CUIDADOS PALIATIVOS PEDIÁTRICOS PERCURSOS Lincoln Justo da Silva Maria José Ferrão Marta Brites
BY T H E
BOOK
© EDIÇÃO By the Book, Edições Especiais TÍTULO Cuidados Paliativos Pediátricos: Percursos © TEXTO Lincoln Justo da Silva | Maria José Ferrão | Marta Brites REVISÃO Isabel Costa © CAPA Maria Sottomayor IMPRESSÃO Gráfica Manuel Barbosa & Filhos ISBN 978-989-53493-1-9 DEPÓSITO LEGAL 495299/22
Este livro é composto pela tipografia Novel Sans Gr, excepto nos ‘Percursos’, onde foi aplicada a Laski Slab.
BY THE
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Edições Especiais, lda Rua das Pedreiras, 16-4º 1400-271 Lisboa T. + F. (+351) 213 610 997 www.bythebook.pt
CUIDADOS PALIATIVOS PEDIÁTRICOS PERCURSOS Lincoln Justo da Silva Maria José Ferrão Marta Brites
PREFÁCIO
CÂNDIDA CANCELINHA
PARA COMEÇAR
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PLANEAR CUIDADOS PALIATIVOS
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COMUNICAR
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MORRER NUNCA É UM LUGAR BANAL – MORREMOS TODOS OS DIAS 54 LUTO
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PALIAR EM AMBIENTE URBANO E NO MUNDO RURAL. FAZ DIFERENÇA? 82 AUTOCUIDADO
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CONSTRUIR O FUTURO, COMO?
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CRIANÇAS QUE VENCEM A DOENÇA, UM OLHAR SOBRE OS CUIDADOS PALIATIVOS EM PEDIATRIA 110 POSFÁCIO
LUÍS QUINTINO
LEITURAS SUGERIDAS
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Prefácio CÂNDIDA CANCELINHA Pediatra com competência em Medicina Paliativa Vice-presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos
Fruto do progresso da medicina e da prosperidade social, a mortalidade infantil tem diminuído significativamente nas últimas décadas, sendo Portugal um excelente exemplo dessa tendência. O desenvolvimento de tecnologia cada vez mais sofisticada e de novas formas de abordagem terapêutica tem permitido que crianças com doença crónica complexa, ou que enfrentem condições ameaçadoras de vida, sobrevivam durante mais tempo. Consequentemente, uma família vivenciar a perda de um filho durante a infância ou adolescência em qualquer país desenvolvido é, nos dias de hoje, uma situação excecional e um tema tabu para a sociedade em geral. A literatura nacional mostra que a morte em Pediatria continua a ocorrer predominantemente em ambiente hospitalar, em unidades de oncologia, cuidados intensivos neonatais e pediátricos, e em contexto de grande agressividade terapêutica. Adicionalmente, a maioria dos profissionais que trabalham em Pediatria não acompanha crianças em situação de doença progressiva ou terminal e a sua formação nesta área é, ainda, muito escassa. Apesar de serem uma área relativamente recente, os Cuidados Paliativos Pediátricos estão em franca expansão, integrando as particularidades da Pediatria e uma abordagem que se requer holística, individualizada e proativa. São uma área especializada de cuidados, que coloca o seu foco de atenção na vida da criança doente e da sua família, visando colmatar todas as necessidades, quer do ponto de vista do sofrimento físico, quer psicossocial e emocional e promovendo, sempre que possível e desejado, a centralização dos cuidados no seu ambiente familiar, escolar e social. Devem, por isso, estar acessíveis a todos quanto deles necessitem, dentro mas sobretudo fora das estruturas 7
