Discurso de Pedro Castro Henriques...

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raíz, tronco, copa…

a propósito de ‘Árvores na Cidade’ de Graça Amaral Neto Saraiva e Ana Ferreira de Almeida

Ao longo de muita estrada ou nos passeios de vilas e cidades é incontável o número de árvores. / Junto a elas ou debaixo das mesmas transitam milhares de humanos que, facto curioso, nem sequer as veem! / No entanto, todas estão bem à vista e a maioria bem enfarpelada. / Não fogem, limitando-se, imóveis e aparentemente mudas, a ver quem passa. / Mas o conta quilómetros a marcar 150 km/h ou as características ‘pressas’ citadinas fazem de qualquer trajecto uma verdadeira ‘travessia do deserto. / Assim as árvores, desde as mais comuns espécies nativas até qualquer exotismo ornamental, estão ocultas ao olhar e quando se dá por elas quase se pensa em miragem. A velocidade tornou-se o barómetro da vida levando-nos a abandonar o ritmo da passada que durante séculos marcou a humanidade. / Alterou-se de forma significativa a capacidade de olhar, cheirar e ouvir, modificou-se o paladar e o próprio tactear do natural. / Quem conduz, quem se faz conduzir ou quem segue a pé passeio fora confronta-se com um domínio, o natural, cada vez mais exclusivo de Museus de História Natural, do National Geographic Magazine e anexos televisivos, de zoos ou oceanários, dum jardim botânico ou de revistas da especialidade. / As árvores pautam estradas, ruas e passeios mas nada custa acreditar que qualquer dia se limitem a ornamentar um herbário. / Já hoje, muita ‘Alameda das Tílias’ ou esplanada com palmeiras ficam no interior dum certo comercial. Algumas árvores, qual testemunhas silenciosas, contemplam desde há séculos as mais variadas transformações de que o mundo é palco. / No outrora campo agrícola próximo da capital instalou-se um ‘parque


tecnológico’ onde pontificam modernas empresas e laboratórios ‘de ponta’. / Para efeitos de decoração foram deixadas meia dúzia de antiquíssimas oliveiras capazes de nos contar, caso as saibamos interrogar, as consequências da revolução industrial e da revolução informática e, quem sabe, até as proezas do senhor rei Afonso Henriques nos campos da Estremadura. Mas, considerações várias aparte, levantemos uma ‘questão prática’: gostamos de facto das árvores? / Deixemos de lado o ‘para que servem?’, bem sintetizado no mecanismo da fotossíntese de que dependemos em termos vitais, esqueçamos as múltiplas funções que desempenham na natureza e os incontáveis benefícios que nos proporcionam no domínio material. / Calemos os interesses dos mais animais relativamente às árvores e centremo-nos no bicho-homem. Todos, nos diferentes papéis que representamos, defendemos ou atacamos as árvores de acordo com as conveniências do momento. / Ontem, os bravos pastores dos Hermínios andavam certamente mais preocupados com pastos do que com árvores e os agricultores continuam mais amantes do horto e da seara do que da árvore que não raro lhes dificulta o labor. / Esta última, vítima dos mais variados interesses - recordem-se as razias efectuadas na época das descobertas - chegou depauperada ao século XX e nem o famigerado Pinhal da Azambuja, velho coito de ladrões, resistiu ao machado do lenhador. / Um limoeiro ou uma nespereira no quintal dizem melhor do nosso interesse pelas árvores do que as inexistentes aventuras em carvalhais, pinhais ou eucaliptais agora reservadas a quem tem preparação física para tal e GPS à altura. / Acrescente-se que entre nós a própria arte, nas suas diversas manifestações e com excepção da muito


recente fotografia da natureza quase reduz a árvore ao já gasto sobreiro pintado pelo rei D. Carlos em Vila Viçosa. Gostam das árvores os comerciantes, nomeadamente os madeireiros, os piqueniqueiros desde que não lhes cáia um galho ou dejecto de pássaro na cabeça; os arquitectos sobretudo para decorar as suas obras; os amantes de ‘percursos na natureza’ sinalizando com gatafunhos ilegíveis várias árvores pelo caminho; os organizadores de patuscadas locais anunciando as mesmas com cartaz pregado num tronco. / Gostava certamente das árvores o carrasco, sempre à cata de galho adequado ao exercício do seu mester. / Os bombeiros experimentam um gosto ambivalente pelas árvores: detestam-nas aquando dos incêndios florestais mas gostam dos incêndios florestais, porque justificam o seu trabalho. / Os mestres de obra apreciam mais o cimento do que o vegetal e planificadores e urbanistas deixam muita árvore no estirador ou em qualquer sistema de informação geográfica. / Finalmente, será que as crianças gostam das árvores? / Proibidas de trepar às árvores (velha tendência que nos acompanha desde os inícios) por razões de segurança, limitam-se a ‘desenhá-las’ chegando-se pois ao paradoxo da própria árvore, caso queira ser relembrada, ter de fornecer o papel para que tal aconteça! / Enfim, quem também não gosta muito de árvores são as mãos que conduzem serras, serrotes, machados, a moto-serras, retroescavadoras e bulldozers. Mas, voltando atrás, havendo tanta árvore ao longo do país porque não se vêm? / Na realidade, ter muitas árvores à disposição do olhar é coisa recente em Portugal / Em inícios do século passado, extensas zonas baldias suportavam a prática pecuária, forneciam mato para a cama dos animais mais tarde feito esterco com que se fertilizavam terras onde se cultivava o cereal. / Para os silvicultores, porém, a florestação impunha-se como meio


