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2. A MANIPULAÇÃO DA MATÉRIA

MATÉRIA

1. agregado de partículas que possuem massa.

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2. substância sólida de que se faz um produto ou uma obra.

(Fonte: Dicionário Oxford)

Igreja de São Domingos, situada no largo do mesmo nome, em 1928. Construída em 1791, foi demolida para abertura da Av. Presidente Vargas. Situava-se defronte à atual Av. Passos.

(Fonte: Cantarias e pedreiras históricas do Rio de Janeiro: Instrumentos potenciais de divulgação das Ciências Geológicas. Rio de Janeiro, 2012.)

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1. Vista do Pão de Açucar. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1880)

2. Vista da Baia de Guanabara, lado de Niterói. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1890)

3. Vista da Baia de Guanabara. (Fonte: IMS - Marc Ferrez, 1885)

A paisagem da Ilha Brasil, é objeto de admiração e disputa desde a sua descoberta. Os maciços formados por granitos e gnaisses que sobem abruptamente sobre as zonas alagadiças ou areais em torno de uma baia de águas calmas, configuram um território com características estratégicas para o controle de uma área mais ampla. (WINTER RIBEIRO, 2016, p.57-58) (ALMEIDA E PORTO JUNIOR, 2012, p.4-5)

Em 2012, a cidade do Rio de Janeiro passou a integrar a lista de patrimônio mundial da UNESCO, ocupando a categoria de Paisagem Cultural, elaborada em 1992. O reconhecimento de tal título se baseia no fato da cidade ainda conservar mesmo que em partes, características marcantes de sua paisagem natural, apesar dos constantes processos de metropolização. Entretanto, a nomeação não pretende relevar os problemas da metrópole, seja suas contradições, carências ou os marcantes paradoxos de beleza e exclusão. É neste sentido em que o trabalho se aproxima da concepção da paisagem como patrimônio, chamando a reflexão o Rio de Janeiro, de modo a contribuir para a discussão da relação ser humano e natureza. (WINTER RIBEIRO, 2016, p.56)

Considerando que, diante da amplitude e da gravidade dos novos perigos que os ameaçam, cabe à coletividade internacional participar da proteção do patrimônio cultural e natural de valor universal excepcional [...]; considerando que, para isso, é indispensável adotar novas disposições convencionais que estabeleçam um sistema eficaz de proteção coletiva do patrimônio cultural e natural de valor universal excepcional organizadas de modo permanente e segundo métodos científicos e modernos […], cabe a cada Estado-parte da presente Convenção identificar e delimitar os diversos bens situados em seu território […]. Cada Estado parte da presente Convenção reconhece que lhe compete identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir às gerações futuras o patrimônio cultural e natural situado em seu território. (WINTER RIBEIRO, 2016. Apud. UNESCO. Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, 1972)

O trabalho pretende pensar conceitualmente, esta cidade que tem como um de seus principais signos, a relação dialética e indissociável, na qual humanos se adaptam ao ambiente que habitam, e ao mesmo tempo adaptam este ambiente as suas necessidades e vontades. Pensaremos portanto, uma cidade que em determinado momento de sua formação, manipula sua topografia para obter a matéria prima básica da construção de inúmeros edifícios. Rochas decompostas também eram utilizadas em grande escala nos aterros, o que permitiu a ocupação gradativa das áreas pantanosas. (ALMEIDA, 2016, p.2)

A tradição de pedra talhada, trazida pelos colonizadores portu-

gueses fomenta a formação de um conjunto de pequenas frentes de extração em diversos pontos da cidade, que com a chegada da coroa sofre um enorme aumento de demanda. Por isto, é no séc. XIX em que as zonas centrais e sul da cidade alcançam o ápice da extração das rochas, obrigando a expansão da atividade para áreas até então distantes, como Copacabana. (ALMEIDA E PORTO JUNIOR, 2012, p.9)

Atualmente, devido as demandas ambientais, o mercado de exploração de rochas deslocou suas frentes de pedreira para áreas periféricas a zona central da cidade e por isso, os maiores empreendimentos encontram-se em municípios como Nova Iguaçu, Japeri, Seropédica e Itaguaí. Entretanto, as rochas exploradas distinguem-se daquelas da primeira fase de extração. Hoje, a exploração se concentra em tipos texturais mais homogêneos como ortognaisses e granodioríticos, enquanto no período colonial, a exploração foi caracterizada por tipos preferencialmente facoidais, como por exemplo a gnaisse facoidal e kinzigitos semi-facoidais. (ALMEIDA E PORTO JUNIOR, 2012, p.4-5)

Apesar da dificuldade da extração, transporte e manuseio, a rocha e a técnica da cantaria ocupam um papel de destaque no processo de urbanização do Rio de Janeiro. O fato se deve ao solo excessivamente rico em matéria orgânica e, portanto, pouco propício a técnica da taipa, baseada no sistema de compactação do solo na maioria das vezes em conjunto com algum aglomerante para melhorar as características do material. O processo se configura em peneirar a porção de solo, acrescentar água para que chegue ao ponto necessário de umidade e posteriormente colocar a mistura dentro de uma forma para finalmente compactá-la, usando pilões ou compactadores manuais.