hospitalares, sendo crucial que se tornem uma prioridade na agenda política e social. Este é o primeiro manual português que se debruça sobre os Cuidados Paliativos Pediátricos nas suas diversas perspetivas, envolvendo cuidadores e profissionais e refletindo de forma muito profunda todas as suas vivências, necessidades, receios, inquietações e conquistas. Representa, por isso, uma importante alavanca naquele que tem sido o caminho trilhado no nosso país no desenvolvimento de mais e melhores cuidados a estas crianças e adolescentes, assim como a todos quantos com eles se cruzam. Ao longo de toda a obra, os autores transportam-nos para uma forma de cuidar que só pode ser prestada por profissionais não apenas com formação específica, mas também com uma importante base de sensibilidade, maturidade emocional e entrega compassiva ao outro. Esta mesma entrega que o Prof. Doutor Lincoln Justo da Silva e a Dra. Maria José Ferrão depositaram ao longo destes quatro anos de registos, reflexões e partilhas. Apontando caminhos fundamentais para o exercício dos melhores Cuidados Paliativos e reforçando a importância da centralização da assistência onde quer que a criança se encontre (maioritariamente o seu domicílio), este manual constitui um importante instrumento para todos quantos lidam com crianças, adolescentes e famílias com necessidades paliativas. Escrito de forma apaixonada, intensa e muito marcante, os autores conseguem esclarecer, de forma inequívoca, por que razão os Cuidados Paliativos podem sempre fazer sentido, independentemente da idade, do local, da trajetória ou da fase da doença, podendo estender-se ao processo de luto. Mas conseguem ir mais adiante, fazendo com que o leitor, mais ou menos leigo nesta área, se inquiete e sinta vontade de contemplar por dentro, esta área da Medicina, com todos os desafios que lhe possam estar inerentes.
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PARA COMEÇAR
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COMEÇAR. É uma palavra muito bonita. Leva-nos a um início e a des-
cobrirmo-nos. A um percurso que visa um objetivo determinado. Obriga-nos a um caminho que deambulando através das letras nos envolve o pensamento e nos traz ao de cima a emoção. Conduz-nos a um conhecimento mais profundo e a uma consciência mais apurada dos temas sobre os quais gostaríamos de refletir com quem aceite seguir o percurso que vamos encetar. Vivências nossas que serão também vossas. Talvez um recomeçar capaz de criar uma relação entre os que escrevem e os que vão ler. Gostaríamos que a visão do leitor fosse iluminada pelas nossas três vozes: a de um médico, a de uma bioeticista e a de uma filósofa. Pretendemos que seja uma revelação, dado que, apesar de óbvio, este universo é muito mais do que aparenta ser. Tendo em conta os conhecimentos adquiridos, gostaríamos que o leitor captasse um novo olhar sobre os cuidados a prestar em doenças crónicas, complexas e limitadoras da vida, e ousasse sentir que, independentemente da idade, tais situações são, muitas vezes, consequência do extraordinário progresso da tecnociência médica detentora de uma capacidade espantosa para prolongar a vida. É de uma enorme responsabilidade o trabalho a que nos propomos. Para que este livro nascesse, ele foi gerado muito tempo antes, em cada um de nós, de uma semente que foi germinando até chegar a altura de se revelar. Pelo que vivenciamos, do que olhamos, sentimos e refletimos, acreditamos que uma mudança perante o que nos rodeia é de uma importância vital e determinante. Mas como alterar a nossa perspetiva perante a realidade que parece cristalizada e formatada? De facto, estamos habituados a folhear livros, cuja forma nos entusiasma, mas que em termos de conteúdo apenas alimentam um vazio, dando receitas para tudo mas esquecendo que, quando se lida com a dor e o sofrimento, tudo muda, porque tudo se altera. Na vertente do cuidar onde nos situamos, abordaremos o alívio da dor, o sofrimento desmesurado e inútil, a compaixão, a empatia, uma vida com qualidade, a morte e o luto 10
