Leonor Ferrão Leonor Ferrão é arquitecta e historiadora, mestre e doutora em História da Arte pela Universidade Nova de Lisboa (especialidade Arquitectura e Urbanismo da Época Moderna), Professora Auxiliar (com Agregação) da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa (FA/UL) e investigadora integrada do Centro de Investigação em Arquitectura, Urbanismo e Design (FA/UL).
Eugénio dos Santos, Arquitecto e Engenheiro militar
Eugénio dos Santos foi Arquitecto do Senado de Lisboa, entre outros cargos que ocupou na Corte e Província do Alentejo. A sua obra mais conhecida é o plano de reconstrução de Lisboa, destruída pelo terramoto de 1 de Novembro de 1755. Para além da Nova Lisboa, deixou outras obras importantes, que permitem configurar uma poética pessoal – em linha com os precursores da Arquitectura da Revolução. Este livro investiga as circunstâncias que rodearam a sua concepção, construção, uso e recepção, num arco temporal que ultrapassa os reinados de D. João V e de D. José I.
BY THE
BOOK
Leonor Ferrão
Eugénio dos Santos (1711-1760)
arquitecto e engenheiro militar
Cultura e Prática de
Arquitectura em
Portugal no
Século XVIII
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Leonor Ferrão
Eugénio dos Santos (1711-1760)
arquitecto e engenheiro militar
Cultura e Prática de
Arquitectura em
Portugal no
Século XVIII
B Y THE
BOOK
à memória de Maria Teresa Mendes Leitão
BY T HE
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Edições Especiais, lda Rua das Pedreiras, 16-4º 1400-271 Lisboa T. + F. (+351) 213 610 997 www.bythebook.pt
Título: Eugénio dos Santos (1711-1760), arquitecto e engenheiro militar: Cultura e prática de arquitectura em Portugal no século XVIII Autor: Leonor Ferrão Apresentação: José Eduardo Horta Correia Prólogo: Juan Calatrava Escobar Design editorial: Marco Neves Composição gráfica: David Pires Edição e Produção: By the Book, Edições Especiais Capa: composição com imagem de portada e rosto do livro de Marc-Antoine Laugier, Essai sur l’architecture. Nouvelle édition (A Paris, Chez Duchesne, 1755) Foto: Alberto Faria ©ANBA 1. SANTOS, Eugénio dos, 1711-1760 – Biblioteca 2. SANTOS, Eugénio dos, 1711-1760 – Poética em Arquitectura 3. Bibliotecas Particulares – Portugal – Século XVIII 4. Arquitectos – Prática – Portugal – Século XVIII 5. Engenheiros Militares – Prática – Portugal – Século XVIII 6. Arquitectura – Portugal – História - Século XVIII 7. Cultura – Portugal – Século XVIII 1. SANTOS, Eugénio dos, 1711-1760 – Library 2. SANTOS, Eugénio dos, 1711-1760 – Poetics of Architecture 3. Private Libraries – Portugal – 18th Century 4. Architects – Practice – Portugal – 18th Century 5. Military Engineers – Practice – Portugal – 18th Century 6. Architecture – Portugal – History – 18th Century 7. Culture – Portugal – 18th Century ISBN: 978-989-8614-46-9 Depósito Legal: 431931/17 Copyright © 2017 Leonor Ferrão, todos os direitos reservados Este livro foi financiado pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia através do CIAUD – Centro de Investigação em Arquitectura, Urbanismo e Design da Faculdade de Arquitectura, Universidade de Lisboa
Sumário 11 Agradecimentos 12 Abreviaturas e acrónimos 15 Apresentação José Eduardo Horta Correia 17 Prólogo Juan Calatrava Escobar
21 Introdução 34
Notas
37 Parte I 39 Capítulo 1 Livrarias reais na política cultural do rei D. João V 52
Notas
65 Capítulo 2 Livrarias dos Grandes de Portugal: salas ornadas de livros ou cenáculos de ilustração 89
Notas
101 Capítulo 3 Refugiados, viajantes e «viageiros» 110
Notas
117 Capítulo 4 Senhoras instruídas: interesses e hábitos de leitura 126 Notas 131 Capítulo 5 Elites emergentes: a pequena nobreza e a «nobreza natural» 138
Notas
145 Capítulo 6 Elites emergentes: os engenheiros militares
160
Notas
167 Parte II
169 Capítulo 7 Guerras da razão e da religião 174 Notas
181 Capítulo 8
A terceira vaga censória
197 Notas
203 Capítulo 9
Livros que prescrevem livros
212 Notas
217 Capítulo 10
A biblioteca de Eugénio dos Santos : problemas e paralelos comparativos
227 Notas
233 Capítulo 11
A biblioteca de Eugénio dos Santos : reconstituição de catálogo
257 Notas
279 Capítulo 12
A biblioteca de Eugénio dos Santos : uma leitura
316 Notas
333
Parte III
335
Capítulo 13 O exercício da profissão de arquitecto em Portugal no século XVIII
366
Notas
385
Capítulo 14 O exercício da profissão de engenheiro militar em Portugal no século XVIII
430
451 475
487 496
Notas
Capítulo 15 A poética de Eugénio dos Santos Notas
Conclusão Notas
498 551
Documentos Notas
556
Figuras
656
Bibliografia
657 665 670 671
Manuscritos Desenho, gravura, pintura e escultura Fotografia Impressos
698
Índices
699 707 711
Figuras Documentos Remissivo
Apresentação O texto que ora se dá à estampa é um estudo aprofundado sobre Eugénio dos Santos, mas apresentado sob um prisma diferente das tradicionais biografias de arquitectos, arriscando uma metodologia, praticamente inexistente até agora em Portugal, de abordar a História da Arquitectura. A Autora utiliza o pretexto das livrarias setecentistas, reais ou particulares, para ponto de partida de uma abordagem de História da Cultura em Portugal no século XVIII, atingindo a ideologia, a religião e a sociedade. A convergência desta conjuntura faz-se no estudo das elites culturais e sociológicas, até atingir o grande objectivo do texto: a engenharia militar. O estudo sobre Eugénio dos Santos acaba por ser uma intromissão pela cultura, erudição e situação sociológica do arquitecto e ou engenheiro militar no seio da sociedade portuguesa. A partir daqui, Leonor Ferrão atinge o cerne da questão: o concreto enquadramento de Eugénio dos Santos como profissional de arquitectura a partir da sua formação como engenheiro militar. E é precisamente investigando como era a práxis da profissão de arquitecto e engenheiro militar à época que consegue, finalmente, interpretar como historiadora da arquitectura a poética de Eugénio dos Santos, escopo do seu trabalho. Ela é lida como fruto de um posicionamento não só cultural, resultante da enorme erudição, sobretudo francesa, bebida na sua biblioteca, como também ideológica, com as contaminações jansenistas a ajudarem a entender o seu despojamento, expressão de uma espiritualidade austera, até agora entendida apenas como reflexo da formação teórica-prática com os grandes mestres da Engenharia Militar Portuguesa. Neste sentido, ao investigar casos concretos das obras através de contratos e autos de vistoria, Leonor Ferrão atinge o seu objectivo de entendimento do arquitecto-autor, fundamentando atribuições até agora vagas, e ao mesmo tempo conseguindo encontrar-lhe uma “poética própria”, autonomizando-o da tradicional diluição em que a metodologia pombalina e a morte precoce acabam por inquinar a sua obra. Pelo menos na pena da maioria dos historiadores. Curiosamente, ao mesmo tempo que se autonomizam as autorias de Eugénio dos Santos, consegue-se dar muita luz para a prática da arquitectura e da engenharia militar em Portugal na segunda metade do século XVIII e contribuir para a aclaração da História da Arquitectura. Exemplo de convergência entre aturada investigação de arquivo, reflexão histórica e procura da dimensão estética. José Eduardo Horta Correia Gambelas, 31 de Julho de 2015
