Estudo de Caso da ECOTERRA

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Julian Perez Cassarino Daniela Oliveira

Articulação Nacional de Agroecologia – ANA Grupo de Trabalho em Soberania e Segurança Alimentar – GT SSA

RELATORIO 2 Estudo de caso da Ecoterra, Alto Uruguai – Rio Grande do Sul.

Relatório técnico referente à prestação de serviço em sistematização de experiência para o GT SSA/ANA. Tema: Estudo de caso da Ecoterra, Alto Uruguai – Rio Grande do Sul.

Curitiba – Paraná Setembro/2010


Sumário 1 – INTRODUÇÃO............................................................................................................................. 3 2 ­ DESCRIÇÃO, OBJETIVOS, ESTRUTURA E CONTEXTO EM QUE A ECOTERRA EMERGE.............4 3 ­ SOBRE A CONSTRUÇÃO SOCIAL DOS CANAIS DE COMERCIALIZAÇÃO: HISTÓRIA, CARACTERÍSTICAS ATUAIS, DESAFIOS E INTERFACES...................................................................7 4 ­ ANÁLISE DOS RESULTADOS......................................................................................................16 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................................19 ANEXO I......................................................................................................................................... 22 ANEXO II........................................................................................................................................ 23


1 – INTRODUÇÃO O objetivo deste produto é apresentar o estudo de caso realizado junto a Associação Regional de Cooperação e Agroecologia ­ ECOTERRA, Alto Uruguai – Rio Grande do Sul. A coleta das informações aqui apresentadas foi realizada durante os dias 2, 3 e 4 de agosto. As unidades analisadas foram à associação ECOTERRA, através de uma oficina de sistematização, e algumas famílias entrevistadas individualmente (4 entrevistas individuais). As técnicas utilizadas na oficina de sistematização são apresentadas no quadro a seguir. Nas entrevistas individuais a técnica foi a entrevista semi­estruturada.

Quadro 1: Técnicas utilizadas na oficina de sistematização da ECOTERRA. Agosto de 2010.

OFICINA DE SISTEMATIZAÇÃO ECOTERRA

Técnicas Participantes Linha do Tempo Equipe de sistematização Desenho do Fluxograma de Técnicos da equipe local comercialização Sócios da ECOTERRA Diagrama de Venn (mapeamento das entidades parceiras e sua importância no processo).

Previamente à realização da oficina de sistematização, foi realizada uma reunião com a equipe técnica de assessoria e com membros da direção da ECOTERRA, a fim de expor e debater a metodologia e adequá­la à realidade e às possibilidades do grupo. Também foi objetivo contextualizar as organizações a respeito do processo de sistematização e o contexto em que se encontra inserido, em diálogo com o GT de Soberania e Segurança Alimentar da Articulação Nacional de Agroecologia (GT SSA/ANA). No segundo dia de trabalho realizamos a oficina de sistematização que contou com a participação de representantes dos grupos que compõem a ECOTERRA. Um maior detalhamento da metodologia assim como uma descrição dos objetivos de cada uma das dinâmicas podem ser encontrado no Produto 2 desta consultoria. No terceiro dia, e após a realização das dinâmicas coletivas, foram aplicadas entrevistas individuais (semi­estruturadas) com técnicos, dirigentes e agricultores da ECOTERRA. As entrevistas foram realizadas nas próprias unidades de produção, de forma a permitir um maior conhecimento da realidade das famílias da ECOTERRA. Este relatório está estruturado nas seguintes partes: Na primeira parte apresentamos uma breve descrição da ECOTERRA, de seus objetivos, estrutura e do contexto em que a associação emerge; Na segunda parte apresentamos uma série de informações relacionadas ao processo de comercialização que vem sendo construído pelo grupo. Na terceira parte o objetivo é relacionar as 3


informações coletadas e apresentar algumas conclusões a respeito do processo de construção de mercados e da relação deste com os governos e com as políticas públicas. Por fim, são apresentadas as considerações finais sobre o processo de sistematização realizado. Compõe este informe a (i) descrição e análise dos dados coletados, (ii) listas de presença das atividades realizadas, (iii) íntegra das entrevistas realizadas em arquivos de áudio e (iv) imagens do processo de sistematização realizado.

