Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB | De 5 a 11 de junho de 2012
42 ano
CAMPUS
edição
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ConvErSa dE BotEQUIm Calouros são convocados à tradição das mesas de bares próximos à UnB
Terceirizados
grEvE para nacional leitura ProBlEmaS enfrentam
COMPANHIA
opinião As férias de julho provavelmente precisarão ser repensadas. A UnB entrou em greve faltando pouco mais de um mês para o fim do primeiro semestre de 2012. Calouros ganham uma nova história para contar e são incluídos entre os alunos que não terminam a graduação sem terem passado por momentos de tensão, sem terem vivido a angústia da incerteza de quando terão aula. E os universitários ainda passam pela pressão de precisar entender a greve. Faz parte do personagem ser militante. Dizem. Procuremos aprender as causas, entender os desdobramentos e prever resultados. Tudo para termos ao menos o que conversar, em tempos em que o assunto é previsível. No último ano, a festa de réveillon precisou ser mais tranquila, menos comemorativa, menos exaustiva precisamente. O dia 3 de janeiro foi recheado de aulas nas turmas não tão cheias. E essa é uma parte do medo que ronda os estudantes. A parte que se engaja na greve, nas reuniões
inspiradas nos grandes anos de luta por direitos, nas atuais opiniões jogadas aos montes nas mídias sociais, está mais ligada aos direitos e às discussões. Outros querem apenas a formatura, a conclusão de um ciclo pensado para ser finalizado, sem percalços. Não há novidade em dizer que há os que apóiam este e outros movimentos grevistas e aqueles que concordam com a sociedade de fora das faculdades quando dizem que os professores são preguiçosos ou demais coisas do tipo. O que vale é destacar que greve afeta muitos grupos, altera muito planejamento, atualiza discussões com muito empenho, mas poucas vezes resolve. Que comecem os comentários sobre quem olha apenas para o próprio umbigo, sobre quem não se importa com o próximo ou sobre quem não pensa que hoje pode não se preocupar com a greve, mas, no dia de amanhã, pode precisar lutar por planos de carreira.
ombudskvinna* O último Campus começou com uma Opinião “quente”, com o histórico da Marcha das Vadias e dados oficias sobre violência contra as mulheres e inferioridade salarial. Mas faltou falar da estimativa para este ano, já que ela fornece o número de 2011 e o leitor que recebe o jornal alguns dias após a marcha não pode adivinhar que a edição foi fechada na semana anterior. O lixo do bairro ecológico é provavelmente a reportagem mais bem apurada desta turma. O texto fica um pouco cansativo quando começa a citar os documentos, mas o assunto exige a descrição pormenorizada do problema, com todas as fontes que foram consultadas. Além do vergonhoso lixão da Estrutural, Brasília sofre, há anos, com os resíduos da construção civil. Só um porém: as pesquisas que aparecem no final foram colocadas em prática? Se não, por quê? Apesar de Os ateus saem do armário e Cadê a onça? serem matérias simples, que não exigem muitos dias de apuração, trazem fatos curiosos. O texto da segunda consegue prender o leitor com uma narrativa mais solta. Já Celeiro
por | lUCaS alvES
por | amanda maIa
de artistas especiais não é notícia nem reportagem e foca muito na vida pessoal da personagem Luciana. Não há sequer o cuidado de citar o sobrenome e a idade da segunda personagem. Pobreza e criminalidade nas cidades-satélites estampam os jornais todos os dias, mas raras vezes os moradores têm voz para mostrar o lado humano dessas áreas. Parabéns para a repórter do perfil, cuja sensibilidade foi ainda capaz de nos transportar para o lugar. E não preciso comentar sobre a capa, porta de entrada do jornal, com a foto sem foco e a chamada principal pouco legível. Faltou capricho da edição e da arte com a diagramação das matérias, que tiveram muitas “viúvas”, a Memória, que acaba na metade, e as páginas centrais, que dão uma preguiça de ler devido aos blocos de texto e ao único subtítulo. *Feminino de ombudsman, termo sueco que significa “provedor de justiça”, a ombudskvinna discute a produção dos jornalistas a partir da perspectiva do leitor.
memória
O Campus apresentava aos seus leitores, há 13 anos, Posto & Point. A reportagem de Fabiane de Souza na 234ª edição, de maio de 1999, mostrou o “Postinho”, que quando inaugurado era para ser apenas o Posto Ecológico da UnB, com a venda de gasolina e prestação de serviços que levassem em conta a preservação ambiental. Mas o lugar acabou se tornando ponto de encontro da galera. O posto que se tornou passagem obrigatória, antes ou depois da farra, emplacou também o truco e inclusive se tornou palco da modalidade do jogo no Jiunb’s ( Jogos Internos da Universidade de Brasília), com os patrocínios da Brahma e da Pepsi. Depois do sucesso do evento, a parceria se consolidou e às sextas-feiras cantores da cidade e entorno proporcionavam música ao vivo por conta das empresas. Treze anos depois, o Campus mostra quais são os novos points dos alunos da UnB.
