BYPASS #1 (extract)

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As páginas seguintes são uma versão promocional, truncada, do número 1 da BYPASS. The following pages are a promotional sectioned demo of BYPASS 1st Issue.

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Arquitectura 2009

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TÍTULO BYPASS TEMA Arquitectura EDITORES Álvaro Seiça Neves Gaëlle Silva Marques REVISÃO Álvaro Seiça Neves Gaëlle Silva Marques Pedro Clarke EDIÇÃO BYPASS - Associação Cultural Rua Carlos da Maia, 27 - 5ºE 1350-065 Lisboa Portugal DESIGN GRÁFICO Gonçalo Viegas Ricardo Miranda PRODUÇÃO Gaëlle Silva Marques Luísa Baeta production@bypass.pt IMPRESSÃO E ACABAMENTO M2 – Artes Gráficas, Lda DISTRIBUIÇÃO BYPASS - Associação Cultural TIRAGEM 2000 exemplares Depósito Legal: 292921/09 Periodicidade Decamestral ISSN: 1646-9011 Nº de Registo na ERC: 125600

® © 2009 BYPASS © 2009 AUTHORS All rights reserved www.bypass.pt info@bypass.pt

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HIROAKI UMEDA text

Pedro Sena-Lino a casa

RICARDO TÉRCIO

Nils Wogram Root 70 on 52nd 1/4 Street

Luís Royal O Desenho de Zaha Hadid

AMADEO GUADIANA ΩA = ∑M (∆P)

Duarte Lobo Antunes Registar / Recordar

Mikkel Hermann Sørensen Intention: Bastard Drawing-set. Stages of Hybrid

César Parreira Astrid

DANIEL MALHÃO Globo terrestre na biblioteca da Casa de Mateus Globo celeste na biblioteca da Casa de Mateus

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Gregório Carboni Maestri Um edifício não é um corpo! “Reprodução” do pensamento arqui-biológico, ou “biologização” da arquitectura contemporânea

FEMUR

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ÁLVARO SEIÇA NEVES “2”, “avesso”, “mutação”, “o saneamento do poema” Pedro Levi Bismarck Architecture is (e)motion PEDRO DOS REIS NYC RGB

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JULIAN MAYOR 4 chairs

Pedro Jordão home sweet home

Pavel Braila Next Episode

CRISTINA CAVALLOTTI

Pedro Ribeiro Dias Excerto de “As Aventuras do Príncipe Poema”

Julieta Cervantes Architecture on Stage: Imaginary Spaces

Emanuel Nevado Um arquitecto de massas sonoras

Lucien Zell “The Architect of Correspondences” Selected Quatrains from The Road of Wind

CARLOS BUNGA Arquitectura acelerada ou processo de Pintura? * texto de Pedro dos Reis

VERTEBRAE

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e.e. [XYZ] CLAUDE SCHMITZ Architecture for the body (chat-interview) Rui Aristides Fragmentos de uma Perspectiva sobre a Democratização dos Museus Noruegueses e sua Arquitectura

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OZIAS FILHO “partir para não ficar agarrado”, “casa”, “panorâmica” + fotografias

Ana TECEDEIRO redes

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DUARTE KRÜGER Cidades incomparáveis: Elementos-chave de reflexão sobre a cidade do futuro

CARLOS M. GUIMARÃES Arquitectura, Filosofia e Arte: Breves notas para uma redefinição da noção de cultura arquitectónica

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Pedro Jordão dogville: espaço pressentido

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Pedro Clarke Ashes to ashes: LCCU – story of a humanitarian project

Manfred Pernice diary II (small print) * texto de Paul Overy

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Simon Critchley Selected Fragments from The Book of Fragments: A Life in Pieces

SKIN

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Escrever um editorial – o que é um editorial? Antes de mais, pretende ser algo expositivo, com um carácter explicativo – e nestas voltas do repetitivo e do diminutivo, que por vezes se imprime, podíamos ficar com um editorialzinho. Mas isso não me interessa. Não me interessa apresentar a minha génese enquanto ser, BYPASS, que começou como nebulosa de vontades e se autonomiza e se objectiva a cada querer. Não me interessa ficcionar uma narrativa grandiloquente para o comezinho 10 dealbar de qualquer projecto. Não me

interessa abreviar, cortando pelo atalho fácil da introdução, desenvolvimento e síntese. Não me interessa chocar, dizendo que vozes novas, plurais, inauditas, hiperculturais, substantivas, não-geracionais e invulgarmente geniais, ressoam e ecoam na falésia fremente. Não me interessa esmiuçar a causa transversal e hiperdisciplinar desta publicação e da temática deste primeiro número. Não me interessa revelar que a arquitectura deve ser tratada e apropriada por gargantas exteriores à análise hermética. Não me interessa comunicar a importância de


uma reflexão aturada por gargantas interiores à profissão de arquitecto. Não me interessa imobilizar textos, para depois rebobinar fitas de intersecções criativas e ainda reformular novas formas de observar, novas formas de pensar o isto e o aquilo. Vou tentar sair de mim. Tentar. Vou rasgar o meu fato irónico. Não me interessa confluir influências cinematográficas, melómanas, literárias, filosóficas, criptográficas e estéticas. Não me interessa submeter diferentes perspectivas ao espartilho da velha e

muralhada sabedoria canónica. Não me interessa esgaravatar o modo e o como das secções do meu corpo. Não me interessa soluçar com lamentações pretensiosas de projectos enforcados na fronteira da partida. Não me interessa. Ponto final. Interessa-me o fazer. Interessa-me o des-mi-ti-fi-car.

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Um edifício não é um corpo! “Reprodução” do pensamento arqui-biológico, ou “biologização” da arquitectura contemporânea Gregório Carboni Maestri Meses atrás, estava lendo os números dos anos sessenta da revista Arquitectura. É preciso, a meu ver, certa dose de paciência para suportar aquela fase histórica da revista e, em geral, parte daquela fase da história da arquitectura, uma “prófase” da contemporaneidade. Contudo, apesar de não terem sido os anos mais interessantes da arquitectura portuguesa, já se respiravam ares novos, saboreava-se o começo de uma grande “aventura” teórica e sensível: a da arquitectura lusa contemporânea. Apareciam os primeiríssimos “Sizas”, os já belos “Távoras”... Eu, leitor, sabia que, com paciência, iria chegar aos anos setenta, anos de mudanças e democráticas “mitoses” radicais, da Revolução dos Cravos... É a sensação que temos quando, em plena adolescência, estudamos os ciclos de reprodução assexuada, sabendo que, mais adiante, há-de chegar a parte interessante, a da reprodução sexuada. No entanto, para poder desfrutar dela, é preciso aturar a multiplicação das bactérias, dos vírus... Lia com calma aquela fase editorial, cheia de contradições, ainda em pleno Regime, embora já fosse perceptível nos seus conteúdos uma certa “autonomia”, conquistada com as lutas dos anos cinquenta por alguns arquitectos corajosos.1 Na longa lista de artigos e de projectos publicados nesses números dos anos sessenta falta linearidade e coerência, o que deixa o estudioso em crise. Isto, é óbvio, importa pouco. O que importa, para o meu olhar contemporâneo, é que os projectos arquitectónicos urbanos, portugueses ou internacionais, eram um tanto ou quanto “feiosos”, formalmente 14