2 ­ DESCRIÇÃO, OBJETIVOS, ESTRUTURA E CONTEXTO EM QUE A ECOTERRA EMERGE A região Alto Uruguai é uma região formada por 32 municípios localizados nas proximidades do Rio Uruguai, ao norte do Rio Grande do Sul, divisa com o estado de Santa Catarina, e tem Erexim como cidade­pólo. Nestes municípios a agricultura é a principal atividade econômica e as unidades de produção familiares predominam como forma de divisão e uso da terra. Figura 1: Mapa da região Alto Uruguai/RS.

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Dentre as características da região Alto Uruguai destaca­se a intensa capacidade de mobilização social por parte da agricultura familiar. Já nos anos 1980 agricultores da região passam a se organizar e se mobilizar em sindicatos da agricultura familiar e em movimentos de oposição à implantação de barragens no Rio Uruguai. Juntamente à mobilização e contestação através de organizações coletivas que reivindicavam direitos sociais e o direito ao uso da terra, um movimento paralelo surge na região com o objetivo de crítica às tecnologias e aos pacotes tecnológicos da modernização. Além da crítica as famílias engajadas propunham o resgate e o desenvolvimento de tecnologias baseadas em princípios da agroecologia. Neste movimento nasce, em 1989, o primeiro grupo de agricultores agroecologistas da região Alto Uruguai, o grupo da Vaca Morta. Durante os anos 1990, outros grupos emergem e em 2001 o CETAP (Centro de Tecnologias Alternativas), organização não governamental de assessoria que acompanha o processo de formação de grupos, de desenvolvimento de tecnologias agroecológicas e de comercialização, juntamente com o CICDA (Centro Internacional para a Cooperação e Desenvolvimento Agrícola) e com sindicatos de trabalhadores rurais dos municípios de Aratiba, Itatiba do Sul e Três Arroios, iniciam um projeto conjunto – Projeto Alto Uruguai ­ com o propósito de fortalecer e ampliar as experiências de produção agroecológica na região. Para administrar e coordenar o projeto Alto Uruguai foi criada a ADATABI (Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia nos municípios Três Arroios, Aratiba, Barra do Rio Azul e Itatiba do SUL – ADATABI) que mantém uma equipe técnica para acompanhar os grupos e famílias agroecologistas desses municípios. Em janeiro de 2001 tem início, através dos grupos de agricultores, da ADATABI e do CETAP, uma discussão a respeito da necessidade de uma organização para a comercialização de produtos ecológicos de forma direta. Como resultado deste debate nasce a ECOTERRA. A ECOTERRA ­ Associação Regional de Cooperação e Agroecologia ­ é uma associação de agricultores ecologistas que abrange 51 famílias de cinco municípios da região Alto Uruguai: Itatiba do Sul, Aratiba, Três Arroios, Barra do Rio Azul e Jacutinga. Foi criada oficialmente em 2001, com o objetivo de facilitar e viabilizar a comercialização de produtos agroecológicos produzidos por famílias que já faziam parte de grupos de agricultores agroecologistas, algumas desde o final dos anos 1980. No entanto não são somente objetivos relacionados à comercialização que orientam o trabalho da associação. Para além daqueles, os membros citam: promover a cooperação e trabalhos em grupo, promover sistemas sustentáveis de produção agrícola, divulgar a agroecologia e promover ações educativas no meio rural e urbano. No que se refere à comercialização os objetivos são: estimular a comercialização direta e a integração entre agricultores e consumidores, apoiar processos de comercialização, principalmente no âmbito regional, garantir a credibilidade da produção das famílias, conforme os princípios e regras da Rede ECOVIDA de Agroecologia.

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No quadro 2, a seguir, apresentamos algumas informações a respeito da ECOTERRA.