e o autocuidado dos profissionais – aspeto que ainda não merece a atenção dos próprios, das chefias, dos gestores hospitalares e dos docentes das escolas de Saúde. Sentimos que falta humanidade no verdadeiro sentido da palavra. O caminho é apenas e tão só uma miragem, porque são atalhos labirínticos de alguém que se perdeu. Importa enfatizar que a área onde nos movemos não se situa nos equipamentos, nem nos aspectos funcionais mas sim na PESSOA . E não podemos ignorar que a escassez de (in) formação sobre este tema, e muitas vezes de tempo, tem consequências graves tanto no que cuida como no que é cuidado. Gostaríamos também que a Ética fosse um fio condutor na nossa reflexão e não apenas um lugar-comum de que se fala, sobre o qual se lê e que é objeto de investigação, mas que acaba fechado numa gaveta. Coerência é a palavra chave. Formar, informar, questionar, tentar encontrar “ferramentas” sem receitas prévias ou pré-fabricadas. Ajudar em conjunto a construir ideias, raciocínios claros, sabendo de antemão que, na maioria das vezes, as questões que emergem são difíceis e, acima de tudo inquietantes. Os cuidados paliativos são hoje reconhecidos como um direito humano fundamental, mas sabe-se que apenas uma pessoa em cada dez tem acesso a estes cuidados em fim de vida. A Organização Mundial de Saúde diz-nos que existem cerca de sete milhões de crianças em todo o mundo com necessidades paliativas. E no nosso país? Desconhece-se em rigor, mas estima-se que possam existir cerca de seis mil crianças (dos 0 aos 17 anos) a viverem com necessidades paliativas (dados de prevalência internacional aplicados à população pediátrica portuguesa em 2013 por Ana Lacerda e cols) [1]. Este número aparentemente pequeno esconde pessoas, crianças e jovens, pais, irmãos, outros familiares, amigos e profissionais. E não esqueçamos também que, dada a evolução da Ciência, estas crianças poderão ter vidas longas, repletas de desafios complexos, não só do ponto de vista médico, mas também numa perspetiva psicológica, espiritual e social, exigindo uma reflexão cuidadosa e uma atenção renovada ao longo de todo o seu percurso. PARA COMEÇAR | 11
E quando não sobrevivem? E quando a morte acontece? Fica-nos a ideia ou sensação, quase generalizada, de que morrer é tido quase como um “lugar” para ser passado (ou vivido) o mais rapidamente possível, assético, conspirado no silêncio e sombreado de medos sem vislumbre de uma qualquer luz. Apelamos, pois, ao leitor para que, ao refletir sobre cuidados paliativos, não o faça tendo em vista os cuidados em fim de vida. Caso contrário estaríamos estagnados no que não queremos. Há tanto para fazer mesmo quando se afirma que já não há mais nada para fazer! Já pensou nisto? Este livro apela ao contrário. É de vida que estas vidas são vividas, vida que se prolonga nos que ficam depois dos que partem. Vida que se redescobre desde o diagnóstico, que se transforma e nos transforma, onde nasce a resiliência a cada agudização, vida que quando se aproxima do seu final nos (re) aproxima enquanto o corpo parte e o ESPÍRITO paira. Ao abordarmos alguns aspetos dos cuidados paliativos iremos mostrar que, para além do imprescindível imperativo científico, existe uma outra dimensão da Medicina e a possibilidade da descoberta de uma humanidade que nos faz sermos PESSOAS e seres únicos, portadores de uma individualidade desde o momento em que nascemos até ao momento em que a morte nos acontece. E é neste horizonte tão vasto quanto a imaginação pode abarcar que os cuidados paliativos encontram um lugar e uma missão. É neste enquadramento que este livro convida o leitor a percorrer connosco esta viagem. Quantas vezes o menos pode mais? Quem está ao lado dos que vão iniciar a viagem, por vezes sem regresso, deve sentir vontade de proteger, de se proteger também, de aliviar a dor e confortar o sofrimento e de olhar com compaixão e ternura o apelo do doente e da família. Serão essas competências adquiridas ao longo dos Cursos que frequentamos? Acreditamos que NÃO! É no confronto com a realidade que nos interpela, e não convivendo apenas com a teoria, que poderemos mudar o nosso interior, que teremos acesso a um sentido que vai mais além do significado e de um trabalho do eu com um tu. É, pois, 12