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Prólogo Lo primero que hay que decir sobre este espléndido libro de la profesora Leonor Ferrão es que, en contra de lo que suele ocurrir, da mucho más de lo que su título promete. Por supuesto, es, en cierto modo, una biografía sui generis, la del ingeniero y arquitecto Eugenio dos Santos, a quien debemos en gran medida la imagen de la Lisboa posterior al terremoto de 1755. Pero es además otras muchas cosas. La autora ha comprendido muy bien el valor sintomático que pueden tener determinadas biografías hasta asumir la función de verdaderos retratos colectivos de una época, y la figura de Eugenio dos Santos se convierte así no en un objeto de estudio autista, encerrado en sí mismo, sino en el vehículo que nos permite adentrarnos en el análisis de la arquitectura y el urbanismo portugueses del XVIII y, sobre todo, comprender mejor su extrema complejidad y dejar atrás toda una serie de mitos simplificadores. La cita de José Augusto França que abre el libro no es sólo un merecido homenaje a un maestro admirable, sino una toma de postura intelectual de la autora sobre lo que constituye uno de los principales valores del mismo: su carácter de historia global e interdisciplinar. Leonor Ferrão conoce y afronta con rigor el difícil entrelazamiento de los hechos históricos de todo orden (el amasijo de serpientes de que hablaba Aby Warburg, la madeja de hilos a la que aludía Pierre Francastel o el puzzle de Manfredo Tafuri) que concurren en la arquitectura y renuncia a plantear su estudio exclusivamente desde un punto de vista estilístico, formal, compositivo o incluso constructivo. Como reclamaba França, Leonor Ferrão asume plenamente que la historia de la arquitectura es, ante todo, historia. Con el sólido cimiento de un impresionante trabajo de archivo y de un riguroso análisis del estado de la cuestión, nos ofrece un retrato de las sombras y luces del reformismo portugués en las décadas centrales del XVIII: las “Luces” joaninas y josefinas, que en buena medida presentan paralelismos históricos con las “Luces” de los Borbones españoles, y en especial de Carlos III. El conflictivo panorama político, social y religioso en el que se construye la Lisboa de mediados del XVIII, tal y como nos lo presenta la autora, es inseparable de los numerosos estudios históricos que nos han revelado el modo en que las ideas filosóficas elaboradas en los laboratorios de la intelligentsia ilustrada fueron recicladas y domesticadas desde círculos de poder más interesados en construir las modernas formas de dominio que en la “felicidad” de sus súbditos. Leonor Ferrão nos ofrece dos vias privilegiadas (además del estudio de los propios edificios y realizaciones urbanísticas) de acceso al conocimiento de la complejidad arquitectónica y urbanística del XVIII luso y de las múltiples facetas de la figura de Eugenio dos Santos: las bibliotecas y la organización y ejercicio de la profesión de ingeniero militar y de arquitecto. Respecto al primero de estos aspectos, las bibliotecas (tanto en su continente ar17
quitectónico como en su contenido libresco) son acertadamente identificadas como lugares en los que cristalizan las cuestiones cruciales de la cultura de una época. En la línea de toda una historiografía reciente sobre bibliotecas, lectores y difusión de los textos (con nombres como Roger Chartier, Peter Burke o Fernando Bouza), la autora nos ofrece un verdadero estudio de historia cultural, analizando en todas sus contradicciones tanto la cultura de las élites sociales (“os grandes”) como de las “élites emergentes”, es decir, la pequeña nobleza, la “nobleza de toga” o, sobre todo, los profesionales (especialmente ingenieros militares), sin olvidar los problemas de la censura, el acceso a los libros, los viajeros y la mirada a la realidad portuguesa desde el exterior. Por supuesto, un lugar aparte merece la biblioteca de Eugenio dos Santos, que es objeto de un riguroso y multifocal estudio (incluyendo la no siempre fácil identificación de títulos) que nos permite apreciar su amplia cultura arquitectónica, de predominio francés, con un destacable interés no sólo por la tratadística técnica sino también por los debates artísticos y literarios. Una biblioteca, sin embargo, asimétrica, en la que -al lado de ausencias notables como Alberti o el Cours de Blondel- están presentes algunos de los hitos principales de la tratadística classicista, pero también elaboraciones francesas más recientes (Laugier...), y además una significativa presencia hispana (López de Arenas, Fray Lorenzo de San Nicolás, Juan de Arfe, Tosca...). Junto a las bibliotecas, el otro camino por el que la autora nos permite acceder a la riqueza y complejidad de este momento histórico es el análisis de las profesiones de ingeniero (en especial ingeniero militar) y arquitecto y de las difíciles condiciones de su ejercicio. En un panorama en el que se reparten las competencias entre ingenieros militares y arquitectos (en Portugal, como en Francia o como en España, es ahora cuando surge esa famosa querelle todavía hoy no cerrada), con un saldo por entonces claramente favorable a los primeros, los profesionales del construir han de moverse en un tablero de juego de reglas confusas, en el que la persistencia de prácticas casi gremiales convive con las iniciativas oficiales reformistas encaminadas a fundamentar esos oficios sobre nuevas bases modernas y científicas. Por otro lado, la frontera entre lo privado y lo público es difusa, como lo es también el reparto de funciones en el seno de la propia administración. En este sentido, no es uno de los méritos menores de este libro el poner de relieve los laberintos institucionales en los que han de aprender a moverse los profesionales: el trabajo de Eugenio dos Santos no se desarrolla en un espacio claro y diáfano, sino en un entramado institucional en el que no se trata del “Estado” en sentido abstracto, sino de la Casa das Obras, el Senado, la Casa de Obras Públicas e Novos Arruamentos... Eugenio dos Santos se ve obligado a trabajar, como Francisco Sabatini y Juan de Villanueva en España, en los nodos de esa tupida red de instituciones. Lo hará cada vez más apremiado, sobre todo a partir de 1755, en un contexto marcado por las urgencias y la acumulación de tareas; pero, al igual que los dos arquitectos españoles citados, sabrá hacer de la necesidad virtud y ser “moderno” en el seno de unos organismos que en gran medida no lo eran tanto. Destaca en el estudio de Leonor Ferrão el retrato de Eugenio dos Santos como un profesional al servicio de la res publica que tiene en todo momento muy clara la subordinación de la arquitectura al urbanismo (no en vano entre sus referentes cono18
cidos se encuentran Pierre Patte o Pietro Cataneo). Y es que en el fondo este libro, aunque no presente ningún capítulo explicitamente titulado “El urbanismo de Lisboa” o algo similar, nos habla de la construcción de una ciudad en la que algunos quisieron ver realizadas las utopías de la razón, mientras que otros simplemente aspiraban a una modernización eficiente y monumental. Así, la “Lisboa pombalina”, con los avatares de la Praça do Comerço, el problema particular del area de Rossio, la azarosa andadura de la construcción de un nuevo palacio, real las presiones de los propietarios de suelo, etc., nos es presentada en un relato mucho más articulado y menos lineal, revelándonos no sólo los resultados finales sino sobre todo el proceso de elaboración de los proyectos, las ideas descartadas... es decir, todo eso que un gran historiador denominó “los despojos de la batalla”. Destaca sobre todo la reconsideración del papel jugado en toda esta historia por el terremoto de 1755. Para Leonor Ferrão, este acontecimiento catastrófico no fue realmente un punto de partida desde cero, sino más bien el fuerte catalizador de procesos que en buena medida ya estaban en marcha previamente. La célebre gaiola no sería, así, en absoluto una invención ex novo posterior al terremoto, sino el resultado, en una situación de apremiante urgencia, de la reelaboración de saberes constructivos muy anteriores que son ahora vertidos en el crisol del genio pragmático de Eugenio dos Santos. Y el éxito de este brillante capítulo del urbanismo europeo de las Luces, lejos de ser un acto demiúrgico ex novo, se nos aparece más bien como el resultado de una organización y planificación eficientes y de unas prácticas constructivas suficientemente testadas en importantes construcciones anteriores a 1755 (Mafra, Nossa Senhora das Necessidades, el Acueducto das Aguas Livres...). Al mismo tiempo, se evidencia el contraste entre las escalas de lo urbanístico y lo arquitectónico, ya que la ruina de Lisboa supuso en este último ámbito una oportunidad, que, sin embargo, no dará lugar a un amplio proceso de innovación tipológica. Con este libro Leonor Ferrão aporta su – hasta el momento – contribución mayor a una larga trayectoria de investigación en la que destaca también de modo especial su libro sobre A Real Obra de Nossa Senhora das Necessidades, que podría considerarse un antecedente del que ahora tenemos el placer de descubrir. Al final, con Eugenio Dos Santos tenemos el retrato – repetido en otros arquitectos de mediados del XVIII – de un arquitecto pre-revolucionario, imbuido de manera selectiva de la cultura universalista de las Luces pero al mismo tiempo preocupado por no hacer tabla rasa de la tradición constructiva portuguesa. Un arquitecto que sabe ser moderno sin ser anticuario. Y un retrato que nos permite añadir una importante pieza a la trabajosa recomposición de nuestra visión de la arquitectura y la ciudad del XVIII que la historiografía lleva trazando desde hace varias décadas y en la que aún queda mucho por hacer.