“divertidos” (nos vários sentidos da palavra), sem grande interesse, com pouca “substância arquitectónica”, ainda que ricos em conteúdos “externos”. Defina-se esta fase arquitectónica internacional, com ironia, de “biológica”, ou, se preferirmos, “biologizante”. Eram recorrentes os paralelismos com o mundo das ciências naturais, com as ciências humanas, com a linguística estruturalista de Saussure e com a antropologia de Lévi-Strauss. Tudo recoberto por um leve ar de “positivismo confuso”. Ao mesmo tempo, seria difícil definir aquele caldeirão de real interdisciplinaridade, pois, em última análise, o elemento mais importante, a arquitectura – no seu lado mais “construtivo” (no sentido cultural e teórico da palavra, se preferirmos, do seu “realismo”) –, acabava sendo o principal “ausente”. Tratava-se do “reflexo” de uma dinâmica cultural mais vasta, que caracterizava parte da “vanguarda” da cultura arquitectónica internacional daquele ciclo histórico; a meu ver, de certa importância, para compreender o que poderíamos definir como uma “biologização” da arquitectura contemporânea. A um certo ponto, caí num interessante artigo: “Uma cidade não é uma árvore!”, de Christopher Alexander.2 Resumindo, Alexander reage, indirectamente, contra uma aproximação “abstracta” à cidade, que reduz tudo à retícula e às suas redes “em árvore”, que realiza uma simplificação estruturalista de algo complexo, humano e social (simplificação, diga-se, muito em voga naqueles anos). “Uma cidade não é uma árvore!”, ainda que hoje pouco conhecido, tornou-se num daqueles artigos que marca a história da teoria BYPASS

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TEXT Hiroaki Umeda

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Recently I have been thinking about how consciousness should be treated as, when creating a dance piece. In my view, dance is created from a never stopping consecutiveness of mobility and immobility. You could say for sure that consciousness is the one necessary factor in controlling the body. But when you actually think about how you are moving the body – let’s say when you are raising your hands, for example, you will not be conscious about all the muscles that you have to move. If you had that kind of consciousness, you would never be able to move smoothly. It is too demanding for a human being to be conscious about each and every muscle like that. Then, how exactly do we move our bodies? How does consciousness make each of the body’s movements possible? This is the big question I have inside. The reason why I came up with this question was because when I dance, I find it so painful and hard to move smoothly with my consciousness consecutively hovering over me, constantly aimed towards the inside or outside of my body. Whenever I try to place consciousness on/in my body, I have quite a strange feeling because I cannot put my consciousness at a precise point. I really cannot find an exact place where consciousness should be placed on/in my body. I am not a specialist on brain-science, or have much knowledge about it either, but if I was able to (scientifically) scan/dissect a brain, literally turn it inside out, we might find out how consciousness appears in our brain. When you see a baby reaching out for an apple, you can see that she/he is not actually trying to move the muscles in her/his arms, but that in her/his mind, she/he is just thinking about how to grab the apple. What I mean to demonstrate with this fact is that I think humans can only be conscious of something that is outside of them. In my view, the purpose of their action has to be placed outside the body. The actions of human beings are strongly related to the outside world, or maybe you could expand your thoughts and think that the action itself is part of the outside world. So, from here we might be able to come up with the conclusion that consciousness should also be related to the outside world. Adapting this notion to dance, when dancers train themselves, they often develop a method to describe movement with real words in order to creBYPASS

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Pedro Sena-Lino (de uma casa no impossĂ­vel, 2003, inĂŠdito)

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[entrada (em Carl Orff )] da mais instável matéria se constroem as raízes. uma parede não é apenas o desenho do tempo contra a morte, a transparência de um corpo durante a luz. o que se perpetua em pedra é apenas a duração da água, as junturas do impossível. porque é no invisível que se habita, tão dentro como líquidos são os pensamentos do vento, os mares da cabeça. entro como se acabasse. hoje é o futuro de ontem. nos passos que dou, os planos puros dos sonhos que morreram criam formas onde apenas, anterior e muda, uma dor muito branca existia. ventre, deserto ou passagem, toco de olhos amarelos na respiração de Deus. paredes brancas, inclinações de sede. matéria pesada para o invisível, janelas crescem com vista para a infância. ogivas da sede com os meus braços, aonde chego?

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Ricardo TĂŠrcio

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Nils Wogram

A new project I planed for my band Root 70 was about bringing together traditional aspects and new concepts in music. I feel that it is very important to find a good balance between history and future in art in general. When referring to tradition one can benefit from a large and colourful source of ideas that have been developed and tried out over a long period of time. Root 70 on 52nd 1/4 Street is based on two ideas I’ve been pursuing for many years – on one side, the musical idea of writing songs based on the chord progressions of old Broadway classics (e.g. “all of me”, “the song is you”, etc.) combined with a new concept where the octave is divided in 24 tones (quartertones) instead of 12. Composing songs based on chord 48


progressions of Broadway songs has been a long tradition in jazz since the bebop era. The other side represents a more technical aspect that I have done research on: the recording technique from the late 1950ies. For the first time we recorded an album that is strictly conceptual, trying not to breakout from one strong, but also limited, musical idea. The difficult part was to follow this path without always repeating ourselves (in composition and improvisation) and bringing something fresh to the well-known, and sometimes conservative, jazz playing. Let me explain the musical side first: Normally an octave has 12 tones in western music. But one can find variations in many musical styles over the world with alterations within a scale. A scale usually has 7-8 tones and represents a key. For example, in Turkish music you can find scales that have a regular amount of notes but some notes are altered by a semitone. This idea inspired me to do the same on my own: taking a scale and sharpening or lowering a note that I liked by a quartertone. (Practice A) Another idea came from the combination of the overtone series and the original blues’ sound from the beginning of the century. When playing an overtone series on a brass instrument, the 7th note is a little bit flat. This particular note sounds bluesy when played this way. The same counts for a major third that is too flat (a note between major and minor). This kind of stuff you can only do on not hampered instruments (for example, not on the piano unless it is pre-tuned this way). When going from a dominant chord to a tonic chord, the leading note is the 7th going down by a half step to the third, to the tonic major chord. On the tunes described I often shortened the leading tone by lowering the 7th as said before. Through this method, the leading note goes only down by a quartertone and gives the whole thing quite a unique sound. (Practice B) The next idea was about tightening the chords and the leading note to the next chord. Whilst I only altered one or two notes in practice A and B, BYPASS

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Luís Royal A discussão sobre arquitectura faz hoje parte de um discurso cultural mainstream. O cidadão com uma cultura média-superior fala de arquitectura, discutindo as propostas mais mediáticas e incluindo os nomes dos arquitectos que se tornaram estrelas do Establishment. Frank Gehry, Rem Koolhaas e a dupla Herzog & de Meuron são alguns dos nomes mais falados do momento. Têm um trabalho internacional reconhecido e são respeitados como autores e fundadores de novas linguagens, ideias e conceitos. Zaha Hadid, como uma conquista mais recente neste plano, já não lhes fica atrás. Tem vindo a marcar um lugar no panorama desde as suas propostas visionárias insólitas, que agradaram a crítica mas a colocavam num lugar à margem. Hoje, faz parte do discurso cultural e é já uma peça-chave. No panorama do design, o tipo de estrelas consumíveis, veiculadas pelos media e pelos editores que põem as suas criações no mercado, é mais ténue. Tem-se em Philippe Starck um exemplo paradigmático de designer que conquistou um lugar muito para além do mainstream em que o design de autor se encerra. Fala-se deste criador como uma marca (talvez a única) reconhecível e desejável, como um bem de consumo aspiratório para um público mais generalista. É a prova de que os designers, e a cultura do 56


