Azulejaria da FortAleza de São Julião da Barra História e Arte
TILES FROM THE FORTRESS OF SÃO JULIÃO DA BARRA History and Art
AUGUSTO MOUTINHO BORGES
Agradecimentos | Acknowledgements © EDIÇÃO | EDITION By the Book, Edições Especiais para/to Ministério da Defesa Nacional | TÍTULO | TITLE Azulejaria da Fortaleza de São Julião da Barra. História e Arte Tiles from the Fortress of São Julião da Barra. History and Art | © TEXTO | TEXT Augusto Moutinho Borges | REVISÃO | PROOF READING By the Book e Maria João Albuquerque | TRADUÇÃO | TRANSLATION Mick Greer | FOTOGRAFIA | PHOTOGRAPHY António Homem Cardoso (capa/cover, pp. 2-3, p. 10, p. 12 esq./left, p. 15, pp. 19-22, p. 26, pp. 28-31, pp. 33-37, p. 39 inf./above, pp. 41-42, pp. 44-45, pp. 46 ‑47, pp. 49, pp. 51-55, p. 58, pp. 64-65, pp. 67-70, p. 73 sup. dir./ right top, p. 76, p. 79, pp. 89-91, pp. 93-95, p. 97, pp. 100-103, p. 106, pp. 108-109, p. 111 esq./left, p. 115, p. 116 inf./above, pp. 120-121, p. 123, p. 133, p. 135 dir./right, pp. 140-141, p. 164, p. 168), Luís Chaves (p. 6, p. 12, p. 17, p. 23, p. 32, p. 38, p. 39 sup./top, p. 45 inf. dir./right above, pp. 56-57, p. 61, p. 63, pp. 72-73, p. 75, p. 76 inf. esq./left above, p. 77, pp. 80-88, p. 92, p. 94 sup./top, p. 96, pp. 98-99, pp. 104-105, p. 107, p. 111 dir./ right, pp. 112-114, p. 116 sup./top, pp. 118-119, p. 122, pp. 125 ‑129, p. 131 sup./top, p. 132, p. 134, p. 135 esq./left, p. 136, p. 139, pp. 142‑143, pp. 151-153, p. 155, p. 157, pp. 159-163, p. 165), participação especial: Adelaide Nabais e Augusto Moutinho Borges (p. 105 inf./above, p. 131 inf./above), Paço dos Duques de Bragança – José Pessoa (p. 144) | CARTOGRAFIA | CARTOGRAPHY Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Miltar/Direção de Infraestruturas do Exército | APOIO TÉCNICO | TECHNICAL SUPPORT CAVE – Centro de Audiovisuais do Exército | EDIÇÃO DE IMAGEM | IMAGE EDITION Maria João de Moraes Palmeiro | DESIGN Veronique Pipa | COORDENAÇÃO EDITORIAL E PRODUÇÃO | COORDINATION AND PRODUCTION Ana de Albuquerque e Maria João de Paiva Brandão | IMPRESSÃO | PRINTER Printer Portuguesa | ISBN 978-989-53093-2-0 | DEPÓSITO LEGAL | LEGAL DEPOSIT 482 197/21
BY THE
BOOK
Edições Especiais, lda Rua das Pedreiras, 16-4º 1400-271 Lisboa T. (+351) 213 610 997 www.bythebook.pt
Ministro da Defesa Nacional Prof. Doutor João Gomes Cravinho, Secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional Dr. Jorge Seguro Sanches Academia de Marinha, Academia Militar, Academia Portuguesa da História, Arquivo Histórico Militar, Arquivo Ministério da Defesa, Câmara Municipal de Almeida, Câmara Municipal de Cascais, Câmara Municipal de Lisboa, Câmara Municipal de Mangualde; Câmara Municipal de Oeiras, Centro de Audiovisuais do Exército (CAVE), Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota, Comissão Portuguesa de História Militar-Ministério da Defesa (CPHM), Direção Geral Património Cultural-SIPA, Direção de Infra-Estruturas do Exército (DIE), Direção de História e Cultura Militar (DHCM), Escola das Armas-Mafra, Escola de Serviço de Saúde Militar, Fundação Batalha de Aljubarrota, Jornal do Exército, Manufactura de Tapeçarias de Portalegre, Museu da Marinha, Museu Militar de Lisboa, Museu Nacional do Azulejo, Palácio Ducal de Guimarães, Pêndulo Real, Sociedade de Geografia de Lisboa, Sociedade Histórica da Independência de Portugal, Solar São João – Almeida, Universidade de Lisboa- CLEPUL , Vitrais de Arte JAM, Tenente-general Alexandre de Sousa Pinto, Major-general Aníbal Alves Flambó, Major-general João Vieira Borges, Major-general Rui Ernesto Freire Lobo da Costa, Brigadeiro-general Nuno Canas Mendes, Capitão de Mar-e-Guerra Luís Couto Soares, Coronel António Marcos Andrade, Coronel Horácio Lopes, Coronel Francisco Amado Rodrigues, Coronel José de Athaíde Banasol, Tenente-coronel Carlos Martins Prada, Tenente-coronel José Rebola Mataloto, Tenente-coronel FA Jorge Maria Tavares Alves Martins, Tenente-coronel FA Sónia Guerra, Sargento-mor José Pacheco, Sargento-chefe António Couchinho Pina, Sargento-chefe Doutor Jorge Rocha, Sargento-ajudante Hélder Ribeiro, Sargento-ajudante Vítor Brás, Dr.