também necessário um autoconhecimento de tudo o que em nós tem potencialidades para ser dado. Mas como posso eu dar o que nem sequer sei que sou ou tenho? É nessa mudança interior que será possível uma consciência mais apurada dos limites da Medicina, mas também da dimensão ilimitada da nossa capacidade de estar, sentir e acompanhar. Oferecer o que de melhor somos e temos, numa nova Missão, conscientes de que também somos responsáveis por aquela criança ou jovem e pelo tempo de vida que ainda lhe pertence, mas também pelos seus pais e pelos seus irmãos. E indo mais além, sentirmo-nos responsáveis pela equipa que cuida e pelo nosso Cuidado. Estamos numa mudança de paradigma, e aí nos situamos, onde o profissionalismo e a espiritualidade devem surgir no início do diagnóstico de doenças graves e limitadoras de vida e numa recusa a um prolongamento obstinado feito de tratamentos fúteis e desnecessários. É também aí que acreditamos que um novo mundo se pode e deve abrir. Num tempo sem tempo onde o doente é o centro. É também aí que o silêncio toma lugar e sem medo se expande, a escuta se propõe, a relação se estabelece numa disponibilidade que fará a diferença. Qual a diferença entre medicar para a dor e acompanhar cuidando, assumindo uma perspetiva de dor total corpo-mente-espírito? Qual a diferença entre banhar e lavar? Como acompanhar e estar de corpo e alma numa forma inteira porque coerente? Como saberemos ouvir sem juízos prévios, e deixando a nossa “bagagem interior” fora de nós, focando-nos apenas e só no Outro? Como acalentar as lágrimas e deixar que o grito e a raiva do Outro extravasem? E, mesmo no recato do silêncio, como saber geri-lo quando uma qualquer palavra pode estar a mais e sem querermos, nos pode trair? Este é o mundo dos cuidados paliativos que gostaríamos de convidar o leitor a percorrer connosco, lançando interrogações e desafios, despertando inquietações capazes de alterarem atitudes e comportamentos no saber ser e estar. Propomos que o leitor se permita pensar com inteligência e a abrir o coração sem medos tendo esperança na mudança para um futuro melhor porque mais humanizado e humanizante. A reflexão que lhe PARA COMEÇAR | 13
propomos tem um caráter de URGÊNCIA . Estamos cientes de que abriremos uma janela, ainda que discreta, fundamentada na realidade. Feita de seriedade e de uma crença, mas também de um sonho acalentado de alterações de comportamentos e atitudes. Sim, porque os que sofrem não podem esperar nunca. E esperam por nós. E daí a viagem através deste livro. Que é seu e para que faça parte de si desejamos que seja um bom e belo companheiro de viagem. Este livro resume, pois, uma viagem iniciada há quatro anos. O diário de bordo inclui inúmeros contatos, visitas, leituras, experiências partilhadas, emoções, silêncios e alegrias. Daí fomos retirando elementos para construir um percurso, para permitir ao leitor um olhar sobre alguns aspetos dos cuidados paliativos domiciliários que, no nosso país, são oferecidos às crianças e às suas famílias. Cruzámo-nos com vários personagens e os seus tocantes depoimentos a ilustrar os seus percursos, traduziram-se em testemunhos que poderão conduzir o leitor a uma reflexão sobre o significado do paliar em qualquer idade e as consequências para os familiares durante o tempo que irá moldar as suas vidas. Esta obra não pretende ser um espesso manual de aprendizagem mas apenas um convite para parar e refletir sobre a forma como cuidamos de crianças atingidas por doenças graves e fatais nos seus domicílios, assim como no sofrimento e na esperança de quem os acompanha. Compreender o lugar e o papel das mães é fundamental para iluminar o nosso olhar sobre este tempo doloroso e de procura de sentido. Convoca-nos a meditar sobre o que dizemos e fazemos como profissionais, parceiros e testemunhas na rota dura e solitária percorrida pelos pais. É com o coração cheio de gratidão que agradecemos a todos os que nos privilegiaram com a partilha da sua narrativa de vida (tanto profissional como pessoal), contribuindo para reforçar a mensagem deste livro. Foram muitos os que nos estimularam a continuar a escrever, não
