ponto, linha... CecĂlia BedĂŞ
"Retalhos de pontos, as linhas constróem desvios que cumprimentam e esbarram, compartilham ou desfazem. No meio do caminho um entrelaço, uma batida, quem sabe sentimento.” Diana Melo
"Começa. Linha que escreve, continua, termina e ponto." Carolina Bedê
O ponto pertence à linguagem e significa silêncio, interrupção, ponte entre um ser e outro. O ponto ressoa o silêncio. Arranca-nos da letargia e restitui-nos uma sensibilidade viva. Sua tensão é concêntrica. Ele se incrusta no plano original e se afirma para sempre. O Ponto é um pequeno mundo, de outros pequenos pontos, que constitui um outro mundo de pontos. É um mundo-corpo. O corpo é ponto composto por pontos.
pontos
Pontos, 2004 Fotografias (126 x 60 aprox.)
Pontos, 2004 (detalhe)
Pontos, 2004 (detalhe)
Ponto é calma. Linha é tensão internamente ativa, história do movimento de um ponto. Produz-se o salto do estático para o dinâmico. Movimentos frios e quentes. Repouso e movimento. Lirismo e drama. O movimento linear corresponde à uma noção de duração, tempo. A forma pura está pronta para receber o conteúdo vivo.
ponto, linha...
Ponto, linha... 2005 Plotagens sobre PVC (dimensĂľes variĂĄveis)
Ponto, linha... 2005 (detalhe)
É a partir dos elementos básicos da linguagem visual, ou seja, o ponto e a linha, que Cecília Bedê, descobre uma direção que a leva ao corpo. Corpo este marcado pela ação do corte. Corte sobre o plano onde se instaura o ponto e a linha que nos revela a face oculta do outro. Segundo Kandinsky, o ponto é resultante do primeiro encontro do utensílio com a superfície material, com o plano original. A superfície material, o plano original, neste registro fotográfico, é o corpo, é a carne que se expõe, prestes a se revelar. Se a linha é um prolongamento da ação do ponto, penso que a linha se apresenta aqui como um contraponto. A linha em zigue-zague vai costurando a dor do outro, permitindo a visibilidade de algo que está além da visão. São imagens cegas, que não revelam rostos nem traços psicológicos, apenas a marca de uma ação sobre a superfície de um corpo. É neste corpo-linguagem, que se apresenta como espelho deste que o contempla, que podemos encontrar uma metáfora que aponta para uma direção nova, em processo. Cecília se serve destes elementos básicos, para exprimir uma sensibilidade completamente transformada. Os elementos ponto e linha, se fundem ao próprio corpo que é o plano de ação, uma ação direta em busca de uma invenção, passíveis de continua transformação.
ponto, linha... Solon Ribeiro
Bordados Yuri Firmeza
As questões instauradas na produção de Cecília Bedê são tecidas a partir de elementos aparentemente simples, como o Ponto e a Linha. O destaque dado ao corpo, aqui plano receptor desses elementos, apresentase em duas instâncias. Em “Pontos”, Cecília Bedê reagrupa retalhos abstratos de corpos, mapeados fotograficamente a partir das composições formadas por sinais. Pontos no corpo humano. Como afirma a artista, o corpo é ponto composto por pontos. São com esses retratos/retalhos que Cecília costura o seu trabalho. A localização, a forma e a dimensão dos pontos no plano/pele fazem com que estes ressoem de formas múltiplas e distintas. Composto por vinte e quatro fotografias, esse painel soma todas as ressonâncias isoladas primeiramente por cada foto. O ponto agora se desloca, possui movimento e deixa seu rastro: a linha; tensão e direção. Ponto, Linha... Em pesquisas realizadas em hospitais, Cecília, com sua máquinabisturi, aplica cortes fotográficos na captura de corpos que tenham sido submetidos a operações cirúrgicas. As sensações de choque e de repulsa, que podem ser causadas pelas imagens dos cortes apresentadas no trabalho Ponto, Linha..., são amenizadas pela forma como Cecília compõe a sua poesia. O trabalho confronta o olhar da dor com a sutileza da linha que flutua. Cria-se uma harmonia a partir desses elementos antagônicos. Existem linhas distintas no trabalho. A primeira, linha reta, fruto da ação de um corte sobre a carne. Sulcos abertos, que remetem à incisões de ponta-
secas, na prática das gravuras; aos rituais indígenas e à body art. A segunda, linha curva, traz ironicamente o nome Ponto, de uso cirúrgico. Delicadas linhas que suturam esses interstícios. A terceira, linha quebrada, advém da forma na qual são dispostas as dez fotos na parede. Da maneira como Cecília organiza quatro fotografias de duas imagens repetidas origina-se um plano, que novamente desfia-se. Recorrer a um olhar simplesmente formal seria revisitar as teorias de Kandinsky. Dessa forma restringiríamos as questões abrangidas pelo trabalho. Não há que se ignorar a presença do corpo enquanto carne que se modifica a todo instante. O mesmo corpo/suporte que recebe o ponto e a linha no trabalho de Cecília é aquele que se submete a um esquartejamento, que é mutilado, seja pela procura desenfreada pelo físico “ideal”, seja em decorrência de outros atos atrozes presentes no cotidiano. Os trabalhos aqui apresentados nos permitem ilimitadas leituras, múltiplos olhares. Depende do ponto... de vista.
Cecília Bedê cecilia.bede@gmail.com http://ceciliabede.multiply.com
Cursa Artes Visuais na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza. Participou de diversos cursos, entre eles: A Fotografia nas Artes Visuais com Solon Ribeiro (CE); Oficina de Fotografia com Miguel Chikaoka (SP); Arte e Espaço com Jailton Moreira (RS); Conservação e Catalogação de Acervos de Arte com Aida Cordeiro (MAM/SP) e Curso Curadoria “Tão Sério como o Prazer” com Chus Martinez (Sala Rikaldi/Bilbao). Entre as mostras coletivas destacam-se: em 2005, adesgraçadalebre no Alpendre (Fortaleza/CE); Fortaleza Plural na Galeria Aldemir Martins (Fortaleza/CE); em 2004, Labirinto da Arte e da Vida no Museu de Arte da UFC (Fortaleza/CE); Contemporâneos na Galeria Mauro Soh (Imperatriz/MA) e 55° Salão de Abril na Galeria Antônio Bandeira (Fortaleza/CE). Artista mapeada pelo Programa Rumos 2005/2006 do Instituto Itaú Cultural.
ponto, linha... Cecília Bedê Centro Cultural Banco do Nordeste - Fortaleza 01 de novembro a 31 de dezembro de 2005
REALIZAÇÃO / Centro Cultural Banco do Nordeste - Fortaleza CURADORIA / Solon Ribeiro FOTOGRAFIAS / Cecília Bedê e Murilo Maia TEXTOS / Solon Ribeiro, Yuri Firmeza, Carolina Bedê e Diana Melo PROJETO GRÁFICO / Caio Danieli AGRADECIMENTOS / Murilo Maia, Dr. Augusto César Filho, Alexandra e Elder Ximenes, Gentil Barreira, Simone Barreto, Aristides Ribeiro, Jacqueline Medeiros
Este trabalho é dedicado a meu avô Moacir Bedê