Bonecos de Estremoz Etnografia e Arte José Fernando Reis de Oliveira
À produção de carácter prático e utilitário, com relevância para os púcaros, e às qualidades “terapêuticas” atribuídas ao barro de Estremoz, veio juntar-se, no século XVIII, o figurado, consequência da moda dos presépios. A barrística assegurou até aos nossos dias a popularidade dos Bonecos de Estremoz, candidatos a Património Cultural Imaterial da Humanidade.
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Outros títulos da editora: António de Magalhães Ramalho O Bosão do João Médicos Medievais Naturais de Al-Andaluz Escola Médica de Salerno Cadernos de um Cirurgião O “Espírito dos Hospitais Civis de Lisboa” Caramulo, Ascensão e queda de uma estância de tuberculosos Thyco Brahe, Um astrónomo fabuloso no Reino da Dinamarca www.bythebook.pt
© Edição By the Book, Edições Especiais Título Bonecos de Estremoz – Etnografia e Arte © Texto José Fernando Reis de Oliveira Capa Santo António, Barro policromado, 12cm de altura, ©Irmãs Flores, 2014 Impressão Real Base ISBN 978-989-8614-26-1 Depósito Legal 387947/15
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Edições Especiais, lda Rua das Pedreiras, 16-4º 1400-271 Lisboa T. + F. (+351) 213 610 997 www.bythebook.pt
Comunicação apresentada em 5 de Junho de 2014 no Seminário: “A Etnografia e as Belas Artes” Secção de Etnografia e Secção de Artes e Literatura da Sociedade de Geografia de Lisboa
9 Nota prévia 11 O Alentejo 15 Algumas considerações acerca dos “Bonecos de Estremoz”: Etnografia e Arte 47 Epílogo 49 Agradecimentos 51 Bibliografia
Nota prévia
Quando as Secções de Etnografia e de Artes e Literatura, da Sociedade de Geografia de Lisboa, se propuseram realizar, em Junho de 2014, o Seminário: “A Etnografia e as Belas Artes”, ocorreu-me, e tal pretensão foi aceite pela Presidente da Secção de Etnografia, Mestre Maria Helena Samouco, tecer algumas considerações acerca dos Bonecos de Estremoz. E que tema mais interessante não seria aquele, não de todo inédito mas sempre actual? O conjunto de bonecos de Estremoz que vi, pela primeira vez, foi em Évora, na casa do tio João Ruivo, numas férias de Verão, era então criança. Aqueles exemplares deixaram, na minha memória e retina, uma impressão marcante, talvez pelo seu carácter naïf e popular a que a exuberância das cores e a sobriedade da modelação não foram decerto estranhas ou então porque naquelas figurinhas estava entranhado o Alentejo profundo – com alguns toques de frivolidade – que me não eram alheios e a que, sem saber, a minha sensibilidade aderira. Esta arte popular, enquanto actividade material e simbólica, interpreta de forma estilizada os sinais de um quotidiano, agora distante, mas em que se observou e descreveu determinada cultura, conceito de Etnografia na óptica do Prof. Jorge Dias. Porque uma comunicação se esgota perante uma audiência limitada, entendi que faria todo o sentido levá-la ao conhecimento de um público mais vasto e também interessado. Eis a razão de ser desta monografia.
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O Alentejo
“ (…) Não há arte onde o homem não é livre e a natureza não quer. Dando às mãos ágeis e fantasistas materiais nobres e moldáveis – o mármore, o cobre, a lã, o coiro e o barro –, a terra alentejana quis que a vida no seu corpo tivesse beleza (…)” Miguel Torga, in: Portugal
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Algumas considerações acerca dos “Bonecos de Estremoz”: Etnografia e Arte
A riqueza em argila do solo do Alto Alentejo proporcionou o aparecimento, desde tempos remotos, de numerosos centros de olaria. As cerâmicas conheceram notável incremento na época romana com o aperfeiçoamento da preparação da pasta e sob a influência árabe a modelação encontrou novas formas. À tradição da cerâmica artesanal, de carácter prático, veio juntar-se a escultura em barro que aqui encontrou cultores.