colunista fictício criado para ironizar situações cotidianas
Em 2 de março foi publicado no site do GDF o primeiro informe sobre a discutível licitação para mudança no transporte público local. Uma notícia bastante próxima ao povo pedestre da capital, que lota as carroças motorizadas em nossas ruas um tanto planejadas nos horários de pico da rotina. As mentes mais criativas talvez começassem a imaginar: “Agora poderemos ter cadeiras super confortáveis, tapete no chão, ar-condicionado e até um bom-dia dos motoristas e cobradores”. Outros, mais desanimados, já soltam: “Vão aumentar os preços das passagens, mas, menino, já está um absurdo!”. Se pudesse contar com tudo isso aí no tempo que passo dentro da caixa verde com rodas, eu até aceitaria pagar pouco mais pela diversão. Mas o oficial até o momento é que passar pela roleta, agora não enferrujada, não custará mais do que nossos bolsos já sofrem hoje. Uma pesquisa usada em negociações para obras do PAC da Mobilidade mostra que em 2020 a capital do país vai parar. A rede viária entraria em colapso dentro de oito anos. Caso eu pudesse contar com um carrinho bacana seria difícil me convencer a deixar ele na garagem para escolher andar de ônibus e colaborar com o fim dos engarrafamentos. É preciso ajuda para que o egoísmo não domine o ser que é humano, e erra. O problema está na cara, e a falta de fluência no meio do caminho fazem o povo, e eu me incluo, desconfiar do transporte 0km no ano que vem.
Editor-chefe Lucas Alves Secretária de Redação Bárbara Romualdo Diretora de Arte Luisa Bravo Diretora de Fotografia Taynara Prata Foto de capa Jéssica Paula Projeto Gráfico Carolina Pereira, Ellen Rocha, Luisa Bravo, Mariana Capelo, Patrick Cassimiro e Thiago Lima Professores Sérgio de Sá e Solano Nascimento Jornalista José Luiz Silva ISSN 2237-1850 Brasília/DF - Campus Darcy Ribeiro Faculdade de Comunicação - ICC Ala Norte CEP 70.910-900 Telefones (61) 3107.6498/6501 E-mail campus@unb.br Gráfica Palavra Comunicação Tiragem 4 mil exemplares ACESSE O CAMPUS ONLINE WWW.FAC.UNB.BR/CAMPUSONLINE
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Educação
Paralisação nas universidades federais reportagem | Ingridy peixoto e janaína montalvão diagramação | LUISA BRAVO edição | pedro paulo souza
“A
greve é o professor falando que chega de enrolação.” Assim o vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Luiz Henrique Schuch, definiu o movimento grevista deflagrado nas universidades federais na segunda quinzena de maio. A principal reivindicação dos grevistas é a reestruturação do plano de carreira dos professores. Eles defendem uma carreira única para os docentes com 13 níveis diferentes. Entre os níveis, a remuneração teria uma variação de 5%. Outra novidade do plano é a inclusão do cargo de professor titular. Atualmente, o docente precisa fazer um novo concurso e deixar toda sua carreira, o que o prejudica na hora de se aposentar. Até o fechamento desta edição, 48 universidades e institutos federais estavam paralisados. Entre eles, a Universidade de Brasília. Os professores da UnB entraram em greve no dia 21 de maio em assembleia pelo plano de carreira, de acordo com Ebnezer Nogueira, presidente da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB). Schuch acredita que o movimento vai pressionar o governo a se movimentar e voltar às negociações, que têm sido suspensas desde o início do ano. Procurado pela reportagem do Campus, o governo não se pronunciou. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, afirmou em coletiva de imprensa que a greve é precipitada e que o governo tinha tempo de apresentar propostas. De acordo com Schuch, as negociações em relação ao plano de carreira estavam paradas desde março. O governo estipulou o dia 31 daquele mês como data-limite para apresentação de propostas. “O governo estava nos enrolando, e prorrogou para o dia 31 de maio o limite para se posicionar.” Para o vice-presidente do Andes, essa demora motivou o início da greve. O presidente da ADUnB explica que a paralisação na UnB vai durar o tempo necessário para que as pautas sejam atendidas. “O governo costuma demorar para agir nesses casos. Não sei quanto tempo pode durar a greve.” O Andes espera que, como o movimento grevista é nacional, o governo aja com celeridade. “Não é possível que um movimento desse tamanho, que dialoga com a sociedade e sai na capa de todos os jornais, seja recebido com inércia pelo governo”, afirma Schuch. Segundo o professor Raimundo Nonato Pinheiro da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), o objetivo da greve vai além dos interesses pessoais dos professores. Integrante do comando de greve nacional, ele diz que a valorização desses profissionais estimula o crescimento do país. “Não há interesse na carreira de docente de universidade superior federal. A reestruturação estimula a permanência do professor no país, e consequentemente a produção de conhecimento no Brasil.”
Em greve, professores reivindicam estruturação de carreira
Guerra de informação
Nonato Pinheiro acusa o governo de usar a mídia para ganhar a opinião pública. “Em todo processo de guerra de informação, a principal vítima é a verdade.” O professor afirma que as declarações do ministro da Educação visam colocar a opinião pública contra a greve. Na coletiva de imprensa, Mercadante afirmou que existe um reajuste salarial linear de 4%, a partir do último mês de março. Schuch diz que essa declaração transmite uma imagem errada: que o governo atendeu as reivindicações dos professores e mesmo assim a categoria entrou em greve, quando, na verdade, a medida não é tão significativa em relação ao restante da pauta, defende ele. A paralisação seria precipitada, como disse Mercadante. Mesma palavra utilizada por outra organização representativa dos docentes, a Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes). Em debate na UnB, Gil Vicente, diretor do Proifes, afirmou que o órgão entende que uma greve decidida em assembleias esvaziadas não veio no momento certo. Ebnezer Nogueira afirma que a adesão dos professores da UnB à greve vai aumentar nas próximas semanas.
