o Bosão do João

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o Bosão do João

o Bosão do João 88 poemas com Ciências

Rui Malhó

concepção de

BY THE

BOOK 9 789898 614223

Rui Malhó

BY THE

BOOK

Rui Malhó 47 anos de idade, Doutorado em Biologia pela Universidade de Lisboa em 1995, defendeu provas de Agregação na Universidade de Lisboa em 2001. É membro correspondente da Academia de Ciências de Lisboa desde 2007 por eleição entre pares. Desde 1992 que integra a Universidade de Lisboa como Docente, exercendo funções no Centro de Biodiversidade, Genómica Integrativa e Funcional do qual foi Coordenador Científico entre 2007 e 2012. É colaborador do Centro de Filosofia das Ciências da ULisboa. Enquanto investigador, é autor ou co-autor de cerca de 55 artigos em revistas internacionais indexadas que foram alvo de mais de 2500 citações, e proferido um número apreciável de palestras convidadas em conferências internacionais e seminários em Laboratórios e Universidades estrangeiras. É editor do livro The Pollen tube – A Cellular and Molecular Perspective (Springer-Verlag, 2006).


© Edição

By the Book, Edições Especiais Título

O Bosão do João, 88 poemas com ciências COMPILAÇÃO DE POEMAS

Rui Malhó © AUTORES

Al Berto, Alberto Caeiro, Alexandre O’Neill, Almada Negreiros, Álvaro de Campos, Ana Hatherly, Antero de Quental, António Aleixo, Antônio Carlos Jobim, António Gedeão, António Lobo Antunes, A. M. Cabral, Augusto dos Anjos, Camilo Pessanha, Carlos Drummond de Andrade, Cesário Verde, Eugénio Lisboa, Fernando Pessoa, Gonçalo M. Tavares, Guerra Junqueiro, Herberto Hélder, Inês Lourenço, João Pedro Messeder, Jorge Castro, Jorge Sousa Braga, Jorge de Sena, José Fanha, José Saramago, José Tolentino Mendonça, Luís Vaz de Camões, Luísa Ducla Soares, Luísa Freire, Luiza Neto Jorge, Maria Augusta Neves, Maria do Sameiro Barroso, Maria Gabriela Llansol, Mário Cesariny, Mia Couto, Miguel Barbosa, Miguel Torga, Millôr Fernandes, Mutimati Barnabé João, Regina Gouveia, Ricardo Reis, Sidónio Muralha, Sophia de Mello Breyner Andresen, Vicente Ferreira da Silva, Violeta Figueiredo, Vitorino Nemésio, Xavier Malcata DESIGN

Forma, design: Veronique Pipa Impressão e acabamento

Real Base ISBN

978-989-8614-22-3 depósito legal

383432 /14 APOIO

Edições Especiais, lda Rua das Pedreiras, 16-4º 1400-271 Lisboa T. 213 610 997 www.bythebook.pt

PEst-OE/BIA/UI4046/2014 PEst-OE/FIL/UI0678/2014


04 06 07 13 25 43 57 73 89 105 121

A poesia é um louco laboratório Agradecimentos Palavras prévias Mundo Natureza Números Laboratório Ofício Homem Saber InTemporal


Agradecimentos Aos que apoiaram esta ideia e me deram alento para a concretizar. À Ana Albuquerque e à By the Book pelo apoio editorial, pelo inestimável aconselhamento durante a fase de concepção do livro e pela amizade que nasceu. À Olga Pombo por ter acreditado nela. A António Sampaio da Nóvoa pelo seu entusiasmo contagiante e pelo magnífico prefácio. A Vasco Graça Moura, com quem ainda pude privar a propósito desta compilação mas que infelizmente nos deixou antes da sua conclusão. Aos autores (ou seus representantes legais) e editoras que gentilmente autorizaram a reprodução dos poemas aqui compilados. À SPA, Editorial Caminho, Porto Editora, Assírio & Alvim, Grupo Leya, Fundação Sidónio Muralha, Opera Omnia, Calendário de Letras, AMV Agencia Literária, Rossio Music Publishing. Às livrarias que nunca me enxotaram dos seus bancos. A estes poetas que tornaram a minha vida mais rica. Aos que me formaram cientificamente, MSP e AJT. Ao BioFIG e ao CFCUL, e à Academia de Ciências de Lisboa. Aos que me amam.

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Palavras prévias Rui Malhó

Há alguns anos atrás, numa incursão pelas estantes da Popular Science de uma livraria britânica, descobri A quark for Mr. Mark uma compilação de 101 poemas sobre ciência. O gosto pela poesia vêm das aulas de português no secundário mas nunca me considerei um verdadeiro entusiasta. Este A quark for Mr. Mark veio despertar um pouco a curiosidade aliando o meu interesse pela Ciência a uma forma literária rica, expressiva, tão longe dos meus textos científicos objectivos, pragmáticos, descritivos. Algum tempo depois foi amadurecendo a ideia de uma tradução mas não só a tarefa se revelou complexa como muitos dos poemas nele contidos não me eram apelativos. Em paralelo, fui descobrindo poesia portuguesa sobre Ciência (ou com Ciência) e dando conta da enorme riqueza da nossa literatura neste capítulo. Daí até surgir a ideia desta compilação foi um breve hiato. Os princípios que me orientaram na selecção foram semelhantes aos descritos por Maurice Riordan e Jon Turney, os autores de A quark for Mr. Mark. Uma escolha baseada em gosto pessoal, com poemas que versam não apenas sobre Ciência “tout court” mas onde o conceito científico esteja presente ou implícito. Por isso, a selecção que aqui se deixa não é nem pretende ser uma listagem exaustiva de poemas ou de autores que abordam a Ciência na sua poesia. Tão pouco uma abordagem cronológica e erudita sobre a Ciência na Poesia portuguesa. É uma compilação ditada pelo gosto, pela ocasião e pelo acaso, por uma recolha e interpretação que de alguma forma foi acompanhando o meu percurso científico e vivência pessoal. Nuns casos um encontro estocástico, noutros uma procura 7