Quadro 2: Algumas informações a respeito da ECOTERRA. Setembro de 2010. Estado

RS

Região

Alto Uruguai

Municípios

5

Itatiba do Sul, Aratiba, Três Arroios, Barra do Rio Azul, Jacutinga Associação Alternativa de agricultores da

comunidade da Vaca Morta Associações que compõem a orga­ nização atualmente

4

Associação Agroecológica Vale Lajeado An­ tas Associação das famílias Agroecológica da Linha Liso (não faz mais parte) Associação agroecológica de Derrubadas

Fundação

Junho de 2001

Número de famílias

51

Número de famílias que comercia­ lizam pela entidade

32

Valores aproximados de comercia­ lização atualizados/mês Valor médio aproximado comer­ cializado/família Volume de produtos/mês? Principais produtos comercializa­ dos Acreditação/Certificação

R$ 24.000,00 R$ 750,00 20 ton Frutas e verduras em geral Rede Ecovida de Agroecologia

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3 ­ SOBRE A CONSTRUÇÃO SOCIAL DOS CANAIS DE COMERCIALIZAÇÃO: HISTÓRIA, CARACTERÍSTICAS ATUAIS, DESAFIOS E INTERFACES Tendo sido criada com o objetivo, entre outros, de promover a comercialização dos produtos das famílias, a primeira ação de comercialização da ECOTERRA foi a implantação de uma feira de produtos agroecológicos da região Alto Uruguai em Erexim, município pólo da região. A partir da feira, em 2001, outras iniciativas de comercialização são criadas, algumas que permanecem até hoje, e outras que foram infrutíferas e deixaram de existir. No diagrama 1, a seguir, mostramos, de forma sintética, a construção das estratégias de comercialização por parte da ECOTERRA. No diagrama 2 apresentamos os canais de comercialização atualmente utilizados pelas famílias. Quadro 3: Síntese da construção de canais de comercialização pela ECOTERRA. Agosto de 2010. 2001 Criação da ECOTERRA em Erexim

2003 A ECOTERRA assume a comercialização na feira da COONALTER1 em Passo Fundo

Criação do Núcleo Comercialização Alto Uruguai da em pequenos REDE ECOVIDA supermercados em Passo Fundo

2005

2006

2007

Abertura de novos Início das rotas do 2º projeto espaços de Circuito Sul de CONAB/PAA comercialização Comercialização em bairros de Erexim em parceria com moradores urbanos (Bonato, Progresso, Piovesan) 1º projeto CONAB/PAA

Início da feira em Abertura do ponto Erexim fixo em Erexim

2010 Primeira operação com a alimentação escolar (Três Arroios)

ECOTERRA repassa gestão do Circuito Sul para uma família da cooperativa Café e Natal Ecológico

Entrega de sacolas de produtos ecológicos

1

Cooperativa Mista de Consumo Alternativo LTDA.

7


Figura 2: Fluxograma de comercialização da ECOTERRA: principais canais de comercialização e estrutura. Agosto de 2010. RESTAURANTES PONTO FIXO EM EREXIM EVENTOS COMUNITÁRIOS

Espaço fixo para vendas, balanças, balcões, freezer, etc 2 funcionários

CONSUMIDORES

VENDAS NA UP

FEIRAS PR/SC MERENDA PR/SC CIRCUITO SUL DE COMERCIALIZAÇÃO

PAA PR/SC RESTAURANTES ESTRADAS

PRODUÇÃO

COLHEITA

CLASSIFICAÇÃO SECAGEM BENEFICIAMENTO EMBALAGEM

ECOTERRA EREXIM Recepção e controle da qualidade

LOJAS PR/SC/SP/RJ CONSUMIDORES FEIRA EM PASSO FUNDO

RESTAURANTES

FEIRAS ENTREGA RESIDÊNCIAS ITATIBA DO SUL ESTRUTURA: GALPÃO CAIXAS

P.A.A.

FAMÍLIAS CARENTES EREXIM

MERENDA ESCOLAR PAA

ESTRUTURA: CAMINHÃO CAMINHONETE

REDE DE MERCADOS EM PASSO FUNDO

CONSUMIDORES

BALANÇAS ESTRUTURA PARA FEIRAS

BALANÇAS FEIRA EM EREXIM

CONSUMIDORES

ESTRUTURA: CAMINHÃO CAMINHONETE

LEGENDA:

LAZZARETI

RESTAURANTES

BALANÇAS Equipamentos e meios de transporte utilizados na comercialização

ESTRUTURA PARA FEIRAS

CONSUMIDORES

ALIMENTAÇÃO ESCOLAR

ALUNOS

Canais de venda através da ECOTERRA Consumidores dos produtos da ECOTERRA Vendas individuais ou não realizadas através da ECOTERRA

PONTO ECOLÓGICO EM PASSO FUNDO

EVENTOS

CONSUMIDORES RESTAURANTES

PÚBLICO EM GERAL

Comercialização em EVENTOS COMUNITÁRIOS Comercialização individual na UP

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Figura 3: Estrutura de comercialização utilizada pela ECOTERRA. Agosto de 2010.