ª Adelaide Nabais, Director-Geral dos Recursos da Defesa Nacional Dr. Alberto Coelho, Dr.ª Ana Proserpio, Anabela Magão, Prof.ª Doutora Annabela Rita, Eng. António José Machado, Dr. Carlos Órfão Miguel, Diogo de Bragança Mascarenhas Cassiano Neves, Elias Monteiro Fortes, Prof. Doutor Eurico Gomes Dias, Fernanda Fortunato, Eng.º Gonçalo Mascarenhas Cassiano Neves, Prof. Doutora Isabel Fernandes, Dr. João Abel da Fonseca, José Alberto Almeida Morgado, Secretário-Geral do Ministério da Defesa Nacional Dr. João Ribeiro, Prof. Doutor José Eduardo Franco, Dr. José Ribeiro e Castro, D. Maria Helena Freire de Andrade Castelo Branco Lobo da Costa Alves Martins, Dr.ª Maria João Fonseca, Dr.ª Maria João Pires, Dr.ª Maria José Cavaleiro, Prof.ª Doutora Marília Futre Pinheiro, Dr.ª Paula Noé, Dr. Pedro Costa Pinto, Dr. Vasco Hilário, Prof. Doutor Vítor M. Guimarães Veríssimo Serrão.
7 PREFÁCIO PREFACE 11 APRESENTAÇÃO INTRODUCTION 19 FORTALEZA
DE SÃO JULIÃO DA BARRA E A DEFESA DE LISBOA
THE FORTRESS OF SÃO JULIÃO DA BARRA AND THE DEFENCE OF LISBON 30 ARQUITETURA
E ARTE DA FORTALEZA DE SÃO JULIÃO DA BARRA
ARCHITECTURE AND ART IN THE FORTRESS OF SÃO JULIÃO DA BARRA 43
SALA DA GUARDA THE GUARD ROOM
50
TORRE, FAROL E PRISÃO THE TOWER, LIGHTHOUSE AND JAIL
62 PALÁCIO PALACE
100
SALA DE JANTAR DINING ROOM
102
CORREDOR DA CISTERNA THE CISTERN CORRIDOR
110
PAINÉIS DE SÃO JULIÃO DE ANTIOQUIA THE ST JULIAN OF ANTIOCH PANELS
117
SALA DAS COLUNAS THE COLUMN ROOM
122 CASERNAS THE BARRACKS
71 EXTERIOR EXTERIOR
132 CAPELA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO THE CHAPEL OF OUR LADY OF THE CONCEPTION
74
138
ALPENDRE DA ENTRADA NOBRE THE MAIN ENTRANCE PORCH
NAVE CENTRAL CENTRAL NAVE
78 CLAUSTRO CLOISTER
149 CAPELA-MOR THE MAIN CHAPEL
85
158
CORO ALTO UPPER CHOIR
91 INTERIOR INTERIOR
162
OUTROS EXEMPLOS OTHERS EXAMPLES
92
SALA DAS ALABARDAS HALBERD ROOM
164 GLOSSÁRIO GLOSSARY
96
SALA DAS ORDENS THE DECORATIONS ROOM
166 BIBLIOGRAFIA BIBLIOGRAPHY
ALPENDRE POENTE WEST PORCH
10
APRESENTAÇÃO
A
Fortaleza de São Julião da Barra (ou São Gião, como por vezes surge em documentação coeva), localizada no concelho de Oeiras, em Portugal, classificada como Imóvel de Interesse Público (IIP) pelo Decreto n.º 41181/57 de 18 de julho de 1957, constitui-se como um repositório de evocações da História de Portugal através do património azulejar, desde o século XVIII até ao presente. Encontramos diversos elementos cerâmicos em focos decorativos, os quais iremos detalhar ao longo do corpo do livro, distribuídos por áreas distintas mas interligadas: palácio, capela, torre do farol, casamatas, casas de oficiais, salas de apoio e dependências diversas. O abrigo, programado a partir de 1945, não sofreu tratamento decorativo, em virtude da sua função defensiva. Os motivos na capela, dedicada a N.ª Sr.ª da Conceição, e no corredor da cisterna gravitam, maioritariamente, em torno de temas militares e religiosos evocativos a São Julião, padroeiro dos embarcados e da fortaleza. No Palácio exaltam-se temas históricos que decoram o interior e o exterior, havendo igualmente registos azulejares localizados na torre do farol, onde, em 1763, há referência a uma caixa-forte neste espaço. Podemos, ainda, encontrar azulejos avulsos, recolhidos de excedentes de outras decorações, que enriquecem a globalidade artística da fortaleza, encontrando-se em salas e dependências de apoio, ladeando o edifício central, ou anexas à galeria das casernas.