Afetados pelo movimento A greve na Universidade de Brasília (UnB) não afetou apenas a rotina de professores e estudantes. Os comerciantes, formais e informais, que trabalham na universidade sentem a redução no movimento e nas vendas. A vendedora de balas e doces Aline Graciele afirma que as vendas reduziram mais que a metade, cerca de 60%. Funcionária de uma banca na ala norte do Instituto Central de Ciências (ICC), o Minhocão, Aline afirma pagar aluguel para a prefeitura do campus Darcy Ribeiro. Como a banca de doces é a única fonte de renda, a vendedora conta que não dá para parar durante a greve. “Eu diminuo a carga horária, mas não deixo de vir. Antes pingar do que secar”, diz a moça. Segundo os demais comerciantes, a média da redução de vendas ficou por volta dos 70%. Hernan Jerônimo, funcionário da Copiadora LM, diz que a empresa só se mantém porque o dono tem outras lojas na
cidade, que suprem os prejuízos contraídos em época de greve na UnB. Mas, diferentemente do proprietário da LM, nem todos os comerciantes têm outras lojas fora da universidade para ajudar nos rendimentos. O gerente da lanchonete Gulla’s, José Roberto, comenta que para repor a redução de 70% das vendas o primeiro passo é cortar gastos, economizar nas compras para reposição de produtos da banca. “A universidade não quer saber se está em greve e não tem movimento, ela quer saber se nós pagamos o aluguel”, diz o gerente. Ele afirma que as férias também são prejudicadas, pois geralmente eles fecham no período de férias dos alunos. Nos outros campi, o comércio também funciona normalmente durante a greve, e, apesar do fraco movimento, nenhum dos comerciantes entrevistados pretende suspender o trabalho durante a paralisação. Eles esperam que a greve não dure muito, para não gerar mais prejuízos.
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Comportam
aqui nessa mesa de b reportagem | PatrICK CaSSImIro e daPHnE arvElloS diagramação | PatrICK CaSSImIro edição | gaBrIEla CorrEa
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xiste uma tradição que diz que a cada nova turma de calouros que entrar na UnB, aos bares da Asa Norte eles serão apresentados. Como rito de passagem para a entrada na vida adulta, ou aprendizado de possíveis novos hábitos, a bebida está presente cada vez mais cedo na vida dos universitários. Em qualquer dia da semana é possível caminhar pelas quadras 408 até a 411 e encontrar estudantes em uma mesa de bar com uma das mãos estendida para o alto, para pedir ao garçom que ele desça mais uma rodada. Foi em um happy hour que o estudante de Desenho Industrial Rafael Benjamin decidiu experimentar pela primeira vez as várias bebidas que seus veteranos ofereciam. Não bebia antes, pois não tinha vontade. Com o novo círculo de amigos universitários, começou a frequentar bares e a rotina de gastar horas naquele ambiente ao menos três vezes por semana começou logo nos primeiros semestres. A transformação do “beber socialmente” para o hábito é apontada pelo primeiro Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários, realizado em instituições de ensino superior de 27 capitais brasileiras pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), em 2010: ao menos 86,2% dos estudantes consumiram bebidas alcoólicas em algum momento da vida. Mais da metade deles (67% dos homens e 56% das mulheres) afirmaram ter bebido nos últimos 30 dias. Rafael não sabe dizer ao certo quando começaria a beber se não tivesse entrado na UnB. A quadra predileta do estudante provavelmente não seria a 408 Norte. Devido à proximidade com o campus Darcy Ribeiro, os alunos saem das aulas para se encontrar no Pôr-do-Sol, no Meu Bar ou no Vale da Lua todos localizados na mesma quadra. Criado em 1998, o Pôr-do-Sol – ou PDS para os íntimos – funcionava apenas como restaurante até 2005. Desde então, o público começou a pedir mais bebidas e a finalidade do estabelecimento mudou. Com ou sem greve, no início ou no fim do semestre, Alonso J. S. Filho conta com uma equipe de seis garçons para atender as mesas cheias do bar. Na gerência, a filha de 18 anos cuida do caixa. Se nas férias o movimento cai, na greve os frequentadores ainda são assíduos. Ao menos nesta fase inicial de paralisação. Nem todos os professores aderiram à greve, portanto, enquanto houver possibilidade de as aulas retornarem, não haverá motivos para que o movimento diminua. Alonso acredita que somente irá perder público caso haja tempo para que os estudantes que não são daqui voltem para a cidade natal, o que normalmente acontece nas férias tradicionais. Apesar dos bares próximos à UnB, existia ainda a opção de beber no campus mesmo. Os famosos happy hours que foram cenário da iniciação alcoólica de Rafael aconteciam às quintas e sextas-feiras. A venda das bebidas dentro do campus sempre foi ilegal, mas o problema se agravou quando as “horas felizes” tomaram proporções exageradas. A superlotação dos happy hours, venda e consumo de bebidas alcoólicas e depredação do patrimônio público fizeram com que as festas fossem proibidas. Em abril deste ano, o Conselho Universitário (Consuni) avaliou que os eventos ainda estão proibidos, mas permite a realização desde que o happy hour seja de pequeno porte e que tenha autorização da reitoria.
