inserir a arte neste elemento de passagem?”, reflete Rafael sobre o conflito histórico de a marquise comportar um museu.


Anne Caroline, Rebeca Bergue e Maria Rossi

mam

140 caracteres Compose new Tweet Contendo 140 obras divididas em duas salas, a exposição trazida pelo MAM, retrata a contribuição das redes sociais em mobilizações políticas.

Tweets

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Museu de Arte Moderna de São Paulo abrigou entre os dias 28 de janeiro e 16 de março a exposição ‘140 caracteres”. Resultado do laboratório de curadoria ministrado por Felipe Chaimovich, curador do museu, a exposição nasceu de discussões e estudos a respeito da antropologia urbana e processos ligados ao urbanismo, tendo como enfoque a presença das redes sociais em meio a manifestações políticas. O nome da exposição remete-se ao Twitter, uma das redes sociais mais importantes da Foto: Victor Reche

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atualidade, tendo como origem o número de caracteres limite para cada postagem na rede, nomeados de “tweets”. Sua relação com as redes sociais se deve ao fato da exposição trazer, desde seu planejamento, ideias ligadas as manifestações ocorridas em São Paulo, que se concentraram principalmente no período de Junho de 2013. Trazendo uma ligação entre estes acontecimentos e questões atuais da sociedade em que vivemos, a exposição é composta por 140 obras – nova-


Tweets viés mais político, sendo possível notar movimentos de resistência e expressão cultural através de obras que se referem, em grande maioria, a ditadura militar ocorrida no Brasil. Nesta sala eram expostas obras como “Problemas Nacionales”, de Jonathas de Andrade, onde os visitantes podiam interagir tirando fotos e postando nas redes sociais. Em “Transestatal”, de Marcelo Cidade, a ideia era a mesma; a obra, composta por entulhos e bebida alcóolica, causava estranheza na maioria dos visitantes, mediante

seu cheiro forte de álcool espalhado pela sala. As obras foram escolhidas pelos curadores que participaram do projeto junto a Chaimovich. Cada aluno foi responsável por escolher sete obras, devendo também compor seus textos explicativos. Realizando um paralelo entre os problemas políticos que o Brasil viveu - assim como outros países da América Latina - na época da ditadura e aqueles que encontramos hoje, as obras trazem ideias ligadas a liberdade de es-

Foto: Victor Reche

mente uma referencia ao número de caracteres presentes no Twitter – dividas em duas salas; a primeira, conhecida como Grande Sala, abrigou obras referentes ao espaço urbano da cidade de São Paulo e a forma como seus habitantes se relacionam mediante o contexto da cidade. Aqui se encontravam também retratos, máscaras e instalações que remetem a estratégias vistas em manifestações. Já na segunda sala, denominada de Sala Paulo Figueiredo, se concentravam obras com um

Entrada do museu com a exposição “140 caracteres”

colha e expressão da população. De forma geral, a exposição procura relacionar as manifestações ocorridas no ano passado com o cenário urbano, tornando possível que o expectador com-

preenda a ligação entre os dois. Traz, também, uma amostra das diferenças entre as antigas formas de protesto da população, como as que ocorreram na ditadura, para aquelas que acontecem hoje.

Através de obras repletas de pensamentos críticos, “140 caracteres” é uma exposição que espelha, de forma coerente, o propósito da Arte Moderna.

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Anne Caroline e Rebeca Bergue

O OUTRO LADO DO PALHAÇO M

Foto: Bruno Leão

áscara de papel machê e lápis óleo, roupa de palhaço feita de tecido, colarinho de tule, sapatos de couro, buzina e tubos de pvc. De Laura Lima, a obra intitulada “Palhaço com buzina reta- monte de irônicos” localizava-se próximo à entrada do MAM, despertando curiosidade logo de inicio. Com roupas divertidas e aspecto bizarro, o palhaço se encontrava sentado, apoiado a parede, de forma a atrair atenção dos visitantes, que ao pararem para observar eram surpreendidos por uma buzina. A obra, que traz um homem fantasiado de palhaço, procura retratar a ironia, ao nos mostrar uma face Sua roupa, constituída de tons em trazendo uma sensação de monotoassustadora deste ícone relacionado creme e azul, permite notar a falta nia a algo costumeiramente inusitaà alegria. de alegria e vivacidade da obra, do. Já o rosto do palhaço, carrega-