INTRODUCTION
T
he Fortress of São Julião da Barra (or São Gião, as sometimes appears in the period documentation), in the municipality of Oeiras, was classified as a Property of Public Interest (IIP) by Decree No. 41181/57 of 18th July 1957. Portuguese history echoes throughout São Julião due to its tile heritage ranging from the 18th century to the present. Various ceramic pieces are to be found in a number of decorative groups, which this book will discuss in detail, distributed in distinct but interconnected areas: the palace, the chapel, the lighthouse, the casemates, the officers’ residences, the support rooms and various zones. The shelter, programmed in 1945, has never undergone decorative treatment, due to its defensive function. The tile motifs in the chapel, dedicated to Our Lady of the Conception, and in the cistern corridor mainly depict military and religious themes evoking São Julião (St Julian), patron saint of sea farers and the Fortress. Tiles evoking moments in Portuguese history decorate the palace interior and exterior, and devotional panels are
11
12
À exceção dos painéis evocativos de São Julião, das albarradas do século XVIII que se encontram na antiga capela da fortaleza e do mostrador do relógio aplicado na torre do farol, datado de 1852, todas as intervenções decorativas foram realizadas em meados do século XX, da responsabilidade de centros produtores de Lisboa, como iremos apresentar. No Palácio encontram-se diversos motivos azulejares que valorizam o património edificado, muito contribuindo para a história da arte lusíada. Os conjuntos – painéis, silhares, lambris, registos e quadros – foram pintados por mestres de reputado mérito internacional e por artistas anónimos. Tanto podem estar integrados em ciclos temáticos, como é o caso da Sala das Ordens, no Palácio, como autonomizados em quadros, de que é exemplo a via-sacra, na capela. Os temas históricos prendem-se com aspetos relacionados com a vivência na fortaleza, ou evocam personagens que aí permaneceram ou por ela passaram, como o Tenente-general Gomes Freire de Andrade (1757-1817), preso na torre do farol e executado no terreno anexo à fortificação em 1817, do qual subsiste um monumento pétreo, que foi objeto de reprodução num registo azulejar no centenário evocativo em 1917. A capela, concluída em 1950, apresenta um notável conjunto de cerâmica de diversos centros produtores: a Fábrica de Cerâmica Sant’Anna, a Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, a Fábrica de Cerâmica Constância e a Fábrica Faiança Battistini de Maria de Portugal, todas de Lisboa. Neste grandioso ciclo artístico promoveu-se a apologética nacional, através de figurações de santos e de personalidades ilustres portuguesas relativas à história e cultura castrense.