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Fluxo de estudantes nas quadras próximas à Universidade clientela de bares cujo principal atrativo é a cerveja barata
rotEIro EtílICo Em Brasília, a ideia de um estabelecimento que venderia cerveja e petiscos, como churrasco e pastéis, a preços que estudantes pudessem pagar foi inerente à construção da UnB, em 1962. Um dos bares que teve seu destaque nesta época inicial estava localizado na 407 Norte: o Bar do DCE. “Como o DCE não possuía renda alguma, na época da ditadura eles criaram o bar para financiar as lutas estudantis.” Quem relata é Luiz de Souza, espectador e personagem da história desde 1977, quando se mudou do Ceará para Brasília e ajudou na criação do Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Universidade de Brasília, o Sintfub. Atualmente, o bar que tem ganhado destaque entre os estudantes está na comercial da 410 Norte. O Bar do Mendes, como ficou conhecido, existe há cinco anos, mas somente há dois que um novo público, cansado dos bares sempre tão cheios, quase esgotados, migrou pra lá. Uma estudante de Agronomia passava pela quadra quando decidiu conferir o boteco: “Ela se espantou com a cerveja barata e disse que ia chamar a turma. Desde então começou a vir bastante gente e de vários cursos”, completa Mendes. Não existe rivalidade entre os bares. Tampouco entre seus frequentadores. É apenas questão de gosto. A estudante de Economia Svetlana Haspar, por exemplo, escolhe o Bar do Mendes e explica o porquê: “Cansei do público do PDS, no Mendes a galera é diferente, é mais vazio para conversar, além de o preço da cerveja ajudar”. Apesar do novo fluxo de estudantes em direção ao botequim da 410, Ana Luiza Figueiredo, estudante de Gestão em Saúde Coletiva, ainda prefere ir ao Pôr-do-sol. Vinda de Itambacuri, Minas Gerais, ela diz ter começado a beber ainda na adolescência. Já na capital federal, Ana Luiza trocou o costume de tomar a cachaça indígena feita no interior mineiro para beber a cerveja gelada em companhia dos amigos de UnB. Para o aniversário deste ano, ela foi comemorar justamente no PDS. Mesmo em locais diferentes, as regras são semelhantes. Em nenhum dos bares é per-
mitido som que não sejam os b pelo alto teor alcoólico já encon de Fiscalização do DF (Agefis as monitora de perto, o que fe que explicam a regra no PDS limitações foi maior: no começ ximo ao bar reclamou do baru estabelecimento de colocar me Agefis fez visitas surpresas ao lo do cumprido. “Houve uma que mesas com a redução do espaço completa dizendo que o horári 2h da manhã para meia-noite. Quanto aos bares “mais distin mais alto, portanto, o público un
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ortamento
e bar
ersidade caracteriza a barata
Para os portugueses, a botica é um depósito. Aos gregos, apothéke é uma casa de bebidas. Para os estudantes brasilienses, boteco é ponto de encontro
sejam os burburinhos e as conversas sempre exaltadas ico já encontrado no sangue dos estudantes. A Agência DF (Agefis) estabelece restrições quanto ao barulho e o, o que fez com que Alonso colocasse vários cartazes ra no PDS. No caso do Mendes, o problema com as r: no começo deste ano, o morador de um prédio próou do barulho e conseguiu uma liminar que proíbe o colocar mesas fora da loja. Num período de 30 dias, a rpresas ao local para averiguar se o mandato estava senve uma queda de público, pois tive que guardar 50% das o do espaço”, explica Mendes sobre a decisão judicial e ue o horário para fechar o bar também foi reduzido de meia-noite. “mais distintos” das mesmas quadras, o preço da cerveja é público universitário geralmente confere os bolsos e leva
* Fonte: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad)
a 11 de junho de 2012
o valor em consideração. “O efeito da bebida cara e da barata costuma ser o mesmo”, e, enquanto Rafael diz isso, o garçom se aproxima pronto para anotar na comanda a terceira ou quarta saideira. PErdIdoS no Bar Há quem vá aos bares só para acompanhar os amigos. João Otávio (nome fictício), estudante de Engenharia de Redes, bebeu cerveja e não gostou. Ainda menor de idade, ele diz que não bebe porque experimentou e passou mal. Não por não ter 18 anos. Carlos Salgado, psiquiatra e conselheiro da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), alerta sobre o uso precoce e abusivo de bebidas alcoólicas. De acordo com o especialista, o compromisso com as normas sociais sofre com a presença excessiva do álcool. “O perfil negligente atribuível aos usuários de álcool marca seu estilo de vida e, pela persistência, toda sua personalidade”, avisa. Alguns jovens trazem a consciência de responsabilidade arraigada na criação, como é o caso de Regina Couto, estudante de Economia na UnB. A mais tímida do grupo de quatro amigos que a acompanhavam com os respectivos copos de cerveja diz que não se sentia confortável em beber enquanto era menor de idade e, portanto, não o fazia com frequência. De acordo com o levantamento nacional, 43,7% dos homens excederam na bebida nos últimos 12 meses, e apenas 29% das