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apenas porque acolhíamos as suas mágoas, mas também por considerarem que o nosso projeto era pertinente e necessário. Esperamos não ter deixado alguém para trás, nesta breve homenagem. E, se for o caso, pedimos humildemente perdão. Agradecemos reconhecidos o contributo dos que se dedicam ao alívio do sofrimento físico, emocional e psicológico daqueles que padecem e morrem de doença, por vezes em situações difíceis de descrever. As narrativas que nos ofereceram reforçam o conceito que define os cuidados paliativos – tanto em instituições urbanas como nos domicílios rurais – uma forma especializada de cuidar de crianças e adultos, num tempo onde a ciência e a técnica são determinantes, mas onde o investimento pessoal, a generosidade, a disponibilidade e a competência relacional, formam as traves-mestras para a confiança indispensável entre todos os atores. A experiência e a sabedoria de Frei Hermínio Araújo, de Elsa Mourão (fundadora da LINQUE), Emília Fradique (enfermeira especialista em cuidados paliativos), Alexandra Dinis (intensivista pediátrica no Hospital Pediátrico de Coimbra), Filomena Pereira (diretora do serviço de pediatria no IPO de Lisboa), Ana Lacerda (pediatra no IPO de Lisboa), Maria de Jesus Moura (psicóloga também nos quadros do IPO de Lisboa), recordaram-nos, a cada passo e com natural disponibilidade, as suas opções de vida. Temos também bem presentes os depoimentos das enfermeiras Maria Godinho e da educadora Rosário Carvalho, que partilharam connosco os relatos das duras lutas contra a doença (travadas por crianças e famílias), nos seus serviços do IPO de Lisboa. À Teresa Fraga, que levantou do nada uma instituição modelar (e até agora a única no país) dedicada exclusivamente aos cuidados paliativos pediátricos. À Eulália Calado, neuropediatra do Hospital D. Estefânia, que partilhou connosco a sua enorme experiência no tratamento e cuidado de crianças atingidas por doenças neuromusculares graves, encarregando-se também das suas famílias. Mostrou-nos como se vive e se trabalha com poucos apoios e muita dor, nos percursos doridos e esgotantes PARA COMEÇAR | 15
de mães em vigília permanente todos os minutos, horas, dias e noites… numa sequência de anos longamente repetidos. O relato de tantas vidas sofridas que vislumbrámos nos encontros com Margarida Alvarenga, enfermeira do IPO do Porto e Armando Pinto, ao tempo diretor do serviço de Pediatria da mesma instituição. À amiga Isabel Figueiredo, enfermeira de longo caminho na pediatria do IPO do Porto, que nos ofereceu as histórias dos envolvidos nesta luta sem tréguas, desde o início até à morte. E a escuridão do luto que vivem, com intensidade. Somos devedores de uma profunda gratidão a Luís Quintino, pela generosa partilha do lancinante percurso da doença e morte do seu filho. À Alexandrina Pinto, que partilhou connosco o dia-a-dia da sua Anocas, com doença grave e prolongada. À Cristina Rodrigues, que, como psicóloga da Liga Contra o Cancro, abordou connosco as penosas experiências do luto. Ao Francisco Abecassis, da UCIP do Hospital Santa Maria (Lisboa) e ao Augusto Ribeiro da UCIP do Hospital S. João (Porto), ambos intensivistas pediátricos que abordaram o sofrimento dos pais e dos profissionais que no ambiente trepidante das unidades de cuidados exigem parar para pensar nas decisões, nos dilemas e nos confrontos, tantas vezes insuperáveis, com a doença e a morte. A Pilar Azevedo, pneumologista, agradecemos reconhecidos o relato sereno do sofrimento e angústia dos seus pacientes com doenças respiratórias crónicas, iniciadas na infância e que, já adolescentes e jovens adultos, são entregues ao cuidado da sua equipa no serviço no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. À Alexandra Dinis, intensivista pediátrica em Coimbra, que nos cativou com a sua serena amizade, disponibilidade permanente e incansável generosidade para com doentes e familiares. Agradecemos, de coração pleno, o privilégio de termos acompanhado Jacinta Fernandes e Eduarda Soares nas estradas sinuosas que conduzem a aldeias perdidas do planalto mirandês, levando o alívio da 16