compulsiva. Poemas encontrei que, mesmo abordando directamente uma temática científica não me tocaram ou simplesmente não os apreciei. Noutros, vi ciência ou conceitos de ciência, mesmo quando eles não são explicitamente abordados (ex: fenómenos metereológicos, figuras matemáticas, consciência, etc). Daí não se incluir nenhum texto “explicativo”; pretende-se que seja o leitor a avaliar por si o significado que cada poema tem, as emoções que lhe desperta, a pertinência da sua inclusão nesta sequência. A quark for Mr. Mark é uma rima fonética utilizando a designação de uma partícula atómica elementar – o quark que foi cunhada por Murray Gell-Mann, um dos físicos que postulou a sua existência em 1964. Na dúvida sobre o nome a atribuir a esta partícula, Gell-Mann, inspirou-se numa quadra de James Joyce, do livro Finnegans wake: Three quarks for Muster Mark! Sure he has not got much of a bark And sure any he has it’s all beside the mark. Gell-Mann, no seu livro The Quark and the Jaguar descreve como transforma a primeira frase desta quadra em three quarks for Mister Mark, tal qual um pedido de bebidas ao balcão de um “pub”. Esta, foi por sua vez, colocada no singular por Maurice Riordan e Jon Turney no livro já referido – A quark for Mr. Mark. O bosão é também uma partícula atómica elementar postulada em 1964 por outro físico, Peter Higgs, cuja existência foi comprovada em 2013, ano em que esta compilação passou apenas de uma ideia para a concre-

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tização. Pareceu-me por isso muito apropriado que o título desta compilação de poesia em português fosse também uma rima fonética, baseada numa partícula elementar, como elementar (*) é a Ciência (*) Elementar – adjectivo e a poesia. de dois géneros. E se o quark é de Mr. Mark, o bosão é do João! 1. Que serve de elemento ou é da natureza do elemento. 2. Que diz respeito aos princípios de uma arte ou ciência. 3. Rudimentar, simples. 4. Essencial, fundamental.

A Quark for Mr. Mark é uma compilação de poemas escritos em língua inglesa mas com lugar a algumas traduções. O Bosão do João tem 5 poemas de autores não portugueses mas que tem o português como língua-mãe! A lista de poetas incluídos, tal como em A Quark for Mr. Mark varre um largo leque temporal mas incide sobretudo em autores contemporâneos. A isto não é alheio o facto de a Ciência estar presente de forma cada vez mais marcante no nosso quotidiano. Contudo, basta uma pequena pesquisa para verificar que há muito que Ciência e Poesia se entrecruzam. Foi por isso gratificante voltar a ler alguns autores e redescobrir significados em poemas lidos nos bancos de escola ou simplesmente descobrir o novo. Espero que compartilhem este gosto!

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Mundo

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Buracos Negros Jorge Sousa Braga

As estrelas também gostam de brincar às escondidas A maioria das vezes escondem-se umas atrás das outras ou nas imediações de um quasar Mas não há melhor lugar para uma estrela se esconder que num buraco negro Elas vêm as outras e ninguém as consegue ver

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Big-Bang Regina Gouveia

Na minha infância, o Universo estendia-se do Castelo até às Eiras, envolvendo a Praça e o Cabecinho onde ficava a minha escola. À volta eram ladeiras que velavam o sono do rio lá no fundo. Era assim o meu mundo que, para mim, era maior que o infinito e que em cinco linhas aqui ficou descrito, contrariando assim, à evidência, uma das conjecturas da ciência. Desde o seu Big-Bang o meu Universo contrai-se, não se expande.

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Natureza

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Poema da Árvore António Gedeão

As árvores crescem sós. E a sós florescem. Começam por ser nada. Pouco a pouco se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo. Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos, e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se. Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores, e então crescem as flores, e as flores produzem frutos, e os frutos dão sementes, e as sementes preparam novas árvores. E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas. Sem verem, sem ouvirem, sem falarem. Sós. De dia e de noite. Sempre sós. Os animais são outra coisa. Contactam-se, penetram-se, trespassam-se, fazem amor e ódio, e vão à vida como se nada fosse. As árvores não. Solitárias, as árvores, exauram terra e sol silenciosamente. Não pensam, não suspiram, não se queixam. Estendem os braços como se implorassem; com o vento soltam ais como se suspirassem; e gemem, mas a queixa não é sua. Sós, sempre sós. Nas planícies, nos montes, nas florestas, a crescer e a florir sem consciência. Virtude vegetal viver a sós e entretanto dar flores. 26


Todas as Opiniões que Há sobre a Natureza Alberto Caeiro

Todas as opiniões que há sobre a Natureza Nunca fizeram crescer uma erva ou nascer uma flor. Toda a sabedoria a respeito das cousas Nunca foi cousa em que pudesse pegar como nas cousas; Se a ciência quer ser verdadeira, Que ciência mais verdadeira que a das cousas sem ciência? Fecho os olhos e a terra dura sobre que me deito Tem uma realidade tão real que até as minhas costas a sentem. Não preciso de raciocínio onde tenho espáduas.

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