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Foto: Rebeca Bergue

do de cores fortes como forma de desenhar seus olhos, boca e outros detalhes, se encontra furado e manchado, dando um ar mais sombrio ao palhaço e transmitindo a ironia proposta pela autora. Ao se aproximar do palhaço a reação de quem visitava o museu era de curiosidade; as pessoas se aproximavam com um certo receio , se perguntando o significado daquele corpo estirado no meio da exposição. Quem já conhecia observava de longe aqueles que tentavam entender a obra e a reação de cada um à buzina, que sempre tocava num momento diferente do anterior, causando sustos nos visitantes. A obra, como o próprio nome sugere em “um monte de irônicos”, remete as ironias presentes nas relações sociais que estamos acostumados. A máscara, marcada por um sorriso forçado e sádico, lembra-nos das máscaras sociais que

estamos acostumados a encontrar em nosso dia a dia, onde as pessoas aderem cada vez mais a um padrão social de alegria que não é real. Laura Lima nos revela, de forma sutil, o fato de vivermos em uma sociedade de sentimentos disfarçados e oprimidos. A forma como as pessoas se intimidam, ao encarar um simples palhaço, nos leva a

uma reflexão sobre a forma que reagimos ao encontrar algo fora da nossa normalidade. O palhaço com buzina, portanto, não é apenas algo inusitado, como também uma forma de critica social.

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Cibele Mendes e Thais Bugelli

EU QUERO VOCÊ P

Foto: Victor Reche

osicionada no canto superior direito da Sala Paulo Figueiredo, a obra de Marcello Nitsche compõe, em companhia das outras, um cenário mais político de toda a exposição. Na sala, concentram-se obras criadas durante o período da ditadura militar no Brasil, época de forte caráter autoritário, em que a liberdade era restrita. Como forma de protesto ao contexto do tempo vivido por esses artistas, suas obras são carregadas de significado oculto, dada a forte censura instaurada. Em um estilo pop art, o autor intitula sua criação em “Eu quero

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você”. A obra nos faz lembrar da conhecida imagem do “Tio Sam”, uma das figuras mais famosas do mundo, que representa a personificação do povo americano; trata-se de um senhor branco, de aparência séria, com cabelos e barba grisalhos. Trazendo em sua roupa as cores da bandeira americana, a imagem foi usada como propaganda na 1ª Guerra Mundial, incentivando a população americana a estender a bandeira da democracia ao outro lado do Atlântico, levando-os ao confronto. “Eu quero você” pode ser entendida da mesma forma; como um convite ou uma intimação para a

luta e o confronto, alcançando-se, então, a democracia. Marcello não reproduz “Tio Sam” por completo, utilizando-se de um “zoom”, nos apresenta somente sua mão. No cenário em que se situa a obra, o dedo com a gota de sangue em relevo vermelho traz consigo a ideia de quantos foram lutar por um país livre, mas foram torturados, desaparecidos e mortos nos porões da ditadura militar. O quadro é composto em tons de preto, branco, e cor de pele; a cor mais significativa é, sem dúvidas, o vermelho, que pode fazer uma alusão tanto ao sangue, como a cor que representa os socialistas e comunistas. Estes eram contra a ditadura e lutavam por mudanças sociais, reivindicando o direito ao voto, a democracia e a liberdade, assim como o fim do autoritarismo político. Podemos entender essa obra com a ajuda do conjunto da Sala Paulo Figueiredo, onde cada obra carrega um valor que pode, e deve, ser usado para a compreensão das outras, já que tratam-se do mesmo tema. “Eu quero você”, de Marcello Nitsche


SEDUÇÃO E REPULSA A arte de Nazareth Pacheco

Foto: Bruno Leão

Cibele Mendes e Danielle Albuquerque

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corpo da mulher sempre foi muito envolto por padrões de beleza. Em  cada período houve um tipo físico “ideal”, ora mais curvilíneo, ora mais esguio. As mulheres então iam se “aperfeiçoando”, seja usando espartilhos, cabelos curtos, joias ou maquiagem. A roupa também marcava as condições sociais; a partir da década de 20, e mais tarde com a Primeira Grande Guerra, começam a surgir, principalmente na Europa, movimentos feministas que reivindicavam entre outras coisas a autonomia e a igualdade entre homens e mulheres.