9


Figura 4: Valores comercializados pela ECOTERRA durante os anos de 2005, 2006, 2009 e 2010.

Fonte: ECOTERRA, 2010

10


Quadro 4: Dificuldades relacionadas ao processo de comercialização na ECOTERRA. Agosto, 2010. Tipo de dificuldades 1. Técnicos­produtivas

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

Falta de sementes e insumos Reorganização/redesenho das Ups Baixa escala de produção Baixa padronização dos produtos Falta de produtos devido à seca Perda da produção devido à falta de acompanhamento técnico 2. Organização do grupo Organização das famílias (união) ainda frágil Incertezas e riscos Desistência de famílias em função de problemas com a comercialização 3. Na interface com a comunidade/sociedade Descrença da vizinhança e técnicos e in­ terferência negativa da EMATER Redução do trabalho de assessoria técni­ ca ­ ADATABI 4. Na interface com Estado Pressão da vigilância sanitária com fre­ qüente apreensão de produtos na feira de Erexim Prefeitura de Erexim quer devolução do terreno onde a feira e o ponto fixo estão localizados Indefinição em relação ao terreno da sede da Ecoterra 5. Na comercialização Transporte de produtos: custo elevado (grande distância entre as comunidades) Acúmulo de prejuízo em função dos al­ tos custos de comercialização Desvio de recursos por parte de funcio­ nário da ECOTERRA Calotes por parte dos compradores ­ pe­ quenos supermercados Redução nas vendas devido à retirada de produtos pela vigilância sanitária Redução do número de consumidores: local da feira é destinado para um esta­ cionamento Custo elevado torna o circuito Sul inviá­ vel para a ECOTERRA Custo elevado torna o circuito Sul inviá­ vel para a família que assume Entregas de sacolas tornam­se inviável devido aos custos de comercialização Custo elevado e falta de estrutura na feira de Passo Fundo CONAB/PAA: atraso na liberação dos projetos Precariedade da estrutura do ponto fixo em Erexim

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Quadro 5: Prioridades na solução dos problemas relacionados á comercialização Dificuldades Indefinições em relação ao uso e posse do Terreno da ECOTERRA em Erexim Estruturas para a feira de Passo Fundo

Estrutura Ponto fixo em Erexim

Transporte dos produtos

Falta de assessoria

Soluções

Responsáveis

Solução para permanência Coordenação: ECOTERRA (comodato?) Estruturas fixas para co­ bertura e mesas

Estrutura (galpão, câmara fria, gôndolas, resfriado­ res, balanças, estantes) Orçamento previsto: R$ 320.000,00 Veículos de pequeno e mé­ dio porte

Constância na assessoria

Coordenação: ECOTERRA Financiamento: MDA/SDT e/ou prefeitura municipal de Passo Fundo Apoio: Assessoria Coordenação: ECOTERRA Financiamento: MDA/SDT e/ou prefeitura municipal de Erexim Apoio: Assessoria Coordenação: ECOTERRA Financiamento: MDA/SDT e/ou prefeitura municipal de Erexim Apoio: Assessoria Coordenação: ECOTERRA Financiamento: MDA/ATER e/ou prefeituras municipais Apoio: Assessoria

Prioridade 0

1

1

2

3

Figura 5: Fortalezas/aspectos positivos da ECOTERRA, segundo os associados. Agosto, 2010.