Juan Calatrava Escobar, Universidad de Granada Granada, 8 de Septiembre 2015
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PARTE I
Retrato de D. João V Giorgio Domenico Duprà (atrib.), 1725 Foto: ©BUC
CAPÍTULO 1, Livrarias reais NA
política cultural do rei
D. JOÃO V.
L’on peut en général regarder une grande collection de livres dans quelque genre que ce soit, comme un recueil de mémoires pour servir à l’histoire de l’aveuglement & de la folie des hommes; & on pourroit mettre au-dessus de toutes les grandes bibliotheques cette inscription philosophique: Les petites maisons de l’esprit humain.1 E porque a pericia de reynar naõ se exercita só em distribuir os premios, mas tambem em apurar, e exercitar os engenhos [...]. Elle edificou Bibliothecas grandissimas em Coimbra, Mafra, Lisboa, aparelhadas com todo o genero de Livros, e instrumentos: ornou outras com abundancia de livros.2
A
o clima de lento mas progressivo aggiornamento cultural que caracterizou o reinado de D. João V (1689-1707/1750), seguiu-se um tempo marcado por diversas aberturas mas também por muitos fechamentos.3 Todavia, durante o reinado de D. José I (1714-1750/1777), apesar da complexa conjuntura nacional e internacional, Portugal não ficou alheado dos sucessos e insucessos da elite intelectual 4 europeia, nem voltou às trevas após a sua morte, por mais que alguns contributos relativamente recentes insistam nessa ideia.5 Contudo, por razões de sobrevivência do Estado, «a prevenção contra as [novas] ideias filosóficas [...] [foi] total.6 Na passagem de testemunho, as quezílias entre os dois partidos e as ambições de partilha de poderes e de influência junto do trono encobriram as grandes questões nacionais que tocaram diversos domínios da esfera pública e da esfera privada.7 Muito se disse e escreveu sobre a crise económica do final do reinado de D. João V e, novamente, do período final do reinado seguinte.8 A maior parte dos críticos de D. João V extrapolaram aspectos da sua intimidade para apoucar a sua acção política e cultural.9 Para esta concepção negativa do reinado do Magnânimo, terá contribuído a timidez da sua política económica – embora a quantidade de recursos naturais e as medidas macro-económicas por si só não sejam suficientes para gerar riqueza.10 A recolha de instruções dadas aos embaixadores franceses acreditados em Portugal, publicada em 1886, também poderá ter contribuído Capítulo 1: Livrarias reais na política cultural do rei D. João V
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para escurecer a avaliação produzida pelos historiadores portugueses.11 Os críticos do reinado seguinte fixaram-se na figura de Sebastião José de Carvalho e Melo (16991782),12 na governação despótica e no seu «furor legislativo», perdendo de vista a verdadeira motivação subjacente ao ímpeto reformista josefino, mais reactiva do que generativa, segundo Borges de Macedo (1924-1996),13 pré-concertada e pré-concebida, segundo José Sebastião da Silva Dias (1924-1994).14 Os antagonismos entre detractores e apologistas dos dois reinados não começaram com os historiadores românticos. António Pereira de Figueiredo (1725-1797), preconiza uma abordagem desfavorável do passado próximo para exaltar os méritos do reinado de D. José, num curioso jogo de luzes e de sombras.15 A forma é, ainda, panegírica mas a substância, atendendo ao percurso, à astúcia e às qualidades de inteligência de Figueiredo, nasce de uma convicção profunda e autêntica – a ingratidão que aparenta exibir para com D. João V, protector indiscutível do Oratório em Portugal, não é mais do que um exercício de retórica para se colocar do lado «certo» na nova conjuntura política e estimular o ímpeto reformador de D. José I. Pereira de Figueiredo divide a História de Portugal em quatro épocas, sendo a quarta a que se inicia com o reinado de D. José I – alinhando com os modernos, que rejubilam com o tempo presente por ser considerado melhor do que o passado.16 Propõe a seguinte periodização: de D. Afonso Henriques até D. João I (reconquista cristã, aumento e consolidação das fronteiras do reino); de D. João I a D. João III (expansão portuguesa para todos os continentes e Portugal era «a fortuna das Letras em toda a Europa»); de D. João III até D. João V (a decadência): Nella, exceptuando a restituição do Sceptro á Serenissima Casa de Bragança, não fizeram os nossos Acção alguma, que se possa chamar Filha do antigo brio Português, ou da antecedente cultura dos espiritos. Nas primeiras duas Épocas mostraram-se os nossos Reys verdadeiramente Reys; se bem que alguns com maior felicidade, do que talento. Na terceira não conserváram de Reys senão as sombras; mostrando-nos huma longa experiencia, quanto puderamos esperar das clarissimas luzes, e sublimes virtudes do senhor Rey D. João V e quanto a força da intriga, e da emulação nos fez perder. Se neste meyo tempo Portugal logrou alguma reputação nas Armas, foi este hum effeito necessario da fresca memoria das nossas Proezas em Africa, e na India. Se logrou algum nome na Litteratura pelos Escritos ou de Résende, ou de Estacio, ou de Osorio, ou de alguns outros; todos estes foram huns como Residuos da Escola antiga, que desde o tempo do grande Infante D. Henrique tinha florecido, e fructificado entre nós admiravelmente. [...] Neste estado da Authoridade Regia anniquilada, dos Espiritos inteiramente enervados, da Litteratura moribunda, das Artes sepultadas; achou ElRey que Deos guarde o Reino, quando aos trinta e seis annos da sua idade chegou ao Governo não tanto o Direito da Successão, como o divino conselho da Providencia. A qual parece lhe dilatou tanto a posse do Sceptro, para que elle ajuntando ao seu incomparavel juizo, e penetração a longa experiencia do que tinha visto; e tendo assim mais tempo de conhecer o que faltava, e qual fosse a origem da nossa decadencia; provesse depois tudo com maior acerto, e melhor successo. [...] Como de tudo o que era bom, util, e necessario, achou SUA MAGESTADE falto o Reino; tudo lhe foi necessario supprir.17
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Eugénio dos Santos (1711-1760), arquitecto e engenheiro militar
Entre depreciadores e reabilitadores se foi (re)fazendo a historiografia do século XVIII português. É justo reconhecer o esforço de isenção de Francisco Luís Gomes (1829-1869) e de João Lúcio de Azevedo (1855-1933) para o período pombalino18, até à primeira História de Portugal cujo volume dedicado a’O Antigo Regime (1620-1807) trata o arco temporal da perspectiva «dos mecanismos sociais da instauração da ordem»,19 na esteira dos estudos de Norbert Elias (1897-1990) e de Pierre Bourdieu (1930-2002).20 O brilho dos contributos de alguns autores, nomeadamente de Alexandre Herculano (1810-1877)21 e de Joaquim Pedro de Oliveira Martins (1845-1894)22 fez persistir a ideia de que o consulado pombalino tinha sido um tempo em clara descontinuidade com o anterior e com o que se lhe seguiu. Todavia, a aproximação possível à Europa das Luzes tinha sido conseguida durante reinado de D. João V23 e continuou nos reinados de D. José I e de D. Maria I (1734-1777/1816).24 Por isso, mais do que de rupturas, deve falar-se de continuidades.25 Nas monarquias absolutas católicas, as manifestações culturais pressupõem políticas de participação, estimulação e controle do Rei, parte integrante do jogo de integração e de competição dos diversos parceiros sociais. A estada de militares estrangeiros durante as Guerras da Aclamação promoveu a abertura de Portugal à Europa, pelo menos no que se refere às artes da Guerra e ao seu corolário, a Matemática, ciência na qual se enquadra e integra a engenharia militar.26 Relativamente às estratégias de conservação e de reprodução social dos Grandes, não houve alterações significativas. Contudo, a nova moldura política atraiu os Grandes e a primeira nobreza para a corte, o que propiciou a sua curialização e o desejo de afirmação dentro de um grupo relativamente reduzido do qual o Rei também fazia parte.27 Apesar do golpe de estado que colocou a Casa de Bragança no trono de Portugal, o vínculo que uniu as duas monarquias peninsulares não desapareceu: o castelhano continuou a ser falado em Portugal e, também por isso, continuaram a circular muitos livros em castelhano, alguns, até, escritos por autores portugueses.28 Na esteira das continuidades, o gosto austero dos Braganças não desapareceu no reinado do Magnânimo, antes se articulou com um fausto reservado às cerimónias públicas ou aos actos com esse alcance.29 Vencidas as inúmeras dificuldades de afirmação da nova casa real no poder, interna e externa, coube a D. João V a oportunidade de transformar parte do ouro e dos diamantes brasileiros em mecenato cultural, propiciando a intervenção de outros actores sociais porque, lembremos, «os reis são os espelhos dos Vassalos».30 Porém, o espartilho ideológico e moral seiscentista não deixou de estar bem apertado, como notou Teófilo Braga (1843-1924),31 mas foi sendo possível aliviar alguns atilhos: dispararam-se críticas, afrontaram-se poderes instituídos. No essencial, a ortodoxia católica e o modelo filosófico e científico que a sustentava resistiu, olimpicamente.32 Em traços largos, é este o contexto para perscrutar algumas ligações interpessoais, de oposição, de colaboração ou de coopetição33 em matéria de movimentações culturais e de aproximação aos ventos de mudança que sopravam do norte e do centro da Europa,34 gerando novas tensões e novos equilíbrios de forças dentro do campo.35 Capítulo 1: Livrarias reais na política cultural do rei D. João V
