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1. AS CIDADES DA CIDADE

CIDADE

1. aglomeração humana localizada numa área geográfica circunscrita e que tem numerosas casas, próximas entre si, destinadas à moradia e/ou a atividades culturais, mercantis, industriais, financeiras e a outras não relacionadas com a exploração direta do solo; urbe.

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2. (por metonímea) a população da cidade.

(Fonte: Dicionário Oxford)

Em 1565, enviado pelo então Governador geral Mem de Sá, Estácio de Sá1 desembarca na faixa de areia entre o Morro Cara de Cão e o Morro do Pão de Açúcar com o intuito de expulsar os franceses, fundadores da França Antártica2, e por consequência, fundar então a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. O processo de conquista e colonização da região da Guanabara evidencia a dificuldade de se definir uma fundação, mas principalmente uma identidade local.

Para se discutir uma cidade colonial é necessário compreender as praxes metropolitanas de controle territorial as quais era submetida. Talvez a mais pertinente seja o próprio conceito de cidade e a sua sutil diferenciação de vilas. As vilas podiam ser fundadas por donatários, capitães e governadores ou eram resultados de uma ordem régia que elevava de categoria determinado arraial. A criação de cidades, por sua vez, foi sempre um direito da Coroa e por isso, estes núcleos urbanos eram chamados de cidade real.

Devido ao fato de ter sido fundado diretamente pela Coroa, o Rio de Janeiro teve o foro de cidade desde seus princípios e existe como materialidade jurídica a partir da decisão de quem detém determinado direito. A cidade que o trabalho pretende analisar não está pautada simplesmente nas suas bases organizativas resultantes do ato de fundação, mas sim no constante processo de transformação da urbe.

Os processos de aglomeração humana que conformam sítios em cidades são fundamentais para o tema proposto. A população carioca é uma das variações da convergência do colonizador português, com povos ameríndios e africanos, a qual posteriormente, a imigração adiciona novos contingentes humanos que são absorvidos por esta amálgama de matrizes raciais, tradições culturais e formações sociais.

No plano étnico-cultural, essa transfiguração se dá pela gestação de uma etnia nova, que foi unificando, na língua e nos costumes, os índios desengajados de seu viver gentílico, os negros trazidos de África, e os europeus aqui querenciados. Era o brasileiro que surgia, construído com os tijolos dessas matrizes à medida que elas iam sendo desfeitas. (RIBEIRO, 1995 p.30)

1 Militar português, fundador da cidade São Sebastião do Rio de Janeiro, e primeiro governador-geral da Capitania do Rio de Janeiro, no período colonial.

2 Colônia francesa estabelecida na região da Baía do Rio de Janeiro, durante no século XVI, com o apoio da tribo indígena dos tamoios, existiu entre 1555 e 1570, quando os últimos remanescentes da aliança franco-tamoia foram derrotadas na Batalha do Cabo Frio, pelos portugueses e seus aliados temiminós.

Após desempenharem o papel de conquistadores, os portugueses se tornam povoadores. Podemos exemplificar tal informação, a partir de um documento que lista os primeiros moradores livres do Rio de Janeiro, nele podemos identificar 115 europeus e mamelucos e apenas um indígena: Araribóia, chefe dos Temiminós3. Porém, se adicionarmos a esta conta os europeus e mamelucos4 que comprovadamente frequentaram a Cidade Velha, mas não foram identificados pela documentação e mais os índios, sejam escravos ou aliados da expedição, podemos imaginar um número de 350 a 400 indivíduos responsáveis por uma povoação primitiva. (ALMEIDA DE ABREU, 2010, p.136-140)

Dentro deste documento de Relação das Sesmarias da capitania do Rio de Janeiro, com 116 nomes, muitas vezes acompanhado da ocupação e proveniência, destacaremos um nome que não é tão discutido ou lembrado, mas evidencia um ponto chave para a pesquisa. O português Nuno Garcia, listado com a ocupação de pedreiro e vindo da Bahia. Pouco se sabe sobre a vinda do indivíduo para as terras da Guanabara. Entretanto, em meio a cartas jesuíticas extraídas de edições espanholas escritas em 1551 e 1555, podemos encontrar a carta escrita pelo padre Manoel de Nóbrega, endereçada ao padre Simão Rodrigues em Lisboa. Nela o padre relata sobre o período que esteve na Bahia e que contou com a colaboração efetiva do pedreiro nas obras jesuíticas, e por conta disso, solicita o perdão de sua pena de onze anos devido a um suposto assassinato. (HUE, 2006, p.68)