vê um vestido muito bonito, em cinza, com detalhes transparentes que acabam por nos seduzir . Já quando se aproxima da obra acaba causando estranheza e até um certo desconforto, até por se tratar de um vestido composto por várias lâminas de barbear e pequenas miçangas na parte superior. O brilho que chamava a atenção, vem do reflexo da luz sobre a lâmina. Há delicada na peça, sutil, mas que pode ferir; é um tanto ameaçador, e sobretudo aborda uma questão feminina, se tornando Foto: Victor Reche

Sem título, a obra de Nazareth Pacheco é composta por lâminas de barbear, cristais e minssangas

Com a emancipação das mulheres, e sua participação mais ativa na sociedade, no papel de trabalhadoras, uma série de mudanças se tornou possível, uma delas foi a do vestuário feminino, que dava à mulher condições específicas dentro de sua sociedade. É sobre esse universo exagerado de culto ao belo que Nazareth Pacheco produz suas obras, trazendo um forte viés critico e pessoal. Nazareth nasceu com uma doença congênita, conhecida como síndrome da banda amniótica, e por isso teve que passar por diversas intervenções cirúrgicas e estéticas durante a vida. A artista juntou, durante anos, elementos que marcaram todo o seu processo de transformação corporal, resultando em uma série de objetos com materiais hospitalares, tais como agulhas, lancetas, lâminas de bisturi e de barbear. De forma bastante curiosa, a artista mistura objetos cortantes, modificando suas funções originais, criando então um vestido, símbolo da feminilidade de uma mulher. Justamente por isso, esta obra que não possui título, acaba por incomodar grande parte do público. O uso de objetos cortantes e/ou perfurantes choca quando num primeiro momento, de longe, se

uma crítica às pressões sofridas pelas mulheres que se veem obrigadas a seguir os padrões impostos pela sociedade, como um “padrão universal”, que oprime e ridiculariza as diferenças, fazendo com que as pessoas -principalmente as mulheres- submetam seus corpos à práticas nem sempre saudáveis.

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SOBRE BINÓCULOS UNETAS e UMA VISTA DA CIDADE Anne Caroline, Maria Rossi e Thais Bugelli

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Ao

Foto: Bruno Leão

ma das características mais marcantes da arista Márcia Xavier é o fato de reproduzir suas fotografias em formas tridimensionais, deformando-as para mostrar a questão da aceleração no mundo contemporâneo. Obras como “Binóculo” (2001) e “Luneta” (2000), presentes na exposição 140 caracteres, denotam bem estes aspectos da autora. A forma como Márcia Xavier trabalha seus objetos ópticos permite ao expectador se aproximar da realidade que ela expõe, sendo possível mergulhar em uma dimensão nova, onde a imagem se torna algo total e expandido. Em “Binóculo” Márcia apresenta duas imagens vistas de cima, contendo locais distintos da cidade de São Paulo que se confundem entre si. Pode-se enxergar nesse fator uma critica a forma como o espaço da cidade, visto de longe, não apresenta diferenças. Todo o espaço urbano cresceu de forma desgovernada, partindo de seu ponto inicial para as redondezas, só sendo possível notar suas singularidades ao se aproximar. Similarmente, a “Luneta” projetada pela artista nos mostra a cidade

“Binóculo”, de Márcia Xavier

de Belo Horizonte em um cilindro que distorce a imagem de acordo com a posição de seu observador. Esta obra remete o expectador a visualizar de forma diferente o contexto urbano ao qual se encontra inserido. Luneta traz Foto: Divulgação MAM

a proposta de distanciar as pessoas do contexto que as cerca, para que assim seja possível notar a cidade de uma forma diferente. “Luneta”, de Márcia Xavier


Foto: Anne Caroline

A obra “Uma Vista”, de Cássio Vasconconcellos, é composta por 67 fotos. Juntas, apresentam uma única imagem