also to be found in the lighthouse where, in 1763, there is a report of this space being used as a safe. There are also individual tiles, collected from surplus decoration and which enrich the Fortress’ overall artistic quality, to be found in rooms and other areas flanking the central body, or attached to the barracks’ gallery. With the exception of the evocative St Julian panels, the 18th century albarradas found in the old Fortress chapel and the lighthouse’s 1852 clock face, all the decorative work was carried out in the mid-20th century by Lisbon production centres, as we shall see further on. The palace is enhanced by a number of tile motifs, significantly contributing to the history of Portuguese art. These groups – panels, ashlars, wainscoting, devotional panels and paintings – were produced both by internationally renowned masters and by anonymous artists. The tilework is used in thematic cycles, as in the palace Orders Dispatch Room; or autonomously presented in paintings, as in the chapel’s Stations of the Cross. The historical themes are either linked to the life of the Fortress, or evoke characters who stayed there or passed through, such as Lieutenant-General Gomes Freire de Andrade (1757-1817), imprisoned in the lighthouse and executed on land annexed to the fortification in 1817. Today, a stone monument marks the event, which was depicted on a commemorative centenary devotional tile panel in 1917. The chapel, completed in 1950, features a remarkable set of ceramics from several production centres or fabricas: Fábrica de Cerâmica Sant’Anna, Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, Fábrica de Cerâmica Constância and Fábrica Faiança Battistini de Maria de Portugal, all in Lisbon. This great artistic cycle promoted national apologetics through depictions of illustrious Portuguese saints and figures related to the country’s history and culture. 13
Na grande empreitada decorativa relevam-se figurações de personalidades históricas representativas de Portugal no mundo, designadamente monarcas, navegadores, cientistas, homens de cultura e vultos da igreja. A inventariação da totalidade dos azulejos aplicados, registados nas entradas próprias de cada tema, permite verificar a elevada quantidade de cerâmica produzida, contabilizando um número aproximado de 14 000 unidades. Infelizmente, sobre a decoração azulejar não encontramos, até ao presente, documentação relativa às notas de encomenda ou pagamentos, nem apontamentos sobre o programa de conceção dos elementos históricos representados. Apesar de tudo, os motivos estão bem vinculados na orientação que terá sido dada aos artistas para desenvolverem temas específicos, restando-nos constatar a sua existência e conjeturar hipóteses. Quando as dúvidas se afiguram pertinentes, optámos por não identificar as personagens retratadas, os centros produtores ou os autores das obras. Valem-nos, quando existem, assinaturas e indicações relativas a fábricas e pintores. No caso de alguma falha, ficamos sempre com a possibilidade de futura correção. Desenvolvemos a nossa investigação a partir de bibliografia geral e específica, com destaque para a obra do Prof. Doutor Rui Carita, em instituições, arquivos e gabinetes nacionais, militares e civis, onde fomos acolhidos com especial carinho, além de uma entrevista ao Major-general Rui Ernesto Freire Lobo da Costa, filho do Ministro da Guerra Fernando dos Santos Costa (1899 ‑1982) que empreendeu a empreitada. No início de cada entrada criámos uma pequena ficha técnica, onde colocámos apontamentos de especial interesse para o tema, nomeadamente as dimensões dos espaços onde foram aplicados os silhares e os painéis azulejares, assim como a quantidade de cerâmica utilizada, que apresenta, de um modo geral, medidas muito
This great decorative undertaking included historical figures who had brought the country international renown, especially monarchs, navigators, scientists, men of culture and church figures. The inventory of all the tiles applied, registered in specific entries for each theme, show something in the region of 14 000 tiles in all. Unfortunately, regarding the tile decoration, we have not, to date, found documentation relating to purchase orders or payments, nor notes on the design of the historical figures depicted. Nevertheless, the motifs align with the guidelines that would have been given to the artists working on specific themes, leaving us to confirm their existence and conjecture hypotheses. When there is genuine doubt, the option has been not to name the characters portrayed, the production centres or the artists. When they exist, signatures and indications for factories and painters are valid. In the event of any failure, we always have the possibility of future correction. Research for this book has been based on general and specific bibliography, particularly the work of Rui Carita PhD. I have also been warmly welcomed by various national, military and civil institutions, archives and offices, who have all been extremely helpful. I am also most grateful to Major-General Rui Ernesto Freire Lobo da Costa, son of the Minister of War, Fernando dos Santos Costa (1899-1982), who agreed to be interviewed and greeted this project with relish. At the beginning of each entry, a small table gives the dimensions of the spaces where the ashlars and tile panels were applied, as well as the amount of ceramic material used, which presents, generally speaking, very close measurements to those existing. The dimensions are given in height and width, showing that in the cloister and in the Stations of the Cross paintings, each tile measures 13.5 x 13.5cm, while those in the remaining spaces are 14 x 14cm. 14
15
próximas ao existente. As dimensões são apresentadas em altura (alt.) x largura (larg.), verificando-se que no claustro e nos quadros da via-sacra cada azulejo mede 13,5 x 13,5cm e 14 x 14cm nos restantes espaços. As intempéries são bastante agressivas para o património colocado ao ar livre, razão pela qual alguns exemplares apresentam desgaste, mas que não prejudica o contexto geral. Realçamos neste esforço de embelezamento de São Julião da Barra, o incentivo do antigo Ministro da Guerra que, a partir de 1945, reforçou o papel cultural e patrimonial da Torre de São Julião, valorizando as suas manifestações artísticas evocativas da história de Portugal, com apoio do Major eng.º Santos Dias, do Capitão eng.º António Arantes e Oliveira e do arq.º Raul Tojal. Desde 1944 até 1951, as obras de restauro, de conservação e manutenção foram realizadas pela Direção de Infraestruturas do Exército, passando, a partir desta data, para a responsabilidade da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (Ministério da Cultura), que assegurou estas funções até à sua extinção em 2006. Desde esta data até ao presente, por Portaria n.º 1274/2009, de 19 de outubro, a gestão funcional da Fortaleza de São Julião da Barra passou a ser assegurada pela Secretaria Geral do Ministério da Defesa Nacional. Pela Portaria n.º 290/2015, de 18 de setembro, foi atribuído à Secretaria Geral do Ministério da Defesa Nacional a gestão da Fortaleza de São Julião da Barra. Devido à importância histórica da Fortaleza de São Julião da Barra, o Ministério da Defesa Nacional, através da Direção de Serviços de Comunicação e Relações Públicas da sua Secretaria Geral, desenvolveu um plano de divulgação deste património e das artes decorativas aí presentes, que relatam a brilhante história militar portuguesa, a epopeia marítima e as personagens que definem a nossa identidade nacional.