mulheres fizeram o mesmo. Regina afirma que nunca bebeu a ponto de perder a memória. André Julius, estudante do 5º semestre de Economia, conta que começou a beber nas festas de 15 anos no colégio. Ele admite que quando entrou na faculdade o consumo aumentou. Entre as razões apontadas estão a empolgação em começar uma nova fase e a imagem que queria construir, por exemplo, com os veteranos. Salgado explica que isso se dá pelos novos hábitos que vão se estabelecendo ao longo da vida. A grande disponibilidade e aceitabilidade social do beber são fatores fundamentais para seu uso na comunidade. O doutor também avalia que a pressão dos amigos, especialmente entre os jovens, é outro fator determinante da iniciação e, posteriormente, do consumo habitual. Essa mesma pressão faz com que a quantidade de álcool ingerida seja associada à diversão e entrosamento, explica Salgado. Casos de estudantes que bebem além da conta acontecem, mas não é comum haver problemas mais sérios dentro dos bares. O gerente do PDS, por exemplo, diz que a polícia já apareceu algumas vezes, com função de fiscalizar. Exceto em um episódio, quando menores de idade consumiram álcool em um bloco perto do Pôr-do-Sol. A polícia alegou que as bebidas haviam sido compradas no bar. Para que episódios parecidos não se repetissem, Alonso decidiu cobrar multa de R$ 25 para quem consumir bebida alcoólica não comprada no estabelecimento. Também aos menores de 18 anos que querem beber, há um aviso colado em cada mesa alertando que a venda é proibida.
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Universidade
Trabalhar na UnB, mas não reportagem | INGRIDY PEIXOTO E MARIANA VIEIRA diagramação | JÉSSICA PAULA edição | PEDRO PAULO SOUZA E THIAGO LIMA
para ela
Terceirizados da Universidade de Brasília alegam que não se sentem amparados pela instituição contra abusos praticados pelas empresas
O
TIAGO AMATE
s terceirizados na Universidade de Brasília con- isso nem sempre a empresa contratada para prestar um aceitar um atestado que você traz ou se eles vão simvivem com dificuldades trabalhistas diariamente. serviço é a melhor em relação a garantir o cumprimento plesmente dizer que ele não serve.” Dizem sofrer assédio moral, além de trabalhar das leis trabalhistas. A diretoria é responsável por verifiO procurador da UnB, Paulo Augusto Medeiros sob constante temor de demissão numa univer- car o cumprimento dos contratos e avaliar se a empresa Carvalho, afirma que nenhuma denúncia formal sobre sidade pensada para ser espaço de democracia. Um exem- vai continuar na UnB após o fim do acordo, que costuma perseguição por parte das empresas chegou até ele. plo recorrente são os casos de fechamento do Restaurante ter duração de um ano. “Mas se por ventura algum funcionário chegar com Universitário (RU), o que denuncia a incapacidade da emreclamação, o que podemos fazer é mediar o contato presa Monte Sinai em fazer o pagamento de com um órgão competente, como o Ministério seus funcionários em dia. O contrato da Monte do Trabalho”, explica. Paulo Augusto esclarece Sinai não será renovado, pois a prestadora de também que o papel da procuradoria da UnB serviços foi negligente no pagamento de saé orientar o DGP quando ocorrem problemas lários e benefícios dos trabalhadores do RU. com as empresas contratadas. “Todo mês é O representante dos funcionários do RU, exigido demonstração de pagamento das emEdilson Vital da Silva, trabalha no restaupresas. Quando tem alguma irregularidade, a rante há 16 anos e conta que nunca houve UnB suspende a verba para a empresa e retantos problemas trabalhistas quanto nos dois passa diretamente para os funcionários.” últimos sob contrato da Monte Sinai. “Nesse tempo, todo mês tivemos algum entrave; uniforme, vale-transporte, salário, tudo”, resume. PRESSÃO Edilson acredita que a Fundação UniversiFrancisco José Targino, representante dos dade de Brasília (FUB) deveria ter feito uma porteiros, acusa a empresa PH Service de intervenção antes. “A UnB tinha argumentos cometer perseguição com os funcionários. O atraso de pagamento de salário e vale-transporte dos funcionários do RU causavam desde o começo para trocar de empresa. Foi “Eles dão advertência por qualquer deslize, se o constante fechamento do restaurante falta de vontade mesmo.” você vier com o uniforme incompleto, chegar Mas os problemas não são exclusividade atrasado cinco minutos. Depois eles juntam da Monte Sinai. A Prestacional, contratada para pre“Os terceirizados não possuem vínculo empregatício tudo isso e mandam você para rua”, comenta. Franstar serviço de copa, não paga a seus funcionários o com a Universidade, que somente contrata o serviço”, cisco acha que a UnB pouco faz para proteger os travale-transporte referente ao trecho da rodoviária para afirma o diretor. Porém, diz que os trabalhadores são oubalhadores das más práticas das empresas. o serviço. Antônia dos Santos, copeira, terceirizada há vidos, “uma vez que a Universidade tem diversos mecanOutro caso de possível perseguição é o de Silvânia um ano e quatro meses e reclama que o