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Santa Cruz cria projeto inovador de atendimento a dependentes

Com apoio do governo do estado e suporte da prefeitura municipal e da iniciativa privada, Santa Cruz do Rio Pardo inaugura o Projeto Kasulo para atendimento a usuários de entorpecentes. Inédito em sua estrutura e proposta de acolhimento, recuperação e inclusão social, o Kasulo já está funcionando e foi credenciado por entidades especializadas na recuperação de dependentes químicos.

O sucesso da iniciativa poderá resultar em unidades em outros municípios, já que foi considerado um projeto piloto pelo governo estadual. Mais de 30 pessoas já estão sendo atendidas em 10 dias de atividades.

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Dependentes químicos ganham apoio da sociedade em Santa Cruz

Santa Cruz é uma cidade onde se vive muito bem. A maioria das pessoas, é visível, mora bem. As residências, sempre com a maioria nova, reformada e confortável. Saindo desse padrão, temos as casas de loteamento. Que vêm sendo construídas com mais modernidade e conforto, apesar dos terrenos pequenos. Ou seja, é uma cidade onde pouca gente mora mal. Talvez isso explique o capricho e conforto com que foi estruturado o Projeto Kasulo –com K por conta de uma decisão estética na hora da criação da logomarca, inspirada no casulo de uma borboleta, mas que acabou também rendendo uma justa homenagem à mentora do projeto e diretora de saúde do município Karla Honorato Medeiros Pedro.

Criado para prestar atendimento e acolhimento a pessoas em situação de rua e dependentes químicos, o Kasulo está situado no centro, vizinho ao principal Posto de Saúde da cidade e bem próximo à rodoviária, onde muitos se abrigam à noite. Tudo ali evidencia o apoio da comunidade a essas pessoas, o que já é um importante passo para ajudá-las.

Para recebê-las, o Kasulo tem uma ampla recepção e uma bem decorada sala de TV, salas de atendimento direto e individual de terapeuta, psiquiatra e da diretora, cozinha, copa, lavanderia e banheiro com chuveiro. Além de atendimento especializado, o Kasulo oferece banho, roupa lavada e refeições, mas não é um abrigo para pernoite. É um lugar para se refugiar e se tratar. Porque ninguém, nem mesmo quem não admite querer deixar o consumo, quer realmente viver na dependência. Ela, de fato, transforma o organismo de uma maneira que o usuário recorre à droga para ter alguns instantes de paz, já a abstinência é algo terrível de suportar. O espaço foi cria- do para dar suporte efetivo a essas pessoas, com ambientação diferenciada, equipe técnica e um atendimento humanizado.

União de esforços – O Kasulo é uma ação que foi sonhada e pensada há muito tempo, segundo sua mentora e gestora, mas que tomou forma e começou a funcionar em um prazo de menos de dois meses. Com seu histórico à frente da Pastoral da Sobriedade e, sua formação na área de Saúde e especialização em dependência química, Karla foi contratada para trabalhar a questão por um gestor que é funcionário de carreira do setor de Saúde, ocupou a diretoria dessa pasta por oito anos, até eleger-se prefeito, e tem consciência da importância de garantir um atendimento adequado para quem enfrenta a dependência química.

Com o projeto em mãos e o aval do prefeito Diego Singolani, Karla buscou – e conseguiu – apoio do alto escalão do governo do estado de São Paulo, especificamente do vice-governador, e das associações e autoridades no assunto. Simultaneamente, também articulou a captação de recursos na cidade, obtendo apoio das grandes empresas, de famílias e pessoas dispostas a contribuir para o que se propõe a ser não apenas um lugar de abrigo para uma refeição, um banho e lavanderia, mas também onde os dependentes e todos os que querem se livrar de um hábito e não conseguem possam se sentir dignos, bem-vindos, respeitados e amparados.

foto: Flávia Rocha | 360

foto: Flávia Rocha | 360

foto: Flávia Rocha | 360

* A ampla casa no centro da cidade ganhou pinturas decorativas com mensagens edificantes. O espaço demonsta a boa vontade com os dependentes *

É preciso destacar que a mentora e diretora do Kasulo também tem uma conexão direta e bem estabelecida com o poder judiciário, valendo-se de suas constantes consultas à promotoria que trata a questão para ajudar não apenas os dependentes que já a conhecem e a procuram, mas também seus familiares. Articulada, ela também conquistou mais de uma dezena de pessoas dispostas a trabalhar no projeto de maneira voluntária.