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Quadro 6: Relação com governos e políticas públicas Política/Programa

Nível federação

Prefeitura Erexim

Municipal

Prefeitura 3 Arroios

Municipal

Vigilância sanitária

Municipal

RS Rural ­ PAMPA

Estadual

PAA ATER­MDA

Federal Federal

PNAE

Federal

Descrição

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Disputas em relação ao terreno Apoio no transporte de produtos Retirada de produtos das feiras Caminhão e equipamentos para comercialização Doação Simultânea Formação Fornecimento para alimentação escolar

Legenda:

Relação negativa Relação positiva

13


Figura 6: Sugestões de políticas públicas/atuação dos governos pelas famílias entrevistadas. Agosto, 2010

Quadro 7. Distribuição da atividades na família.

Atividades

Homens Mulheres

Atividades domésticas(limpeza, alimentação, comida...)

***

Filhos

Filhas

*

*

Cuidado com filhos

***

***

Produção no geral lavouras, hortas, frutas...

***

***

*

***

Venda

***

**

Comercialização, que vai comercializar

***

Colheita

***

***

**

*

*

***

*

*

**

*

*

Auto­consumo/Alimentos

Preparação dos produtos Transporte/entrega

***

Negociação

***

Controle da renda

***

* **

14


Figura 7: Relações e parcerias da ECOTERRA. Agosto de 2010.

Circuito de comercialização COOPVIDA ECOSERRA AOPA CRESOL AFRUTA Cáritas

REDE ECOVIDA

COOPERFLORESTA

Prefeituras: 3 Arroios, Itatiba Erexim,

ECOTERRA 30 famílias SUTRAF 3 ARROIOS

CAPA EREXIM

Ponto Ecológico LAZZARETTI

COONALTER

CETAP

15


4 ­ ANÁLISE DOS RESULTADOS Conforme descrito anteriormente a ECOTERRA é uma associação que surge com o objetivo, entre outros, de promover e estimular a comercialização de produtos agroecológicos produzidos pelas famílias associadas. Tem o início do trabalho no ano de 2001. Neste momento as famílias associadas já tinham experiência com a produção agroecológica e com a comercialização em feiras. Daí pra frente os novos canais foram construídos pela associação. Pelo que podemos ver na figura 2 o processo de comercialização de produtos na ECOTERRA destaca­se pela grande diversidade de canais de comercialização acessados, a maioria destes construídos pela própria organização. Ao todo são 10 tipos diferentes de canais de venda através da ECOTERRA (em verde), que vão de feiras em Erexim e Passo Fundo, a entregas para pequenos supermercados nestes municípios, entregas em restaurantes, vendas através do Circuito Sul de Comercialização, CONAB/PAA e alimentação escolar. Além da venda através da ECOTERRA as famílias da associação continuam comercializando através de canais tradicionais, tais como vendas nas unidades de produção e para eventos nas comunidades. Na figura 4 podemos observar informações relacionadas aos números da comercialização. De forma geram a comercialização através da ECOTERRA cresceu durante o período de 2005 a 2010 (de R$ 12.407,00 a R$ 22.256,00/mês) e tem se mantido ao redor de 22 a 24 mil reais por mês. Apesar de que as famílias da associação consideram que a comercialização através da ECOTERRA atualmente possui uma relativa estabilidade e que está bem estruturada (ou seja, manifestam satisfação com o momento e as opções atuais) o caminho até aqui não foi sem percalços e sem dificuldades. Observando o Quadro 4 podemos concluir que os problemas relacionados à comercialização na ECOTERRA podem ser assim sintetizados:

✓ Problemas técnico­produtivos, que parecem ter sido resolvidos, a partir do ano 2005, já que a maioria das famílias já possuíam experiência em produção agroecológica.

✓ Problemas relacionados à formação do grupo, que aparecem na fase inicial do trabalho (até 2002). No entanto, pelo que parece, questões relacionadas à comercialização tem influenciado a formação, a manutenção e a ampliação do número de famílias na ECOTERRA. Segundo relatos dos entrevistados isto ocorreu devido (a) aos altos de custos da comercialização, que reduzia a receita líquida das famílias, tornando para algumas o negócio inviável e (b) às dívidas acumuladas pela ECOTERRA para com as famílias (não repasse dos valores das vendas), também em função dos gastos com comercialização. Mais tarde as desistências são provocadas (c) pelas incertezas e riscos gerados pelo movimento da prefeitura municipal de Erexim de retirar o direito de uso do terreno no qual a feira e o ponto fixo da ECOTERRA são instalados.