valor do auxílio- ismos para receber críticas”. Davi Diniz, chefe de gabide Castro Pereira. Ela afirma que foi pressionada transporte não é o suficiente. “O vale acaba antes do fim nete do reitor, conta que os funcionários podem recorrer pela PH a se demitir, depois de trabalhar como pordo mês”, explica. Ela recebe R$ 132 no cartão fácil, o à ouvidoria da Universidade, além de terem uma reunião teira na UnB por quase dois anos. Ela conta que era transferida frequentemente sem receber justificativa equivalente a R$ 6 por dia de trabalho. “Não é suficiente, mensal na reitoria em que podem apresentar reclamações. alguma e que isso é comum. Ainda diz que os enporque preciso de pelo menos R$ 8 para vir e voltar”, Esse encontro acontece duas vezes por mês desde jacarregados faziam reclamações sobre ela sem fundaconta. Quando o valor acaba, os funcionários têm que neiro e foi chamado de mesa de mediação. É dirigido mento e nunca teve chance de se defender. “Assinei avisar em suas repartições que não podem ir trabalhar pela decana de Gestão de Pessoas, Gilca Starling. Em uma delas a reitoria se encontra com representantes dos um documento renunciando a todos os meus direitos para não receber falta, mas fica a critério do chefe. funcionários terceirizados, na outra com representantes porque eles ameaçaram me demitir por justa causa”, das empresas. Segundo Versiani, a reunião tem apresendiz a ex-funcionária. FALTA DE CONTROLE Gilca Starling, decana de Gestão de Pessoas, inO diretor de Terceirização do Decanato de Gestão tado avanços na melhoria das condições de trabalho dos forma que o procedimento para que uma falta seja de Pessoas (DGP), Júlio Versiani, afirma que a Univer- terceirizados. “Já foi incluído nos contratos, com aceiabonada é que se faça uma solicitação por parte do sidade não pode interferir no processo licitatório e por tação das empresas, que se o pagamento dos salários e sindicato à empresa, para que ela autorize o pagaencargos sociais não forem feitos por elas a UnB pode mento. Mas critica o modelo. “Aquilo que deveria ser fazer isso diretamente”, afirma. sinônimo de menores custos de fato resulta na preSegundo funcionária da limpeza que não quis se carização dos direitos dos trabalhadores”, afirma. Seidentificar, os problemas apresentados na mesa não são gundo ela, uma mesa de mediação é tudo que a UnB resolvidos. “Levei duas faltas nos dias em que estava participando de um congresso do Sintfub, ninguém repode fazer. “A administração pública só pode fazer o solveu isso”, diz a empregada da PH Service. “Recebi que está na letra da lei e não interpretá-la, parece perR$ 328 no mês seguinte com todos os descontos”, converso, mas isso é fato.” ta. Ela, mãe solteira de três filhos, diz ter medo de ser Procuradas pelo Campus, as empresas citadas na demitida. “Todos que trabalham aqui precisam do emmatéria não quiseram se pronunciar. prego. Depois dessas duas faltas vou ficar quietinha, não vou participar mais de nada.” Segundo a funcionária, o Francisco Targino diz que tem estabilidade por ser da clima em que os funcionários da PH trabalham é de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes terror, denuncia. “Não dá para saber se a empresa vai
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livros
do topo da estante ao centro do grupo reportagem | marCEla nÓBrEga diagramação | jÉSSICa PaUla edição | tHIago lIma
Iniciativas de clubes de leitura ajudam a estimular hábito que não é tão corriqueiro na população
“B
rasileiro não gosta de ler.” É muito fácil aceitar este lugar-comum, especialmente devido a resultados de pesquisas sobre leitura no Brasil. Entretanto, é possível ir além disso e descobrir que nem tudo é ruim. Clubes do livro espalhados pelo Distrito Federal e outras capitais do país servem como ponto de encontro para quem se propõe a compartilhar o gosto pela literatura e transformar o ato de ler, muitas vezes solitário, em atividade em grupo. Quem participa deles se reúne semanal, quinzenal ou mensalmente. No DF, o Café Com Letras, na 203 Sul, é local para o Antes que a rotina nos separe, que tem encontros mensais desde 2010. A organizadora Solange Pereira conta que tudo começou quando ela e uma amiga chamaram conhecidos para participar das reuniões. A turma de leitores cresceu com o tempo e hoje Solange é responsável por marcar os encontros e mediar a roda de conversa. “Interagir em torno de algo prazeroso é o principal foco, porque, além de estimular um hobby, podemos comentar e trocar opiniões sobre uma atividade geralmente solitária. Assim, passamos de um lazer individual para um coletivo”, expõe Solange. O grupo é formado principalmente por mulheres a partir de 40 anos, que podem sugerir um livro de qualquer tema para votação. Cada uma arranja seu próprio exemplar, seja por compra ou empréstimo. A iniciativa veio do gosto que Solange tem por livros. “A leitura é importante porque traz outras visões de mundo, faz pensar e até mesmo pode nos incentivar a mudar o jeito de ver ou agir na vida.” Além de projetos em parceria com pequenas livrarias, também há os que partem de editoras nacionais. Clarissa Simões é coordenadora de eventos da Livraria Cultura do shopping Iguatemi e responsável pelo Clube de Leitura Penguin & Companhia das Letras. Ela diz que ele “incentiva o diálogo, a interação. É um espaço para pessoas que gostam de ler se encontrarem para trocar ideias e impressões sobre suas leituras”. Os encontros