1. O BARRO DE ESTREMOZ foi citado pela primeira vez, em 1258, no reinado de D. Afonso III quando este rei fundou o castelo e concedeu foral à então vila em 22 de Dezembro, tornando-se conhecido e ganhando fama nos séculos XVI e XVII, sobretudo pelo fabrico de púcaros e outras peças de carácter utilitário: alguidares, pratos, talhas e vasilhame contentor de água: cântaros, que podiam conter 10 ou 15 litros de água fresca, moringues, bilhas, garrafas de água, para uso sobretudo nocturno, e barris para utilizar nos locais de trabalho ou em viagem. Alguns destes objectos eram enriquecidos com decorações de seixos de quartzo ou enfeites com “filamentos ou plantas aquáticas de barro, imitando musgo, entre os quais se estatelavam cobrelos, rãs, sapos, lagartixas” misturando-lhe algumas essências, como referiu Carolina Michaëlis. 1 1. Carolina Michaëlis de Vasconcellos – Algumas Palavras a respeito de Púcaros de Portugal, Lisboa, Nova Edição da Revista Ocidente, 1957, vol. LIII (Julho-Dezembro), p. 59. 15
Este esforço de aperfeiçoamento dos utensílios, sem quaisquer contornos práticos, mas tão só de embelezamento dos mesmos, é encarado pelos especialistas como sendo “um impulso ou anseio estético”. 2 Estudar a obra de Carolina Michaëlis de Vasconcellos, “Algumas Palavras a respeito de Púcaros de Portugal”, editada pela primeira vez em 1905 no volume VI do Bulletin Hispanique, revista das Faculdades de Bordéus, Toulouse e outras universidades do sul de França, desprezada numa primeira fase pelos especialistas mas que agradou a alguns amadores da arte da cerâmica e faiança, bem como da etnografia (como referiu a autora na nova edição da Revista Ocidente de 1957, Lisboa, vols. LII e LIII), é conhecer os centros oleiros portugueses e a origem apaixonante dos púcaros, particularmente os de Estremoz, acentuando Carolina Michaëlis que estes têm “a sua pátria na Península, nos centros principais da arte árabe e moçárabe” 3 e não nos denominados púcaros mexicanos ou das Índias. A fama dos barros de Estremoz, podemos afirmá-lo, começa assim com um pequeno utensilio: o púcaro. Venturini (João Baptista), enquanto secretário do legado pontifício Bonelli, cardeal Alexandrino, que viera a Portugal, enviado pelo Papa Pio V, para ultimar o casamento de D. Sebastião com Margarida de Valois referiu-se com estupefacção, segundo Carolina Michaëlis, ao facto de que “sobre a mesa estava sempre um grande vaso de prata, cheio de água, do qual se deitava em um jarro, chamado na língua portuguesa púcaro (…) feito de certo barro vermelho (…) que chamam barro de Estremoz, pelo qual bebeu seis vezes”. 4
2. Mischa Titiev (1963) – Introdução à Antropologia Cultural, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1969, p. 334. 3. Carolina Michaëlis de Vasconcellos – op. cit., vol. LII (Janeiro-Junho), pp. 6-9. 4. Carolina Michaëlis de Vasconcellos – op. cit., vol. LII, p. 20. 16
O relato de um anónimo, familiar do arcebispo de Lisboa, que em 1543 acompanhou a Castela a noiva de Felipe II, Maria de Portugal, referiu-se a Estremoz afirmando: “nesta villa há mtas moças fermosas e em boa cantidade; porque se os graes e os púcaros sam famosos mais merecem as molheres”. 5 Durante a estadia em Lisboa, (1581/1582), Felipe II de Espanha, a par das cartas que escrevia aos filhos, sabendo que estes gostavam de doces, enviava-lhes de Portugal “confeites e conservas especiais”,6 bem como frutos raros e flores exóticas chegados do Ultramar. 7 Conhecedor dos púcaros de Estremoz mandou fazer alguns, por intermédio do seu secretário – el Calabrés – para suas filhas Isabel e Catarina. Nas cartas que enviava às Infantas pode ler-se: “- Al Calabrés he embiado a Estremoz á hacer púcaros como los que tenia ay las flores” “- El Calabrés há vuelto já de Estremoz, aunque el dexa haciendose alli los púcaros” 8 Felipe II, ao mesmo tempo que enviava às filhas preciosas porcelanas, provenientes da Índia Portuguesa, remetia-lhes também púcaros de Estremoz.
5. Carolina Michaëlis de Vasconcellos – op. cit., vol. LII, p. 21. 6. Geoffrey Parker – Felipe II, Madrid, Alianza Editorial, 3.ª ed., 1984, p. 195. 7. Geoffrey Parker – op. cit., p. 201. 8. Carolina Michaëlis de Vasconcellos – op. cit., vol. LII, p. 23. 17