✓ Na interface com o Estado ganha destaque duas questões principais: a atuação da vigilância 16


sanitária, por um lado, retirando produtos das feiras e do ponto fixo, e por outro, as disputas com a prefeitura de Erexim pelo uso do terreno onde a feira e o ponto fixo da ECOTERRA estão instalados.

✓ Em relação à comercialização, propriamente dita, os principais problemas enfrentados ao longo do tempo foram/são: (a) custos elevados, em função da distância entre as unidades de produção dos membros da ECOTERRA; (b) problemas devidos à atuação da vigilância sanitária: redução da oferta de produtos nas feiras. Para algumas famílias a impossibilidade de comercializar queijos e embutidos (salame, principalmente) torna a feira inviável, devido ao elevado valor agregado neste tipo de produto; e (c) disputas com a prefeitura municipal de Erexim pelo uso e posse do terreno no qual a ECOTERRA está instalada. Os riscos e incertezas que esta disputa gerou na ECOTERRA causaram o afastamento de algumas famílias. Entre as fortalezas/aspectos positivos (Figura 5) destacam­se o papel da assessoria técnica, o processo de formação inicial das famílias e a diversificação das unidades de produção. As famílias entrevistadas também ressaltam como positivo a diversidade de canais de venda que a ECOTERRA gerencia. Em relação ao Circuito Sul de comercialização, que é apontado como um dos principais canais de venda, é unanimidade entre os entrevistados que este canal apesar dos volumes elevados e da diversidade que comercializa gerava prejuízo para a ECOTERRA, em função do elevado custo do transporte. Quando o Circuito Sul passa para a responsabilidade de apenas uma família os prejuízos para a ECOTERRA diminuem e a ECOTERRA reduz as dívidas acumuladas com as famílias. Durante uma ano a família que assume o Circuito Sul trabalha com prejuízos, para a partir daí obter lucros. De acordo com os entrevistados esta mudança de prejuízo para lucro é devido a um processo mais dinâmico que se estabelece na tomada de decisões. Por exemplo: entre as primeiras medidas da família foi a troca do veículo de transporte (por um veículo mais econômico) e o estímulo para aumento de produção pelas famílias, a fim de baratear o custo de deslocamento para recolhimento dos produtos. No que se refere às relações com governos e com as políticas públicas (Quadro 6) pode­ mos observar que relações negativas, ou seja, nas quais os governos influenciam negativamente sobre os processos de comercialização, têm predominado ao longo do tempo, entre as quais: a atuação da vigilância sanitária sobre produtos com elevado valor agregado, tais como queijos e embutidos; e a disputa entre a ECOTERRA e prefeitura municipal de Erexim pelo uso e posso do terreno da sede da associação. Além desta atuação negativa, três foram os programas/políticas governamentais que atua­ ram de forma positiva na construção dos mercados da ECOTERRA: o RS Rural/Pampa, em nível de Estado do RS, através dos quais foram adquiridos balanças, caixas plásticas e equipamentos para o ponto fixo, o PAA, nos anos de 2005 a 2007, e as vendas para a alimentação escolar, a partir de 2010. 17


No tocante a estes dois últimos programas, ressalta­se que há uma avaliação positiva no que se refere à abertura dos mercados institucionais para as compras da agricultura familiar. Ini ­ cialmente via Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), notadamente na linha de doação simul­ tânea, o qual a associação já vem acessando e executando projetos desde o ano de 2005. Os ali­ mentos são doados à famílias carentes e instituições de caridade na região. O programa cumpre importante papel na estruturação da comercialização como um todo, uma vez que, segundo as fa­ mílias: 

Previsão segura dos volumes de produtos a serem comercializados;

Favorece o planejamento de produção,

Permite uma segurança de renda às famílias, dando maior estabilidade para realizar inves­ timentos;

Redução dos custos do transporte de produtos, em função dos maiores volumes de comer­ cialização;

