Campus - n° 415, ano 44

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Campus brasília, 23 de setembro a 6 de outubro de 2014

número 415 ano 44

SERVIDORES PÚBLICOS SÃO MAIS DE 70% DOS MESÁRIOS NO DF Programa de voluntários preencherá 22 mil postos de agentes eleitorais no dia 5 de outubro, praticamente todos com funcionários públicos. As folgas recebidas por eles podem chegar até dez dias | página 3 política

COMPORTAMENTO

os nanicos a distrital Candidatos que somaram menos de cem votos em 2010 tentam melhorar a marca nas eleições deste ano

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Eduardo Carvalho

TRANSPORTE

TERRA DOS PIRATAS A falta de ônibus não deixa outra opção aos estudantes da UnB, que se rendem ao transporte ilegal

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SAÚDE

HUMANIZANDO O NASCER Casa de Parto de São Sebastião vira referência para grávidas que buscam parto humanizado no DF

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15 Carol Macêdo ganha até R$ 2 mil por mês divulgando marcas e produtos aos seus 22 mil seguidores na rede social Instagram

RUA NA DIVISA ENTRE DF E GO está ABANDONADA pelo governo

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Carta do Editor Passaram-se quatro anos e cá estamos novamente. Assistindo, vibrando, discutindo e vivendo as eleições. Neste ano, com a particularidade de reviravoltas dignas de roteiro cinematográfico. Em meio a tantas pautas possíveis (e desejáveis), nos vimos podados pelo ingrediente tempo da fórmula jornalística. A velocidade da nossa produção laboratorial não é páreo para a fábrica de notícias (quase) instantâneas da mídia comercial. Resolvemos contra-atacar com criatividade, pois. Buscamos o foco diferenciado e acabamos com histórias diferentes de lados opostos desse processo democrático: da campanha dos candidatos lanterninhas em números de votos (páginas 4 e 5) à motivação dos que serão mesários por vontade própria (3). Apurar informações em período de campanha significa dar de cara com a porta várias vezes. Todos no governo ficam com as orelhas em pé, mas com um pé atrás

What the foca? na hora da entrevista. Pior quando têm que responder sobre a má fiscalização do transporte pirata na UnB, que só existe porque as linhas de ônibus não dão conta da demanda universitária (11). Mas, se alguns somem durante o período eleitoral, este é justamente o único momento em que outros dão as caras. Como é o caso dos políticos que visitam uma rua que fica em cima do muro, entre Goiás e DF. A nossa reportagem foi até lá e constatou que a falta de paternidade política gerou um caos de infraestrutura aos moradores, que já estão cansados de ouvir promessas e não ver soluções (8 e 9). A eleição logo se vai, mas volta. Voltam a incredulidade e a esperança. Voltam promessas e problemas. A nós, resta ter sabedoria para fazermos algo diferente, para que, daqui a quatro anos, exista alguma notícia boa para publicarmos.

Rudá Moreira editor-chefe

Memória Em maio de 1996, na edição 206 do jornal Campus, as reportagens O papel de formar profissionais e cidadãos e Universidade Ltda., escritas por Maria Clarice Dias e Renata Regina, abordaram a importância do trabalho social de universitários. À época, acreditava-se que, devido

aos altos investimentos da sociedade na UnB, era necessário a instituição atuar diretamente no crescimento social. Nesta edição, o jornal Campus conta a história do projeto Veredicto, em que estudantes da Universidade promovem discussões sobre cidadania no Centro de Ensino Médio 01 de Sobradinho.

Campus

Isabella Campedelli

Piloto Dudu Bolsoni, fotógrafa Tainá Andrade e repórter Isabella Campedelli em selfie durante rally de aventura

Ombudskivinna A edição 414 do Campus encerrou bem as atividades do semestre passado. A turma manteve boas escolhas de pautas até o fim e fez quase tudo com bastante dedicação. Apenas lamentável que logo a capa pareça tão confusa aos leitores. A foto, que registra um pedido de socorro em Libras, não foi bem produzida. Feições animadas não combinam com o problema sério sobre o qual trata a reportagem Todos estão surdos. Além disso, a matéria pouco fala de Nilda Siqueira, que mereceu a capa, mas ganhou apenas algumas linhas de legenda da foto.

Termo sueco que significa "provedor da justiça", discute a produção dos jornalistas sob a perspectiva do leitor.