Não se distanciado muito destas ideias, a obra “Uma Vista”, de Cássio Vasconcellos, leva a uma visão fragmentada da cidade, onde cada fotografia apresenta uma pequena parte do todo. O fotógrafo paulistano, conhecido por suas fotos aéreas conseguiu, de novo, surpreender a quem visitou a exposição. Não precisa ser um grande conhecedor em obras de arte para entender aquilo que esta sendo passado pelas fotografias, é o que se vê. Uma Vista. Quando o individuo para no ponto exato em que se consegue ver a imagem como um todo, é possível notar a velocidade do trem passando pelas janelas dos prédios vizinhos, ao caminho de milhões de pessoas todos os dias. É como se estas pessoas não fossem nada a não ser uma vista aos moradores do prédio. Cássio Vasconcellos, portanto, não aborda apenas o contexto urbano em que nos inserimos, como nos

remete também a uma reflexão sobre o desenvolvimento da cidade e sua influência nas divisões sociais, assim como no crescimento do individualismo. Outro fator representado pela fragmentação das fotografias, é a maneira como cada parte da cidade se desenvolveu de forma separada e distinta da outra, o que ajuda a causar diferenças em seu espaço total. Assim como na obra de Cássio, onde o individuo só consegue notar as fotografias como objetos separados ao se aproximar, a cidade vista de longe parece completa e interligada. É apenas ao se aproximar que se torna possível notar as divisões do espaço que compõe a cidade, suas singularidades e até mesmo as diferenças sociais. Apesar das obras não serem do mesmo autor, elas conversam entre si, trazendo consigo a ideia de progresso desorganizado nas cidades. Na obra de Cássio Vasconcellos, a

imagem de 67 impressões é exposta na Grande Sala, de maneira que, quando vista pela primeira vez, não é possível compreender sua totalidade. Porém, quando se coloca em frente a imagem, na posição certa, é possível ver o que o autor desejou reproduzir com a obra. Tanto Márcia Xavier quanto Cássio Vasconcellos apresentam em suas obras uma preocupação com o espaço urbano, apontando a necessidade de se distanciar para conseguir compreender a cidade como um todo, e não apenas um ponto separado. Os dois também expõem, de forma semelhante, a maneira como o espaço urbano divide-se entre si, se alterando de acordo com a perspectiva do expectador.

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Anne Caroline, Bruno Leão e Victor Reche

SIGAEM

FRENTE ou RETO,

SÓ NÃO OLHE PARA OS LADOS B aseado no contexto histórico de 1964, em um momento de turbulência política, o autor Maurício Nogueira Lima fez a obra “Não entre à esquerda” levando em conta a dicotomia política presente

O autor procura mostrar, talvez com ironia, a tirania referente à política de direita da época. Primeiramente, a seta apontando para cima, no lado esquerdo da obra, contém a expressão “entre pelo cano”; ligada na mesma seta, encontra-se outra apontando para a extrema direita, dizendo “conservem-se à direita”, pode-se interpretar como “mantenha-se na linha”. Diante disso, é retratado a pressão em se manter à direita do espectro político na época, já que o mundo vivia uma guerra fria e a direita brasileira queria manter o controle frente às tentativas de alinhar o Brasil à política de esquerda. Ainda no mesmo raciocínio, Maurício coloca propositalmente, nomes de bairros famosos da cidade de São Paulo para descrever de maneira direta, o que realmente a esquerda e a direita foram no contexto da época. O discurso da política de esquerda é representada por liberdade, paz e beleza. Não é à toa que na mesma posição estão situados os bairros com nomes para represen-

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Foto: Victor Reche

Setas, sentidos e discursos

na época – esquerda e direita: a esquerda se fundamenta na valorização do coletivo, enquanto a direita valoriza o indivíduo. A primeira vista não conseguese entender a complexidade e a

subjetividade da obra. “Não entre à esquerda” é uma obra que deve ser separada ao meio, na horizontal, para conseguir identificar pontos mais objetivos, porém complementares.