Pode fortalecer a diversificação dos sistemas de produção, por aceitar uma boa diversidade de produtos. Por outro lado registram­se também muitas ressalvas em relação à burocratização do pro­

cesso de elaboração dos projetos, à demora na liberação dos recursos (este item principalmente) e às dificuldades na prestação de contas pelo excesso de papéis necessários ao processo. Apesar de ainda ser incipiente, em função do pouco período de implementação, outra ação observada com destaque pelos representantes da experiência é o do acesso ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). As famílias ainda manifestam muitas dúvidas sobre os mecanis­ mos de acesso às aquisições via PNAE, a partir da aprovação da Lei da Alimentação Escolar, que obriga a aquisição de no mínimo 30% dos produtos da agricultura familiar. A associação visualiza um importante potencial no acesso ao PNAE, realizando algumas ex­ periências locais e regionais, via circuito sul de comercialização. No entanto ainda há dificuldades no tratamento do processo (chamadas públicas, prestação de contas, recebimentos, etc...), bem como na negociação de perfil de produtos e entregas de produtos. No entanto, de uma forma geral, pode­se falar em uma quase ausência na participação do Estado na construção social dos mercados da ECOTERRA, o que pode ser visualizada no diagrama de Venn (Figura 7). Este objetiva identificar/mapear a rede de relações em que ECOTERRA está inserida, quem são os parceiros e qual a proximidade destes com o grupo. Aqui podemos ver que os principais parceiros da ECOTERRA têm sido entidades também organizadas por agricultores fa­ miliares (ECOVIDA, COONALTER, SUTRAF, CRESOL), ou entidades de apoio e assessoria a proje­ tos alternativos, tais como o CETAP e a Cáritas Diocesana. Tratando­se da parceria com o Estado as parcerias restringem­se às prefeituras municipais de alguns municípios da região Altos Uruguai.

18


No âmbito das relações de gênero, a realidade descrita no Quadro 7 demonstra ainda um predomínio da figura masculina na maioria das atividades desenvolvidas pelas famílias da Ecoter­ ra no âmbito da comercialização. Se bem ,nas entrevistas e depoimentos homens e mulheres des­ tacavam, que o trabalho com agroecologia contribuiu para redesenhar as relações nas famílias, onde as atividades produtivas tipicamente desenvolvidas pelas mulheres passam a ser mais valori­ zadas. Nesse sentido, gestão e trabalho nessas áreas passou a ser conjunta do casal, se bem ainda se observam muitos aspectos para evoluir na questão, há um consenso entre as famílias de que no âmbito das famílias agroecologistas, está se construindo uma maior equidade nas relações. O Quadro 7 foi elaborado a partir de uma atividade coletiva em grupo, feita pelas próprias mulheres da Ecoterra, que em entrevistas afirmam que ainda há o que evoluir na discus­ são de gênero, mas que há um processo permanente de reconstrução das relações na família dado pela maior integração das atividades na propriedade pelos processos de formação que vêm se dan­ do no âmbito das famílias. Por fim, como sugestões de políticas (Figura 6) as famílias apontam: (a) programas mais fáceis de acesso por parte de agricultores familiares; (b) subsídios ao transporte, o que não pode­ ria ser diferente, já que os custos de transporte têm sido um dos principais problemas da ECOTER­ RA ao longo dos anos e atividades; (c) a possibilidade de capital de giro, principalmente para que as organizações mantenham seus compromissos com as famílias associadas; e por último sugerem mudanças na legislação a fim de facilitar a comercialização de alimentos processados.

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS A experiência desenvolvida pela Associação ECOTERRA caracteriza de forma exemplar as iniciativas de construção de mecanismos alternativos de mercados no âmbito da agroecologia. Focada na diversificação de estratégias de mercado, a ação da ECOTERRA tem sua história caracterizada pela construção de caminhos próprios no acesso à mercados. Do caso aqui sistematizado, para além das deficiências que possa apresentar, podem­se extrair importantes características do processo de comercialização desenvolvido, dentre as quais podem­se destacar: 

O caráter endógeno da proposta, oriunda dos esforços e iniciativa das organizações

locais de agricultores e de assessoria; 

O formato participativo do processo de construção dos novos mecanismos de mercado

propostos; 