Marcado pela sensibilidade, o jornal tratou de forma cuidadosa temas como família e problemas de saúde. Casos de família e Fugindo da balança têm textos equilibrados. Sons do silêncio seria igualmente sensível se apresentasse o glossário de música para surdos com menos rigidez. Outras reportagens ganharam vantagem pela curiosidade e prestam um bom serviço ao leitor. É o caso de Não me representa, Manobras de coragem e risco e Sou explorado pelo meu estágio. Vale apenas ressaltar que, no geral, os textos cumpriram bem o papel

informativo, mas o aspecto gráfico deixou a desejar. Em vista do ótimo visual que o Campus apresentou ao longo do semestre, os leitores esperavam uma edição mais caprichada. A vista grossa da edição passou também por pequenos erros já não tão toleráveis a esta altura do campeonato. No entanto, tais observações não subtraem da equipe o brilho obtido pelo bom trabalho de um produtivo semestre.

Jhésycka Vasconcelos aluna do 8º semestre de Jornalismo da UnB

Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília

Editor-chefe: Rudá Moreira Secretária de redação: Carolyne Cardoso Editores: Ivana Carolina, Jamile Racanicci, Marília Nestor, Melina Fleury, Vítor Sales e Walter Carlos Repórteres: Beatriz Pataro, Breno Damascena, Bruna Lima, Carolyna Paiva, Glaucia Machado, Gustavo Schuabb, Isabella Campedelli, Julia Lugon, Juliana Perissê, Luiza Garonce, Mariana Machado, Mayara Subtil,

Nara Menezes e Tamara Montijo Diretor de arte e foto: Lucas Ludgero Fotógrafos: Alannah Tobias, Eduardo Carvalho, Luisa Marini e Taina Andrade Diagramadores: Eduardo Carvalho, Ivana Carolina, Jamile Racanicci, Marília Nestor, Melina Fleury, Vítor Sales e Walter Carlos Projeto Gráfico: Breno Damascena, Bruna Lima, Isabella Campedelli, Lucas Ludgero e Rudá Moreira

Professores: Sérgio de Sá e Wladimir Gramacho Jornalista: José Luiz Silva Monitores: Isabela Resende e Jéssica Martins Gráfica: Palavra Comunicação Tiragem: 4 mil exemplares Contato: 61 3107-6498 / 6501 Endereço: Universidade de Brasília, campus universitário Darcy Ribeiro, s/n, Asa Norte, Brasília/ DF. Faculdade de Comunicação, Instituto Central de Ciências - Ala Norte | CEP: 70 910-900

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www.campus.fac.unb.br


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política

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DIAS DE FOLGA

Após serviço eleitoral, mesários tiram até dez dias úteis de recesso. Servidores públicos são maioria dos voluntários Beatriz Pataro

Mariana Machado

S

er voluntário para tra- toral corresponde a dois dias balhar nas eleições é não trabalhados. Esse tempo é mais uma das vantagens contado a partir do momento do serviço público. A prática em que a pessoa vai ao cartório tem se tornado cada vez mais eleitoral tomar ciência da concomum entre os habitantes vocação, mais o dia de treinado Distrito Federal (DF), mento e o da eleição. Caso haja segundo turno, que teve, em 2014, mais de 48 mil inscritos no programa adicionam-se mais dois dias de Mesário Voluntário, de acor- folga para todos os agentes eleido com o Tribunal Superior torais. Quem ocupar a função de Eleitoral (TSE). Trabalhar presidente de mesa, cargo mais nas eleições pode garantir importante da sala, é obrigado a que o servidor público seja comparecer no sábado anterior ao dispensado do trabalho por domingo de eleição para ajudar na até dez dias úteis. Neste ano, preparação e montagem das urde 30.386 agentes eleitorais nas, o que lhe garante, se houver 2° no DF, 22.023 são voluntári- turno, dez dias úteis livres. João Paulo Andrade, analista legos e servidores públicos. No DF, portanto, 72,5% dos islativo do Senado Federal, decidiu se voluntariar participantes se pela primeira inscreveram vovez neste ano luntariamente, o e foi chamado que o torna uma para compor a das unidades federativas com serão mesários voluntários mesa como segundo mesário. um dos maiores nas eleições no DF “Vi, nas eleições, percentuais de uma possibilipessoas que vão dade de exercer colaborar, ficando atrás apenas do Ceará meu papel como cidadão e ainda (CE), que possui 95,48%, de usufruir dos benefícios previstos Minas Gerais (MG), com em lei”, diz. Ele pretende usar os 76,26%, e do Mato Grosso do dias livres para viajar em outubro. Segundo a chefe do cartório Sul (MS) com 76,64%. Desde 2004, quando o programa da 11° zona eleitoral DF, Elaine Mesário Voluntário foi criado, Veloso, além das inscrições o cadastro tem crescido todo feitas virtualmente, o cartório ano de eleição no DF. De 2006 também recebe muitas ligações para 2010 o número aumentou de servidores públicos que 486%, passando de 6.116 para querem se voluntariar. “Aqui na 29.728 e de 2010 para 2014 11° zona eleitoral, temos fila de a diferença foi de 164%, com cadastro reserva de voluntários para suprir qualquer eventual 48.802 inscritos atualmente. As folgas, garantidas por lei, substituição”, comenta. Hoje só há convocação podem ser tiradas de acordo com a vontade do servidor. obrigatória quando, em deNão há data limite para usufruir terminada seção, não houver do benefício. Cada dia que o mais voluntários que atendam convocado presta serviço elei- ao perfil necessário. Apesar