TIAGO AMATE
O clube Uni Duni Ler associa a leitura ao prazer desde cedo, através do lúdico dos livros infantis
acontecem sempre na primeira segunda-feira do mês, às 19h, na livraria. Os participantes, em geral de 30 a 50 anos, compram os livros e intercalam um clássico e um contemporâneo. Já o Clube do Livro DF tem uma ação para facilitar o acesso às obras escolhidas: sorteia uma coleção e rifa outra, para poder arrecadar dinheiro e comprar mais livros para sortear. Em funcionamento desde dezembro de 2011, eles escolhem um tema ou série por mês e fazem os encontros quinzenalmente, alternando entre o Parque da Cidade e a Livraria Cultura. Diego Batista é o fundador e presidente do grupo, frequentado principalmente por estudantes, de 10 a 25 anos. Ele afirma a importância do hábito de leitura: “É uma das principais formas de aprendizado que existe, pois treina o cérebro e o desenvolve cada vez mais”. Também há grupos que não começaram direto como clube do livro, caso do Tia Berenice, que existe desde 2001. Ele começou como um clube de cinema nacional e mais tarde os membros passaram a discutir literatura contemporânea da língua portuguesa, nada de traduções. João Carlos Saraiva participa e ajuda a organizá-lo entre amigos. No Tia Berenice, amigos se reúnem informalmente e sugerem títulos para discussão. Escolhido um, os outros vão para uma lista de espera. “Não há restrição de tema ou conteúdo, desde que sejam obras lusófonas”, explica Saraiva. Ele considera os encontros, e principalmente o gosto por ler, muito importantes, “porque ela [a leitura] faz pensar. Para mim é gratificante, às vezes a gente sai da discussão e vem aquele pensamento: ‘É verdade, não tinha pensado nisso.’ É como se nós usássemos vários óculos e tivéssemos várias leituras diferentes com o grupo.”
Para todaS aS IdadES
A jornalista e escritora infantil Alessandra Roscoe iniciou o Uni Duni Ler em 2010. Os encontros acontecem toda terça-feira em uma creche e reúnem diversas crianças, de dez meses até cinco anos. Alessandra, que é mãe de duas meninas e um menino, trabalha com bebês há mais de uma década e publicou nove livros infantis. Ela afirma que “todo tema é permitido, desde que saiba como contar. Já escrevi um livro sobre morte, mas usei linguagem adequada para crianças”. Alessandra acredita que é preciso tratá-las como seres que também têm vontade, capacidade, que aprendem. Além de didática, a leitura com crianças também cria e solidifica vínculos, como aponta Renata Cabral, mãe de Isabela, que participa do clube. Mãe e filha fazem parte desde o início, quando Alessandra começou as atividades informalmente com outros pais. Os responsáveis compram dois ou três exemplares da lista de melhores livros infantis do ano e eles são emprestados entre os filhos. Alessandra explica que o Uni Duni Ler é uma “ciranda literária”, pois as crianças chegam, dispõem os livros no meio da roda, escolhem qual querem levar para casa e o colocam dentro de uma sacolinha personalizada.
CAMPUS | Brasília, de 5 a 11 de junho de 2012
Incentivo da roda Norma Lúcia Queiroz ministra aulas no Instituto de Letras da Universidade de Brasília e considera a iniciativa de clubes do livro um fator positivo, mas diz que no Brasil eles ainda têm espaço limitado de atuação e propostas fracas, no sentido de incentivo à leitura. Isso porque costumam atrair apenas quem já tem o hábito e raras vezes conquista novos leitores. “Não é fácil desenvolver um projeto de leitura no Brasil, a própria disponibilidade de obras é difícil”, a professora lamenta, e cita também os preços altos das obras literárias e baixos investimentos em bibliotecas no Brasil. É verdade que os números não são favoráveis. Dados divulgados pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) em 2011 mostram que universitários brasileiros leem de um a quatro títulos por ano. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-livro, aponta que o brasileiro tem uma média de dois livros lidos por inteiro e quatro incompletos em um ano. Entretanto, ao analisar os dados da pesquisa mais a fundo é possível encontrar resultados menos pessimistas: a leitura é vista por 64% dos entrevistados como uma “fonte de conhecimento para a vida”. Sílnia Prado, coordenadora do projeto Leia comigo! da Fundação Educar DPaschoal, acredita que, para que seja mais prazerosa, a leitura inicial e formadora deve ser uma escolha pessoal e espontânea, não obrigatória. Ela conclui que o costume nasce por incentivo da família, mas que esses familiares também foram distanciados dos livros quando a sociedade brasileira foi levada a se preocupar mais com renda familiar e trabalho do que com a importância de ser alfabetizado e a educação.