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A Academia Real da História Portuguesa, criada com pompa e circunstância pelo decreto real de 8 Dez. 1720, foi um dos lugares privilegiados para estes encontros e desencontros, espelhando, por um lado, um interesse muito dixhuitième siècle pela Ciência e pela História, valorizando as fontes em vez da autoridade da tradição; por outro, evidenciando as divergências de concepção disciplinar e de aproximação (ou de afastamento) das novas correntes de pensamento que despontavam ou floresciam na Europa da Ilustração.36 É conhecido o gosto37 de D. João V por livros e bibliotecas, catálogos de estampas dos melhores gravadores franceses e alemães, colecções de desenhos, aparelhos científicos38 e preciosas maquetas de edifícios romanos.39 Para além de ter promovido a aquisição de muitos impressos e de manuscritos raros no mercado livreiro internacional, destinados às livrarias reais, o monarca patrocinou diversas edições, algumas com luxuosas encadernações.40 Entre tantas preciosidades que ornavam os salões do Paço da Ribeira, a preferência do Rei concentrava-se nos livros, conforme o testemunho de D. António Caetano de Sousa (1674-1759): Assim, não fazendo menção das tapeçarias mais finas, e de excellentes debuxos com que augmentou o grande numero das antigas de Rafael, Ticiano, Rubens, e outros insignes inventores, e debuxadores, com que se adornaõ as paredes dos seus Reaes Palacios; nem dos preciosos moveis das proçolanas exquisitas da China, de baixellas de prata fabricadas pelos mais perîtos artifices, a excessiva copia de ouro, e de grandes, e brilhantes diamantes, as pinturas dos mais famosos Mestres, que celebra o Mundo; entre taõ excessiva abundancia de cousas preciosas, admiraveis, e raras, escolhidas pelo seu bom gosto, a tudo excede, como sabio, o genio dos livros, de que faz mayor estimaçaõ, do que dos grandes tributos dos diamantes, e ouro das Minas. Assim tem huma numerosa e admiravel Livraria, em que se vem as ediçoens mais raras, grande numero de manuscritos, Instrumentos Mathematicos, admiraveis Relogios, e outras muitas cousas raras, que occupaõ muitas Casas, e Gabinetes. Não havia no Paço mais que hum pequeno resto da Livraria antiga da Serenissima Casa de Bragança: ElRey o fez collocar em esta Real Bibliotheca, que se compoem de muitos mil volumes, que quasi naõ cabem no grande edificio, chamado o Forte. Desta sorte tem nelle os erudîtos amparo, e favor porque com generosa liberalidade augmenta os seus estudos, fazendo-os publicos pelo beneficio da Impressão, em que tem despendido grandes somas de dinhero, assim com os seus, como com os estrangeiros de diversas nações.41
A biblioteca real empregou muitos amanuenses, livreiros e diplomatas, por um período de quarenta anos, aproximadamente.42 Por volta de 1731, a livraria real ascendia a 20000 volumes – o seu primeiro bibliotecário foi Martinho de Mendonça de Pina e de Proença Homem (1693-1743),43 nomeação que expressa a importância que o monarca atribuiu ao projecto. A quantidade, a variedade e o fluxo das remessas de livros justificaram a distribuição do esforço de inventariação por diversas pessoas, conforme as áreas de conhecimento. O testemunho é de D. Francisco Xavier de Meneses (16731743), 4.º conde de Ericeira, na Bibliotheca Sousana: o conde ficou responsável pelos títulos de Matemática e de Artes; a D. João da Mota e Silva (1691-1747), nomeado cardeal em 1727 a pedido de D. João V, couberam os livros de Teologia; a D. Manuel Caetano de Sousa (1674-1759), as bíblias e «os seus Expositores»; a Paulo de Carvalho 44
Eugénio dos Santos (1711-1760), arquitecto e engenheiro militar
e Ataíde (1670-1737) – tio de Sebastião de Carvalho e Melo –, o Direito Canónico e Civil; ao doutor Francisco Xavier Leitão (1667-1739),44 as obras de Medicina e de Filosofia; a D. Fernando Teles da Silva (1662-1734), 2.º marquês de Alegrete, a Filologia (e Literatura); a D. Rodrigo Annes de Sá Almeida e Meneses (1676-1733), 3.º marquês de Fontes e 1.º marquês de Abrantes, os títulos sobre História – dado o perfil intelectual de D. Rodrigo, poderá presumir-se que os títulos de Ciências e Artes estivessem incluídos na classe de História. Finalmente, os Catálogos, que deveriam ter sido impressos, «eraõ todos com Critica judiciosa, e o que fez o Reverendissimo Padre D. Manoel [Caetano de Sousa] merecia hum titulo à parte nesta Bibliotheca Sousana».45 Os livros distribuíam-se em estantes, dispostas «como em ruas de quatro faces», conforme se lê no registo de 25 Agosto 1733 do Diário de D. Francisco Xavier de Meneses.46 No tomo V (1.ª parte) do Grand Dictionnaire de Antoine Augustin de la Martinière (1683-1749) acha-se a localização da livraria do Paço e uma alusão ao material de construção das estantes: Le Palais Royal c’est un grand Dôme quarrée, élevé de quatre étages. Il y a dans ce Palais de très belles salles & de chambres magnifiques. Au trosiéme étage est la Bibliothéque du Roi. Les livres y sont dans de petits cabinets de noyer.47
À data do Terramoto, a livraria real possuía um acervo de 70000 volumes, de acordo com o testemunho do padre oratoriano Manuel do Portal (1756).48 Segundo Francisco Xavier Teixeira de Mendonça (1713-?), seriam duas e não uma livraria, separando, provavelmente, os impressos dos manuscritos.49 Subsistiram três livrarias de fundação real, com acervos adquiridos em simultâneo com os livros destinados à livraria do Paço: a livraria da Universidade de Coimbra (actualmente designada por Biblioteca Joanina), concluída em meados da década de 20; a Livraria do Convento de Mafra, iniciada em meados da década seguinte; e a Livraria do Colégio do Oratório de Nossa Senhora das Necessidades, em meados da década de 40 (de ora em diante designada de Biblioteca das Necessidades). Ao contrário da biblioteca do Paço da Ribeira, que se acomodou no terceiro andar do Torreão (por cima da Casa da Índia, as restantes foram concebidas de raiz. Parte da política cultural joanina assentou na constituição destas quatro grandes bibliotecas, à razão de uma por década. Remetem para a sua real pessoa (e não apenas para a pessoa do rei), mas não se reduzem a actos de voluntarismo narcízico.50 Começa-se pela mais antiga, construída na Universidade de Coimbra, «onde fez levantar huma grande Casa para Livraria publica, que se ornou com grande perfeição, que já serve com grande numero de Livros, que cada dia se augmentão».51 A primeira pedra lançou-se no dia 17 de Julho de 1717 e «acabou-se a obra com tanta perfeiçaõ, e riqueza, que deixa gostosa qualquer pessoa, que a vê».52 É uma belíssima sala tripartida (dim. aprox. 32,5mx14,0m), com 4 gabinetes de leitura anexos a cada uma das salas (também com estantes), equipada com 6 grandes mesas (4 em ébano e 2 em gandarú) com embutidos (cada uma para 12 leitores), 24 bancos de pau preto, 72 estantes e 1260 Capítulo 1: Livrarias reais na política cultural do rei D. João V
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escaninhos para receber 30000 volumes de excelente desenho e muito bem construídas (1717-1723), acharoadas a preceito (1723-1727);53 fica incrustada numa caixa paralelepipédica acrescentada a uma ala da Universidade, com aprox. 36,0x18,0m[Fig. 1]. No seu interior pontuam, ainda, um retrato de D. João V (anterior a 1730), atribuído a Giorgio Domenico Duprà (1689-1770)54 – localiza-se em apoteose, no topo oposto à entrada –, tectos pintados a fresco com alegorias adequadas ao contexto (pintura competente em trompe-l’œil, de António Simões e de Vicente Nunes) e obra de talha dourada, tudo de excelente fábrica.55 O conceito global é o de uma «biblioteca falante»56 e uma festa para os olhos.57 Germain Bazin (1901-1990) colocou-a em paralelo com a Prunksaal (ou Hofbibliothek de Viena) (1723-1726) – actual Österreichische Nationalbibliothek –, encomenda do Keiser Karl VI (1685-1711/1740) ao arquitecto Johann Bernhard Fischer von Erlach (1656-1723), continuado pelo filho, Joseph Emanuel Fischer von Erlach (1693-1742).[Fig. 2] Apesar das diferenças de escala, a concepção espacial é semelhante, justificável, por hipótese, por partir da mesma matriz de referência, o barroco áulico romano seiscentista (ainda que possa ter havido alguma troca de informação sobre estes projectos entre Lisboa e Viena58). A Livraria do Convento de Mafra ocupa uma vasta sala de planta cruciforme (dim. 84,74x9,50m e 21x9,5m)[Fig. 3], com pé direito cuja cota máxima atinge 12,98m; o pavimento era, inicialmente, em tijoleira mas, no reinado de D. José, foi substituído por mármores de três cores.59 As estantes foram desenhadas para receber no seu coroamento os modelos de gesso da estatuária italiana encomendada pelo Rei para a Basílica; quando o convento entrou na posse dos Cónegos Regrantes de S. Agostinho (1771), substituíram-se por outras que ficaram apenas preparadas com o barramento feito à base de gesso60 [Fig. 4] – William Beckford (1760-1844) visitou-a em 1787, antes da aplicação do barramento preparatório e deixou um registo muito crítico, o que não surpreende dada a sua sensibilidade, contrária à ornamentação rococó: The library is of a prodigious length, not much less than three hundred feet; the arched roof of a pleasing form, beautifully stuccoed, and the pavement of red and white marble. Much cannot be said in commendation of the cases in which the books are to be arranged. They bulge forth in a heavy lumbering manner and are darkened to boot by a gallery running round like a shelf and projecting into the room in a very awkward manner. The collection of books, which consists of at lest sixty thousand volumes, is lodged at present in a suite of apartments which open into the library.61
