Campus 377

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Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB | De 24 a 30 de abril de 2012

42 ano

CAMPUS

edição

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HOMENS ANORÉXICOS

Magreza e negligência nas refeições indicam incômodo com peso. Preconceito dificulta busca por tratamento

DESPACHO

para

regulamentação

Tecnologia invisível

contra o

CÂNCER

Quer ir para o

espaço?


Opinião Do ponto de vista dos órgãos públicos, o motivo da inépcia do GDF em 2011 era a necessidade de “arrumar a casa”. Que no linguajar político significa reexaminar comissionados, licitações, administrações. Em resumo: personalizar o esquema que era da gestão anterior. Justo e até convincente, já que Brasília estava no lamaçal político. Assim o ano passou, secretarias montadas, Durval fez ameaças e o Mané foi demolido. Dizia-se que depois de tudo isso seria a vez de “novo caminho”. O problema estrutural do transporte precisava ser enfrentado. Para a tarefa eram necessárias mudanças na gestão do DFTrans. Mas o fato é que o transporte público continua precário. Enquanto o empresariado debocha da fiscalização, parece não existir nenhuma solução inteligente e duradoura para os congestionamentos. Chegamos ao segundo bimestre de 2012 com a crise alastrada. Greves em categorias importantes como professores e policiais. Os índices de violência cresceram no

mesmo ritmo em que se intensifica o pavor do sequestro relâmpago (em 2011 foram 675 casos). O Planalto não deu bobeira, foi ajeitar o quintal, colocando homens de sua confiança em duas pastas fundamentais: Casa Civil do DF e Secretaria de Planejamento e Orçamento. Interferência que segundo o GDF foi requisitada para ajudar a gestão. Para um governo que conta com baixa aprovação da população, as dificuldades aumentam quando antigos aliados tornam-se críticos. Dois senadores da cidade subiram ao plenário para denunciar a tragédia e o abandono de vários setores no DF, entre os quais a Saúde. Esta que foi uma promessa central, hoje segue vagando moribunda e sem rumo definitivo. Com as recentes denúncias e a ameaça de CPMI envolvendo corrupção em licitações, relações da cúpula do executivo local com o crime organizado goiano, o PT fica literalmente cercado de problemas.

Ombudskvinna* Na primeira edição do Campus de 2012, predominaram pautas sociais. Os temas cativam porque fazem com que o leitor se identifique e se preocupe, como a banca da UnB e os problemas na educação e no turismo sexual. A coluna Fala, Rovérsio foi no movimento contrário. A referência ao comentarista do Campus Online não é clara. A proposta de debater assuntos factuais com um discurso irônico é válida, só que quem não passou pelo jornal laboratório podia ser poupado da piada interna. A primeira matéria é um bom exemplo de cobertura importante para a democracia, e que os grandes meios de comunicação ignoram. Mas a reportagem se preocupa tanto em acompanhar a aplicação da lei de acesso à informação que se esquece de introduzir melhor o tema. Poderia ter dialogado com quem está por fora do assunto, sendo mais didática e citando exemplos do que são documentos públicos e em quais situações uma informação

por | MARIO CESAR

por | AMANDA MAIA

é sigilosa. Na matéria sobre prostituição na Copa, fica a pergunta: afinal, o que o governo vai fazer? O MTur faz um discurso bonito (e tão superficial que se reflete na matéria), mas não foi questionado sobre onde ou quando foram feitas e vão ocorrer as ações. Com tanta sensibilidade para mostrar a realidade alarmante das bibliotecas nas cidades-satélites, a repórter poderia ter buscado exemplos bem-sucedidos também fora do Plano Piloto – além do CEM 4. E, por fim, a ideia de trazer lugares para o perfil pode surpreender. A escolha foi certa porque trouxe histórias da comunidade acadêmica, mas cuidado ao supor que todos os leitores conhecem isso ou aquilo. O objetivo não é exaltar que o perfilado é famoso, mas que ele merece ser. *Feminino de ombudsman, termo sueco que significa “provedor de justiça”, a ombudskvinna discute a produção dos jornalistas a partir da perspectiva do leitor.

Memória O Campus apresentava aos seus leitores, há seis anos, “O universo na cabeça de um alfinete”. Em reportagem de Nina Rodrigues, pela primeira vez era abordado o assunto da nanotecnologia. A 312ª edição, de dezembro de 2006, explicou a linha de trabalho, o método e as perspectivas de resultados a serem alcançados. A atividade, vista ainda como “piada” por muitos, foi apontada como “sinal de desenvolvimento e esperança de cura para doenças’. Esta última possibilidade, trabalhada pelo Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB). A entrevista feita com as pesquisadoras Alani Barbosa e Neda Sedagaiani mostrou o estudo desenvolvido para combate ao câncer. Alani explicou que entre as vantagens do método está a redução de áreas atingidas e de efeitos colaterais, o que favorece o combate à doença. Seis anos depois, o Campus volta a tratar o assunto. Mostramos o avanço das pesquisas e a continuação da missão revelada naquele ano de “se comprometer com o presente para mudar o futuro”.