22.023

João Paulo Andrade será mesário voluntário pela primeira vez e deve usar as folgas para viajar em outubro

de a lei ser válida para todos, quem não trabalha no setor privado têm preferência. “Ser servidor público é um dos aspectos que contam positivamente na hora de nossa escolha”, explica Elaine. O servidor da Secretaria do Tesouro Nacional André Pontes tem experiência, pois vai atuar como mesário pela segunda vez. “Todo ano de eleição ligo no Tribunal Regional Eleitoral e peço para ser convocado”, comenta. Com as eleições deste ano, ele vai usufruir de seis dias livres que somará com mais dois das últimas eleições, que ainda não aproveitou. A escolha do mesário é feita pelo chefe de cartório. Ele segue os critérios estabelecidos pela justiça eleitoral: escolaridade, profissão e idade. Ser experiente e voluntário também favorece na seleção. “Para este ano, especificamente, em razão do cadastro

biométrico, escolhemos pessoas que já trabalharam nas eleições anteriormente”, conta a chefe do cartório. Quem não pode Nem todos os profissionais podem atuar como mesários. De acordo com a Resolução n° 23.399 do TSE, autoridades e agentes policiais estão vetados. Também é recomendação dos juízes eleitorais que outros profissionais da área de segurança e de saúde não sejam convocados, mesmo que estejam no cadastro de voluntários. O procurador regional eleitoral da República, Elton Ghersel, explica que essa é uma forma de prevenção para que assuntos relacionados à profissão do mesário não atrapalhem no dia da votação. “O mesário não pode se ausentar do local das eleições. Se ele for um médico ou um policial, por

exemplo, e for chamado para atender uma situação de emergência, ele também não pode recusar. Por isso, para evitar qualquer conflito de função, a recomendação é que não chamem pessoas de profissões que possam concorrer com o serviço eleitoral”. Além desses, funcionários de cargos de confiança do Poder Executivo, pessoas que trabalham na justiça eleitoral, menores de 18 anos, membros de diretórios de partido político e candidatos e seus parentes não podem participar. Inscritos que confirmarem presença, mas não comparecerem no dia da eleição e não justificarem dentro do prazo de 30 dias podem pagar multa de R$ 362 a R$ 724, e ainda podem cumprir pena de detenção de até dois meses, de acordo com o Código Eleitoral.


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Política

POUCOS VOTOS, MUITA VONTADE

Com menos de cem votos nas últimas eleições, candidatos se esforçam em busca de uma vaga na Câmara Legislativa do DF Glaucia Machado

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euniões na casa de amigos são uma das estratégias adotadas por Nubia Lima para tentar conseguir mais votos. É assim, pelo menos aos domingos, quando ela acorda cedo e vai para diversas regiões administrativas, levando no carro santinhos e o sonho de ser deputada distrital. Os encontros ocorrem de forma descontraída, com risadas e conversas pessoais e também sobre saúde, educação e moradia. Sentada à mesa ou no sofá, Nubia apresenta aos amigos propostas que pretende defender, como a regularização de condomínios. Ela não costuma sair dessas reuniões sem fazer uma promessa: voltar a visitá-los, caso eleita. Nascida no Gama e mãe de dois filhos, a bombeira militar de 45 anos está entre os quase mil candidatos a deputado distrital, cargo mais disputado do país nas próximas eleições. Esta é a segunda vez que Nubia concorre a uma das 24 cadeiras da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Em 2010, ela obteve 98 votos, aproximadamente nove mil a menos que o candidato eleito com menor votação. Porém, a bombeira justifica o resultado pouco expressivo pela morte do irmão, falecido dois dias após o recebimento dos panfletos de campanha. “Para mim a campanha acabou”, afirma. Nubia agora enfrenta uma concorrência maior, de 40 candidatos por vaga, enquanto na última eleição a disputa era