design, não saíram ainda do espírito elitista para passar a fazer parte do discurso cultural. Assim, não nos pode parecer estranho que seja feita, desde há muito, uma migração dos nomes da arquitectura para o mercado da cultura material de elite, do chamado “design de autor”. Desde os primeiros passos desta disciplina que os papéis de arquitecto e designer se confundiram, no processo de descolamento do design do conceito das chamadas “artes decorativas”. Muitas das criações modernistas são de nomes também ligados à arquitectura, como Mies van der Rohe, Le Corbusier ou Alvar Aalto. E, tendo a arquitectura um impacto social e cultural muito mais forte no panorama urbano, é natural que se reconheçam estes nomes mais rapidamente do que os de autores de um tipo de produto encerrado em espaços comerciais específicos ou que faça parte de espólios materiais de espaços privados. Os nomes de alguns arquitectos são assumidos como marcas, para veicular um novo estatuto de design que integra um mercado de luxo. O seu know-how permite-lhes facilmente o desenvolvimento de novas propostas que prolongam a sua linguagem e pressupostos arquitectónicos, e estas tendem a ser absorvidas e reconhecidas como suas. Foi assim que a expressão de

Zaha Hadid, Crest. Edição limitada a 8 exemplares pela Established & Sons. Resina de poliéster, L3010 mm x P1100 mm x A880 mm. © photo: Jack Coble

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ΩA = ∑M (∆P) Amadeo Guadiana

Through photography, architecture can only resist as a metaphor.

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BYPASS The Unknown Cities 63


Duarte Lobo Antunes Certamente, as palavras têm a sua própria evolução; e, mudando a língua, derivando o código, as associações da linguagem com o real também se alteram. O acto de ‘registar’ e ‘recordar’ não partilha entre nós o mesmo tempo. Em português, ‘registar’, ou ‘reter’, implica a imobilização de algo fugidio, mutante, para que a seguir possa ser digerido com alguma calma. O ‘registo’ tem uma aura de importância, de atribuição de valor a um dado e fixação do momento que passa a conviver connosco no real, a existir como prova. A suposição registada ganha uma vida, ainda que ténue. Em inglês, o verbo que tem a mesma origem que o nosso ‘recordar’, o verbo to record, aproxima-se bastante de ‘registar’. Em tempos idos podemos imaginar que ‘registar’ e ‘recordar’ tenham sido a mesma coisa, e que a sua ligação ancestral tenha sido desfeita, e ‘registar’ e ‘recordar’ passem agora a existir afastados, ainda assim deslizando no tempo. O vínculo permanece forte, dependente. Registamos para recordar, recordamos com os registos, registamos as recordações, em sucessivas passagens do mental para o real. O ‘registo’ é a forma de comunicar (d)a memória – registo para memória futura. No fundo não fazemos mais do que construir, moldar, informar e dialogar (com) a memória futura. Como tornar esse diálogo eficaz? Analisando a memória presente, confrontando a recordação do presente com a 66


recordação do passado, confrontando o dado presente com a recordação do passado, confrontando a nossa recordação com a do outro, refinando o nosso olhar e o nosso registo. Um projecto de arquitectura, quando entendido como um todo, e posto no seu lugar dentro da cultura que criamos, pode não ser mais do que o registo de um olhar refinado que dialoga com a memória futura. Encontro uma beleza muito especial na fotografia que transborda pelo seu carácter único e que serve de exemplo para as outras artes: a fotografia, quando feita por um operador experiente, é pura expressão do individual e do subjectivo a partir da realidade. A deformação da realidade feita no seu expoente mínimo gera um efeito máximo. Na fotografia pode existir subjectividade e subversão, e também uma sensação inegável de verdade, ou pelo menos a manipulação da verdade. E tudo isto é conseguido pela fixação que é feita de uma imagem, de um instante, de características reflectoras e de opacidade dos materiais. Acredito que isto possa corresponder a uma definição mais clássica da fotografia, a uma visão desfasada que parece não incluir o encenado e a post-production; mas, na sua essência, o que distingue a fotografia – e o que dela poderá servir de exemplo – é a sua proximidade com a realidade visual. A fotografia é arte, enquanto aplicação pura do olhar do operador sobre o seu sujeito, o olhar transformador. O medium da fotografia tenta assim, tendo como ponto de partida estas premissas reduzidas, extrair e, porque não, (re)produzir todos os matizes e situações que o mundo contém. Richard Long, bem como outros que fizeram aquilo a que se estabeleceu chamar Land Art, tem no instante eternizado a prova da sua arte. E a sua arte não vive sem essa prova. La mia arte è il ritratto del mio essere nel mondo. L’impronta del piede come ritratto e come traccia di questo passare attraverso; ogni mia opera (il visibile) esposta in galleria o museo risuona dell’eco di un’altra opera (l’invisibile) lasciata nella natura.1 Não é possível entender a arte de Long sem o fragmento da experiência passada. É uma arte que é feita principalmente do recordar e da fotografia BYPASS

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intention:

DRAWING-SET. STAGES OF hybrid Mikkel Hermann Sørensen

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I guess it is only natural to refer to animals, humans or nature in general, when talking about crossbreeding and the hybrid. That is why I originally intended to start this text by explaining the features of the remarkable crossbreed between a male lion and a female tiger, with the original name liger. Or talk about the dirty truth of why the female hyena runs around with fake male genitals. But somehow I thought that the examples would become too insignificant for the topic. Maybe because the nature of breeding architecture seems much less straight forward, less willing to be observed and discussed, and actually, even less true. I mean, breeding is nature, it is the core of evolution and progress, it is the aim of us all, right?! We all know the process, or we think we do – no surprises?! And, of course, we are all drawn to and fascinated by these crashes between species, weird developments, mutations and misfits, because it can generate a diversity of new siblings, new “infrastructure” and new potentials, and it can blur out a boring type, so it becomes less pure and innocent, and more sticky and dirty, to enhance the ability to attach to something else. But because Architecture has a time, a time span different from us, breeding architecture becomes architecture’s own nature, naturally. We are the players, but never at the same time and eventually we are not in control, we are mere bystanders. BYPASS

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Hoje, dia nove de Dezembro de dois mil e dez, lembro-me de uma doente que acompanhei há vários anos. Era uma mulher jovem, vinte e três ou vinte e quatro anos. O seu nome era Astrid, e acreditava que fora concebido um filho no seu ventre sem que nenhum homem a conhecesse na intimidade. Mas existia um homem que era o semeador da vida dentro dela. Existia o autor do milagre. A sua identidade, no entanto, nunca foi revelada. Agora, a chuva cai de encontro à janela, forte, mas deste lado eu não a consigo ouvir. Vejo, lá em baixo na rua, chapéus a partirem-se, e vejo as pessoas que levavam esses chapéus a cambalearem, destronadas pelo vento. Cai esta chuva pesada do lado de fora da janela e eu só sinto um rubor que vem do meio de mim, que ferve como lava quente nas minhas veias e que ameaça rasgar-me a pele. Mas lembro-a, a ela e ao seu nome magnífico. Astrid, Astrid, Astrid. Os nossos encontros aconteciam quase sempre no meu consultório, durante a manhã. Mas uma vez, no fim do Outono, combinámos encontrar-nos numa esplanada na Praia Grande, já a meio da tarde. Ela costumava passar alguns dias por ano numa casa no meio dum pinhal, que ficava ali perto, propriedade de uma comunidade religiosa com que ela tinha muita 84