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colunista fictício Adoro a tecnologia e o progresso. A revolução tecnocientíficoinformacional elevou a nossa gloriosa espécie e possibilitou o desgaste das relações interpessoais: hoje me sinto mais livre para emitir minhas impressões sobre o mundo. No meu blog, é claro. Meu lamento é ser da última leva de pessoas sensatas. O problema: tanta tecnologia para uma geração tão despreparada. Sinto que essa juventude precisa de orientação, alguém que mostre um caminho coerente. Tomei para mim essa nobre missão que consiste na vigilância online em prol do bom senso dos jovens jornalistas. E posso dizer, sem falsas modéstias, que tenho feito um ótimo trabalho. Também o crédito não é só meu: comentários abertos em portais e sites de notícias, perfils no Facebook e no Twitter, além de links compartilhados abrem espaço para críticas, embora não seja o ideal. Porque essas ferramentas são demasiadamente agregadoras. Tudo é curtir, todos gostam de tudo, querem dar apoio,estrelinhas, elogiar. Fica muito fácil, crianças. Os educólogos que me escusem, mas não é passar a mão na cabeça dos jovens que ensina: é preciso safanões, ainda que metafóricos. Por tudo isso, faço um apelo aos poderosos das redes sociais: instalem botões de julgar ao invés de só gostar e curtir. Coloquem um ícone de rebater, não só de retuitar. E um botão de excluir da interface da internet, que não sou obrigado a ler tanta marmota.

Editor-chefe Mario Cesar Secretária de Redação Daphne Dias Diretor de Arte Patrick Cassimiro Projeto Gráfico Carolina Pereira, Ellen Rocha, Luisa Bravo, Mariana Capelo, Patrick Cassimiro e Thiago Lima Jornalista José Luiz Silva Professores Sérgio de Sá e Solano Nascimento ISSN 2237-1850 Brasília/DF - Campus Darcy Ribeiro Faculdade de Comunicação - ICC Ala Norte CEP 70.910-900 Telefones 61 3107.6498/6501 E-mail campus@unb.br Gráfica Palavra Comunicação Tiragem 4 mil exemplares ACESSE O CAMPUS ONLINE WWW.FAC.UNB.BR/CAMPUSONLINE


Religião fotos | JANAÍNA MONTALVÃO

Governo no encalço dos orixás Alvarás de funcionamento para templos religiosos estão sob a mira da justiça reportagem | GABRIELA CORREA diagramação | MARCELA NÓBREGA edição | BÁRBARA ROMUALDO

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m meados de fevereiro, houve a interdição de um terreiro de candomblé e notificação de outros nove centros religiosos de matriz africana na cidade de Planaltina, a 38 km de Brasília. A Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) iniciou a ação depois que vizinhos dos terreiros reclamaram do barulho. Também foram notificadas 52 igrejas evangélicas e 14 igrejas católicas. De acordo com estimativa da Federação Brasiliense de Umbanda e Candomblé, existem no Distrito Federal e Entorno cerca de 500 terreiros e só em Planaltina estão mais de 20% deles. A Agefis classifica os centros como locais de atividades econômicas. O argumento é contestado pela presidente da Central das Religiões de Matriz Africana do DF (Afrocom), Mãe Neuza de Souza. “Não entendi o porquê dessa classificação. Os terreiros de umbanda e candomblé são templos religiosos com fins filantrópicos”, afirma. O terreiro de Mãe Noeli de Ossaim em Planaltina foi interditado após três notificações. A mãe de santo mora nos fundos de seu “barracão” há 24 anos, quando a região era um setor de chácaras. Com o crescimento habitacional, o terreno de 250 m² foi ladeado por lotes residenciais. “Antes não tinha problemas com barulho porque não tinha ninguém aqui perto”, explica Noeli. As reclamações são recorrentes.

A mãe Rosely de Oyá, vice-presidente do Afrocom, mantém um terreiro na região central de Planaltina há 20 anos e diz já ter recebido policiais mais de dez vezes em sua casa por causa dos atabaques. “Já jogaram pedra na minha casa. A polícia já interrompeu uma ‘saída de santo’ [cerimônia que celebra um orixá] porque vizinhos disseram que eu estava promovendo festas regadas a álcool e brigas.” Atualmente, ela organiza a mudança do terreiro para uma área rural afastada do centro da cidade, onde espera não passar por constrangimentos. As atividades no centro de mãe Noeli ficaram dois meses paralisadas. Os atabaques só voltaram a ser tocados recentemente quando uma ordem provisória emitida em reunião com deputados da Câmara Legislativa e representantes da Agefis autorizou a retomada dos trabalhos.