Fotos: Luísa Marini

de 33 por cadeira, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além dela, outras sete pessoas alcançaram menos de cem votos no último pleito, mas ainda assim decidiram tentar de novo. É o caso da produtora de eventos Naiara Lourenço, que nasceu em Minas Gerais, mas mora em Brasília há 34 anos. Em sua campanha, Naiara faz reuniões e entrega panfletos com propostas específicas para cada área, muitas vezes dispensando o uso dos santinhos. “O texto do santinho é muito pequeno, não explica nada. Fica aquela enrolação e acaba não atingindo nosso objetivo”, diz. A produtora de eventos também não trabalha com placas e outdoors pois, segundo ela, a preocupação é não ficar sujando o visual da rua. Para convencer o eleitor, uma das promessas de Naiara é usar o espaço ocioso de clubes para o treinamento esportivo de estudantes de escolas públicas. Ainda na área de esporte, ela defende o incentivo aos atletas de Brasília, com a criação de um instituto para ajudá-los a se desenvolverem. Com propostas como essas, a produtora de eventos pretende superar os votos conseguidos nas duas campanhas anteriores, que chegam a 175. De acordo com o doutorando em ciência política e especialista em marketing Marcelo Pimentel, candidatos pouco conhecidos ou inexperientes podem exercer bem o cargo de

Bispa Celina Cantora distribui santinhos nas ruas de Taguatinga com intuito de aumentar número de votos

distrital. Ele lembra que tudo na vida tem uma primeira vez, e na política também é assim. “O que o eleitor precisa ter em mente é buscar informações sobre a vida do candidato. A sua postura no dia a dia é um bom termômetro para balizar uma decisão pelo voto”, ressalta. Marcelo destaca também que existem dois tipos de candidatos: os que têm vocação para a vida pública e aqueles que veem na política a oportunidade de uma ascensão econômica e social. Assim, segundo o ele, é fundamental para a democracia que haja opções para o eleitor escolher seus representantes. Entre os que esperam ser escolhidos no próximo pleito está o gerente de restaurantes Guilherme Luz, que sempre trabalhou na área de gastronomia e conseguiu 78 votos em 2010. Sem recursos financeiros

Guilherme Luz panfleta no Recanto das Emas em busca de votos. Ele reivindica direitos dos garçons


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e alegando receber pouca ajuda do partido, Guilherme diz que atua como jornalista, fotógrafo e publicitário da sua própria campanha. Além disso, recebe o apoio de amigos com pequenas doações e empréstimo de espaço para um comitê. Quem vai à Rodoviária do Plano Piloto pode encontrar o candidato entregando panfletos na fila dos ônibus do Recanto das Emas, onde mora, Samambaia e Santa Maria. Mesmo com negativas, Guilherme não desanima. Conversa com o próximo da fila e apresenta diversas propostas, como a legalização da gorjeta paga a garçons. A dificuldade financeira do gerente é compartilhada pela cearense Lucimar Sitonio. Com 92 votos na última eleição, a estudante de serviço social decidiu insistir na campanha apesar da falta de recursos. “Eu tenho que me virar, tenho que pedir dinheiro emprestado a todos os meus vizinhos”, conta rindo. Em 2014, panfleta na Rodoviária e na faculdade privada onde estuda com ajuda de três amigos e, segundo ela, às vezes tem que sair de casa sem almoçar. Lucimar defende a construção de casas para moradores de rua, creches para as mães colocarem seus filhos enquanto trabalham e mais escolas integrais. De acordo com a candidata, fazer projetos que atendam pessoas carentes foi um dos motivos que a levaram a entrar na política, pois, ao se deparar com pessoas em dificuldade, “se sente impotente e quer amenizar essa situação”. Além das dificuldades financeiras, outro obstáculo encontrado pelos candidatos é o tempo disponível para se dedicar ao pleito, muitas vezes escasso. Ao contrário da bombeira Nubia que, por ser servidora pública, se licencia das atividades para concorrer a cargo eletivo, alguns deles precisam cumprir horários diferenciados ou deixar o trabalho por um tempo. É isso que fez Bispa Celina

ao reorganizar sua rotina durante três meses e deixar de aceitar convites para cantar em igrejas. O objetivo é um só: dar prioridade à eleição e, assim, chegar mais perto do sonho que também move Núbia, Naiara, Guilherme e Lucimar. “Para louvar, ministrar na área profissional, existe um longo tempo. E a campanha não, são só três meses”, diz a candidata, que em 2010 somou 62 votos.