de fixação dos solos, impedindo o assoreamento de rios e de vales cultiváveis a que acrescentava a floresta como fonte de combustível e de matérias-primas para a exportação. / A Lei do Povoamento Florestal (1938) que ainda hoje marca a paisagem actual levou à arborização - sobretudo pinheiro bravo - de cerca de 500.000 ha de baldios a norte do Tejo. / Com o tempo irrompeu triunfante o imigrante eucalipto, perdendo progressivamente o pinheiro a primazia e empalidecendo a mancha dos Quercus. / O próprio sobreiro - árvore nacional por decisão da Assembleia da República - vem sofrendo perdas evidentes.

Mas ter muitas árvores é razão insuficiente para atrair os potencias interessados daí a necessidade de, pelo menos, chamar a atenção para aquelas que se salientam pelo porte, desenho, idade, raridade, interesse histórico ou paisagístico. /

O label ‘Interesse Público’ consagra os

exemplares arbóreos isolados ou em conjunto que cumprem os requisitos da fama. / Em Portugal estão classificadas algumas centenas de árvores isoladas e dezenas de arvoredos (em Lisboa, 62 árvores e 21 arvoredos) que integramos nessa noção de geometria variável, misto de ‘natural’ e ‘cultural’, associada à nossa identidade e que designamos por ‘património’. Somos desde os inícios parasitas das árvores, garante incontestado da nossa sobrevivência, razão mais do que suficiente para temperar a nossa desmedida supremacia em relação às mesmas. / As nossas relações com a árvore remontam aos primórdios da humanidade facto ainda hoje testemunhado pela sua importância como símbolo ou elemento de culto. / Diversas mitologias - nomeadamente a grega e romana - associam a árvore a deuses. / A Bíblia contém frequentes alusões a árvores (árvore do conhecimento do bem e do mal no Paraíso). / O culto mariano na tradição cristã também se associa àrvore (Fátima e a azinheira). / Os paraísos


incluem na sua arquitectura árvores sugerindo a ideia de vida, saúde, renovação, crescimento… / A Árvore de Natal, inicialmente símbolo pagão, foi adoptada pelo catolicismo; o seu formato triangular evoca a Santíssima Trindade e as folhas perenes a eternidade de Cristo. / A própria morte encontra refúgio nas árvores (os ciprestes nos cemitérios erguem-se para o céu como promessa de imortalidade). As plantações rituais - nomeadamente as árvores plantadas no Dia da Árvore - associam-se à necessidade de estabelecer um acordo com a natureza tentando restabelecer uma harmonia cósmica que muitos julgam perdida. / O citadino, de forma tímida é certo, procura conjugar natureza com cidade daí a obstinação com que se mantem árvores nos separadores de ruas e o seu abundante uso nas maquetas arquitectónicas. / No meio do alcatrão a ideia de deflorestação parece tornar mais presente o espectro de catástrofe. Deve ser difícil, mas não impossível, recriar debaixo duma tília urbana o mundo de demónios e de divindades, de bruxas e de lobisomens, o labirinto perigoso e o esconderijo ideal que outrora foi a floresta. / É difícil, mas não impossível, imaginar uma árvore citadina como local de meditação, musa de poetas e pintores, lugar de Branca de Neve, da Bela Adormecida ou do Capuchinho Vermelho. / Nada impede recriar uma mata geresiana ou uma tapada escondida à sombra duma paineira-rosa na Praça da Alegria ou duma tipuana na Parada dos Prazeres. / Aliás, qualquer uma das árvores classificadas constantes neste Roteiro, umas de copa poderosa, outras mais tímidas, dará certamente guarida e oferecerá inspiração a quem as procurar e proteger abrindo caminho ao urdir de muita história ainda por contar. Pedro Castro Henriques


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