Weathering has been quite aggressive to the outdoor tiles, which is why some examples show wear and tear. This has not, however, diminished their overall effect. In this effort to enhance São Julião da Barra, the encouragement of the former Minister of War, Fernando dos Santos Costa (1899-1982) should be highlighted. From 1945, the Minister reinforced the role of São Julião’s Tower in terms of culture and heritage, ensuring, with the support of Major Eng.º Santos Dias, Capitão Eng.º António Arantes e Oliveira and the architect, Raul Tojal that its artefacts evoking Portuguese history were fully appreciated. 1944 to 1951 saw restoration, conservation and maintenance works carried out by the Direção de Infraestruturas do Exército (Directorate of Army Infrastructures). From that date onwards, however, they were the responsibility of the Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (Ministério da Cultura), Directorate-General for National Buildings and Monuments (Ministry of Culture), which ensured these functions until its extinction in 2006. Since that date, the running of the Fortress of São Julião da Barra has, by Ordinance No. 1274/2009, of 19th October, been in the hands of the Secretaria Geral do Ministério da Defesa Nacional (General Secretariat of the Ministry of National Defence). A further ordinance, that of 290/2015, of 18th September, made the Fortress the responsibility of the Secretaria Geral do Ministério da Defesa Nacional (General Secretariat of the Ministry of National Defence). Due to the Fortress’ historical importance, the Defence Ministry developed a plan, through the Direção de Serviços de Comunicação e Relações Públicas (Directorate of Communication and Public Relations Services) of its General Secretariat, to make this heritage more widely known. This included the Fortress’ decorative arts that glowingly record Portuguese military history, the maritime epic and the characters that have defined the nation’s identity. 16
A presente monografia bilingue (português e inglês), enriquecida pelo grafismo a que a editora By the Book já nos habituou em obras anteriores de temática militar, integralmente ilustrada por fotografias a cores, é patrocinada por Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional, contribuindo para um melhor conhecimento da importância das artes decorativas e do património azulejar existente na Fortaleza de São Julião da Barra, uma das principais fortificações marítimas portuguesas que, ao longo dos séculos, foi reconhecida com o epíteto de “Escudo do Reino”. Cumpre-me, assim, agradecer a Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional, Prof. Doutor João Gomes Cravinho e a Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional, Dr. Jorge Seguro Sanches, bem como a todos os elementos que, direta ou indiretamente, estiveram envolvidos na realização deste livro, dando a conhecer o fantástico património azulejar existente na Fortaleza Escudo do Reino.
This bilingual monograph (Portuguese and English), enriched by the graphics that the publisher, By the Book, has already accustomed us to in previous military-themed works, fully illustrated by colour photographs, is sponsored by the Minister of National Defence. The aim is to contribute to a better understanding of the importance of the decorative arts and tile heritage at the Fortress of São Julião da Barra, one of the main Portuguese maritime fortifications that, over the centuries, has been known as the Escudo do Reino or “Shield of the Kingdom”. I would therefore like to express my sincere gratitude to both the Minister of National Defence, João Gomes Cravinho and the Assistant Secretary of State and National Defence, Jorge Seguro Sanches, as well as all those who, directly or indirectly, have been involved in the production of this book, which aims to make more widely known the wonderful tile heritage to be found in the “Shield of the Kingdom” Fortress.