LEGISLAÇÃO CONTRADITÓRIA As muitas cláusulas no texto final da Lei Complementar 816, aprovada em 2009, entram em conflito com a Lei Distrital 45/50, sancionada dois anos depois pelo atual governador, Agnelo Queiroz, que determina que o Estado deve garantir a preservação do patrimônio cultural afro-brasileiro. Isso sem dizer que esbarram nos princípios definidos no artigo 19 da Constituição Federal, que, dentre outras limitações, define que o Estado não pode “embaraçar” o funcionamento de nenhuma instituição religiosa. O projeto original da lei proposta em 2009 na Câmara Legislativa tratava da regulação de templos religiosos e centros assistenciais em áreas públicas. O texto foi apresentado como a melhor solução para inserir as entidades religiosas nos processos licitatórios. Porém, por influência da bancada evangélica, o projeto foi modificado e tornouse a Lei Complementar 816/9. A lei só permite a cessão de terrenos por licitação pública, o que favorece empresas com poder financeiro bem maior que as entidades religiosas. O resultado foi que nenhum centro religioso de matriz Instalada em Planaltina há 24 anos, Mãe Noeli de Ossaim não entendeu o motivo da interdição africana foi contemplado. de seu terreiro de candomblé

Mãe Noeli de Ossaim só pôde retornar seus trabalhos após a emissão de uma ordem provisória

Para Michael Felix, coordenador do Fórum Religioso Afro-brasileiro do DF e Entorno (Foafro) e representante da Federação Brasiliense de Umbanda e Candomblé, a causa da polêmica poderia ser justificada pela ausência de uma legislação única capaz de abordar questões religiosas e fundiárias com unidade. “Como os terreiros que exercem atividades sem fins lucrativos e cujos únicos lucros são para o próprio sustento, poderiam comprar um terreno de R$ 500 mil?”, questiona Felix. Ciente da notificação de igrejas evangélicas, o vicepresidente do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp), pastor Rodrigo Delmasso, coordena o projeto Te Amo Brasília, que possui equipe de advogados para assessorar instituições religiosas em processo de regulamentação. O pastor afirma, que no DF, entidades religiosas são classificadas como estabelecimentos comerciais, quando deveriam receber tratamento jurídico diferenciado. Em fevereiro, o governo criou um Grupo de Trabalho para amenizar a situação. Há dois meses, foi decidido que a equipe estaria completamente formada em um prazo de 10 dias, mas apesar do que sugere o nome, o trabalho ainda não começou. O diretor de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Imaterial da Secretaria da Promoção da Igualdade Racial do DF (Sepir), Sebastião Silva, pondera que a organização do GT envolve diversos segmentos do governo, em que cada órgão tem que eleger seus representantes. Michael Felix argumenta que a falta de representatividade política do terreiros influi negativamente para a ausência de soluções. “No GT, a maior questão deve ser pegar todas as leis existentes e fazer uma específica. O que falta é vontade política”, alerta Felix.

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Saúde

Anorexia também atinge sexo masculino Quatro jovens relatam experiências que tiveram com a doença e falam sobre as motivações para o distúrbio reportagem | TIAGO AMATE E PAULO PIMENTA diagramação | LUISA BAVO de edição | INGRIDY PEIXOTO

“M

eu Deus, minha costela sumiu!”. As palavras de Fábio* são de desespero quando nota o resultado de ter “comido demais”. O jovem de 16 anos, 1,80 m de altura e 58 kg, admite que o pensamento pode ser obsessão. Ainda assim, o sumiço da costela causa desespero. “Eu me olho no espelho e me sinto um pouco gordo”, revela. Apesar de não ter ido ao médico, o comportamento denuncia um provável caso de anorexia atrelada à bulimia. “Descobri que ele escondia comida na gaveta do armário”, desabafa a mãe de Dante*. O menino de 14 anos pesava 28 kg quando foi internado por dois meses no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN). A nutrição do jovem era feita por meio de sondas. Ele usava um cinto para controlar a variação de seu peso e seu Índice de Massa Corporal (IMC) não chegava a 12, quando o desejável é 19. Anorexia não é exclusividade das mulheres. Dante faz parte do grupo masculino que sofre com a doença. Ele é paciente do Centro de Orientação Médico Psicopedagógica (Compp), onde funciona o Grupo