afinidade. Lembro-me bem desse dia. Astrid já estava à minha espera no café, embora eu tivesse chegado alguns minutos antes da hora combinada. Distinguindo-a, separando-a das cadeiras e das mesas, recortando-a sobre o fundo do mar, surgia como uma figura frágil, uma estátua de marfinite com as mãos sobre a barriga redonda, tão redonda que parecia ter engolido um pequeno globo. Tinha um boné na cabeça que lhe esganava os cabelos juntos às orelhas e usava, sobre o vestido branco de lã, um casaco de fato de treino azul que em nada combinava com o resto do conjunto. Era como se procurasse esconder-se do mundo. Olhava o mar. Ao ver-me, sorriu. Conversámos um bocado sobre assuntos actuais e outras coisas mais diárias, como o livro que andava a ler, e só depois passámos ao tema da consulta. Ao ser-lhe perguntado do que era feita a sua memória, Astrid disse que precisaria de evocar o sonho que tivera na noite anterior. Primeiro, ele veio encontrar-se comigo ao meu prédio e depois fomos andando para fora da cidade até chegarmos a um extenso campo. Era incrível a quantidade de caminho que fazíamos em tão pouco tempo. Ali, havia jardins de diferentes qualidades de árvores. O primeiro jardim que atravessámos era composto de oliveiras. Imediatamente, no sonho, tive a sensação de que havia sido naquele mesmo campo que Cristo sofrera toda a angústia ante os que o abandonavam à solidão da morte. Eu passava pelas árvores e pensava, Foi aqui que Pedro prometeu que jamais o negaria. Foi aqui que, mais tarde, se deixou adormecer. Foi aqui que negou Cristo depois de o galo cantar três vezes. Foi talvez aqui, nesta mesma árvore, que Cristo chorou com medo e dor e tristeza funda no coração. Depois continuámos a andar, só que eu não conseguia deixar de pensar em Cristo e em todo o seu sofrimento. Falei-lhe disso, e ele respondeu-me que o que estava feito, feito estava, e que Cristo morrera, de facto, mas que ressuscitara três dias depois, fazendo rodar a pedra do túmulo para iluminar a terra inteira. Disse que deveríamos continuar a andar. Disse que, mais tarde, se fosse necessário, já que eu me preocupava tanto com a dor de Cristo, não se importava de voltar atrás no tempo e andar pela estrada de Emaús comigo à procura do messias ressuscitado. Já viu, doutor? Era um homem que conhecia muito bem Cristo, embora nunca antes tivéssemos falado sobre o assunto. Já viu a minha sorte? Quantas mulheres se podem gabar de encontrarem um homem BYPASS

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arquitectura acelerada ou processo de pintura? 1 Carlos Bunga

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Drawings Elba Benítez Project (11dibujos), 2006. Pen on Paper, 26 x 32 cm aprox.. Cortesia Carlos Bunga e Galeria Elba Benítez, Madrid.

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Lucien Zell

The Architect of Correspondences Half-awake in a world half-asleep, the shadow of a tree on the building nearby pulls branches of my lostness a little closer into the room in which I sit, breathing Dante’s midwayness, and lighting a few candles, and slicing ginger for tea, and thinking about raspberries. Katerina will be here soon; I will look into her eyes. I hope that blooming love is there, and that it’s not just my interpretation. Not even the city burning up around us could distract me from the fire in her eyes. Every city is her body, and I like most to walk the streets of her hair. Eye-painting her skin (by memory) Cherry blossoms look like… cherries taste.

“The Architect of Correspondences” first appeared in Eden's Midnight Playground, DharmaGaia, Prague, 2003. 104


Selected Quatrains from The Road of Wind I. I like old sunflowers who no longer bend themselves up to face the sky, sunflowers for whom the earth is bright enough.

II. She danced me to the edge of the cliff Broke my heart into a thousand birds And then leaping off without a word She taught them to fly.

III. We wear different costumes until we’re dead But if you rip apart the fibers in your head You’ll find we’ve all been woven From a single thread.

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Emanuel Nevado

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A história da música é desde muito cedo marcada pela capacidade que a chamada “arte dos sons” sempre teve para assimilar os novos inventos tecnológicos. Da invenção dos mais complexos instrumentos musicais na Antiguidade (estou a pensar particularmente nos órgãos hidráulicos gregos), passando pelas sucessivas revoluções dos sistemas de notação (houve já quem afirmasse que a invenção da pauta musical por Guido d’Arezzo terá sido uma das maiores revoluções tecnológicas na música), até ao mundo profundamente digitalizado em que vivemos, a área da música foi um exemplo talvez inesperado de simbiose entre os extremos da abstracção teórico-estética (e pelo menos desde o século XIX ela é vista por muitos, com mais ou menos propriedade, como a Arte Abstracta por excelência) e um nível de concretização física aliada sempre aos processos científicos. Uma das ligações mais fortes, até porque necessária, foi a que se estabeleceu entre o som musical e o espaço físico acústico que o torna possível. Esses espaços, tantas vezes domínio da arquitectura, foram por vezes criações que muito ficaram a dever às condicionantes precisamente de uma das mais precoces áreas tecnológicas: a acústica. Ao pensarmos nisto, não deixa de ser curioso lembrarmo-nos que o anfiteatro grego, mais do que uma construção arquitectónica que permite a visualização da Tragédia “em palco”, é talvez, antes de mais, um espaço onde o som se propaga de uma forma que, à época, facilmente se revestiria de um teor místico. Nesse sentido, também a construção milenar dos locais de culto religioso possuiu muitas vezes esse cuidado com as capacidades de difusão do som (do “orador”, mas também da música), cuja necessidade se prendeu de forma compreensível com o fenómeno do som ligado ao colectivo, à recepção colectiva.

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architecture on stage: imaginary spaces Julieta Cervantes

Architecture and Dance share the spatial experience, both with visual and emotional consequences. Gravity, time, texture, light, momentum; form and structure: these are all elements of an intimate conversation between both disciplines. The stage is an empty space with infinite possibilities. When dance is performed, the bodies in movement continuously transform that space. An ephemeral architecture is created, structured by the physical elements and also by the perceivable spaces that emerge through impulse, inertia and gestures between the performers on stage. I explore these ideas while photographing dance.

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Nederlands Dans Theater BYPASS 123


Pedro Ribeiro Dias “Papúnia ficava no meio de um lago, de um só palmo, com água mais azul que o azul. O príncipe Poema já tinha ouvido falar deste reino, concentrado numa só cidade, onde as casas eram tão naturais como as árvores, tão altas como montanhas e cristalinas como os sentimentos que flutuam entre as nuvens. Já a sua rainha avó lhe dizia para prender bem os sentimentos ao corpo, não fossem eles ser levados pelo vento. Ao atravessar o lago, o nobre príncipe e o seu leal escudeiro viam reflectidas as suas recordações, como se a água fosse um gigantesco livro ilustrado. E, assim, eram as memórias eternizadas no pensamento que davam as boas-vindas a todos os viajantes que chegavam a Papúnia. A cidade emergia no centro de um prado coberto por dentes-de-leão, como que acabada de acordar naquele enorme e macio lençol branco que o vento acariciava docemente. O terreno parecia tão frágil que os dois 130