Amilton e Naiara conversam com eleitores para apresentar propostas e aumentar chances de vitória no próximo pleito

Campanha Virtual Há também quem tenha ambições ainda maiores, como o expolicial militar Amilton Martins. Nascido em Brasília, o atual empresário pretende chegar aos 50 mil votos, 49.934 a mais do que conseguiu no último pleito: 66. Amilton reconhece que a meta é difícil, porém, acredita ser possível. Para isso, propõe a desmilitarização da Polícia Militar e busca a criação dos programas guarda comunitária e guarda ostensiva do comércio. No início de setembro, ele tinha 25 curtidas no Facebook. “Eu creio que esses meios vão nos ajudar, aos candidatos com boas ideias e poucos recursos financeiros”, afirma. Para a bombeira Nubia Lima, o trabalho vai além da tela do computador. Ela agora utiliza o

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WhatsApp, aplicativo de troca de mensagens instantâneas, que exibe a foto sorridente da bombeira, que lembra aos amigos e eleitores qual número devem digitar na urna. Como Nubia, quem também utiliza o aplicativo de mensagens de texto na campanha é a Bispa Celina. De acordo com a candidata, ela e seu grupo de trabalho conseguem os números de celular na internet. Já o gerente Guilherme Luz preferiu adotar o envio de e-mails. Por trabalhar na área de restaurantes, recebe diversos currículos. Ele salva os contatos disponibilizados e encaminha promessas para os garçons, público que pretende defender na Câmara Legislativa do DF. “Todo santinho novo, vídeo que gravei para a TV ou outro material, eu mando para eles verem”, afirma. A candidatura de Bispa Celina, até o fechamento desta edição, não estava confirmada pelo TSE. Celina alega que teve o primeiro registro indeferido por enviar foto de tamanho inferior ao exigido. Depois, fez outro, mas se esqueceu de cancelar o anterior. Agora, entrou com recurso e cuida da campanha enquanto aguarda uma decisão definitiva do tribunal.

Nova Chance Confira os votos somados por cada candidato em 2010 Amilton PRTB

66

VOTOS

Dolores * PV

6

VOTOS

Arte: Eduardo Carvalho

Bispa Celina Cantora PHS

62

98

VOTOS

VOTOS

Guilherme Luz PV

78

VOTOS

Bombeira Nubia Lima DEM

Lucimar PR

92

VOTOS

Carla Manzi ** PSB

67

VOTOS

Naiara Lourenço PSC

70

VOTOS

*O Campus tentou entrar em contato com Dolores, mas não obteve resposta do partido da candidata **A candidata Carla Manzi se negou a dar entrevista para o Campus


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Educação

a voz dos jovens

Alunos de Direito da UnB debatem cidadania com estudantes do ensino médio público e estimulam entrada em universidade Mayara Subtil

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despertador de Maurício Santos tocava sempre às 5h45 da manhã. Vivia em uma rotina de estudos que começava no Centro de Ensino Médio 01 de Sobradinho e seguia para seu trabalho até de noite. Primeiro de sua família a almejar uma vaga em curso superior, o jovem de 17 anos não desistiria do sonho de entrar na Universidade de Brasília (UnB) como estudante de graduação. Apesar da força de vontade, o incentivo que fez a diferença para o futuro de Maurício Santos foram reuniões semanais com um grupo de universitários que ocupavam a sala de aula da escola dele com debates sobre direito e cidadania. Em discussão sobre temas delicados e polêmicos, ele passou a acreditar no direito como sua paixão e no curso da UnB, como seu destino. Hoje, um ano após o primeiro contato com as reuniões, Maurício Santos cursa o segundo semestre de Direito pela UnB e integra o time de universitários que lhe mostrou ser capaz de realizar seus sonhos. Membro do Veredicto – Simulações Jurídicas, Pesquisa e Extensão, passou de ajudado a ajudante e começou a desenvolver nos estudantes do CEM 1 de Sobradinho o pensamento crítico e a ambição de transformar a realidade. “Tive no projeto a oportunidade de ter acesso a temas com que me identifico e melhorar meu senso crítico”, relata. Idealizado por 15 alunos de Direito da UnB em 2013, o Veredicto conta com 60 colaboradores, sem restrições de curso ou universidade. Também fazem

Tainá Andrade

parte da iniciativa 130 alunos do CEM 1 de Sobradinho, distribuídos em duas turmas de 3º ano, duas de 2º ano e uma de 1º ano. Desde então, integrantes da Diretoria Social do Veredicto desenvolvem encontros semanais e, ao final de cada gestão, preparam uma simulação jurídica para colocar o que aprenderam em prática em relação a um caso fictício. Para os alunos do ensino médio, o Veredicto é visto como uma chance de desenvolver e explorar interesses. Pompilio Júnior, estudante do 2º ano do CEM 1 de Sobradinho, diz que o projeto traçou sua meta acadêmica. “O Veredicto está me ajudando a decidir meu futuro. Penso em fazer Direito na UnB”, revela. Micaella Borges, também do 2º ano, conta que o Veredicto ampliou seus conhecimentos sobre temas jurídicos. “O Veredicto dá a liberdade para falar o que realmente pensa”, afirma. Aos universitários, o projeto proporciona realização pessoal. O estudante de Direito pela UnB e atual co-presidente do Veredicto Pedro Santiago afirma que a ideia é ultrapassar o potencial de disciplina escolar. “Nós lecionamos o direito nesta escola como principal forma de modificação social, não apenas como matéria obrigatória”, relata. “Tentamos suprir a carência do ensino médio, principalmente sob a mínima abertura de criticar e opinar sobre qualquer assunto”, explica Regina Luisi, co-coordenadora social do Veredicto. Maria Paula Borges, também co-coordenadora social do projeto relata:

