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Um Salmo para Matusalem

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Deus lhe pague!

Deus lhe pague!

Nelson Rodrigues, uma vez desafiado a dar um conselho aos jovens, decretou: “Envelheçam!”

O empedernido reacionário recebeu essa consulta nos anos 60, época da revolução cultural que traria definitivamente a juventude ao protagonismo social. A partir dali, todo mundo quereria ser jovem. Antes disso, o trend (argh) era ser velho. A garotada tinha pressa de sair das bermudas e antes dos 20 anos já fazia o possível para ostentar bengalas, ternos, chapéus, e para a tristeza dos imberbes, cavanhaques e costeletas. Eu, que fui criança nos anos 60, lembro que os lugares na mesa do almoço de domingo eram ocupados por ordem decrescente de idade. Criança comia na cozinha. Hoje velhos, somos constrangidos a ir pra cozinha e dar lugar às crianças, caso contrário somos fulminados por olhares horrorizados e comentários do tipo: “Não vai dar seu lugar a uma pobre criancinha desamparada?”

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Evite atritos, vá para a cozinha, meu velho.

Naturalmente, nos anos 60, Nelson Rodrigues sofria com as mudanças do iê-iê-iê, das minisaias e da calça jeans, do mesmo jeito que sofremos hoje com a revolução cultural que traz ao merecido protagonismo social as minorias e os minorizados. Como disse acima, Nelson era um reacionário, dá para entender. Como não sou reacionário, acho o máximo tirar do poder o velho homem branco, que nos trouxe a essa condição de penúria moral, mental e ecológica. Vamos dar uma chance aos desempoderados! Pior não pode ficar.

Lá pros 25 anos de idade, eu já declarava a quem quisesse ouvir que era um velho. O pessoal achava engraçado, porque eu era um maluco beleza cabeludo, artista, vida lôca, protótipo de “jovem”. Eu falava isso à toa, mas no íntimo me reconhecia como uma alma arcaica. A ideia passou a ficar mais sólida na medida do tempo que passou. Hoje, perto dos 60 anos, continuo falando que sou velho. Porém agora escuto eufemísticos: “que é isso, tá jovem ainda”.

Mau sinal.

Quando criança ficava impressionadíssimo nas entrevistas da onipresente TV, quando senhores distintos e idosos diziam que “não fariam nada diferente” ou que “não se arrependiam de nada”. Balela. Hoje sei que o velho estava embrulhando a alma pro santo. Mas o santo não é bobo. Se pudesse voltar no tempo agora, pros meus 16 anos, faria tudo diferente. Quantas oportunidades perdidas para inseguranças ou trocadas por uma boa festa? Me arrependo de quase tudo. Ou metade, vá. Um terço, sei lá. Não quero embrulhar alma pro santo. Não se diz por aí que é melhor se arrepender de ter feito do que ficar na vontade? Disso não posso reclamar. Tive uma vida cheia de emoções. Eu digo “tive” não porque estou com o pé na cova, mas porque desacelerei. Me transformei no Jeca Tatu sentado na soleira do barraco pitando o cachimbo de barro e vendo o tempo passar. Em busca do zero stress. Do nirvana caipira.

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