reais cavaleiros decidiram avançar a pé, prendendo os dois unicórnios alados a uma das poucas Faias que por ali havia, e cujos troncos brancos prolongavam a cor luz do chão para o céu. Ao caminhar, algumas das famílias de versos que habitavam a capa do pajem, cansadas da longa viagem, descoseram-se para voar juntamente com as sementes dos dentes-de-leão, que mais se assemelhavam a bárbulas de pequenas e bonitas plumas. Com a ajuda de Zéfiro, o vento do oeste, todo o horizonte se inundou desta plumagem literária, como neve, que lentamente caía nas altas casas que se erguiam à frente dos reais viajantes, como os troncos brancos das Faias, orgulhosas da sua própria verticalidade. Em Papúnia não existiam muralhas, nem soldados que pudessem proteger a cidade de exércitos de pessoas que deixaram todos os sentimentos fugir. O príncipe Poema sabia bem que a maldade é o que fica dentro daqueles que não agarram bem os seus sentimentos e, por isso, pensou o que seria daquela cidade se invadida pelos seres esvaziados da própria alma. Talvez tivessem medo de se reencontrarem consigo próprios. As casas com tamanho de montanha não escureciam as ruas porque as sombras sentiram-se intimidadas com esta grandiosidade e emigraram para outro reino. Ao entrar na avenida principal da cidade, o príncipe Poema e o desconhecido pajem sentiram-se como uma minúscula se sente junto a uma enorme letra maiúscula, naquilo que mais parecia um monstruoso desfiladeiro branco. Os edifícios, sem janelas, eram como enormes blocos de pedra, unidos por suspensas e cruzadas pontes de mármore branco que uniam, lá no alto, todas as edificações, umas às outras, como duas graciosas asas que se tocam no infinito. No centro de Papúnia, onde desaguavam todas as avenidas, uma escadaria larga e profunda precipitava-se, como uma cascata, para dentro de terra. Ao contrário do que se podia imaginar, as entranhas da cidade eram luminosas como se ali existisse uma estrela escondida, fugida de alguma constelação celeste, egoisticamente cansada de rivalizar com o sol. BYPASS

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Cristina Cavallotti

Se a analisarmos do ponto de vista etimológico, a palavra ‘arquitectura’ (do Latim architectura, que vem do Grego arkhitékto¯n, composto de arkhi-, “quem começa, dá o comando” e tékto¯n “construtor”) pode ser aplicada a qualquer campo de investigação, a qualquer disciplina, a qualquer actividade, acção, objecto. Arquitectura, então, não é prerrogativa dos arquitectos, de quem edifica com pedras e betão, mas pertence a todos os que constroem, seja com matéria concreta ou abstracta, seja um sistema informático, uma coreografia, uma paisagem, uma música, uma pintura, um prato ou um produto gastronómico. Arquitectura tem a ver com ligar e agregar elementos, com encontrar a maneira de os ligar, de os manter ligados e de os fazer trabalhar juntos para criar um conjunto feito de coisas diferentes e 134

reconhecíveis, que muitas vezes ganham valor com as novas associações que nasceram e que, no resultado final, dão origem a uma coisa distinta. Um templo grego é uma obra de arquitectura: o conhecimento do território e a escolha da melhor localização e dos materiais mais apropriados para cada uso, a maneira de ligar colunas e capitéis na formação dos elementos verticais, que por sua vez ligam a base ao tecto, o estudo das proporções de cada elemento para conseguir o funcionamento estático do conjunto, dão origem ao que para nós é claramente uma “construção”. Para mim, porventura, que sou arquitecta de formação, um Parmigiano-Reggiano também é uma construção. O Parmigiano nasceu no Medioevo ao pé dos mosteiros e castelos na área de Parma


e Reggio (que deram o nome), sendo essas zonas muito ricas em água, fundamental quer para a própria produção, quer para as pradarias necessárias ao gado utilizado como força motriz e como fertilizante. Além disso, perto de Parma, encontrava-se uma zona (Salsomaggiore) onde existiam, à diferença de outras cidades, salinas para o fornecimento do sal necessário à produção. O processo de fabrico (que não irei analisar aqui), mantido inalterado no curso dos séculos, é fruto dos conhecimentos e da sabedoria dos homens que vivem no território e que transmitiram técnicas, proporções dos ingredientes, tempos de maturação e cura, temperaturas de conservação. A forma do Parmigiano é o resultado duma pesquisa que visa a criação dum queijo com pouco refugo mas com

grande durabilidade. A maneira de o abrir sem o cortar (através da incisão na casca e a inserção de cunhas ao longo da linha mediana longitudinal) explora a geometria da própria forma e a capacidade de a estrutura interna do queijo ter sido posta em condições de oferecer a mesma resistência nas duas metades. As características do produto final têm a ver com o território que o criou, com os conhecimentos das pessoas que nele trabalharam, com as condições ambientais, com os objectivos que se pretendiam atingir: o Parmigiano-Reggiano é arquitectura; como um edifício (embora não se apresente segundo os padrões reconhecidos da arquitectura propriamente dita), é, para todos os efeitos, uma construção resultante dum projecto. Referências: www.parmigiano-reggiano.it/ it.wikipedia.org/wiki/Parmigiano-Reggiano BYPASS

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All images from the series The Fullest Possible Use Š Cortesy by Pavel Braila 136

FEELINGS


Pavel Braila

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Pedro Jordão Enquanto o Movimento Moderno se entretinha a divulgar os seus valores e a produzir, com um certo detalhe e idealismo, a imagem de um corpo saudável, Frederick Kiesler, um arquitecto experimentalista americano originário do Leste europeu, rompia com essa tendente racionalização e higienização do corpo no Movimento Moderno, abordando-o através da psicologia e da sensualidade. Kiesler retoma o sentido original da cavidade, do ventre, num regresso às origens mais primitivas. A sua arquitectura é corpórea, protectora, cavernosa, visceral, gera prazer sensual. O corpo já não é um túmulo. Mas estamos em casa, nele? Construímo-lo? Não. Nós não controlamos o corpo: nós experimentamos com ele e nele, ou seja, em nós próprios. Somos seres plásticos, animais experimentais e tecnológicos que necessitam de espaços e palcos para as nossas experiências corporais 1. No livro Contemporary Art Applied to the Store and its Display (1930), Frederick Kiesler introduz o conceito da psico-função, como o «‘acréscimo’ acima da eficiência que pode transformar uma solução funcional em arte. Função e eficiência por si só não podem criar obras de arte» 2. Este algo indefinível estaria presente em tudo, desde as formas aos materiais e às cores, e seria o factor que diferenciaria a arte da mera funcionalidade. A interacção que Kiesler descreve entre o espaço e o corpo que nele habita é 150