A centralidade na valorização e garantia de autonomia dos grupos locais de agricultores,

dada pela menor dependência dos agricultores a fatores de mercados alheios à sua realidade, pela eliminação da intermediação e pela capacidade de gestão e negociação nas estratégias de mercado estabelecidas; 19


O enfoque na dimensão do abastecimento de alimentos ecológicos, promovendo grande

diversidade de estratégias de mercado; 

A relação positiva e interdependente entre mecanismos de mercado desenvolvidos e a

sustentabilidade dos sistemas de produção, notadamente no que se refere à diversificação das propriedades; 

A quase ausência do Estado na construção das estratégias (nos âmbitos municipal,

estadual ou federal) evidenciando um vazio de ações de governos que permitam a viabilização de estratégias diferenciadas de comercialização para a agricultura familiar. O que foi possível observar de participação do Estado foi em momentos e ações pontuais. Somente mais recentemente a ação do Estado estrutura­se para ser mais continua através do PAA e compras para a alimentação escolar. 

A relação conflitiva com o Estado, notadamente no que se refere a adequação às normas

da vigilância sanitária e à instabilidade da postura da prefeitura municipal de Erexim no que se refere à cessão do terreno onde a ECOTERRA tem sua estrutura de comercialização montada; 

A relevância do papel da assistência técnica no processo de construção de novos

mecanismos de mercado, caracterizada por uma assessoria de caráter participativo, com intensidade de presença nos grupos acompanhados, promovida por ONG's e organizações locais; Especificamente no que tange ao acesso e participação das políticas públicas no processo de constituição da experiência da Ecoterra podem­se destacar algumas dimensões de políticas que parecem ser centrais no desenho de mercados locais para comercialização de alimentos ecológicos. Esta leitura parte da extrapolação das demandas por políticas levantadas pelos agricultores integrantes da ECOTERRA, mas que permite ampliar a leitura e as proposições, conforme descrito no quadro à seguir:

20


Quadro 8: Proposições de ações/políticas públicas a partir da ECOTERRA. Dimensão

Demanda

Assistência Técnica e Extensão Rural

 

Apoio à programas de organizações locais de ATER, Fomento à processos de formação em gestão, beneficiamento da produção, elaboração de projetos, etc;

Logística e Estrutura de comercialização

Cessão e financiamento de infra­estrutura e insumos para processamento mínimo de produtos (limpeza, seleção, embalagem, ...); Viabilização estruturas para espaços de venda (barracas, estruturas fixas, pontos de venda, ...); ­ Capital de giro para aquisição de insumos necessário à comercialização e para garantia de pagamentos regulares aos agricultores;

 

Transporte

  

Vigilância sanitária

 

Operacionalização de projetos

 

Subsídios ao transporte de produtos, pela dispersão das unidades de produção e pelos volumes ainda pequenos; Viabilização da aquisição de veículos; Facilitação de estruturas de comunicação (internet, rádios, etc...) Adequação da legislação à realidade de unidades de produção familiares; Viabilização de estruturas adequadas à legislação; Redução de burocracia na elaboração de projetos e prestação de contas para o mercado institucional; Desburocratização no acesso aos recursos públicos para projetos de ATER.

No que se refere aos processos internos à experiência ficam evidentes deficiências de ges­ tão no processo de comercialização, bem como as dificuldades de absorção de um maior número de famílias ao processo, notadamente, pela falta de condições para realização do trabalho de as­ sessoria (ATER). Notam­se também perspectivas diferenciadas entre as famílias no que se refere aos processos futuros e projetos para a comercialização, algumas mais voltadas para uma preocu­ pação com a melhoria de sua renda, outras levando esta dimensão em conta, porém ampliando a visão para dimensões políticas da comercialização alternativa de produtos agroecológicos. Tais diferenças são geradoras de conflitos e divergências dentro da Associação, que já leva­ ram inclusive a desfiliação de membros, mas que, de forma geral, parecem estar sendo tratadas de forma consensual. Tal aspecto é possível ser verificado quando observamos a importância que to­ dos dão a associação e ao cumprimento das decisões tomadas pelo coletivo.

21


ANEXO I ­ Listas de presença das atividades ­

22


ANEXO II ­ Imagens das atividades ­

23


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