Se Beckford tivesse visto a sala com as estantes a branco talvez tivesse produzido um juízo diferente, porque o espaço ganhou uma dimensão onírica que, por certo, tê-lo-ia tocado. A biblioteca, tal como o edifício onde está instalada, sofreu inúmeras vicissitudes depois da visita de Beckford. Em 1794, assumindo que a obra iria ficar inacabada, os cónegos regrantes de Santo Agostinho solicitaram autorização régia para colocar os livros nas estantes. A autorização foi concedida e os livros arrumaram-se a eito, sem catalogação e sem critério de arrumação. A Biblioteca das Necessidades não subsistiu in situ. Marc Marie, marquês de Bombelles (1744-1822) visitou-a em finais de 1786 e achou-a «la plus belle biblio46
Eugénio dos Santos (1711-1760), arquitecto e engenheiro militar
thèque de cette capitale».62 Era uma sala com duplo pé direito, de dimensões menos generosas do que as da Livraria do Convento de Mafra – aprox. 34,5mx9,5m – e um pouco mais estreita e mais comprida do que a Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra. Ficava, estrategicamente, colocada no piso dos cubículos (4.º piso e andar nobre) e não no andar das Aulas (3.º piso) do Hospício e Casa de Oração de Nossa Senhora das Necessidades, em Alcântara.63 [Fig. 5] Em meados de 1750 o espaço estava pronto para receber as estantes mas em 1756 ainda não estavam concluídas. O desenho que subsistiu é meramente esquemático64 [Fig. 6] e menciona que as estantes comportavam 32080 volumes. Em 1764 possuía cerca de 20000 volumes (avaliados em 100000 cruzados), segundo o computo de António Pereira [de Figueiredo].65 A sala tinha, ainda, duas obras de arte importantes, o busto de D. João V, obra de Alessandro Giusti (1715-1799) – assente sobre um pedestal com epigrama latino gravado a ouro da época de D. José I –, e um óleo de grandes dimensões, do pintor romano Pietro Pietri (1671-1716) sobre o tema da Virgem e os Santos, adquirido em Roma por Alexandre de Gusmão (1695-1753) para a pinacoteca real e oferecido aos Padres das Necessidades por D. João V.66 Por imposição de alvarás e editais de 1768 e dos anos seguintes, foram entregues muitos livros (proibidos) desta biblioteca na Real Mesa Censória, restituídos em 1778.67 A divisão da Congregação em duas, após a conclusão das obras do Convento do Espírito Santo da Pedreira, trinta e sete anos após a destruição provocada pelo terramoto e incêndio de 1755, determinou a repartição da livraria.68 Em 1821, para permitir a realização das primeiras Cortes Constituintes (26 de Janeiro), arrancaram-se as estantes e retiraram-se os livros para as antigas Aulas e aí ficaram até à extinção das ordens religiosas (1833) e posterior integração no acervo da Biblioteca da Ajuda69. Nesta data, a recontagem dos livros deu cerca de 28000 volumes. O busto e o quadro foram igualmente retirados.70 Por ocasião da adaptação do Convento a Ministério dos Negócios Estrangeiros, a sala foi subdividida e o duplo pé direito deu lugar a um segundo piso. Subsistem o portal e a porta de entrada, que abria para o corredor dos cubículos[Fig. 78] as janelas de sacada, que assinalam a sua localização a partir do exterior, e as janelas de peito da segunda ordem de estantes, rasgadas nas fachadas sul e nascente.71 [Fig. 79] Importaria estudar os catálogos destas três bibliotecas72 e o fundo documental da Real Mesa Censória, uma vez que, a partir da sua criação (15 Abr.1768), todas as aquisições de livros, tanto de particulares como de conventos, passaram pelo crítico dos seus censores.73 Encontra-se em preparação um estudo sobre algumas bibliotecas particulares que poderá permitir completar os registos da Mesa, nomeadamente sobre as aquisições anteriores à sua constituição74 e aprofundar o estudo inaugural de Maria Adelaide Marques (1965), continuado em 198275. Enquanto estes materiais não se encontram disponíveis, apuraram-se alguns dados sobre o perfil de alguns proprietários de bibliotecas para sondar que tipo de livros poderiam ter adquirido e sobre o catálogo da Biblioteca das Necessidades que descreve um conjunto de impressos e manuscritos consideravelmente extenso e coerente (entre os quais se encontram alguns títulos proibidos ou proscritos). Mas antes, regressemos a D. João V e ao seu apreço pelos livros. Capítulo 1: Livrarias reais na política cultural do rei D. João V
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Para os historiadores românticos, excitados por referentes impossíveis – Luís XIV (1638-1651/1715) por umas razões, Frederico II da Prússia (1712-1740/1786) por outras76 –, esse gosto só poderia ser mais um capricho, entre muitos, e pretexto para despender somas fabulosas e enganar os ignorantes.77 Para desmontar esta apreciação, considerem-se os termos fantasia, bizarria e capricho, definidos por Voltaire, publicados no volume VI (1756) da Encyclopédie: Fantaisie veut dire aujourd’hui un desir singulier, un goût passager [...]. Avoir des fantaisies, c’est avoir des goûts extraordinaires qui ne sont pas de durée. [...] Fantaisie en ce sens est moins que bisarrerie & que caprice. Le caprice peut signifier un dégoût subit & déraisonnable. Il a eu la fantaisie de la musique, & il s’en est dégoûté par caprice. La bisarrerie donne une idée d’inconséquence & de mauvais goût, que la fantaisie n’exprime pas.78
E o termo fantaisie na acepção moral, em verbete não assinado: C’est une passion d’un moment, qui n’a sa source que dans l’imagination: elle promet à ceux qu’elle occupe, non un grand bien, mais une joüissance agréable: elle s’exagere moins le mérite que l’agrément de son objet; elle en desire moins la possession que l’usage: elle est contre l’ennui la ressource d’un instant: elle suspend les passions sans les détruire: elle se mêle aux penchans d’habitude, & ne fait qu’en distraire. Quelquefois elle est l’effet de la passion même [...]. Les hommes qui ont plus d’imagination que de bon-sens, sont esclaves de mille fantaisies [...]. La fantaisie suspend la passion par une volonté d’un moment, & le caprice interrompt le caractere. Dans la fantaisie on néglige les objets de ses passions & ses principes, & dans le caprice on les change. Les hommes sensibles & legers ont des fantaisies, les esprits de travers sont fertiles en caprices.79
Ora a constância e os cuidados na aquisição criteriosa de obras de erudição e na sua catalogação sistemática denotam um interesse que não parece reduzir-se a paixões efémeras e descartáveis. Resta, posto isto, sondar o tipo de uso dado a tão vasto conjunto de livros. Segundo Jean Le Ron d’Alembert (1717-1783), que considera Camille Falconet (1671-1762)80 o paradigma nesta matéria, o amor pelos livros só é digno de apreço quando se verificam duas condições: L’amour des livres n’est estimable que dans deux cas; 1°. lorsqu’on sait les estimer ce qu’ils valent, qu’on les lit en philosophe, pour profiter de ce qu’il peut y avoir de bon, & rire de ce qu’ils contiennent de mauvais; 2°. lorsqu’on les possede pour les autres autant que pour soi, & qu’on leur en fait part avec plaisir & sans réserve. On peut sur ces deux points proposer M. Falconet pour modele à tous ceux qui possedent des bibliotheques, ou qui en posséderont à l’avenir.81
Apesar do conceito de filósofo ser muito amplo nesta época, não era esperável que um monarca absoluto fosse um intelectual, mas apenas, e só, um político competente.82 É este, no nosso entendimento, o modo justo de enquadrar e avaliar o interesse de D. João V pela cultura literária e artística e os sinais de abertura a áreas emergentes do 48
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conhecimento, como a física experimental. Por extensão, deve ser essa a interpretação a fazer das virtudes que alguns panegiristas lhe apontam.83 Sobre a erudição real, ignorando os testemunhos coevos de tipo panegírico, acham-se dois que corroboram a hipótese de se verificar em D. João V a primeira condição referida por D’Alembert (i.e. para que a sua paixão pelos livros não fosse vã). O primeiro é de D. Tristão da Cunha (1655-1728), 1.º conde de Povolide: o rei «sabe admiravelmente latim, e tem suficiente noticia das língoas espanhola, francesa e italiana, [é] muito aplicado aos livros, e assim tem a maior livraria que todos os Reis de Portugal».84 A qualidade da sua redacção não é primorosa mas aspira à objectividade.85 O segundo é de D. Francisco Xavier de Meneses, 4.º conde de Ericeira; ocorre na recensão crítica à Biblioteca selecta de autoria de D. Manuel Caetano de Sousa. O contexto não poderia ser mais apropriado: Já ponderey (como agora repito no Catalogo de huma Biblioteca Selecta, que o Author deixou muito adiantado) quanto era util o conhecimento dos Autores escolhidos, de que huma Livraria deve comporse, naõ occupando indignamente os maos livros os lugares dos selectos, o tempo e a despeza dos estudiosos, sendo aquela vulgar multidaõ a que, diz Seneca, distrahe, e naõ instrue aos que aprendem. Nos ultimos dous seculos tem sido utilissima esta applicaçaõ, a que chamaõ superficial os que o saõ nos seus estudos. Empregavase o nosso Author [D. Manuel Caetano de Sousa] na primeira, e mais nobre parte da numerosa, e excellente Livraria, que ElRey tem, e formou, conserva, e augmenta mais na sua comprehensaõ, que no seu Palacio.86