Atendimento a Transtornos Alimentares (Gata). É o único serviço público de Brasília que trata a anorexia de caráter infanto-juvenil e funciona desde 2007. “Aparecem crianças com falta de apetite severa, fobias e manias alimentares,” conta a nutricionista e coordenadora do grupo, Graciane Carneiro. Até 2010, foram registrados 31 adolescentes com anorexia, sendo três rapazes, e 25 pacientes bulímicos, com quatro garotos doentes. No mesmo período, chegaram dez crianças com seletividade alimentar. Sete eram meninos. Pelo sistema classificatório adotado no Brasil, crianças não podem ser diagnosticadas com anorexia nervosa. Porém, Rafaella Oliveira, psiquiatra do grupo, acredita que o país adotará outro manual de classificação, utilizado na França, em que já consta anorexia infantil. A distorção corporal é sintoma raro na criança. “Ela não está preocupada em manter o peso abaixo de um índice, devido à própria imaturidade psíquica”, explica Rafaella. “O tratamento está embasado na orientação dos pais e identifica problemas relacionados a eles. Famílias disfuncionais, pais agressivos ou negligentes refletem no hábito alimentar da criança.” No adolescente, a abordagem é mais direta. “A família deve estar presente, mas o foco é muito

mais nele mesmo, sozinho”, pontua a psiquiatra. Cerca de 12 crianças ainda são tratadas pela equipe do Gata. Oito são garotos. O grupo atende apenas às categorias de risco. Internações são a maior dificuldade do Gata, que ainda busca parceria com hospitais públicos. O uso de drogas, solidão, baixa autoestima, preocupação com a imagem, contexto familiar, mudanças da puberdade e prática de exercícios físicos são fatores de risco da anorexia masculina. Segundo o artigo “Transtornos alimentares em homens: um desafio diagnóstico”, de Paula Melin e Alexandra Araújo, do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, publicado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o grupo de maior incidência inclui bailarinos, modelos e atletas. ATIPICIDADE Negro, de cabelos crespos e pescoço longo, Otávio*, 19, esconde o corpo com roupas compridas. Por sua anorexia partir de um quadro psiquiátrico complexo, e não de fins estéticos, não há temor de engordar, caracterizando o status atípico da patologia. “Quatro coisas me levaram a esse estado”, revela. “A bebedeira dos parentes, o estresse, a raiva em casa e a desatenção das pessoas.”

O jovem diz saber que não está gordo. Ainda assim, não se sente bem com a própria imagem. “Para mim, quanto mais magro melhor”, conta

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Fábio evita comer carboidratos e não bebe nada enquanto come além da cota da die

Otávio encontrou na doença uma forma de comunicar suas dores, de chamar a atenção. Deixar de comer é automutilar o corpo. “Tenho poucos amigos, não saio e tenho dificuldade de me expressar”, declara. O refúgio que encontrou foi a poesia: “’Poetando’ eu posso falar de amor, de coisas boas”. O futuro profissional ainda parece incerto. “Vou aprender inglês e sair por aí, pelo mundo”, sonha. O emocional de Otávio, contudo, é indubitável: “Eu só quero a minha felicidade de volta”. AUTOIMAGEM Fábio era magro até os oitos anos. Começou a engordar na puberdade e aos 12 anos pesava 60 kg, mais do que pesa hoje, mesmo com 1,80m de altura. Nas férias do final de 2008, Fábio resolveu fazer a “dieta dos pontos”, na qual a pessoa tem uma cota de pontos – resultado dos cálculos de calorias do alimento – a ser consumida por dia. O resultado foi a redução do peso para 39 kg em apenas quatro meses. Fábio diz que a motivação para doença foi pessoal e não sofria bullying por conta do peso. “A questão foi comigo mesmo, sempre achei que ser magro era bonito e elegante.”


fotos | THAMARA PEREIRA

HOMOSSEXUALIDADE Marcelo*, 36, não sabe dizer se os transtornos alimentares em homens podem ser relacionados à orientação sexual, mas acredita que “no meio gay o culto ao corpo é muito mais forte que entre os heterossexuais”. Segundo estudo de casos, a homossexualidade também é determinante. Em 2002, o periódico International Journal of Eating Disorders divulgou em pesquisa que até 20% dos casos de anorexia se manifestam em gays. No artigo da ABP, porém, os números são questionados pelo seguinte trecho: “Os homossexuais podem estar super-representados porque a anorexia ainda é vista como uma doença feminina, o que pode tornar difícil para os homens heterossexuais admitirem que estão doentes”.

quanto come por medo da “barriguinha” que pode aparecer. Quando ele come da cota da dieta, o “excesso” é posto para fora, pois vomitar já é algo natural.