dor e outros sintomas, oferecendo o calor da sua presença e o silêncio apaziguador dos abraços a tantas famílias sufocadas pelo isolamento e solidão. À Cândida Cancelinha, e à sua dinâmica equipa que regularmente sai do Hospital Pediátrico de Coimbra para uma volta de mais de 200 km, levando tudo o que a medicina pode oferecer a famílias acantonadas na sua solidão e angústia. A serenidade da Cândida e do seu grupo, a alegre eficiência dos elementos da sua equipa, eram como o sol a entrar pelas casas das gentes cujas lágrimas há muito secaram. Recordamos, com enorme reconhecimento, Liseta Gomes e Teresa Ramos. O acolhimento na Unidade de Cuidados Paliativos de Macedo de Cavaleiros e a partilha do seu dia-a-dia, embalados pela música que, vinda da enfermaria, mostrava como o paliar não se esgota na tecnociência. À Ana Bernardo e à sua equipa no Hospital Nossa Senhora da Arrábida (Setúbal), que nos deu a conhecer o modo empático e disponível como cuidavam dos adultos (muitas vezes em fase terminal) e o apoio ao luto dos que ficavam. Todos nos mostraram, com a verdade nua e crua do seu trabalho, em condições tão difíceis, o modo como os doentes e as famílias vão resistindo e sobrevivendo ao dramático confronto com doenças incuráveis e fatais. O nosso caloroso agradecimento a António Barbosa, José Manuel Pereira de Almeida, Manuel Silvério Marques, Susana Magalhães e a Maria Rufino pela ajuda solícita e enorme disponibilidade na revisão dos textos, sugestões e constante incentivo para levarmos de vencida a viagem que iniciamos. O que temos para vos oferecer, em especial as diferentes perspetivas do cuidar e o enriquecimento dos textos, deve-se também à visão destes nossos amigos. Deixamos propositadamente para o final as mães, que tão carinhosamente nos ofereceram o relato das suas vidas duras e solitárias, de anos passados como cuidadoras totalmente dedicadas aos seus filhos.
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A Ana Paula, a Ana e a Helena permanecem para sempre nos nossos corações. Só elas mantinham a comunicação com os filhos, interpretando sinais quase invisíveis para identificar afetos e necessidades. Mostraram-nos, de modo indescritível, como o amor de mãe pode alimentar a esperança em situações onde é muito difícil vislumbrar a esperança. E ainda partilharam a dor profunda de uma maternidade frustrada e a outra dor, ainda mais aguda, pelos filhos que partiam, sem nunca lhes terem oferecido a alegria de uma infância saudável. Estaremos para sempre gratos e desejamos que o seu relato toque o leitor, em especial os que vão iniciar o percurso dos cuidados paliativos, assumindo com coragem o compromisso de ajudar, escutar, cuidar e sofrer. Chorámos juntos muitas vezes porque há dores inconsoláveis, mas também partilhámos, intimidados e perplexos, a luz de uma esperança, que de modo incrível sobrevivia no coração das mães. Só quando recentemente lemos Tolentino Mendonça que escreveu que “É quando nada parece garantido que a esperança joga um papel fundamental, mobilizando-nos para não cruzarmos os braços nem nos darmos por derrotados”[2], é que compreendemos a força que movimentava essas mães heroínas, que tivemos o privilégio de conhecer. Cada um dos capítulos deste livro é precedido pelo relato de um percurso na forma de um testemunho ou narrativas vividas que justificarão os conceitos alinhados nos textos que os seguem. Permitirão ao leitor uma ponte entre a teoria e o terreno duro da prática.
[1]
Cuidados Paliativos Pediátricos – Relatório do grupo de trabalho do
gabinete do secretário de estado adjunto do ministro da saúde, despacho 8286-A/2014. [2]
Tolentino Mendonça J., “Que coisa são as nuvens – O interruptor”.
Revista Expresso, 29 de setembro 2020, pE-90).
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