Incentivados a opinar sobre temas políticos, secundaristas do CEM 1 de Sobradinho desenvolvem o senso crítico

“Antes de me formar, quero deixar minha marca na UnB. O Veredicto está me dando a oportunidade de fazer a diferença no mundo”. João Luiz Vilarins, professor de geografia da escola, sente-se honrado em acompanhar e dar abertura de suas aulas ao Veredicto. Segundo ele, a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF) foi contrária aos programas que existiam na escola, além de não respaldar o projeto de extensão. “Antes do Veredicto, tínhamos propostas com redação e raciocínio lógico para preparar os nossos estudantes aos vestibulares e concursos. A SEDF não aceitou nossa proposta”, queixa-se o docente. O diretor do CEM 1 de Sobradinho, Air Luiz Alves, explica que a liberdade de expressão trazida pelo Veredicto aos alunos é gratificante.

PARTE DIVERSIFICADA A disciplina cedida ao Veredicto é a Parte Diversificada da matriz curricular na rede pública, disciplina mais conhecida como PD. A gerente de Ensino Médio, Programas e Projetos Sociais da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF), Kelly Cristina de Almeida, esclarece que esse espaço é separado para projetos escolares com foco na inovação. “O professor encarregado pela disciplina deve ministrar uma atividade prática e social, sendo que o objetivo é sair da ideia de que o ensino basta apenas em sala de aula”, explica. Entretanto, o diretor do Centro de Ensino Médio 01 de Sobradinho, Air Luiz Alves, diz que a PD serve para completar a carga horária

de professores. “A escola não tem a liberdade para fazer mudanças internas e os docentes também ficam presos a isso”, exclama. Segundo relatos de diretores e professores reunidos pelo Campus, a PD é vista como cumprimento de carga horária, em que se aproveitam notas de outras disciplinas para suprir a necessidade de avaliação. Em resposta, Kelly Cristina de Almeida afirma que a responsabilidade sobre a PD é da gestão interna das escolas e que a SEDF apoiaria projetos como o Veredicto. “É preciso que isso seja analisado pela SEDF. As escolas precisam ter um projeto. Se fossem aprovados pela secretaria, esses problemas não iriam existir".

Saiba mais: Veredicto Simulações Jurídicas, Pesquisa e Extensão www.veredictounb.com.br


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Dá licença?

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diário de bordo

A equipe do Campus participou da prova do Patriota, competição de rally de aventura

Fotos: Tainá Andrade

Isabella Campedelli Para falar sobre rally no DF, o Campus formou uma equipe no Rally Adventure e participou da etapa do campeonato que aconteceu dia 30 de agosto. Passamos por todas as emoções que quem está lá dentro vive, e, agora, vamos contar para você um pouco deste universo que não é muito difundido na capital federal. Este esporte apresenta algumas modalidades: existem provas de velocidade, nas quais o percurso predefinido deve ser percorrido no menor tempo possível; as provas de regularidade, em que o piloto e o navegador devem fazer o percurso certo dentro de um tempo também estabelecido pela organização; e as provas de aventura. O Rally Adventure se encaixa nesta última modalidade. A etapa de que participamos foi a terceira do campeonato, que é composto por quatro competições ao longo do ano. As provas de aventura são praticamente gincanas sobre rodas. Cada equipe, formada por piloto, navegador e até três passageiros no banco de trás, chamados de “zequinhas”, recebe um mapa da prova, com as bandeiras, que são os PCs (Pontos de Controle) que pontuam as equipes. O objetivo é conseguir encontrar o máximo de bandeiras possível dentro do tempo estabelecido para a prova. A cada minuto excedido, um ponto é tirado da equipe. Nossa equipe contava com o piloto, Dudu Bolsoni, e a “zequinha” Tainá Andrade, fotógrafa desta reportagem. Eu fui a navegadora e posso dizer que essa função exige muita concentração, pois é o navegador quem direciona o piloto durante toda a competição. Antes da prova, tivemos dois momentos de preparação: a aula de navegação e o briefing. A primeira é destinada para os participantes que nunca estiveram em um rally, e aborda temas como análise de planilhas de navegação e direção defensiva. Já o