*Nomes fictícios

COCAÍNA Na internet, Marcelo achou comunidades que incentivavam a bulimia. A partir daí, tudo que comia era colocado para fora. Quanto mais diziam que estava magro, mais ele ficava feliz. “Eu nunca ouvi aquilo (que estava magro) em toda a minha vida. Era surreal pra mim. Cada vez que me diziam isso eu ficava mais forte em meu propósito.” Novos hábitos chegaram quando encontrou um velho amigo. Ao perceber que o colega estava mais magro e questioná-lo sobre a perda de peso, Marcelo obteve como resposta: “Cocaína”. Cheirar a droga se tornou rotina a partir daí. “Meu problema estava resolvido, não ia precisar misturar os remédios de emagrecer com as vitaminas, me curaria da anemia e ia emagrecer. A cocaína pra mim era como um remédio. Tinha dias que eu jantava e cheirava ao mesmo tempo de tanto medo que eu tinha de engordar”, comenta. Após começarem a perguntar se ele estava com aids, Marcelo resolveu se cuidar. Ele tinha medo de morrer. Em um ano voltou aos 83 kg, mas ainda está insatisfeito com o peso: “Eu encaro meu problema com a balança como a morte: não tem como evitar, então eu vou aprender a conviver com ela”. Durante esses anos Marcelo fez duas lipoaspirações e uma cirurgia plástica na barriga. Hoje ele é acompanhado por um endocrinologista e frequenta uma academia. “Eu não quero ser doente, um saco de osso como eu era, mas se perguntarem se eu quero emagrecer cinco quilos, eu quero.”

Informações sobre a doença são insuficientes Atualmente no país não há dados precisos sobre os fatores e a distribuição da anorexia na população. Estudos epidemiológicos do Ministério da Saúde englobam apenas a categoria “Transtornos da Alimentação”, sem especificar a doença. Entre os anos de 2000 e 2010 foram registradas 120 mortes em homens por distúrbios deste tipo no banco de dados do Sistema Único de Saúde (SUS). O Brasil utiliza o sistema da American Psychological Association (APA) para fazer o diagnóstico desses transtornos. Anorexia e bulimia nervosas, compulsão alimentar periódica, transtorno alimentar não especificado e transtornos alimentares mais raros, como os da primeira infância, são classificados nesse grupo de patologias pela associação.

Paciente do Gata, Otávio conversa com a nutricionista Graciane Carneiro sobre seus hábitos alimentares. Com o preocupante IMC de 14, ele agora tenta ganhar massa muscular

DIAGNÓSTICO O reconhecimento da anorexia em homens é mais difícil que o da anorexia feminina. Nas mulheres, a ausência de menstruação facilita o diagnóstico. Já nos homens, a redução dos níveis de testosterona e de desejo sexual é apenas um indicador. O diagnóstico de Dante veio com ajuda da irmã de 27 anos. Ela correu atrás de informações na internet e relacionou os sintomas do garoto ao quadro de anorexia. Ela levou a suposição à psicóloga que o atendia no centro hospitalar local. O caso de anorexia começou quando Dante resolveu esconder as refeições no quarto, para depois jogar a comida fora. Os pais levaram-no ao hospital da cidade, no interior de Goiás, onde não obtiveram um retorno para a doença do garoto. A família encontrou o Compp em janeiro deste ano, sete meses depois de a mãe perceber o comportamento dele. Hoje, a família vai ao Gata num carro cedido pela prefeitura. PRECONCEITO A American Psychological Association (APA) revelou que “homens são menos interessados em procurar tratamento para distúrbios alimentares por considerá-los ‘doenças de mulher’”. “Os meninos têm dificuldade de aderir ao tratamento, com alto índice de evasão”, evidencia Graciane Carneiro, do Gata. Depois de ganhar 12 kg com o tratamento no Compp, Dante se recusava até a voltar à escola, com a justificativa de que “os colegas perguntariam por que ele estava internado”, lastimou a mãe. Ninguém além dos pais e da irmã sabe da internação do garoto, que ainda tem vergonha da condição de doente. A anorexia nervosa não tem cura. De acordo com a psicóloga do Gata, Glória Feitosa: “Há a possibilidade de reincidência se não for feito o devido acompanhamento do doente”. Questionado se faria tudo de novo, Marcelo fica em cima do muro. “Eu tenho medo, mas eu não sei... Acho que não. Prefiro, pelo menos, achar que não. Só espero que ninguém me conte nenhuma novidade de emagrecer pra eu não querer testar.”

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Ciência

Nanotecnologia no combate ao câncer de pele Pesquisadores da UnB desenvolvem creme com partículas infinitamente pequenas, usado por pacientes de hospitais públicos