Se o monarca retirou algum prazer da sua biblioteca, tant mieux pour lui. Quanto a verificar-se a segunda condição prescrita por D’Alembert, encontraram-se três registos interligados por uma polémica entre Jesuítas e Oratorianos:87 os dois primeiros acham-se no prólogo da primeira parte do Novo methodo da grammatica latina do oratoriano António Pereira [de Figueiredo]: Aplicou-se o douto P. [Manuel Álvares] a compor esta Arte com aquelle estudo, madureza, e perfeiçaõ que se devia esperar de hum sojeito taõ balizado neste genero de letras: e em fim no anno de 1572 a deu a luz em Lisboa, dividida em tres livros com este titulo Emanuelis Alvari è Societate Jesu de Institutione Grammatica Libri tres [...] Passados onze annos, no de 1583 se reimprimio em Lisboa a mesma Arte [...] mas já alterada em muitas cousas, e pela maior parte sem os Escolios da primeira. Esta segunda vimos nós na Real Bibliotheca de Sua Magestade Fidelissima. Da primeira conserva a nossa Livraria hum exemplar. [...] Desta sorte passam de 350 as ediçoens diversas de Autores classicos, que para este fim consultamos, e conferimos: quasi todas na nossa Livraria, algumas da Real.88
O terceiro e último registo ocorre na obra do jesuíta Paulo Amaro, que se esconde sob o pseudónimo Philiarco Pherepono. O objectivo é descredibilizar o Novo methodo de António Pereira de Figueiredo: Vòs julgais, que foy hum homem de huma vasta erudiçaõ da lingua Latina, adquirida com a liçaõ dos melhores Authores; porêm alli se vê, que elle lêo muito pouco; Capítulo 1: Livrarias reais na política cultural do rei D. João V
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porq[ue] nem vio as mais correctas edições, que sahiraõ depois da sua morte [referese ao Padre jesuíta Manuel Alvares (1526-1583)], nem lêo os manuscritos antigos da Bibliothèca do Rey Fidelissimo, na qual os authores do Novo Methodo publicaõ ter entrada taõ franca, como em outras partes a dezejaõ.89
Assim, resulta excessivo extrapolar para outros leitores esta possibilidade de consulta livre, dadas as relações privilegiadas entre o Rei e os padres do Oratório, mas é de admitir a hipótese de ter sido possível o acesso mediante algumas restrições, como era normal nesta época.90 Se as notícias sobre o acesso público à biblioteca real são de difícil comprovação,91 para além do acesso comprovado dos padres do Oratório, em contrapartida, encontram-se alguns testemunhos fiáveis que comprovam o acesso a algumas bibliotecas particulares, como a dos condes de Ericeira e as de alguns conventos da cidade de Lisboa. Como é sabido, o Terramoto destruiu a livraria real e as mais importantes livrarias particulares da corte – Lafões, Louriçal e Vimieiro – bem como as dos conventos da Trindade (Carmelitas), avaliada em mais de 200000 cruzados,92 do Espírito Santo (Congregação do Oratório de S. Filipe Néri), integralmente dedicada à temática Mariana,93 da Boa-Hora, de S. Domingos (Dominicanos), que ocupava «duas grandes casas, e tinha muitos livros raros, e grande numero de manuscritos [...] obra do Padre Fr. Manoel Guilherme, que a constituiu publica, com assistencia de dous Bibliothecarios, e renda grande para o seu aumento»94 e ainda a livraria do Inquisidor Simão José Silveira Lobo,95 «nomerosa e selecta».96 É possível que tivessem existido outras, não referidas nas descrições das testemunhas directas dos acontecimentos.97 Dada a dimensão da catástrofe, durante algum tempo não houve nem disponibilidade nem condições para receber visitantes nas livrarias que escaparam ao terramoto mais ou menos incólumes: no final do prólogo da sua História universal dos terremotos, Joaquim José Moreira de Mendonça98 dá conta desse tempo com «inopia de livros» e confirma o carácter semi-público de duas grandes bibliotecas conventuais: Quem me conhece sabe, que vivo occupado com obrigações multiplicadas, e que esta composição he sómente huma prova da minha grande curiosidade, para a qual roubei algumas horas ao natural descanço. Esta falta de tempo, o emprehender das huma completa noticia dos effeitos do ultimo Terremoto [...] e a inopia de livros, que tive no primeiro anno,99 retardárão esta obra mais do que havia projectado. Ainda não poderia estar acabada, se desde o fim do anno de 1756 não tivesse a lição de muitos livros da numerosa, e selecta Bibliotheca da Real Casa de N. Senhora das Necessidades, aonde se admira a magnificencia do Senhor Rey D. Joaõ V sempre de gloriosa memoria. Á urbanidade, e amor das letras dos Eruditissimos Congregados daquella Casa, devo a lição naquella grande Bibliotheca, que não está ainda colocada na formosissima Casa, que para ella se destina.100 Igual favor confesso dever aos Doutissimos Eremitas de Santo Agostinho, que logo que arrumáram a sua excellente livraria do Convento de N. Senhora da Graça, me admitírão nella101, ainda antes de a franquearem ao publico [...]. A minha Bibliotheca não podia supprir as noticias, que alcancei naquelles dous Thesouros de bons livros.102
Manuel da Maia (1677-1768), incumbido de produzir rapidamente uma reflexão 50
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sobre os diversos modos de reconstruir a cidade após o Terramoto, não pôde esperar, como Moreira de Mendonça, pela reabertura das bibliotecas que sobreviveram à destruição, pelo que as dificuldades na elaboração das Dissertações, assinaladas na versão final do texto (início § 14 da Terceira Parte), não foram um artifício de retórica para justificar uma investigação lacunar: As duas renovações mais celebres das Cortes da Europa, tem sido a de Londres, e a de Turim; e dezejando eu saber, o como se procedêo com os particulares na sua execução, sem ter Livro de que me valer me valer, nem Bibliotheca publica q[ue] nunca mais preciza me pareceo que na prezente occazião, nem occazião mais propria para se lhe dar principio que esta, ainda q[ue] não seja logo tam numeroza como hoje são as mayores q[ue] não principiarão tão grandes, me achey obrigado a mendigar huma historia de Inglaterra que incluice o anno de 1666 em q[ue] não consegui noticia de proveito.103
Em 1777, Jean François Bourgoing (1745-1811), muito crítico da realidade portuguesa, deu conta de uma biblioteca privada, tornada pública por generosidade dos seus proprietários: Dans un édifice, qui fait partie du monastère des Necessidades, habité par des réligieux qui ressemblent fort peu aux autres moines du Portugal. Ils sont éclairés, affables et d’une grande ressource pour les étrangers. Leur bibliothèque est publique; et ceux qui veulent en profiter sont sûrs de trouver auprès d’eux des secours de tout genre.104
A criação de uma biblioteca pública de iniciativa real ficou a aguardar melhor oportunidade105 e só se concretizou no reinado de D. Maria I. Mais um sinal do princípio de continuidade invocado no início.
Capítulo 1: Livrarias reais na política cultural do rei D. João V
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Notas do Capítulo 1
1 D. Diderot e J. d’Alembert, 1751-1772, vol. 2, p. 228. 2 L. A. Verney, 1752, p. viii. 3 J. S. S. Dias, 1982. 4 O termo intelectual encontra-se sublinhado por ser um anacronismo; no entanto, substitui com vantagem outros em uso, como filósofo, letrado, escritor. O reparo é de Maria Helena Carvalho dos Santos na sua comunicação «Poder, intelectuais e contra-poder», apresentada no colóquio internacional Pombal Revisitado (M. H. R. dos Santos, 1982a, vol. 2, p. 124). 5 R. Mandrou, 1980, pp. 278-279, 281-283; M. Delon, 1997, pp. 416-426. Robert Mandrou (1921-1984) usou a primeira edição de Lisboa pombalina ( J.-A. França, 1965), o que permite compreender a orientação seguida (para uma crítica à obra de Mandrou, vid. L. A. Ramos, 1988, pp. 12-13). O Dictionnaire européen des Lumières é um caso completamente diferente, uma vez que pôde recorrer a outros recursos: trata-se de uma obra colectiva, que contou com a colaboração de diversos investigadores de vários países e aspira a abordar o tema para além das fronteiras geográficas da França. Inclui contributos valiosos, o que torna ainda mais difícil desvalorizar os erros da entrada sobre as Luzes ibéricas: seria necessário dominar a língua portuguesa (e nao apenas a espanhola) e conhecer em profundidade a bibliografia de referência para abordar os diversos subtemas, pelo que o verbete «Espagne et Portugal» em nada contribui para o conhecimento das grandes questões das Luzes na Europa, numa perspectiva historiográfica e crítica actual (M. Delon, 1997, pp. 416-426)). Num outro nível, o verbete dedicado ao urbanismo, apesar da desenvoltura crítica e da actualização da bibliografia de referência, não inclui uma única alusão à reconstrução de Lisboa, o que é lamentável, já não falar no urbanismo português nos territórios ultramarinos, que também não merece qualquer comentário ou menção (Idem, pp. 1069-1073). 6 J. E. Pereira, 1987, p. 4. 7 J. B. de Macedo, 1982, pp. 17-18. Jorge Borges de Macedo (1921-1996) desvaloriza a existência dos dois partidos, colocando a tónica nos problemas económicos. Um aspecto não inviabiliza o outro, antes pelo contrário: sendo a situação conjuntural tão crítica, como refere no seu diagnóstico sobre o período final do reinado de D. João V, e estando iminente a morte do Rei, os desentendimentos e as movimentações para reposicionamento de forças fazem todo o sentido. Alguns testemunhos coevos dão conta desses arranjos de bastidores e mostram que o príncipe herdeiro não era nem um menino de coro nem uma nulidade (A. Leite, 1982, p. 5). A correspondência entre Francisco Xavier Hocqueler e os irmãos Pedro e Bento Guilherme Rahmeyer dá conta dessas movimentações, nos finais do reinado de D. João V