Câmeras e radares Na obra, um detalhe se tornou es sencial para fundamentar o segundo

ponto de hipótese para análise: há dois círculos amarelos constituídos internamente por um tipo de máquina fotográfica, que pode estar lá para vigiar e punir, como escreve Michel Foucault em seu livro “Vigiar e Punir”, publicado originalmente em 1975. O primeiro círculo, situado no canto esquerdo da obra, está para controlar, punir e mover as pessoas para a direita; o segundo está posicionado quase no meio “Não entre à esquerda”, de Maurício entre os dois extremos, de modo Nogueira Lima que estão da mesma maneira que o tar esse discurso, como: Liberdade, primeiro – para indicar as pessoas “Paraizo” e Bela Vista. À direita es- à direita. tão os bairros com nomes e significados negativos: Consolação - além do próprio nome ter um significado carregado, há um cemitério famoso que leva o mesmo nome da avenida -, Casa Verde e “Carandirú” - famo“Não entre a esquerda” é uma obra so presídio inaugurado na década de que em sua totalidade questiona a 20. Essa forma de apresentar a direiforma como a política autoritária ta política, traz a falta de liberdade, molda e transforma os cidadãos a decadência social e inclusive, a mediante seus parâmetros. morte.


ra a a

Danielle Albuquerque e Rebeca Bergue

O físico que nos faz sentir D

e Rafael Assef, a obra traz Por se uma obra mais subjetiva sar em tudo o que fazemos no dia a duas fotografias que emolduram o e pessoal que qualquer outra obra dia correndo, sem ao menos pensar tronco e as pernas de um corpo fe- presente no museu, nos leva a pen- no por que disso e o que estamos perdendo com esse novo ritminino. Sendo uma das primo e jeito de viver. As pessomeiras obras vistas durante as não pensam e não sentem a visita ao museu, chama a mais, elas simplesmente faatenção por apresentar corzem tudo de um modo autotes reais feitos sobre a pele. mático e mecânico, o que se Procurando exaltar a falta de traduz em uma impressão de sentimento em nosso cotimomentâneo e efêmero. diano a obra é definida com É impactante ver o modo a frase “Sentir é o que nos como Rafael Assef nos refalta”. vela isto. Se utilizando de O artista deixa a ironia clademonstrações de dor física, ramente presente ao atribuir ele mistura o sentimento fío nome Roupa N°6 a obra sico causado pelos cortes ao que apresenta o corpo nu sentimento psicológico caucomo tela, como espaço de sado pelo incômodo transmirealização da obra. O sigtido no ato de ferir o próprio nificado atribuído a palavra corpo. roupa é deslocado, tomando Percebemos, portanto, que um novo sentido, no qual o a abordagem do autor é mais autor assume a arte reprechocante quando comparada sentada como a própria rouas outras obras da exposição. pa. Esta causava um perceptível Ao excluir membros ressentimento de desconforto ponsáveis pela expressão nos visitantes, e é nesse poncomo as mãos e a cabeça, to que a obra se afirma como o autor omite aquilo sentisingular e excêntrica. do pela mulher retratada na obra, transmitindo a interpretação da emoção causada exclusivamente ao observador, para que cada um pudesse atribuir um significaFoto: Victor Reche do pessoal àquilo apresentado.

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Cibele Mendes e Danielle Albuquerque

A DITADURA MILITAR e os

PROBLEMAS NACIONAIS

A

o entrar na Sala Paulo Figueiredo, um forte cheiro de cachaça invade as narinas. De um lado, se vê um amontoado de coisas aparentemente sem nexo; do outro, uma parede cheia de quadros, desenhos e pinturas. Na frente, mesa, cadeira e uma placa gravada com “Problemas Nacionales”.

De Jonathas de Andrade, “Problemas Nacionales” nos traz uma placa de acrílico, inspirada em uma outra que o artista encontrou durante uma viagem a La Paz, na Bolívia. Durante sua viagem, Jonathas percebeu a ausência de uma cultura única, capaz de se disseminar pela América Latina; disposto a mudar

parte deste panorama, ele desenvolveu “Problemas Nacionales”, uma pequena peça com o intuito de relacionar, de certa forma, todos os países. Esses “problemas nacionais”, são em grande maioria compartilhados pelos países da América Latina, o que os aproxima, ao mesmo passo que os distancia.


lembram a música “Construção” de Chico Buarque, que é, na realidade, uma crônica musicada, contando a vida de um pedreiro que morre ao cair de um andaime. No trecho, temos a peça chave que dá cheiro a sala “Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir”. A música, que é situada na década de 60, ajuda a compor o cenário da ditadura militar, se integrando ao tema da sala. Foto: Victor Reche