foto | JÉSSICA PAULA

reportagem | DANIELA ABREU diagramação | LUCAS ALVES edição | MARIANA VIEIRA

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tratamento do câncer de pele, um problema sério em um país tropical, ganhou uma aliada: a nanotecnologia. Para os casos menos agressivos é possível retirar o tumor sem nenhum corte. A inovação do tratamento está em um creme “nanoestruturado”, composto de partículas minúsculas, 90 mil vezes mais finas que um fio de cabelo, que penetram na pele com maior facilidade e são capazes de levar o medicamento quimioterápico diretamente às células cancerígenas. Criado pelos pesquisadores do Centro de Nanociência e Nanobiotecnologia da Universidade de Brasília (Cnano - UnB), essa pomada é, na verdade, um fluído magnético biocompatível. “O creme é composto por partículas magnéticas nanométricas, envoltas por proteína e diluídas em uma substância compatível com o sangue humano. Ao entrar na corrente sanguínea, por ter o aspecto de uma proteína, as partículas nanométricas rapidamente são absorvidas pelas células cancerosas e não se unem as células saudáveis”, explica a pesquisadora Flávia Portilho. Três horas após a aplicação da pomada, a área afetada é exposta à luz direcionada, o que ativa o remédio e destrói apenas as células tumorais, ao mesmo tempo em que mantém intacto o resto do organismo. O paciente não precisa de internação hospitalar, todo procedimento não leva mais do que cinco horas e não deixa cicatrizes profundas. Zulmira Lacavo, uma das orientadoras da pesquisa, destaca as vantagens da nova tecnologia: “Esta metodologia representa um enorme avanço nos procedimentos convencionais, que submetiam os pacientes a cirurgias e consumo de remédios quimioterápicos extremamente agressivos e em largas dosagens. A nanotecnologia permite o uso preciso da medicação de forma menos invasiva e mais eficiente”. Há pouco mais de um ano pacientes da rede pública de saúde do Distrito Federal são beneficiados pelo tratamento. De acordo com levantamento dos

pesquisadores do Cnano - UnB, dos 100 pacientes tratados em 2011, apenas dois não obtiveram resultados satisfatórios e precisaram de outras formas de medicação. Antonio Felisberto, 72 anos, trabalhador rural desde a infância, começou a lutar contra o câncer de pele há três anos. Passou por três cirurgias para retirada de tumores e recentemente se submeteu ao tratamento com o creme nanoestruturado. “É muito bom não precisar cortar a pele. Era um deses- Centro de Nanociência da UnB: são mais de 50 pesquisadores, investimento superior a 12 milhões de reais e referência nacional que atrai cientistas de todo o mundo pero ter que fazer uma cirurgia a cada nova lesão”, relata Felisberto. De acordo com ele, só há um ponto negativo na nova técnica: “A ONDE ESTÁ? luz queima a pele e o procedimento é doloroso”. A nanotecnologia é o desenvolvimento de produtos O tratamento com uso da nanotecnologia continua em escala nano métrica, o que exige o controle preciso de em estudo nos laboratórios da UnB. O objetivo inicial da cada partícula molecular. Um nanômetro equivale a um pesquisa era remover os tumores superficiais com menos milionésimo de milímetro. São estruturas imperceptíveis desconforto e maior eficácia. Agora, o desafio é conseguir a olho nu, mas que fazem parte do dia a dia. Chips de atingir tumores que se desenvolvewm nas camadas mais celular, processadores de computador e televisores de profundas da pele e ampliar a atuação do tratamento. alta definição são os produtos eletrônicos mais populares e que utilizam a nanotecnologia em seus circuitos. O destacado avanço na informática também está revolu“A nanotecnologia permite o uso cionando as demais áreas da ciência, como a medicina, preciso da medicação de forma menos química, física quântica, indústria aeroespacial, telecomunicações etc. invasiva e mais eficiente”

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Sem apoio O tratamento dos pacientes com câncer de pele na rede pública, que deveria ser mantido pelo GDF, atualmente é financiado por verbas destinadas à pesquisa. Os equipamentos e materiais utilizados foram adquiridos pelo CNano-Unb e cedidos à Secretaria de Saúde. De acordo com pesquisadores envolvidos no projeto, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal e o Ministério da Saúde já foram procurados inúmeras vezes, mas não se mobilizaram para custear as despesas. Até o fechamento desta edição, os órgãos citados não se manifestaram sobre o assunto.

Progressos na UnB Os estudos na UnB de nanotecnologia, especificamente sobre nanomagnetismo, iniciaram em 1997 e são precursores no Brasil e referência internacional. Logo nos primeiros oito anos, o grupo de pesquisadores apresentou mais de 200 trabalhos em congressos internacionais, publicou 100 artigos em revistas científicas e orientou mais de 100 alunos de todos os níveis (graduação, mestrado, doutorado e pósdoutorado). “Temos orgulho em dizer que na UnB desenvolvemos produtos nano estruturados e equipamentos laboratoriais, que foram patenteados e tiveram sua importância reconhecida pela comunidade científica”, destaca Zulmira Lacavo. O avanço destes estudos na UnB atraiu a atenção de pesquisadores de diversos países, principalmente da China. Desde 2008, quando o centro de

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pesquisas da UnB ganhou maior estrutura laboratorial e de pesquisadores, chineses vêm ao Brasil com o intuito de conhecer as pesquisas brasilienses e colaborar para o seu desenvolvimento. A união dos centros de pesquisas entre os dois países, inicialmente feita apenas de universidade para universidade, em fevereiro de 2012 tomou proporções maiores e se tornou oficial. Ao perceber os avanços nas parcerias já existentes, o governo chinês veio ao Brasil assinar um acordo de cooperação mútua e criar o Centro Brasil China de Pesquisa e Inovação em Nanotecnologia (CBC Nano) com sede prevista para três universidades brasileiras, dentre elas a UnB.