briefing, obrigatório para todas as equipes, é quando a organização entrega as camisetas e adesivos, e o local de partida da prova é divulgado. Nossa aventura finalmente começou. A prova do Patriota, como foi nomeada a etapa, contou com 14 equipes. O ponto de largada foi a QI 29 do Lago Sul. Passamos pelas estradas do bairro Altiplano Leste e do Núcleo Rural Boqueirão, e a chegada era no Pontão do Lago Sul. A estratégia que definimos consistia em buscar primeiro as bandeiras do Boqueirão, que era mais distante, e depois as do Altiplano Leste. Durante a prova, a concentração é total. Não conseguíamos pensar em mais nada e todos os assuntos eram voltados para a boa execução da nossa estratégia. Algumas vezes, quando chegávamos no PC, tínhamos dificuldade para ver a bandeira, então partíamos a pé para explorar a área. Quando finalmente a avistávamos, a bandeira estava em lugares de difícil acesso, como o alto de morros, árvores na beira de rios ou embaixo de pontes. Em outros casos, estava tão bem escondida que simplesmente não encontrávamos. Além disso, a organização enfrenta um problema: os moradores dos locais das provas muitas vezes veem as bandeiras e as retiram. Isso se torna um obstáculo na estratégia das equipes, que perdem tempo indo até o PC e não encontram os pontos desejados. Os Pontos de Controle são divididos em tra-dicionais, nos quais a bandeira vale apenas um determinado número de pontos; tarefa, em que é preciso cumprir uma missão, como foi o caso de uma bandeira que nos daria pontos se tirássemos uma foto da equipe em meio a pinheiros; secretos, que são bandeiras que não estão assinaladas no mapa – nossa

equipe não encontrou nenhuma deste tipo e os Pontos Extras, que são bandeiras em que se faz uma pergunta de conhecimentos gerais e a equipe pontua se responder corretamente. Como conseguimos chegar dentro do tempo previsto (com uma folga de apenas três minutos!), a soma dos pontos da equipe Campus foi com base nos Pontos de Controle conquistados. Ao final, entre as 14 equipes, ficamos em nono lugar. Sobre a grande e divertida disputa, o organizador, Daniel Costa, afirma: “O objetivo principal é a diversão. Queremos promover um entretenimento com segurança para os participantes”. Como qualquer carro pode se inscrever, sem que haja preparação em sua estrutura, o preço para participar é mais baixo do que em outras modalidades do esporte. Além disso, o rally de aventura envolve todos em um clima descontraído, e isso faz com que a modalidade reúna muitos amigos e famílias, que levam crianças de todas as idades. É o caso da equipe Frozen, formada por Daniele Pereira, seu marido Marcos Túlio e sua filha de seis anos, Amanda. Segundo Daniele, o rally é uma ótima forma de reunir a família em torno de algo divertido e seguro. “A Amanda sempre nos acompanha em tudo, então desde pequena queremos que ela participe de eventos como este, que têm como objetivo a diversão em família”, diz a piloto. Apesar de ainda não movimentar muita gente dentro do DF, os adeptos do rally encontram boas trilhas neste território. O presidente do Burity Rally Clube, Felipe Prado, afirma que “nos últimos governos, muitas trilhas do DF foram asfaltadas, mas ainda temos ótimos lugares para a prática do esporte, que são um pouco mais distantes do plano piloto.”


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Se essa rua fosse

ESPECIAL

À beira da DF-290, rua divide Goiás e Distrito Federal. Mo

Julia Lugon

D

e um lado, Goiás. Do outro, Distrito Federal. No meio, uma rua agitada onde circulam comerciantes, moradores e pedestres. A rua, sem muros ou placas, é chamada Residencial Santa Maria e é a última do DF. Irregular, não tem asfalto, esgoto ou policiamento. Frente às casas e lojas fica a DF290; na porta dos fundos, Goiás – regular, com asfalto, esgoto e policiamento. Foi por pouco. Os três quilômetros de terra não têm história. Não se sabe se aquela área surgiu com Céu Azul, Valparaíso, se foi na construção de Brasília. “Vim pra cá há mais de 30 anos e sempre foi assim”, relata uma comerciante. A rua não fez parte da história da capital, de Goiás ou de ninguém. A 40km estão o Congresso Nacional, a presidente Dilma, as modernas obras de Oscar Niemeyer. Mas a rua parou no tempo. As pessoas se sentam em cadeiras de ferro com fitas de plástico e observam. Olham a DF-290, a poeira que sobe da estrada, as galinhas que cacarejam. De frente para a rodovia, a re-