17
arquitetura e arte da FortAleza de São Julião da Barra ARCHITECTURE AND ART IN THE FORTRESS OF SÃO JULIÃO DA BARRA
30
31
32
A
U
té meados do século XIX os elementos decorativos artísticos na fortaleza eram pouco expressivos, justificável pela exclusividade suas funções bélicas e como prisão, exceto a existência de alguns elementos azulejares alusivos a São Julião e de painéis de albarradas do século XVIII, da antiga capela. Encontram-se ainda resguardados uma bacia de apoio a uma guarita e diversos elementos heráldicos, datados entre o século XVII e o século XX . A espetacular cisterna, que remonta aos inícios da construção da fortificação no século XVI, tinha como objetivo armazenar grande quantidade de água para consumo, e raramente era vislumbrada pela guarnição. Não deixa de constituir, no presente, o espaço arquitetónico de excelência do vasto complexo defensivo. É já na segunda metade do século XIX, com Sebastião Francisco Cabreira (1809-1868) governador do forte e General de Brigada, barão de Nossa Senhora da Vitória da Batalha (abreviadamente barão da Batalha), que se vão realizar diversos melhoramentos e o embelezamento de diversas áreas da fortaleza. Nestas intervenções recuperou-se a cela onde esteve preso o Tenente-general Gomes Freire de Andrade, colocaram-se evocações pétreas em diversos locais alusivas a várias personalidades portuguesas e readaptou-se o circuito de acesso pelo revelim.
ntil the middle of the 19th century, the Fortress’ artistic decorative features were hardly outstanding, due to its exclusively military and prison functions. Exceptions to this were some tiles alluding to St Julian and 18th century tile panels from the old chapel. A basin for the bartizan sentry and several heraldic elements, dating from the 17th to the 20th century, are still preserved. The impressively grand cistern, which dates back to the building of the Fortress in the 16th century, was intended to store large amounts of drinking water, and was rarely glimpsed by the garrison. It is now, however, the architectural pinnacle of the vast defensive complex. It was in the second half of the 19th century, with Sebastião Francisco Cabreira (1809-1868) Governor of the Fortress and Brigadier General, Baron Nossa Senhora da Vitória da Batalha (abbreviated to Baron da Batalha), that a number of improvement and enhancement works would be carried out on different areas of the Fortress. In these campaigns, the cell where Lieutenant-General Gomes Freire de Andrade was imprisoned was recovered, stone evocations were placed in various places alluding to various illustrious Portuguese figures and the access circuit was altered by the building of the ravelin.
33
34
35
Data de 1852 a revalorização da torre do farol, onde se colocou um relógio, de um só ponteiro em ferro fundido, ligado a um grande sino, datado de 1797, muito valorizando a componente estética da arquitetura militar. No centenário da morte de Gomes Freire em 1917, foi colocado um registo azulejar na torre do farol. Esta prática ganhou maior expressão a partir de 1945, quando a fortaleza foi intervencionada, tendo sido construídos o novo palácio e a capela, de invocação à Santíssima Trindade. Analisando a planta já referida de 1763, o paiol e o poço da fortaleza estavam localizados no exterior.
The lighthouse was upgraded in 1852, when a single cast iron clock connected to a large bell, dated 1797, was set there. This greatly enhanced the military architecture’s aesthetic aspect. In the centenary of Gomes Freire’s death in 1917, a commemorative tile was placed in the lighthouse tower. This practice became more common from 1945 onwards, when the new palace and the chapel, invoking the Holy Trinity, were built. Studying the 1763 plan, the Fortress’ magazine and well are shown to have been on the exterior.