dinâmica e intensa como se tratasse da relação entre duas pessoas. Kiesler vai ao ponto de admitir a existência de uma relação conceptual entre as questões do projecto e as condições a que o seu próprio corpo tinha sido sujeito durante a guerra. A sua experiência traumática de fome, vivida durante a Primeira Grande Guerra, foi determinante. Kiesler transportou a simplificação radical que operou nos seus hábitos alimentares e no seu modo de vida para a sua obra. As ideias de eliminação do supérfluo e da redução do corpo à pele são seminais. A Endless House (1960), o corolário da sua obra, é essencialmente uma pele, que actua em simultâneo como estrutura e revestimento. Para Kiesler, a casa é um corpo humano, «um organismo vivo com a reactividade de uma criatura de carne e osso» 3, e, portanto, com órgãos, a que associa as diferentes funções dos espaços. Mas Kiesler vai mais longe e acrescenta à casa uma dimensão psicológica, analisa a sua psique, indissociável da sua corporalidade. A casa surge como um produto do «instinto criativo e erótico» 4. Como tal, a nossa experiência desse espaço é também erótica, uma situação sempre muito presente na obra de Kiesler. A Endless House é uma casa que envolve organicamente o corpo, uma forma curvilínea, uma estrutura-ovo, que explora plasticamente as potencialidades das novas tecnologias construtivas. O seu projecto não incluía um esqueleto mas antes uma pele estrutural que definia o espaço – a casa como um corpo vivo. Existe uma perda de referentes fixos, com superfícies inclinadas e curvas, o chão e o tecto contínuos, fundindo-se com o mobiliário. O próprio nome do projecto explicita esse carácter de objecto de limites indefiníveis, de linhas contínuas nas quais não é possível identificar princípio ou fim – tal como no corpo humano. «É o último refúgio para o homem enquanto homem.» 5 Sobre a Endless House, Kiesler escreve: Não há princípio nem fim nela, tal como o corpo humano... A ‘Endless’ é antes sensual, mais como o corpo feminino, em contraste com a arquitectura masculina de ângulos cortantes6. BYPASS

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4 CHAIRS JULIAN MAYOR

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EMPRESS (2001)

The chair was made in San Francisco between 2000 and 2002. I was impressed by the scale and grids of the streets and buildings in the large American towns. I tried to relate to their scale and to search for a human space there. I developed the chair’s form out of a model of a seated human, and transformed that impression into a computer model. The computer made it into a series of raised sticks. Each stick was cut by hand and glued together one by one.

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Álvaro Seiça Neves

2 enquanto passava ouviu duas moças zunindo [e isto é o excerto que lhe zurziu]: um engenheiro polido é melhor que um arquitecto recuou dois passos e interrompeu: as senhoras por inteligência obliterarão que subtraindo más excepções é uma abelha matemática pura enquanto que um engenheiro subtraindo boas excepções é um mero zangão contabilista? as moças desorientadas zunzunaram [e dá-se por concluído mais um enunciado vicioso]

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um arquitecto


?avesso o será dois dos qual mas avesso do tudo está. verificas então e tua a como bem! acertaste! exacto! balofa bem barriga uma cima para barriga de chão no deita-se alguém esse e galgá-la antes padieira a seria caso teu no que soleira a soleira a mesmo pisar pode se não chinês tailandês templo num como sabes? sagrada é soleira a pois soleira a pisa não porta pela entra alguém que reparas e simétrico teu do tecto o serás tu chão afinal é tudo que vês tecto no e tecto o verificas então e )tua a como bem! acertaste! exacto! balofa bem barriga uma cima para barriga de chão no deitas-te deitas-te quarto nesse e porta uma menos pelo com quarto um mas quarto teu o não quarto um a quarto um a então chegas avesso do está tudo corres e saltas enquanto paredes nas avesso do vultos com enormes corredores por sais piso neste sais: nota(

AVESSO BYPASS

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Architecture is (e)motion Pedro Levi Bismarck

SequĂŞncia de frames do filme 2001: A Space Odyssey, Stanley Kubrick, 1968.

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NYCRGB Pedro dos Reis

Urban space is nowadays privileged landscape. The walls, traffic signs and mailboxes captured are replete of stickers, tags, and pasted paper with different sorts of content – from simple ads to true individual statements. What separates art from vandalism is a sense of property of landowners against the “attacks” of people that use their property to express themselves or just want to announce something – usually street artists. Looking carefully to the urban space there’s an understanding that the individual needs for expression comes from a need of appropriation of the surrounding space – usually in the form of a statement from one (the street artist) to others and registered in the city walls. The street is then like a large collage of individual feelings, thoughts and emotions built in layers glued and painted on the top of one another and spread through it. Drifting through nearly empty streets of the city (in this case the focus was at SoHo – a commercial/residential area at New York City) the images were appropriated and aggregated in a similar process, adding as an extra the usage of elementary colors red, green and blue (RGB) each time the capture was made, so randomness on color could be added to the final result thus revealing a new and more colorful city – one live city. RGBNYC.

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Simon Critchley (from The Book of Fragments: A Life in Pieces)

Alphabetical list of contents (* means that the fragment is included below) Antiquity Augustine Bananas Beckett Bowie Calm Credit Critchley Death Desire Domination Drugs Eccentricity Emptiness* Essex Farting Fragments God Happiness Hegel History Humour Ibsen Impossibility

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Indirection Insects Injury Languor Levinas Letchworth Garden City Life Liverpool Longing (saudade) Love Marx Memory and Maps Meaninglessness Money I Money II (Shakespeare as a Marxist) New York City Patti Smith Pessoa Poetry Politics Psychogeography Rio de Janeiro Rousseau Sadness

Sex Self-help Solitude STDs Suicide* Sweden Theatre Tinnitus Tourism Truth World


What is it about the experience of emptiness, about turning your back on the world and facing nothing? For me, this happens in front of the sea, each time I face the brightness over the sea. One looks at the sea and feels an emptiness. Facing the sea is absence regarded. It evokes a feeling that I want to call calm. The body slows and the mind lays by its trouble and adapts itself to the rhythm of the waves, where time is tide, and tide is endless to and fro, coming and going. Time becomes a circle rather than a line, a cycle endlessly renewed rather than a movement of decline or deadlines. At times like this, I begin to think. To be honest, I don’t know what goes on in my head much of the rest of the time, or what to call what goes on in my head, but it is not thinking. Facing the emptiness of the sea, one begins to think: slowly and with a deliberate carelessness. Cities sometimes slip into the sea, eaten alive by their thoughtfulness, like Dunwich on the Suffolk coast in East Anglia. Or the sea slips away from them, in some act of historical thoughtlessness, where tides’ time thickens into silt. Harbours get blocked with silt and clogged with mud, becoming unnavigable. The land seems to rise like the wooden top of an old school desk and the cities slip back into an inkwell of obscurity, like Ephesus and Miletos on the Ionian coast in Turkey or Istria at the mouth of the Danube. Other cities are destroyed by a vindictive BYPASS

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violence that is the enemy of thought like Carthage, ravaged brick by brick with godless Roman arrogance. Silt sometimes slows the water, allowing malarial swamps to form, like Torcello in the Venetian lagoon, the proto-Venice with its rubble in the marshes and a few lonely Byzantine mosaics. I sometimes dream of writing a volume on the role of silt in determining the shape of world history and I imagine whole chapters on lagoons and blocked harbours and subsections on ox-bow lakes and alluvial deposits. I have, for as long as I can remember, been obsessed with cities prior to their settlement or at the moment of settlement. I like to think of what opposed sets of eyes were seeing and minds thinking as white sails were spotted on the horizon at what would become Jamestown or Botany Bay or off the coast of the treed vastness that would become Brazil. I think of vicious settlers, happily decimating the local populations and of the broken Jesuits who landed in Brazil with the text of a Papal bull declaring that they must save the souls of the natives. I think, repeatedly, of the first European feet to tread on Manhattan, on this hilly, handsome island situated on a huge river beckoning possible passage to the Indies. I try and think about the places I know at a point approaching emptiness and therefore, I suppose, thoughtfulness. Emptiness – this is how the earth will be after humans have finished with it, or – more likely – it has finished with them. 188