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e início do seguinte (L. Silveira, 1940). Contudo, a insistentemente referida crise económica que existiu no início do reinado de D. João V e que, supostamente, terá marcado o final do período joanino, constituiu-se como um argumento de afirmação do sucessor no trono, permitindo-lhe invocar o perfil de Reformador: os gastos em obras régias continuaram e, até, aumentaram (a Ópera do Tejo é um dos muitos exemplos) (N. G. Monteiro, 2006, pp. 171-172). 8 D urante o reinado de D. José I criaram-se, de facto, novas receitas, mas, num computo global, a totalidade da receita arrecadada não foi muito diferente da que tinha sido conseguida no período joanino (menos dourado); do mesmo modo, é um mito que D. Maria I tenha desbaratado o Erário Real em obras pias: «As receitas públicas orçavam no tempo de D. José como no reinado antecedente, por 15 milhões de cruzados. Por vezes sem cobrirem as despesas, o que sabemos aconteceu em anos seguidos, de 1769 a 1771. Em 1776 subiram as receitas para 6 600 contos; em outros anos, porém, não chegaram aos 6 000, de sorte que a média do tempo de D. João V se conservou. Apesar disso, o descalabro em que se diz ter ficado a Fazenda Pública por morte daquele monarca, mais perto esteve de dar-se com o seu sucessor. Tal qual se espalhou a lenda dos tesouros desperdiçados em um reinado, assim se propagou a dos saldos deixados no seguinte, que o governo de D. Maria I destroçou. Setenta e oito milhões de cruzados em dinheiro, além dos diamantes em depósito nos cofres reais. Já vamos ver quanto isto diferia da realidade. Dois meses antes de falecer D. José, acometido então de doença final, foram mandados transferir, do depósito público para o Erário Real, perto de 403 contos de reis dos bens de defuntos ausentes, remetidos das províncias ultramarinas, de 1759 em diante. O decreto foi certamente um dos últimos que Pombal faz assinar pelo rei, passados poucos dias de Dezembro de 1776, assumia a rainha a regência; e a resolução obedecia sem dúvida ao receio de que, ao dar-se esse facto ou vindo a falecer o soberano, lhe fizessem culpa de se achar mal suprido o tesouro régio. Já antes, a principiar em 1761, se haviam retirado do depósito, para emprestar a diversas entidades, somas que perfaziam mais de um milhão e meio de cruzados, em que entraram 20 contos de cinquenta acções da Companhia do Alto Douro adquiridas para o rei. Na corte haveria dúvidas quanto ao estado próspero da Fazenda Real, por isso que o ministro, ao largar o poder, se creu obrigado a tirar de inquietações a rainha, sucessora do trono. A esse efeito lhe entregava a relação das quantias disponíveis em cofre. Setenta e oito milhões de cruzados, como se tem escrito e se acredita? A décima oitava parte disso: 1 741 contos em dinheiro, de que 1.041 provinham dos bens confiscados aos Távoras e outros réus de lesa-majestade, assim como aos jesuítas. Havia também, dizia a nota do ministro, de cinco a seis milhões de diamantes
[...]. Com estes recursos o novo Presidente do Erário, Marquês de Angeja, iniciou a sua administração. Que admira que tivesse começado logo por economias? Com escândalo geral suspenderam-se as obras públicas na Lisboa em reconstrução. Reduziu-se o estado da Casa Real a condições mais modestas [cortou-se nas despesas com as cavalariças, as caçadas e a ópera]. Pouco antes da morte, D. José em documento que o seguinte ministério mandou imprimir e divulgar, recomendava à filha, entre assuntos de ordem política, o pagamento de somas que devia. [...] Entre as dívidas, grande parte era de salários a criados e fornecedores. Houve assim de se pôr termo aos desperdícios. As riquezas do Brasil, tendo pago os de D. João V, não bastaram para os do seu sucessor. É certo que os tempos diferiam. O terramoto, a guerra na Europa e os conflitos com Espanha na América, exigiram despesas de vulto. A despeito de seus méritos, e não foi o menor deles o ter introduzido ordem nas contas públicas, pela criação do Erário Régio em 1762, Pombal não foi feliz na sua administração financeira. Suas experiências de fomento económico não foram sempre bem sucedidas. Cresceu a dívida pública, em padrões de juros. E, ao deixar a outros a administração do Estado, acharam-se estes em face de uma situação de apuro, de que injustamente se lhes imputou a responsabilidade. Mal por mal antes Pombal, murmurava o vulgo, pode ser que a pensar nos 78 milhões em caixa desvanecidos.» ( J. L. de Azevedo, 1929, pp. 378-381). 9 M. P. Chagas, 1899-1907, vol. 6, pp. 248ss.; T. Braga, 1909-1918, vol. 4, pp. 10-11. 10 Para uma síntese que identifica e problematiza reflexões e observações sobre economia (entre o mercantilismo e a fisiocracia) de D. Luís da Cunha (16621749), Alexandre de Gusmão (1695-1753), Cardeal da Mota (1685- 1747), Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), António Ribeiro Sanches (16991783) e Manuel Gomes da Lima Bezerra (17271806), vid. José Esteves Pereira in P. Calafate, 2001, vol. 3, pp. 87ss. (com bibliografia de referência para um aprofundamento desta problemática). Para uma análise multifacetada sobre as fragilidades do tecido económico português setecentista, vid. J. B. de Macedo, 1963; 1989. 11 «Ce prince, alliant la bonhomie à la cruauté, bigot sans piété et fastueux sans grandeur laissa perdre les colonies d’Orient, favorisa l’Inquisition, épuisa ses finances à bâtir des couvents et des églises» (C. de Saint- Aymour, 1748-1789, pp. xlii-xliii). É curiosíssimo verificar que num arco temporal tão extenso, há uma repetição insistente num retrato caricatural, politicamente conforme aos interesses da França e consonante com um certo tipo de chauvinismo (passando o anacronismo). Verifica-se uma única excepção,
em 1786, a propósito da preparação da embaixada do marquês de Bombelles (1786-1788): aconselha-se prudência na avaliação da nova conjuntura política, ou seja, não se fornece à partida a chave de interpretação da realidade política portuguesa, mas tal atitude não apaga, por completo, os comentários preconceituosos anteriormente proferidos. A passagem em causa é a seguinte: «On croit devoir s’abstenir de tracer dans le présent mémoire le tableau de la cour de Lisbonne, parce que, outre que les détails de cette nature sont ordinairement inexacts ou au moins imparfaits, la mort du roi D. Pedro et celle de M. de Sa ont occasionné des changements remarquables» (Idem, p. 406). Fora da diplomacia de Estado, Giuseppe Gorani (1740-1819), aristocrata e aventureiro milanês, espião ao serviço de vários senhores, entre eles de Sebastião José, corrobora a ideia de que a conjuntura política josefina era percepcionada na época como um corte relativamente ao reinado anterior: «Tudo quanto aprendera acerca da Corte de Lisboa com sujeitos que a tinham visitado no reinado de D. João V, de nada me servia na Corte de D. José I e do seu Primeiro-Ministro, pois este havia completamente mudado a vida da Corte, bem como o espírito do Governo.» (G. Gorani, 1765-1767a, p. 74; 1765-1767, p. 203). 12 Pela negativa, Camilo Castelo Branco (1825-1890), nomeadamente no perfil que lhe traçou (1882, p. 40ss); pela positiva, Teófilo Braga (1843-1924), com uma ressalva: não deixa de reparar que a intolerância despótica que marcou o consulado pombalino foi muito prejudicial ao progresso das Letras: «Matou o sentimento da liberdade politica da nação, exagerando até ao absurdo a idéa do regalismo, que o levou a applicações verdadeiramente monstruosas.» ( J. L. Coelho et al., 1885, p. 231 com sublinhados do Autor). 13 «O recurso de considerar Pombal como um arauto de uma época nova surgiu para resolver o problema que é o expor um espaço de tempo da nossa história mal investigado, mal estudado, com abundante legislação e um grande volume de factos pouco comuns (atentados, terramotos, perseguições e expulsão dos Jesuítas, movimentação da política económica, aplicação ostensiva da violência, propaganda do Estado e reforço dos seus órgãos). Para harmonizar aparentemente isto tudo atribuiu-se à época pombalina um critério governativo, uma orientação completamente diferente, esquecendo-se que tudo era o mesmo, material governativo, instrumentos, órgãos e métodos de governação e que o País e a natureza dos seus recursos se mantinham. Mudaram as preocupações, mudou a quantidade de recursos, não por intervenção pessoal de um ministro, “mas por condições directamente herdadas do passado”, por uma transformação global das preocupações nacionais e europeias. A época chamada pombalina não é uma
Capítulo 1: Livrarias reais na política cultural do rei D. João V
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1 1736, 19 de Junho Prova de exame de Eugénio dos Santos em sessão pública no Colégio de Santo Antão xercitações Mathematicas de Geometria Elementar, Trigonometria Plana, Geometria E Practica, Arte de Esquadronar, Arquitectura Militar, Expugnação e Propugnação das Praças dedicadas ao Excellentissimo Senhor Duque de Cadaval, e demonstrada na Aula Publica do Real Collegio de Santo Antão aos 19 de Junho de 1736 por Eugenio dos Santos, Partidista do Numero da Real Academia dos Engenheiros da Corte, Presidente o Muito Reverendo Padre Mestre Manoel de Campos da Companhia de Jesus, Professor ordinario de Mathematica na real Aula da Esfera do mesmo Collegio, Lisboa Occidental, na officina de António Isidoro da Fonseca, 1736, BGUC, Ms. 677, fls. 103-108.1 AO EXCELLENTISSIMO SENHOR DOM JAYME DE MELLO, DUQUE DE CADAVAL, MARQUEZ DE FERREIRA, CONDE DE TENTUGAL, Senhor das Villas de Tentugal, Povoa de Santa Christina, Buarcos, Villa-nova de Ansos, Rabaçal, Arega, Alvayazere, Penacova, Mortagua, Ferreira d’Aves, Villa-Ruiva, Villalva, Albergaria, Agua de Peixes, Cadaval, Cercal, Peral, Muja, Noudar, e Barrancos: Alcaide Mòr das Villas, e Castellos de Olivença, Alvor, e Noudar: Commendador das Commendas de Santo Isidoro da Villa de Eixo, de Santo Andrè de Moraes, de Santa Maria do Marmeleiro, e de S. Mattheus do Sardoal da Ordem de Christo; da Commenda de Grandola da Ordem de Santiago; e da Commenda de Noudar da Ordem de Aviz: do Conselho de Estado, e Guerra de S. Magestade, seu Estribeiro mòr; e Presidente da Mesa da Consciencia, e Ordens, &c.