Para a inauguração, Karla reuniu todos os envolvidos, entre autoridades, patrocinadores, especialistas e um grupo de cidadãos que estão restabelecendo suas vidas depois de receberem seu apoio direto, através da Pastoral da Sobriedade e da secretaria de Saúde da cidade.

Após a inauguração da casa onde o projeto já está funcionando, ela congregou todos num almoço que teve como ápice um filme onde pessoas que têm vencido a luta diária para se manter sóbrias e seus familiares contam o doloroso processo de consumo e da abstinência de drogas, sejam elas lícitas, como bebidas alcoólcias, ou ilícitas, como o cocaína e o crack.

Projeto modelo – A concepção e missão do Kasulo são tão claros e envolvem de maneira tão abrangente todos os atores sociais (poderes públicos, sociedade civil e grupos de apoio a usuários e familiares), que ganhou apoio também do governo do estado de São Paulo, a ponto de ser considerado um projeto piloto. Ou seja, seu êxito poderá render a implantação de unidades semelhantes em outras cidades paulistas. A adesão estadual, na pessoa do vicegovernador, foi uma conquista da própria Karla, que assumiu um cargo na administração pública graças à sua qualificação e à visão inclusiva do prefeito Diego Singolani.

Em pleno funcionamento – Depois da rápida implantação, o Kasulo já está funcionandode 2ª a 6ª, das 7h às 19h. Em sua primeira semana de atividades, já havia cerca de 30 pessoas frequentando o local, onde, além de um terapeuta especializado em dependência química, trabalham um psiquiatra, monitoras, voluntárias e a própria Karla, que ao longo da última década se especializou no assunto não apenas através de cursos e estudos científicos, mas de maneira prática, conduzindo, ao lado do marido, Valdir Pedro, a Pastoral da Sobriedade no município, braço de apoio ao uso de drogas mantido pela igreja católica.

foto: Flávia Rocha | 360

* Karla e Valdir Pedro: ação voluntária à recuperação de dependentes químicos há mais de uma década; abaixo e à esquerda na foto, o empresário Fernando Pereira, da Santa massa: apoio financeiro e social; mais abaixo, o prefeito Diego Singolani discusa e inaugura o Projeto Kasulo *

foto: Flávia Rocha | 360

foto: Flávia Rocha | 360

Uma luta árdua e exigente – Numa cidade pequena, muita gente conhece os adictos que acabam perambulando pelas ruas. Há quem procure atendê-los em suas demandas, mas não são todos, naturalmente. Há também quem os empregue. Sim, porque muitos trabalham e até ganham o suficiente para não precisar bater às portas ou abordar as pessoas em busca de recursos. Esses, muita gente nem sabe que sofrem com essa condição, porque é algo que vai além da definição de doença como conhecemos, que costuma ter cura. A dependência química não tem. mas, como enfatiza Karla: tem tratamento.

Sociedade acometida – Em algum grau, a maioria das pessoas adquire alguma dependência ao longo da vida. Tem gente que depende até de organização. Sim, são aficcionados por isso e sofrem quando saem do quadro compulsivo e se deparam com a exaustão e a consciência de terem deixado de fazer outras coisas por conta do exagero dedicado a uma tarefa doméstica. Há os que são compulsivos com sexo, com comida e até com atividade física. Há os que não conseguem controlar as neuroses, a ansiedade ou a prostração e consomem remédios para se livrar delas, tornando-se dependentes dos chamados “tarjas pretas”. Muitas dessas dependências não comprometem a vida do indivíduo em sociedade. Mas a maioria faz algum mal. O tabaco, por exemplo, não muda o comportamento das pessoas, mas debilita progressivamente o organismo e causa uma dependência química severa.

No caso dos dependentes de bebidas alcoólicas, crack e cocaína, a dependência costuma ser destruidora, tanto da saúde, a conduta pessoal. E esse é o ponto que coloca os usuários à margem da sociedade, pois o consumo os impede de trabalhar, conviver com a família, cuidar da sua própria vida. Neste sentido, quando um cidade se une para tornar realidade o sonho de uma pessoa que mergulhou nesse universo para ajudar essas pessoas a resgatarem suas próprias existências, temos algo altamente positivo e que merece toda a nossa atenção. O Kasulo é, também, ensinamento para aqueles que ainda não conseguem entender que a dependência química é um mal que acomete parte da população, que ninguém se imagina vítima desse mal quando se aventura no consumo de bebidas alcoólicas e drogas químicas e, ainda, que conviver com essa condição é um desafio imenso e bem difícil de ser superado.

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