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perfil
Sabedoria que vem do lixo
F
rancisco Monteiro Lobato, esse é o nome de um catador de materiais recicláveis de 55 anos, nascido no Ceará, que chegou ainda criança em Brasília. Carregando o mesmo sobrenome do memorável escritor de livros infantis, Seu Cocó, como prefere ser chamado, também é um amante da leitura e já leu mais de mil livros encontrados no lixo. “Gosto de livros. São eles que ensinam de verdade! Às vezes compro um ou outro, mas a maioria veio do lixo”, diz o catador, que se expressa muito bem e é de uma educação que não se vê muito por aí. Dos autores de sua preferência, destacam-se desde grandes nomes, como Machado de Assis e Paulo Freire, até escritores menos conhecidos, como Aníbal Machado. Mas acima de todos eles, seus preferidos são os livros de história da política brasileira. Seu Cocó fala com clareza e entendimento sobre assuntos de classes sociais. Sobre capitalismo e socialismo. O reciclador pega um livro de política, lê a introdução e explica o contexto da história relatada nele. Logo se lembra de pôr os óculos. A vista não é tão boa como antigamente. Os óculos não são os dele, pegou emprestado da esposa para conseguir ler os livros, apesar de terem graus diferentes. Os seus foram quebrados em uma briga com um cobrador de ônibus. Sobre este incidente, Seu Cocó comenta de um jeito calmo, mas com indignação. Estava voltando de reuniões com possíveis colaboradores para sua cooperativa de reciclagem e, como estava muito cansado, entrou no ônibus para sentar-se e esperar até a hora da saída. O cobrador pediu para Seu Cocó sair do ônibus e esperar até a hora de partir, mas antes que pudesse explicar qualquer coisa ao homem, um amontoado de cobradores e motoristas de ônibus se juntou ao seu redor. O resultado da confusão foi um olho roxo e os óculos quebrados. Quanto à sua formação, Seu Cocó estudou até o sexto ano. Fez três cursos no Senai e até teve outras profissões. Mas ele nasceu catador e, como ele mesmo diz, está em sua veia, optou por esse caminho, reciclar materiais e a vida das pessoas.
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Vindo de família de recicladores de lixo, Seu Cocó luta pelos direitos da classe dos catadores. Sua mãe trabalhava com reciclagem e seu tio, José Lobato, fundou no Ceará, antes mesmo de seu nascimento, a Associação de Retalhistas Cearenses. O que também é uma justificativa pelo seu hábito pela leitura, porque para ele “não adianta entrar numa luta sem saber aonde se quer chegar. A informação e o conhecimento são fundamentais para o crescimento de um projeto ou um sonho”. A leitura o ajuda a buscar a base para tocar sua cooperativa, a Associação dos Agentes Ecológicos da Vila Planalto (Ageplan). Estar informado é fundamental para que consiga se comunicar com os colaboradores e empresas que apóiam a cooperativa. E a cooperativa é seu maior sonho, mas não o único. Elissama Apolinário é catadora e está na Ageplan há cinco anos. Ela diz que Seu Cocó é uma pessoa fácil de conviver, compreensiva e que luta pelos direitos dos outros e para melhorar a vida dos catadores. Elissama morava na Vila Planalto quando o conheceu. “Ele passava chamando o pessoal da comunidade para trabalhar com reciclagem e entrar na cooperativa”, diz a moça. “Hoje, Seu Cocó não tem ninguém como braço direito, que o ajuda a manter a cooperativa, ele vai às reuniões com os colaboradores, sozinho”. Para Seu Cocó, quando se para de sonhar, a vida deixa de valer a pena. Ele sonha por ele e pelos outros. Gosta de ajudar as pessoas, e abre mão de seu bem-estar para pensar no coletivo. Muitas famílias já foram chamadas para participar da cooperativa. “Já tirei muita gente de baixo da ponte, algumas até casa ganharam. Mas infelizmente muitas preferiram voltar para as ruas.” Certo silêncio é feito, Seu Cocó se emociona e, com lágrimas nos olhos, conta histórias de pessoas que jogaram a vida fora e se renderam ao tráfico de drogas e à mendicância. Ou ainda aquelas que usam seus próprios filhos para fazer tais coisas. “Meus filhos trabalharam na reciclagem comigo, mas nunca os privei de frequentar a escola e sempre fiz tudo que estava ao meu alcance para que tivessem o máximo de educação possível.” A família de Seu Cocó tem uma relação especial com a reciclagem, quatro de seus filhos ainda trabalham na profissão. Um é da Aeronáutica e está na faculdade cursando Engenharia Civil. Outra fez Enfermagem, mas teve que trancar o curso porque se casou e teve que cuidar das filhas. E a mais nova está no ensino fundamental e faz curso de francês. Perguntado sobre o que mais falta para a cooperativa e a classe dos catadores, ele responde sem pestanejar: “O que falta é o próprio lixo. Falta material para reciclar! Além do conhecimento da sociedade sobre esse trabalho. E o reconhecimento dele”.
Cocó
reportagem | JANAÍNA MONTALVÃO diagramação | THAMARA PEREIRA edição | PEDRO PAULO SOUZA
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DANIELA ABREU
Seu
Gosto de livros. São eles que ensinam de verdade!
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