36
37
38
39
Os testemunhos que nos chegaram ao presente são uma evocação histórica das artes decorativas nacionais, principalmente o revestimento cerâmico que enobrece a residência. A empreitada não foi realizada de uma só vez, tendo demorado cerca de uma década a sua aplicação total. No seu conjunto, temos que considerar diversas premissas: foi preciso reunir a equipa de trabalho, agendar o tempo necessário para a investigação dos temas, fazer a consulta e apresentação aos centros produtores, conduzir reuniões com os pintores, a própria produção dos trabalhos, assim como a aplicação dos azulejos pelos ladrilhadores. Analisando em pormenor o trabalho, constatamos que não houve trocas nem falhas na colocação dos espécimes, testemunhando o empenho e rigoroso cuidado na globalidade da obra. Ao analisarmos e investigarmos a temática azulejar na Fortaleza de São Julião da Barra, verificamos o predomínio de assuntos representativos da história pátria. O programa decorativo contou com um naipe excecional de artistas, assim como de intérpretes da história de Portugal. Afirmamos que houve um profundo conhecimento do contexto social e religioso dos aspetos históricos aí representados e, fundamentalmente, de personalidades militares e políticas nacionais, não só masculinas como femininas. No contexto artístico e decorativo, os espaços públicos foram decorados com artesanato e peças artísticas fundamentalmente de origem nacional, cobrindo-se o chão com tapetes de Arraiolos, as paredes com tapeçarias de Portalegre, com desenhos da autoria de Jaime Martins Barata (1899-1970), assim como mobiliário recriando os estilos de D. João V (1689-1750), D. José (1714-1777) e D. Maria I (1734-1816). Entre o diverso património móvel para deleite dos visitantes/convidados, encontramos ainda louças de porcelana oriental, telas dos séculos XVIII, XIX e XX, valiosas esculturas, peças decorativas em metais nobres, com relevância para as pratas portuguesas, bem como inúmeros cristais e armas.
The artistic legacy that has come down to us today evokes the history of Portuguese decorative arts, particularly the ceramic panelling enhancing the residence. The undertaking was not, however, achieved in one attempt. It actually took something like a decade to complete the works. Generally speaking, the following points had to be considered: how the work team was assembled; and the time needed for thematic research, consulting production centres, meeting with the painters and seeing how the works were produced, as well as how the tilers applied them. After looking at the work in detail, we found that there had been no exchanges or failures in the tile placement, testifying to the commitment and care taken in the project as a whole. Our study of the Fortress of São Julião da Barra tiles showed a predominance of subjects depicting the country’s history. The decorative programme featured an exceptional range of artists, as well as interpreters of Portuguese history. The tiles displayed a deep knowledge of the social and religious context of the historical aspects represented there and, essentially, of national military and political figures, both male and female. Public areas of the Fortress were decorated with handicrafts and artistic pieces of largely national origin. The floor is covered by Arraiolos carpets, the walls with Portalegre tapestries designed by Jaime Martins Barata (1899-1970), as well as furniture recreating the styles of João V (16891750), José (1714-1777) and Maria I (1734-1816). Among the diverse movable heritage there to delight visitors/guests, there is also oriental porcelain tableware, 18th, 19th and 20th century canvases, valuable sculptures, decorative pieces in noble metals, especially Portuguese silver, as well as countless crystal pieces and weapons. Over the years, the various Ministers of National Defence have carefully preserved the legacy, contributing to the valuing, preserving and disseminating of the heritage in the Fortress of São Julião da Barra. 40
Ao longo dos anos, os Ministros da Defesa Nacional de Portugal têm preservado, de forma rigorosa, o legado, contribuindo para a valorização, preservação e divulgação do património que se encontra na Fortaleza de São Julião da Barra.
41
CLAUSTRO
14,20m x 13,90m AZULEJOS APLICADOS
c. 3800 CENTRO PRODUTOR
Claustro
Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, Lisboa CLOISTER
14.20m x 13.90m
V
oltado para o terreiro onde se vislumbra, em plenitude, a barra do rio Tejo, foi erguido um claustro quadrangular com três arcos de lado, que une as dependências sociais às áreas privadas do Palácio. O modelo foi inspirado nas grandes construções senhoriais portuguesas. Lugar de recolhimento, mas também de ligação orgânica entre a residência e outras áreas, o espaço foi enriquecido com arcaria, decorada por azulejos inspirados em motivos policromos do século XVII. É o único local onde o revestimento parietal é total, inclusive nos suportes interiores entre os arcos de sustentação da galilé, aberta para o interior e para o exterior. O tema deste conjunto é um clássico da decoração azulejar portuguesa, com enxaquetados em cor azul e ocre, entrecortados com motivos de padrão policromo. É uma das maiores áreas com revestimento cerâmico existente na fortaleza.
CLOISTER
TILES APPLIED
c. 3800 PRODUCTION CENTRE
Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, Lisbon
F
acing the terrace where the Tagus bar is fully in view, a square cloister with three side arches was built, linking the social spaces to the private areas of the palace. The model was inspired by the great Portuguese manor houses. A place of retreat, but also directly connected to the residence and other areas, the space was enriched by an arcade decorated by tiles inspired by 17th century polychrome motifs. It is the only place where the wall covering is complete, including the interior supports between the arches supporting the galilee, open to the interior and exterior. The theme of this group is a classic of Portuguese tile decoration, with blue and ochre-coloured plaques, interspersed with polychrome motifs. It is one of the largest tiled areas in the Fortress.