Do outro lado, o “amontoado” de coisas de Marcelo Cidade, recebe o nome de “Transestatal” e é composto por entulhos, plástico, madeira, tijolos, cimento, cachaça, mangueira, bomba d’água e uma piscina. Em um primeiro momento, a obra em si não faz muito sentido, porém inserida no contexto da sala, ela traz um conteúdo político forte. Tendo “estatal” no nome, vemos uma possível crítica ao Estado, ou até as condições política, social, e econômicas, representadas pela falta de ordem dos elementos que constituem a obra. Estes problemas e a disposição da obra, também podem se ligar a peça de Jonathas. Os materiais de construção e a cachaça,

“Transestatal”, de Marcelo Cidade

Outro aspecto interessante, é o fato das obras permitirem a interação com o público; juntando isso a proposta de toda a exposição, vemos um aparente caráter político das manifestações realizadas em junho de 2013 com o aniversário de 50 anos do Golpe Militar, se relacionando a organização do povo pelas redes socias, como Facebook e Twitter.


Anne Caroline e Bruno Leão

outros olhares

ESPECIAL

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Foto: Bruno Leão

C

abelo castanho claro, quase loiro. Pele pálida, com sardas. Sua fala denunciava o sotaque estrangeiro. Russa, aos 24 anos de idade, Alisha Anastacia se formou em relações internacionais e mora em Brasília a trabalho; encontrava-se, por turismo, na capital paulista. Na entrada do MAM, acompanhados da orientadora do museu, Milene e Marquiano tocavam delicadamente em algumas obras. Descalços, mantinham contato direto com a arte. Eram namorados. A deficiência visual permitia que sentissem aquilo que não podiam ver; viam aquilo que outros não sentiam. Por meio de uma propaganda em site, Alisha soube que a exposição “140 caracteres” apresentava a ligação entre as redes sociais e os movimentos de protesto no Brasil – uma série de manifestações realizadas em junho do ano passado. “Queria ver como os artistas apresentaram essa ligação entre a política e a arte”, explica. Ela conta que na Rússia as pessoas transmitem a insatisfação política através de cartazes - marco nas manifestações brasileiras -, música, modo de se vestir e fotografias. “Cada movimento tem seus limites para não afetar a liberdade das outras pessoas”, diz Alisha sobre a intervenção agressiva da polícia russa em manifestações e em casos de vandalismo.

Sobre a exposição, Alisha afirma que as fotografias eram interessantes, bem trabalhadas e algumas obras um pouco mais abstratas, como forma de representar a arte moderna. Ao mesmo passo, o casal elogia a exposição, o museu e principalmente a forma que a orientadora os guiou; destacam a ligação recente das manifestações com o contexto histórico da ditadura no Brasil, já que a polícia militar teria se comportado de forma abusiva em algumas manifestações. No término do expediente, Milene e Marquiano explicam ter gostado da obra “As paredes têm ouvidos”, de Amélia Toledo. Entusiasmada, Milene diz ter se surpreendido, de forma agradável, em saber que o Palhaço, obra de Laura Lima, era na realidade uma pessoa. “Comentei com a orientadora, quando ela contou que era uma pessoa, que me senti até incomodada em toca-la”. Para ela a obra remete a pessoas invisíveis, como garis e principalmente moradores de rua, normal-

mente ignorados por grande parte da sociedade. “A buzina seria uma maneira de chamar atenção para o problema”, completa. Procurávamos olhares diferentes dos nossos sobre a exposição. Queríamos pessoas que pudessem ver além daquilo que vimos. Não só as encontramos, como também adquirimos experiências diferentes através desses olhares; olhar que vem de fora, olhar que parte de dentro.

Foto: Victor Reche



140 CARACTERES

O FÍSICO QUE NOS FAZ SENTIR

EU QUERO VOCÊ

SEDUÇÃO E REPULSA

A DITADURA MILITAR E OS PROBLEMAS NACIONAIS

OUTROS OLHARES

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O OUTRO LADO DO PALHAÇO

SOBRE BINÓCULOS, LUNETAS E UMA VISTA DA CIDADE

DE FORA PARA DENTRO


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