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Universidade

O sonho de ser astronauta Curso de Engenharia Aeroespacial é oferecido pela primeira vez este semestre na UnB

ilustração | BÁRBARA MIRANDA

reportagem | PEDRO PAULO SOUZA diagramação | LUCAS ALVES edição | BÁRBARA ROMUALDO

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uando criança, sempre surge a pergunta: “o que você quer ser quando crescer?”. Em muitos casos a resposta é “astronauta”. Em 2006, Marcos Pontes se tornou o primeiro brasileiro a ficar em órbita. Impulsionado por este fato, seis universidades criaram o curso de Engenharia Aeroespacial, a Universidade de Brasília (UnB) foi uma delas. Rodrigo Chueri, 17 anos, é estudante da primeira turma de Engenharia Aeroespacial da Universidade de Brasília (UnB). Rodrigo sempre teve o sonho de ser astronauta e se inspira em Pontes. “Ele é um herói, revolucionou a área aeroespacial brasileira. Você viu que o Brasil parou quando ele foi pro espaço?”, questiona Rodrigo. E o Brasil parou mesmo, durante quase 10 dias o país esteve atento às notícias do ônibus espacial russo que levou o brasileiro para a Estação Espacial Internacional. Assim como Rodrigo, na UnB há outros estudantes que mantêm o sonho de se tornar astronauta. Márcia Aline Silva, 17 anos, cursa o primeiro semestre de Engenharia Aeroespacial. Quando perguntada sobre o que esperava da graduação, Márcia responde efusivamente: “Montar um foguete!”. Ela conta que gosta da ideia de projetar

fotos | THAMARA PEREIRA

foguetes, satélites, mas se pudesse ser astronauta e ir para o espaço não hesitaria. “Eu iria para fora da Terra, quem sabe fazer uma manutenção em um satélite criado por mim.” A estudante afirma que não existe muita informação sobre o universo, e estudar esse tema seria gratificante, “ao mesmo tempo em que a gente sabe muito sobre ele a gente não sabe nada. Há muito ainda a ser descoberto”. Por ser novo, o curso ainda não tem uma grade curricular formada. Entretanto, o professor Lindomar Bonfim Carvalho afirma que a graduação será completa, com teoria e prática. Carvalho tem PhD em Física pela Universidade de Houston, no Texas (EUA), e ministra aulas de Física para a graduação de Engenharia no campus do Gama há dois anos. Quando criança, tinha o sonho de ser astronauta: “Queria mesmo ir para Lua, ver como é a Terra do espaço, eu sonhava ver os anéis de Saturno de perto!”. O professor conta que a agência espacial americana é uma empresa de fomento de ideias, “eles trabalham paralelamente com empresas que produzem as pesquisas que ela realiza”. Apesar de não ter se tornado astronauta durante o período que t trabalhou na Nasa, Carvalho diz que foi benéfico o tempo na agência, pois as experiências adquiridas são muito válidas para o curso de Engenharia Aeroespacial na UnB, devido aos anos de prática e pesquisa na Nasa. Carvalho garante que o Brasil terá outro astronauta em breve e aconselha: “quem quer seguir o caminho de Marcos Pontes deve ser apaixonado pelo que faz. Terá momentos no qual você terá que optar pela pesquisa em vez de amigos, namoro e família”. Rodrigo Chueri e Márcia Aline contam que os pais estão receosos. Ser um astronauta é um sonho distante, . e os pais pedem que os filhos tenham pé no chão. “Meu pai fica tentando me amaciar, fazer com que mude minha área, mas não vou abandonar o sonho de ser astronauta”, conta Rodrigo. Para Márcia não é muito diferente. Ela conta que a mãe a questionou onde ela iria trabalhar depois de formada. “Eu acredito que daqui a 10 anos posso estar trabalhando na Nasa. É lá que vou estar.” Para estar na Nasa ou em outra agência espacial, a formação complementar aliada com a acadêmica é importante. Ter cursos de pilotagem e mergulho são diferenciais. As agências espaciais fazem a seleção do candidato, não levando em conta apenas o currículo mas também aspectos como: personalidade, saúde, físico, peso e tamanho. A facilidade de se trabalhar em grupo é bem vista. O inglês é essencial, mesmo a viagem sendo pela agência espacial russa.

“Marcos Pontes revolucionou a área aeroespacial. Você viu que o Brasil parou quando ele foi pro espaço?”, Rodrigo Chueri

Questionada sobre o futuro profissional, Márcia Aline foi enfática: “Me vejo projetando aeronaves e satélites na Nasa.”