Excellentissimo Senhor.
He natural instincto dos pequenos buscar o amparo dos Grandes; assim como dos cançados caminhantes a sombra das mayores arvores: huns, e outros a fim de se alentarem para a carreyra, para o progresso, e adiantamento. A Arvore de V. E. [fl. 104v.] V. E. he tam excelsa, que prende nas raizes, pela parte Paterna, com a Augustissima casa de Portugal, e pela Materna com a soberana de Lorena, regadas com os Illustrissimos Sangues dos Excellentissimos Senhores Condestaveis do Reyno, e Marquezes de Ferreira: tam rica de fructos, que curvaõ os Ramos com a prodigiosa copia das Insignias, que delles pendem, e com que se fizeraõ respeytar em Paz, e em Guerra, todos os seos Inclytos Antepassados: e tam copada de Folhas, como se vè nos Alvaràs de seus egregios Titulos; os quaes todos puz muy de proposito abayxo do seo Grande Nome, para mostrar que todos eraõ inferiores ao Merito da sua Excelsa Pessoa. Toda esta Grandeza, Senhor, buscou a minha pequenez, e toda lhe era necessaria para sahir a publico, e poder apparecer na Palestra Literaria: pois bem sabe V. E. que para avultar o Nada naõ se requer menos Potencia que a Infinita; e a esta proporçaõ o Atomo, e o Minimo. Quando tenha a fortuna, e consiga a honra de ter a V. E. por Mecenas, terà V. E. tambem a gloria de dar mais este exemplo à Patria da sua innata Benignidade, confirmando-a no conceyto, de que para dar a maõ â virtude, naõ lhe he necessario mais Documentos
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motivo, que a sua mesma honestidade. Posto pois aos pès de V. E. lhe offereço este primeyro ensayo do meo estudo, e da minha applicaçaõ; o qual quando se digne de o tomar nas mãos, farey nellas profissaõ solenne da minha perpetua escravidaõ; e applicarey todas as minhas forças para me fazer sogeyto apto para o seu serviço, cuja Excellentissima Pessoa guarde Deos muitos ann. &c. Eugenio dos Santos.
EXERCITAÇÃO I. Geometria Elementar.
A Geometria Elementar, baze e fundamento, naõ somente da Geometria Theorica, e Practica, senaõ tambem de toda a Mathematica, se comprehende nos 13 livros vulgares de Euclides; de que illustrarei alguns Theoremas selectos. Se dous Triangulos tiverem dous angulos, e hum lado respectivamente iguaes, seraõ totalmente iguaes; porèm se tiverem dous lados, e hum angulo respectivamente iguaes; nem por isso seraõ iguaes, salvo se forem rectangulos. Em todo o Triangulo rectangulo, o lado opposto ao angulo recto, póde o mesmo que os outros dous lados. Porèm se for obliquangulo, será esta a regra geral: O quadrado de qualquer lado sempre excede, ou he excedido dos quadrados dos outros dous lados (segundo o angulo, a que se oppoem, for obtuso, ou agudo) em dous rectangulos, cujos lados saõ qualquer dos ditos lados, e a parte intercepta entre o dito angulo, e a perpendicular, tirado do angulo opposto. O angulo do contacto he menor do que qualquer agudo rectilineo. Discorrendo pela diagonal de qualquer Parallelogrammo, duas linhas parallelas aos lados oppostos, seraõ continuadamente desiguaes os Parallelogrammos sobre a diagonal; e sempre iguaes os complementos. Dividirey qualquer recta dada em media, e extrema razaõ: e mostrarey como esta mesma recta augmentada com o mayor segmento, fica tambem cortada no ponto da continuaçaõ, em media, e extrema razaõ. Todo o angulo no semicirculo he recto; e toda a perpendicular, tirada do dito angulo ao diametro, he meya proporcional entre os dous segmentos. Daqui se tira hum modo mais facil (supposta a Prop. 19. do livro 6.) de augmentar, ou diminuir qualquer figura, em qualquer proporçaõ dada. Todos os angulos que insistem no mesmo, ou igual segmento de qualquer circulo, saõ iguaes; e todos saõ metades do angulo no centro, insistente no mesmo arco. Demonstrarey a praxe de Ptolomeo, com que se acha em qualquer circulo dado o Pentagono. Supposto o commum dos Commentadores, que o methodo de Euclides das Equimultiplices, com que estabelece a importante doutrina das Proporções, he escuro, e prolixo; darey hum methodo mais breve, e mais claro, para estabelecer a mesma doutrina, fundado em hum so Theorema, a que chamaõ os Modernos das Esquialiquotas. A razaõ composta de duas razões he a que resulta dos productos dos termos homologos das mesmas razões. E dadas quaesquer quantidades, a razaõ da primeira para a ultima, he composta de todas as razões intermedias. Demonstrarey a coherencia destas duas Definições (18. do livro 5. e quinta do livro 6.) a qual se deseja na doutrina dos Elementos. Se as razões de quaesquer duas series de quantidades, forem iguaes em numero, e semelhantes, de qualquer modo que estejaõ dispostas as ditas series, sempre, por razaõ ordenada, ou perturbada, as quantidades extremas haõ de ter entre si a mesma razaõ. Por meyo das linhas antiparallelas, darey modo de achar todas as reciprocas possiveis, entre duas linhas rectas dadas. A diferença de duas quantidades desiguaes he para a 500
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mayor dellas, como a mesma mayor para toda a collecçaõ dos infinitos termos daquella progressaõ de mayor desigualdade: isto he, se se continuar por infinitos termos a razaõ de 4. para 3. será a collecçaõ de todos igual a 16. A quadratura do menisco, ou da luneta de Hippocrates, consta manifestamente (e o confessa Aristoteles) que he possivel; ou ao menos que a naõ faz impossivel a incommensurabilidade da recta com a curva. Toda a Pyramide, ou rectilinea, ou conica, he a terceira parte do Prisma, ou do Cylindro, que tem com ella a mesma baze, e altura. Todos os corpos rectilineos semelhantes saõ entre si em triplicada razaõ de quaesquer lados homologos: e os esfericos, em triplicada razaõ dos diametros. Quaesquer corpos, que tiverem reciprocas as bazes com as alturas, saõ iguaes; e se forem iguaes, teraõ as bazes, e alturas reciprocas. Por ser succinta a doutrina de Euclides ácerca dos corpos esfericos, terminarey esta materia, com alguns Theoremas selectos de Archimedes. O diametro de qualquer circulo he para a circumferencia do mesmo circulo em mayor razaõ, que a de 7. para 22. e em menor, que a de 71. para 223. isto he, dividido o diametro em 497. particulas, terá a circumferencia mais 1561. e menos que 1562. Esta he a celebre approximaçaõ de Archimedes, taõ necessaria para a Geometria Practica, cuja demonstraçaõ (segundo a versaõ de Eutocio) darey a quem perguntar. Em numeros pequenos a approximaçaõ mais exacta, ainda que menor que a verdadeira, he a de Mecio; o qual tomando o Diametro de 113. particulas, dá á circumferencia 355. O Circulo, cujo rayo for meyo proporcional entre o lado do Cylindro recto, e o diametro da sua baze, he igual à superficie Cylindrica do mesmo Cylindro. A superficie Cylindrica de qualquer Cylindro recto he para o circulo da baze, como o lado do primeiro para a quarta parte do Diametro do segundo. O Circulo, cujo rayo for meyo proporcional entre o lado da Pyramide Conica recta, e o rayo da baze, he igual à superficie conica da mesma Pyramide. A superficie da Esfera he quadrupla do Circulo maximo da mesma Esfera; e por consequencia he igual ao Circulo, que tem por rayo o diametro da dita Esfera. Se se inscrever huma Esfera em hum Cilindro recto, e se dividir a dita Esfera com quaesquer planos parallelos à bazes do dito Cylindro, serà 1. a superficie Cylindrica igual à su- [fl. 105v.] superficie Esferica. E seraõ 2. os segmentos da primeira iguaes aos segmentos da segunda. Daqui se infere o modo, com que se podem medir as Zonas, e Climas da Terra. Todo o Hemisferio he duplo da Pyramide Conica recta, nelle inscripta. E todo o Cylindro recto he para a Esféra, nelle inscripta, em razaõ sesquialtera; tanto na superficie, como na corpulencia. Termino esta materias com este admiravel Theorema, por ser taõ estimado de Archimédes, que o mandou gravar na lapida da sua sepultura.
EXERCITAÇÃO II. Trigonometria.
Não he esta materia menos importante, que a antecedente: sem aquella naõ ha Mathematica, sem esta seria inutil. Tocarey brevemente algumas Proposiçoens mais essenciaes, discorrendo pelas 3. partes, em que se divide; a saber, Canonica, Analytica, e Logarithmica. Quanto ao Canon linear; ja se sabe que os Antigos, como Hipparco, Menelao, Ptolomeo, e outros, mediaõ os angulos pelos arcos, e estes pelas cordas. Os Modernos, seguindo o estylo dos Arabes, cortaõ as cordas ao meyo, e medem os arcos pelos senos; a que ajuntou Monte-Regio as Tangentes, e Rhetico as Secantes. O methodo dos primeiros se reduz a duas ProposiDocumentos
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