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Deus lhe pague!
Quando eu era pequena, chamava minha atenção a forma como minha tia respondia a uma gentileza, a um pequeno mimo, uma lembrança: “Deus lhe pague.”, ela dizia.
O estranhamento tinha razão de ser. Naquela época, lugar e fase da vida, eu notava que pessoas mais simples e carentes diziam isso quando as mais abastadas as ajudavam em suas necessidades. Já os mais afortunados, agradeciam de outra forma: Obrigada!, diziam as mulheres. Obrigado!, os homens.
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Por que então minha tia, que era afortunada e na verdade ajudava tanta gente, dizia “Deus lhe pague!”? Era uma pergunta que sempre existiu no meu inconsciente pueril.
O tempo cuidou de me esclarecer essa questão.
foto: Églea de Britto acervo Família Manfrim
Desejar que Deus pague alguém por algo que nos foi feito é a forma mais generosa de agradecer. É dar ao Ser Supremo, que acreditamos ser o melhor do universo, a tarefa de providenciar uma retribuição muito especial. Afinal, o que pode ser melhor do que algo que Deus nos conceda como graça, retribuição ou pagamento?
Também aprendi, com essa lição tantas vezes repetida por minha tia de maneira espontânea e despretensiosa, repleta da mais meiga, generosa e doce delicadeza, que é na humildade que reside a maior riqueza humana. Porque ela nos dota da capacidade de zelar pelos desvalidos sem sentir-se superior a eles, abrindo nossa mente e coração para sermos realmente solidários e também verdadeiros critãos.
Minha querida tia, com toda sua candura, não me deixou apenas estes valiosos ensinamentos. Enquanto eu ia me tornando gente, pude aprender com ela o amor incondicional de um parente que na condição de tia, não precisaria necessariamente me dar tanto afeto ou atenção, mas era capaz, como poucas, de receber-me com o mais sincero sorriso, o mais aconchegante abraço e o mais delicioso som de palavras doces, incluindo a imbatível frase “Eu te amo!”.
Foi com essa doce e generosa criatura que também aprendi que ser mulher é muito mais do que ser feminina, pois exige atitude. E que impor-se, assumir nossos direitos e lutar para que sejam respeitados é possível e importante, sem que isso signifique, jamais, perder a ternura.
Foi com ela também que eu pude conhecer a grandeza do feminino que não se compara ao outro, mas que soma, para juntas, serem parceiras, amigas, companheiras e irmãs, como ela sempre se portou com minha mãe e suas outras duas cunhadas.
Quando somos obrigados a nos despedir de pessoas que trazem toda essa grandeza espiritual e humana em nossa vida de maneira tão amorosa e consistente, o que mais a gente sente vontade de dizer é a frase que aprendi a ecoar com ela: Querida tia Dirce, Deus lhe pague!