Have you ever felt your body losing control in the sea, being swept by the swell, pulled powerless, pulled out, pulled under? When it happened to me it made my loins tingle in the same way as when I am close to the edge of a tall building I desire more than anything else to throw myself off. I see myself flying through the air – joyous in that instant – and then bang! I stayed in a friend’s apartment in London for a month one summer. He lived on the thirteenth floor of a tower block on a quasi-council estate with stunning views of central London, and a panorama stretching from Highgate in the north to Clapham in the south and taking in everything in between. All I thought about for that month was launching myself from his tiny terrace. It wasn’t that I felt unhappy. On the contrary, I simply wanted to feel the fullness of that loin-tingling instant as my body fell to earth out of control. Perhaps I should learn to ski instead. BYPASS

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Pedro Clarke 190


LCCU – story of a humanitarian project Maseru, 13th of November 2007, 18:55. I have just returned from the LCCU, Block B is totally burnt down, but before I tell you anything else about this let me take you back to the beginning of this story… My name is Pedro Clarke, I am (was) an architecture student at FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. As an initiative to finish my studies I decided I wanted to get involved with humanitarian architecture. So last year I contacted several organizations to try and participate in a project. By the end of February 2007, just as I was about to give up hope, I received a phone call from A4A – Architects for Aid (who have since changed their name to A[25] – Article 25, Development and Disaster Relief ), asking if I was still interested in volunteering for a project. I immediately said yes! I have to admit that at the time I had no idea where Lesotho was or really what was to be expected of me. In less than 2 weeks I was teamed up with Martin Dyke Coomes, a much more experienced architect than me who had also volunteered, and we were on a plane, destination Maseru. Maseru is the Capital of Lesotho, a landlocked country in the middle of South Africa. It has amazing landscapes, friendly people but huge problems with HIV/aids, orphans, rape and abuse of women and children. Set up also just about a year ago is Sentebale, a UK/Lesotho BYPASS

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Z

e.e.

X

Y

[X] passa-se a pé. a pé junto. junto ao carteiro. o carteiro para ali concentrado no ofício. frente às ranhuras negras. bocas de correio. depósitos das mãos caligrafadas. passa-se a pé junto ao carteiro. assim semelhante. semelhante a um plano cinematográfico. uma câmara em rotação dentro de um veículo. movimento lento. olho de peixe. e observa-se o carteiro e. merda! merda! que ofício! um ninguém distribuindo cartas de alguém para outro alguém. deve sentir. sentir talvez. talvez uma curiosidade atroz. angústia forte. a latejar nas têmporas. como aquele sangue espesso subindo todo de repente à curiosidade. e as mãos palpitam. o corpo palpita. e o carteiro pensa merda! merda! nunca recebo cartas. nunca. e aqui estou a oferecê-las. água. luz. gás. tribunais. ministérios. bancos. tudo bem. mas depois há estas escritas à mão. letra miudinha. e então opera-se a câmara. um grande plano e repara-se. repara-se no carteiro laborando. no cartei. cartei! e esboças agora um sorriso bem cínico: ah pois! com que então! apanhei-te! pensas. não penses. observa antes: a moralidade descastrando-se. a solidão a chicoteá-lo. o carteiro em grande plano. focadíssimo. abrindo uma carta. as mãos palpitam. o corpo palpita. remetente: potsdamer platz. berlim. 200


[Y] destinatário: as conversas às vezes dão para isto. conhece-se um homem na rua. os seus oitenta e tal anos ainda caminham. troca-se diálogo cabeça dentro. troca-se diálogo e reflecte-se. se assim não fosse talvez te escrevesse acerca do tempo. carta de meteorologista. como tenho passado por cá. olá. está tudo bem. mas não. prefiro este encontro. mesmo sabendo do seu desinteresse. do seu desinteresse para ti. então: segundo me pareceu este homem tritura-se na calçada. veste sempre o mesmo. memória. vive nesta cidade desde que conhece o conceito de cidade. e vai assistindo. assistindo à desconstrução. às gruas derrubando pedra e madeira. dinossauros em fase carnívora. pêndulos meteóricos. implosão e explosão. máquinas incisivas. lâminas centrífugas desbastando paralelos. paralelas ao solo. e os vestígios em sangue. a amputação dos edifícios. ali deixados como cadáveres. deixados para não se esquecer. os restos envergonhados por terem sido. expostos. as paredes já coaguladas. o interior dos quarteirões desfeito. desfeito. os agrafos nas empenas. nas fachadas. nas empe. nas facha. a cirurgia. a cirurgia das avenidas. cerzindo. cerzindo. e ainda me falou do lugar onde a infância o habitou. aí. aí fundiu-se um novo lugar. mastigando o anterior. as décadas devoram os espaços. a reciclagem impõe-se. a infância vai desaparecendo em passos leves. e este homem ainda caminhando. cidade cima. cidade baixo. e percebo que cada imagem que guardava. os locais seguros. vão desaparecendo também. e penso no seu cérebro. já velho. onde dia após dia outra árvore foge. deixando a recordação como raiz. mas. mas as recordações são tantas e aparecem em tantas vozes. as recordações espezinham-se. invadem-se. sobrepõem-se e já nada é nítido. e mais um dia. e menos uma imagem. menos um espaço. outra árvore cerebral em decomposição. apagando-se velozmente. e os ramos a regredirem. e a regredirem. a inverterem o sentido. o sentido construído durante uma vida. o sentido. o sentido. esse sentido já não. e este homem cujo corpo é a cidade. desconstruindo. desconstruindo. este homem. vértebras em ruas. tronco de água. a cirurgia das avenidas. vértebras BYPASS

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Architecture for the body chat-interview Claude Schmitz [14-08-2008 22:40:30] CLAUDE SCHMITZ (CS) says: hello! [22:40:51] CS says: I hope you were not waiting too long for me [14-08-2008 22:41:28] BYPASS (B) says: hello! it’s GaÍlle! can you wait just 10 minutes? [22:41:35] B says: please!??? [22:41:45] CS says: sure [22:41:58] B says: thank you so much! [22:54:51] B says: we are ready to start! [22:55:13] CS says: 1 minute pls - I just need to finish a mail [22:55:18] B says: ok [23:01:26] CS says: OK, ready! [23:01:32] B says: we would like just to set up a simple rule: that you or us try to give some time between lines so that one can finish what one is saying. that way it will be less confusing for the reader afterwards, ok? 204


[23:02:04] CS says: will it be 1:1 afterwards? [23:02:50] B says: yes: you and us BYPASS (Gaëlle and Álvaro) is that it? [23:03:30] CS says: I am worried a bit as I am quite tired and had some wine already that I could say things I would not say at 11 am... [23:03:47] B says: ok. Oporto wine? [23:03:53] CS says: I did mean 1:1 as the interview would be copied 1:1 [23:03:57] CS says: No, Bairrada! [23:04:04] B says: lol [23:04:10] B says: portuguese wine?!!! [23:04:15] CS says: I am a Portuguese wine drinker... [23:04:40] CS says: Love the tras-os-montes wines, DAO, and most of the Douro wines [23:05:27] CS says: it’s true but I am sure you are not making a foreigners opinion about portuguese wines interview BYPASS

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Fragmentos de uma Perspectiva sobre a Democratização dos Museus Noruegueses e sua Arquitectura