No período colonial, as rochas eram utilizadas somente em determinados componentes construtivos como pilares ou tinham uma função quase exclusivamente estética, compondo molduras de portas e janelas em cantaria1, que demandavam uma mão-de-obra especializada. Todavia, na cidade do Rio de Janeiro, além de ser utilizada em adornos de uma cantaria decorativa, o material compunha praticamente toda a construção. Nos textos do missionário americano Daniel Parish Kidder, escritos em 1857 é ressaltado o contraste da eficiente técnica de construção em taipa praticada em São Paulo com o método aplicado no Rio, descrevendo casas compostas por fragmentos de rochas cimentadas com argamassa, que formavam paredes espessas como “fortalezas”. (ALMEIDA E PORTO JUNIOR, 2012, p.6)

A predominância da utilização de rochas como o principal material na construção, mantem-se citado em inúmeros textos desde o séc. XVIII até o início do XX. Portanto, podemos definir 3 fatores que impulsionaram a indústria da exploração. A transformação da cidade

1 ofício de talhar blocos de rocha bruta de forma a constituir sólidos geométricos de variável complexidade, para utilização na construção de edifícios ou de muros. 26

em capital do país em 1763, promovendo o aumento da área urbanizada, a chegada da família real em 1808, trazendo melhorias urbanas, como por exemplo, o aumento do uso de rochas na pavimentação de ruas, e posteriormente, pela remodelação urbana promovida pelo então prefeito Pereira Passos que administrou a cidade entre 1902 e 1906.

O centro da cidade é um retrato da importância das rochas para a paisagem urbana. Podemos destacar a Gnaisse facoidal que apesar de não ser um tipo de rocha exclusiva do Rio, Niterói e municípios vizinhos, chama a atenção pela massiva utilização. As inúmeras construções em cantaria e ruas inteiras pavimentadas em rocha, podem ser vistas na região do corredor cultural2 que se estende desde a Igreja da Candelária até a praça XV. A rua do Mercado, travessa do comércio, o entorno do passeio público e dos Arcos da Lapa, também são bons exemplos da utilização de pedras centenárias. Tamanha aplicação anda paralelamente com o desenvolvimento da indústria de extração, que por sua vez influenciava diretamente o traçado urbano, intensificando o fluxo de pessoas e principalmente criando a necessidade de escoamento do material extraído.

Dentre as inúmeras frentes de pedreiras abertas pela cidade, pesquisa propõe o recorte do grande complexo de extração que se desenvolveu no entorno do Morro da Conceição, localizado atualmente entre a atual Avenida Presidente Vargas e a zona portuária. O complexo contava com frentes conhecidas como São Diogo, Livramento e Providência, de acordo com a denominação de cada trecho da cadeia rochosa. A dimensão do conjunto de exploração, atesta a sua importância como uma das principais fontes de matéria prima deste período, estendendo suas atividades mineradoras até 1960, deixando um grande impacto visual nas encostas, que hoje em dia, passa despercebido por entre os edifícios mais altos.

Se olharmos atentamente aos vestígios históricos contidos no traçado urbano deste trecho de cidade, podemos ter uma real noção da importancia da rocha no Rio de Janeiro. A atual Rua dos Andradas, antes conhecida como Rua da pedreira do Aljube, funcionava como via de escoamento e tinha objetivo de conectar o centro urbano com a pedreira localizada nas proximidades da prisão do Aljube. A função de via de transporte era compartilhada com a Rua da Conceição, então designada de Rua da pedreira da Conceição, que por exemplo, serviu como trajeto até a construção da Igreja de São Francisco de Paula, no Largo de São Francisco. As duas ruas eram ligadas pela atual Rua Júlia Lopes de Almeida, conhecida na época como beco das pedreiras. (ALMEIDA E PORTO JUNIOR, 2012, p.9)

2 LEI N. 506 DE 17 DE JANEIRO DE 1984 - Cria a Zona Especial do Corredor Cultural, de proteção paisagística e ambiental do Centro da Cidade, dispõe sobre o tombamento de bens imóveis na área de entorno e dá outras providências.

Processo construtivo de uma parede em taia de pilão.

(Fonte: Dicionário de arquitetura brasileira. São Paulo, 1972) Processo construtivo de uma parede em taia de pilão.

(Fonte: Dicionário de arquitetura brasileira. São Paulo, 1972)

Exemplo de andaime dependente (A) e independente (B).

(Fonte: La construction romaine. Paris, 1988) No figura (A) observa-se a forma que resultará após o cinzelamento do bloco, conforme a figura (B).

(Fonte: Manual de cantería, 2005)

Processo construtivo de uma parede em pedra.

(Fonte: La construction romaine. Paris, 1988)

Frentes de pedreiras desativadas na região do centro histórico e zona sul do Rio de Janeiro.

(Fonte: Imagem produzida pelo autor)

Pedreira da Glória, olhando em direção à Praia do Flamengo, vê-se ao fundo o Morro da Viúva.

(Fonte: Rugendas, 1889)

Pedreira da Glória, na frente de extração voltada para a praia. Olhando em direção a Enseada da Glória, escravos perfuram a rocha para introdução de explosivos

(Fonte: Debret, 1835)

Cais do paço Imperial (atual Praça XV), construído com blocos de gnaisse facoidal; no centro o Chafariz do Paço; à esquerda, o Palácio do Paço; ao fundo a Igreja da Sé e Convento do Carmo.

(Fonte: Debret, 1835)

A rua direita, atual 1° de março; destaca-se em primeiro plano a pavimentação em rocha, e em segundo plano a Igreja do Carmo e o Morro do Castelo

(Fonte: Rugendas, 1889)

Atual Rua da Conceição, antes conhecida como Rua da pedreira da Conceição.

(Fonte: imagem produzida pelo autor.)

Atual Rua dos Andradas, antes conhecida como Rua da pedreira do Aljube.

(Fonte: imagem produzida pelo autor.)

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