...Quis o Senhor nos deparar com um oficial pedreiro, e este vai fazendo pouco a pouco, o qual é um mancebo desterrado por um desastre que lhe aconteceu a morte de um homem; tem já cumprido um ano, faltam-lhe dez. Concertou comigo de servir esta casa por cinco anos com seu oficio, e que alcancemos do rei o perdão dos outros cinco. Não tem parte que o acuse. Fiz assim por conselho do governador e porque me prometeu que o alcançaria de Sua Alteza quando disto Vossa Reverendíssima não quisesse falar. (HUE, 2006, p.68)

A utilização de mão de obra de degredados durante o início do período colonial, ilustra a importância do trabalho braçal e a escassez de especialização durante o período. A busca por uma massa populacional que possa possibilitar o crescimento da cidade é causadora de inúmeros movimentos migratórios. Portanto, a mão de obra

3 Tribo tupi que habitou a Ilha do Governador, São Cristóvão, Niterói e o sul do atual estado do Espírito Santo, no Brasil, no século XVI.

4 Filho de branco com índio; indivíduo que possui uma ascendência indígena e branca 10

escravizada, degradada ou imigrante, aliada ao domínio de técnica, conforma o instrumento necessário para a urbanização.

De acordo com o historiador Luiz Antônio Simas, o entendimento de uma cultura diaspórica é essencial para se pensar o Rio, a produção de cultura onde só deveria existir o trabalho braçal, é o instrumento mais potente para se contar a história de uma cidade construída na relação das elites cariocas, o poder público e os pobres e escravizados.

Administrar uma cidade, falar sobre uma cidade, escrever sobre ela, propor políticas públicas, implica no conhecimento, reflexão, amor e interação com os seus modos de recriação da vida e produção de cultura, função que nos faz humanos e nos redime do absurdo da morte. (SIMAS, 2013, p.30)

O reconhecimento dos modos de recriação da vida e produção de cultura citado pelo autor evidencia a partir de que mãos a paisagem urbana foi construída e reforça a hipótese sobre qual a pesquisa pretende discorrer. Portanto, para fins metodológicos, entende-se que o caráter identitário da cidade não se dá somente na formação de sua população ou nas características do sítio na qual se desenvolveu, mas sim na relação entre população e sítio. Sendo neste caso, a identidade da cidade, um reflexo do complexo processo de formação de povo e cultura, causados por uma série de movimentos diaspóricos, e motivados pela exploração de determinada mão de obra.

O trabalho pretende se desenvolver a partir de uma reflexão sobre a indústria da extração de rochas que durante o séc. XVII até o início do XX, produziu nas terras da Guanabara, uma simbólica transformação de seu relevo em arquitetura.

1. Negra escravizada, Rio de Janeiro. (Fonte: IMS - Alberto Henschel, 1870)

2. Negro escravizado, Rio de Janeiro. (Fonte: IMS - Augusto Stahl, 1864)

3. Índio em estúdio, Rio de Janeiro. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1882)

4. Amolador, Rio de Janeiro. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1899)

5. Garotos jornaleiros, Rio de Janeiro. (Fonte: IMS - Gomes Junior, 1899)

6. Vendedora de miudezas, Rio de Janeiro. (Fonte: IMS - Gomes Junior, 1899)

7. Vassoureiro, Rio de Janeiro. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1899)

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A cidade do Rio de janeiro no Morro do Castelo, princípios do séc. XVll.

(Fonte: Imagem produzida pelo autor a partir de mapas encontrados em: Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965)

A cidade do Rio de janeiro nos princípios do séc. XVIII.

(Fonte: Imagem produzida pelo autor a partir de mapas encontrados em: Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965)

A cidade do Rio de janeiro nos meados do séc. XVIII.

(Fonte: Imagem produzida pelo autor a partir de mapas encontrados em: Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965)

A cidade do Rio de janeiro nos princípios do séc. XIX.

(Fonte: Imagem produzida pelo autor a partir de mapas encontrados em: Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965)

A cidade do Rio de janeiro após as reformas de Pereira Passos, princípios do séc. XX.

(Fonte: Imagem produzida pelo autor a partir de mapas encontrados em: Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965)

A cidade do Rio de janeiro após a reforma Carlos Sampaio, princípios do séc. XX.

(Fonte: Imagem produzida pelo autor a partir de mapas encontrados em: Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965)

A cidade do Rio de janeiro durante o governo Carlos Lacerda, Séc. XX.

(Fonte: Imagem produzida pelo autor a partir de mapas encontrados em: Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965)

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