Rui Aristides

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Parte 1 A criação e aquisição de identidade é um fenómeno que se move do indivíduo para a comunidade e vice-versa, no sentido em que um indivíduo concede uma identidade para a comunidade ou/e adquire a identidade de uma comunidade. O motor desta mobilidade relaciona-se com os termos nos quais se processa uma comunidade. Partindo do pressuposto que um indivíduo não possui representação fora de uma qualquer comunidade, seja ela étnica, política, racial, local, regional, nacional ou mesmo transnacional, observa-se, actualmente, que o indivíduo se vê obrigado a pertencer a mais do que uma «comunidade imaginada» 1 como condição para a sua sobrevivência no mundo moderno. As várias identidades comunitárias sobrevivem da representatividade cultural, que implica aqueles que a praticam, sejam indivíduos, profissionais e/ ou órgãos de poder, numa missão social: a de descobrir e analisar os elementos que compõem a identidade de uma dada comunidade ou cultura. Esta é uma missão intrincada, pois aquilo que é muitas vezes considerado como a identidade de um grupo social é algo que é estabelecido por parte de uma cultura centralizada. A identidade é, então, vítima potencial da hegemonia de certas comunidades sobre outras, como demonstrado acerca dos afro-americanos, que possuem tanto uma identidade americana como uma africana. Neste caso, a identidade africana está vinculada aos princípios da identidaBYPASS

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DIARY II (small print) Manfred Pernice

This work must be seen as a print-specific. It is designed by Manfred Pernice. BYPASS

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Pedro Jordão Dogville é uma pequena aldeia perdida nas Montanhas Rochosas do imaginário de Lars von Trier e (literalmente) o cenário de Dogville (2003) – o filme com que o realizador dinamarquês iniciou a trilogia U, S and A sobre os Estados Unidos da América, país onde nunca esteve. Este pormenor não é irrelevante – Dogville não é um território construído a partir da realidade, mas a partir das ideias de Lars von Trier sobre a realidade. É essencialmente um espaço mental. Perdido no meio de um enorme armazém negro, existe um lugar sem paredes onde vive a pequena população de Dogville. A construção é aqui substituída pela simulação. Cada espaço, dentro deste espaço, é aparentemente definido apenas pelas linhas brancas desenhadas no chão e por alguns adereços, tudo devidamente legendado: house of jeremiah, elm st., the hensons, dog, ben’s garage. A tentação é olhar para estes espaços como uma representação. A questão é que não são apenas representações – são espaços completos em si mesmos. Dogville foi confundido com uma peça de teatro pelo seu conceito espacial. O erro foi 248


subestimar a câmara – o olhar claramente cinematográfico com o qual nos atirava, implacável, para cada cena. Dogville não é um lugar de redenção, é um lugar de expiação – há aí uma diferença. Em Dogville confrontamo-nos com uma humanidade que é a nossa, mesmo que nos custe reconhecê-la. O que se encena em Dogville é o limite, o sítio incerto em que caem as máscaras e se assume o que há de luminoso e de obscuro em cada rosto. O tema que nos é proposto não é o do perdão ou o da vingança, mas tão só o do confronto com a nossa própria condição. A elementaridade da questão, a invasão sistemática, mas de resultado imprevisível, do recanto mais básico do Homem, começa por ter um paralelo no espaço despido em que as personagens se movimentam. Não existe nada a menos no dispositivo cénico. A quase inexistência de cenário obriga-nos a completá-lo e a concentrarmo-nos no que é essencial: o comportamento humano. Grace is missing, diz o cartaz de interpretação BYPASS

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CIDADES (1) INCOMPARÁVEIS ELEMENTOS-CHAVE DE REFLEXÃO SOBRE A CIDADE DO FUTURO PLANOS URBANOS BARCELONA DE ILDEFONSO CERDÁ E BRASÍLIA DE LÚCIO COSTA

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Duarte Krüger As possibilidades de se construírem novas cidades no mundo não são remotas dado que as exigências da sociedade estão em constante transformação. Escassas são as probabilidades das cidades do futuro serem construídas por arquitectos e urbanistas. Isto deve-se à ininterrupta evolução do Homem e das técnicas; deve-se à mudança dos seus valores e da sua maneira de pensar. Provavelmente, as cidades do futuro serão construídas de um modo diferente daquele que a história nos legou. Para além da contínua transformação das cidades actuais, também existem mentalidades que se transformam. A permanente evolução do Homem e da sociedade leva, numa perspectiva global, à modificação do conhecimento e dos paradigmas de urbanismo que informam o processo actual de fazer cidade. Construir uma cidade de raiz «é uma das mais difíceis tarefas da civilização»1, que se traduz numa missão de imensa responsabilidade, porque terá um constante impacto na vida das pessoas que ali vivem ou passarão a viver. Uma cidade é um aglomerado de infra-estruturas físicas e de pessoas que nelas exercem actividades, englobando imensos factores. Do ponto de vista arquitectónico, uma cidade é uma síntese da bagagem histórica, que pode 252


1 Jetsons

ser do tamanho de toda a história da humanidade. Como refere Léonce Raynaud, no Traité d’Architecture, «o traçado de uma cidade é obra do tempo mais do que do arquitecto»2. Até que ponto o arquitecto, ainda hoje, pode intervir no desenho global da cidade, num mundo onde as decisões são multifacetadas, a política económica domina a utilização do solo urbano e as novas tecnologias imperam? Actualmente, existem variadíssimas cidades a serem construídas de raiz em todo o mundo, em todos os continentes, que de uma maneira ou de outra traduzem os objectivos, as necessidades ou as especulações de quem as constrói. O tempo é responsável pela própria evolução do Homem, das suas invenções, das suas ideias, do seu amadurecimento colectivo e do seu constante desenvolvimento. Tanto os planos como as malhas urbanas se desenvolvem nesse sentido, desde a longínqua antiguidade oriental até aos dias de hoje. O tema da minha Prova Final (PLANOS URBANOS | BARCELONA DE ILDEFONSO CERDÁ E BRASÍLIA DE LÚCIO COSTA) não é o reflexo da procura da cidade ideal mas, antes, da aferição das potenBYPASS

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Ozias Filho

partir para não ficar agarrado à areia que escorre partir como quem carrega estátuas de sal na memória fragmentos debaixo da língua alimento para outras crias mas sem olhar para trás em cada estação deixo-me troco a pele pelo avesso e parto neste modo ímpar de abandonar cidades belas, porém apátridas

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Centro de Paris

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remos neste mundo global se conseguirmos entender o valor deste segundo aspecto e a importância moral que ele possui. 2_ O valor metafórico que adquire o espaço = vazio como elemento estrutural do conceito e da forma arquitectónica. A imagem que idealizo é uma escultura de Eduardo Chillida. O espaço – tido como elemento estrutural de um projecto de arquitectura – é utilizado, por este escultor espanhol, como elemento central da vida. Ou seja espaço = vazio = vida! 3_ A importância de equilibrar as diferentes fases do processo de arquitectura. Tendo em conta as primeiras percepções espaciais (e sabendo que iremos (re)formar através da matéria), tentar perceber, caso a caso, qual deve ser a nossa aposta qualitativa. Este tempo inicial, de qualquer projecto, adquire um valor incalculável... Ainda que corra o risco de ser excessivo, direi mesmo que sem um conceito inicial forte não se faz hoje um projecto de arquitectura válido. 4 (mas não menos importante)_ A necessidade de possuir, de antemão, alguns valores interiorizados, pois serão eles que irão Ver e Sentir a realidade exterior. A esses valores denomino Cultura e Educação.

1. Esta expressão é recorrentemente utilizada por Manuel Sérgio em Para um Novo Paradigma do Saber e… do Ser, Ariadne Editora, Coimbra, 2005. 274


REDES Ana Tecedeiro

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