78
alpendre poente PORCH
7.44m x 2.20m PANEL DIMENSIONS
N
WEST PORCH
o extremo poente do Palácio sobressai um elegante alpendre com três arcos assentes em colunas de pedra, que dá acesso ao local onde foi erigido o obelisco a D. Maria II, por iniciativa do Barão da Batalha. É um espaço aprazível para contemplar o oceano Atlântico, resguardado das intempéries ou do sol característico da costa portuguesa. Foi aqui que se aplicaram nos topos os dois painéis de azulejos historiados, referidos anteriormente. Intercalados entre as três portas de acesso ao interior existem dois paneis azulejares representando elegantes colunas em estilo rococó e alicatados, encimadas por urnas recortadas, que contrastam com a coloração ocre das paredes.
1.82 x 1.82m WAINSCOSTING
1.68 x 0.70m (two); 1.68 x 0.42m (two) TILES APPLIED
446 PRODUCTION CENTRE
Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, Lisbon
A
t the west end of the palace stands an elegant porch with three arches set on stone columns, leading to the place where the Baron da Batalha had an obelisk set in honour of Maria II. It is a pleasant space to contemplate the Atlantic Ocean, protected from inclement weather or the blazing sun: both characteristic of the Portuguese coast. It was here that the two narrative tile panels, mentioned above, were placed at both ends. Set between the three access doors to the interior are two tile panels representing elegant rococo columns and alicatados, topped by outlined urns, which contrast with the ochre wall colour.
VARANDA
7,44m x 2,20m DIMENSÕES DOS PAINÉIS
1,82 x 1,82m LAMBRIL
1,68 x 0,70m (dois); 1,68 x 0,42m (dois) AZULEJOS APLICADOS
446 CENTRO PRODUTOR
Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, Lisboa 85
A pintura desenvolveu-se na tradicional coloração azul sobre branco, tendo, à direita, o painel
Painted in the traditional blue on white style, O FEITO DE MARTIM / MONIZ, NA PORTA DO / CASTELO DE LISBOA (The Feat of Martim / Moniz, at the Gates / of Lisbon Cas-
O FEITO DE MARTIM / MONIZ, NA PORTA DO / CASTELO DE LISBOA
tle) is on the right; e, à esquerda, o painel and, on the left, there is
O ALCAIDE DO CASTELO DE / FARIA, NUNO GONÇALVES / SACRIFICANDO-SE PELA PÁTRIA,
O ALCAIDE DO CASTELO DE / FARIA, NUNO GONÇALVES / SACRIFICANDO-SE PELA PÁTRIA (The Governor of Faria Castle, / Nuno Gonçalves / Sacri-
como se escreveu nas cartelas inferiores. As cartelas superiores estão por legendar ou datar, aspeto que se repete noutros exemplares.
ficing Himself for the Homeland), as written in the lower cartouches. The upper cartouches are yet to be labelled and dated, which is also true of other examples.
Os dois temas históricos reportam-se a dois nobres militares portugueses, que deram a vida sacrificando-se pela pátria. A cenografia alude ao exato momento em que são trespassados pelo aço dos adversários, sob o olhar dos companheiros de armas, que nada lhes podem valer. Martim Moniz (?-1147) na conquista de Lisboa, quando bloqueia com o seu corpo as portas da muralha para que estas não fechassem, permitindo que os soldados cristãos entrassem na cidade. Nuno Gonçalves de Faria (1313‑1372), quando prisioneiro dos castelhanos, em frente às muralhas do castelo de Faria, em 1372, exortou o seu filho e defensores a não se renderem às tropas de D. Henrique II de Castela (1333-1379), durante as guerras fernandinas. A execução deste alpendre é da responsabilidade da Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, em Lisboa. Embora não esteja datado, atribuímos a sua aplicação a cerca de 1949.
These historical panels are tributes to two Portuguese military nobles, who sacrificed their lives for their country. The scenes depict the exact moments they are run through by enemy steel before the eyes of their comradesin-arms, who can do nothing for them. Martim Moniz (?-1147), in the conquest of Lisbon, wedges his body in the city gates so that they cannot close, allowing Christian soldiers to enter the city. Nuno Gonçalves de Faria (1313-1372), a prisoner of the Castilians, is before the Faria Castle walls, in 1372, exhorting his son and the other defenders not to surrender to the troops of Henrique II of Castile (1333-1379), during the Fernandine Wars. The porch was tiled by the Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, in Lisbon. Although it is not dated, the work was probably carried out in about 1949.
86
87
88
89