“O custo de investimento é alto e com retorno a médio-prazo” Lindomar Carvalho, Professor da UnB

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crônica MORADORES

DA L3

Um tiro no escuro reportagem | TAYNARA PRATA diagramação | LUISA BRAVO edição | MARIANA VIEIRA

fotos | JÉSSICA PAULA

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barulho ensurdecedor na noite calma acordou todos com um pulo. Corações acelerados, os moradores da comunidade da L3 Norte colocaram as cabeças para fora de suas barracas, na tentativa de entender o que estava acontecendo. – Foi aqui? – Alto desse jeito, só pode ter sido aqui. – Tá todo mundo bem? – Aposto que foi o Antônio, trazendo confusão pra casa. – O Antônio tá viajando. Dando um tempo na casa da irmã na Bahia... – Tem alguém machucado? Não tinha. Mesmo assim, o alvoroço foi geral. Nas barracas, mais movimento do que deveria existir à uma hora da manhã. Luciomario olhou em volta e viu todas as crianças de Maria do Carmo empoleiradas como passarinhos bem adestrados, que, mesmo com a gaiola aberta, permaneciam em seus devidos lugares. A mais nova, Clara, parecia não entender o significado do barulho – como poderia? – mas aprendeu a temê-lo naquele momento, quando todos os adultos se agitavam e tinham seus olhos arregalados pelo medo. – Se não foi ninguém daqui, então quem foi? Um segundo depois, o som de pneus cantando e um veículo se afastando em alta velocidade foram ouvidos. – Devem ter desovado um aqui. Foram dois, eu ouvi. O segundo, só pra ter certeza, estilo execução. – Foi ali atrás, depois da curva. – Será que eles não vão voltar? Dez, quinze, vinte minutos passaram e nenhum outro som foi ouvido. Corações lentamente voltando ao ritmo regular, os rapazes decidiram averiguar a situação. Tarciano, o mais velho, foi à procura do que sabia que iria encontrar, mas mesmo assim precisava de confirmação. Os

outros seguiram mais por curiosidade; para muitos, aquele seria o primeiro corpo. – Tá bem ali, tá vendo? Atrás do mato. Eles nem esconderam direito. Foi uma na cabeça e uma no peito. Uma visão perturbadora. A boca estava aberta e os olhos vidrados. Olhos de peixe. Boca aberta de peixe, com formigas calmamente passeando por ela. Eles nunca admitiriam, mas muitos dos rapazes teriam pesadelos com isso du- rante as semanas seguintes. – Melhor a gente tirar daqui. Pra não dar problema depois. – Luizinho, 14. – Cê tá cheirado? Se a gente mexer, os cana vão saber e dizer que foi a gente que fez!!! – Pedro, 16. – Eles vão dizer que foi a gente que fez de qualquer jeito. – Luizinho. – Vamo deixar aí. – Tarciano, a palavra final – Se eles vierem, vieram. Mas eu não quero mexer nisso ai, perder o resto da noite escondendo, ter que jogar a roupa fora depois e ainda dar moral pros cana apontar o dedo na minha cara e falando que tinha um fulano aqui que não tá mais lá. Bora voltar. – E saiu andando. Todos seguiram, e depois de a novidade ter passado, voltaram a dormir. Luizinho estava certo, claro. Nem seis horas da manhã, dois carros de polícia encostaram, assustando os cavalos, e sete policiais saíram. Armados. Bateram nos barracos, acordaram todo mundo de novo. As pessoas pareciam ainda mais assustadas que antes. As crianças de Maria do Carmo não se empoleiraram na entrada, dessa vez. Ficaram encolhidas atrás da mãe. Invisíveis. – Uma denuncia anônima disse que tinha ouvido barulho de tiro por aqui... – Silêncio. -E aí? Luizinho olhou para Tarciano, que concordou. – Mataram e largaram um cara lá atrás. – Ah, “mataram”. E eu aposto que ninguém aqui sabe quem foi. – Ninguém sabe não. Tava todo mundo dormindo quando a gente ouviu o barulho. Saíram cantando pneu, não deu nem pra ver o carro. – A gente vai dá uma olhada. Se tiver qualquer pista de que isso tem a ver com vocês, cês tão fodido, sacou? – Não vai ter nada não. A gente nem mexeu no corpo. Enquanto a polícia verificava o local do crime, Luizinho se aproximou lentamente dos outros, que remexiam nos restos do fogo da noite passada. – E agora? – Agora? Agora nada. Não foi a gente que fez, eles não têm prova, vai dá em nada. – Tá, mas e agora? – A gente vai trabalhar, vocês vão pra escola... Isso não muda nada. – Mas e amanhã? E se eles voltarem? – Não se preocupa com amanhã... Amanhã é outro dia.

“Viu todas as crianças empoleiradas como passarinhos adestrados, que, mesmo com a gaiola aberta, permaneciam em seus devidos lugares”

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CAMPUS | Brasília, de 24 a 30 de abril de 2012


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