Vera Roquette
Ilustrações
Khaled JARADA
BOOK
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Estava eu muito ocupado, enfronhado nas minhas ideias e escrita, quando a vejo no ecrã do computador, a passear-se de um lado para o outro, deambulando pacatamente. Disse-lhe:
– Sai daí formiga, que estou demasiado ocupado e não me posso distrair. Ela, olhando-me de lado, renitente:
– Daqui não saio, daqui ninguém me tira! Senti o sangue a ferver. Gritei-lhe enfurecido:
– Sai daí formiga que me estás a enervar… olha que não respondo por mim… quem me avisa, meu amigo é!… Vá!… Vamos, desanda rápido!
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Ela de mão na anca, tamborilando os dedinhos no Ambiente de Trabalho.
– Ora, ora… o que tu queres, sei eu! É pores-me a andar daqui para fora. Achas-me uma formiga minúscula, a bem dizer insignificante, mas tens aí permanentemente ao teu lado… um rato! Mesmo coladinho ao computador que nunca largas da mão! Já a mim, não me ligas patavina, desprezas-me, ignoras-me… Achas isso bem? Achas isso natural?! – Agora só me faltava essa do Rato… – argumentei, com um enorme suspiro de enfado.
– Vai-te embora, Formiga, não impliques comigo, não me massacres, não me esfrangalhes os nervos, não vês que o Rato me é indispensável na escrita? Não entendes? Já tu, pelo contrário, só me perturbas e martirizas. Vamos! Sai-me da frente, desempata-me o computador, desaparece desse ecrã, que me estás a pôr os nervos em franja… a exasperar. 6
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Ela, casmurra, de sorriso plantado:
– Não saio, não saio e não saio! Impossível. Impensável. Sou uma grande estrela, uma celebridade, uma vedeta de renome. Se tens dúvidas, pergunta ao La Fontaine. O meu lugar é num ecrã!
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Fez uma expressão convidativa e avançou:
– Queres ver?… Queres comprovar?… Espera aí uns segundinhos… Dito isto, desaparece. Depois volta, solta e vaporosa, vestida de bailarina, de sapatilhas de cetim cor-de-rosa e tutu no mesmo tom, em pontas e a fazer ballet: pliés, espargatas e sobressaltos. No fim, agradeceu solícita, sorrindo maliciosamente, piscando os olhinhos; voltou a agradecer, solene… e retirou-se.
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