gião é campeã em oficinas mecânicas para carros e motos. Em uma das pontas da rua, quatro lojas dividem o espaço lado a lado: Globo Auto Peças, Claudio – Lanternagem e Pintura, Potência Motos, Automecânica Silva. “Você sabe o que é isso? Duvido”, diz um homem sentado no chão, com as pernas abraçadas no que parece a carcaça de um carro, coberta de poeira. “Isso daqui é um pedaço de fusca. O resto tá ali fora.” Alberto de Oliveira, de 60 anos, é o dono do Globo Auto Peças. Veste uma camisa vermelha, uma bermuda marrom e está descalço. Seu rosto, suado, traz marcas de terra. “Pensei que você fosse política”, diz ele. “Já ia te mandar embora. Mas pode ficar. Aqui sempre tem político, propaganda e carro de som na época das eleições. Mas até agora não aconteceu nada. A única promessa que foi cumprida nessa rua foi do meu santo. Pedi que chovesse um pouco para abaixar a poeira e caiu uma chuvinha ontem”, brinca. Os mecânicos das lojas ao lado, curiosos, logo aparecem. Antô-

nio Monteiro, de 65 anos, é militar aposentado e dono da Potência Motos. Para Antônio, a presença de políticos no local é frequente, mas de nada adianta: “Nós estamos abandonados. A cada quatro anos aparece um secretário de obras, candidato a deputado ou governador. Eles apertam a nossa mão, tiram fotos da rua esburacada, fazem mil promessas de infraestrutura e segurança e depois desaparecem”. Segundo os moradores, a grande maioria da população que vive no Residencial Santa Maria e até nas ruas pertencentes a Goiás veio de outras regiões do DF, como Gama e Candangolândia. Apesar de votar no DF, alguns políticos de Goiás também fazem propaganda na rua. Os dois lados prometem o mesmo: a regularização da área. O militar aposentado está descrente da política. “Os candidatos vêm aqui cheios de conversa. Daí quando a gente vai no Congresso para cobrar, eles xingam a gente”, desabafa Antônio. “Nós temos lojas, somos microempresários e merecemos ser tratados

melhor. Pago minhas contas e gero emprego, mas me sinto abandonado pelo governo.” O sentimento de abandono não vem só dos comerciantes. Ao perceber a conversa, Antô-

nio Gomes Souza, de 67 anos, resolve parar a bicicleta vermelha que pedala e se junta à conversa. Ele mora no Residencial Santa Maria há dez anos, mas não paga todos os impostos. “Eu Luisa Marini

Dono de uma oficina de motos na rua, Antônio Monteiro reclama:“O governo deixa de arrecadar impostos. Os dois lados saem perdendo”


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fosse minha

oradores vivem sem infraestrutura, em terra de ninguém

pago conta de água, luz... Menos o IPTU. Mas eu quero pagar. Eu sei que com os impostos vem o meu direito. Vou poder exigir asfalto, esgoto e posso cobrar do governo”, diz. O abandono não é só político. Serviços básicos, como polícia e Corpo de Bombeiros, custam a chegar. A população pode até saber que a rua é parte do Distrito Federal, mas as linhas de telefone enganam. Ao ligar para o 190, a ligação é direcionada para a polícia de Goiás, que alega não poder ir ao local por ser fora dos limites do estado. O mesmo acontece com o 192 e com a Caesb. Os moradores são redirecionados para a Saneago. Sem polícia, a violência toma conta. “Depois dessas casas aqui tem um buraco. Matam e enterram o povo tudo lá”, explica Alberto, apontando para o final da rua. “Aqui morre um todos os dias”, diz Antônio. “O povo fala de Iraque, Faixa de Gaza e não está nem aí para nós. Mas a nossa Faixa de Gaza é aqui.” Depois das oficinas de mecânica, lojas de serralheria, botijão

de gás, sofás, antenas. E lixo – pneu, brita, sacolas plásticas, restos de folha queimada. Mais à frente, uma floricultura. Com grades verdes e aparência bem conservada, uma placa sinaliza que o local está à venda. Dentro da loja, flores, plantas, vasos coloridos, bonecos de cerâmica. Ao fundo, a entrada de uma casa, com um quadro que diz “Aki a tristeza pula de alegria”. A dona da loja faz o almoço e não pode atender as clientes no momento. Uma funcionária faz todo o serviço, recebe o pagamento de uma senhora, enquanto diz para duas novas clientes que as atenderia em um momentinho só. “Olha, não sei o que vai ser da loja mas a dona quer vender e ir para uma chácara”, fala a vendedora, às pressas, carregando vasos de plantas. Para resolver o problema do asfalto e agradar os clientes, alguns comerciantes colocam britas no chão. Outros esparramam concreto em frente às lojas. Certos locais ficam apenas com o barro e, quando chove, a área é tomada pela lama. Na seca, a po-

eira sobe e paira no ar, como neblina suja. O pó não ajuda alguns vendedores. Telma Couto, dona da única loja de roupas para festa da rua, sofre com a terra em frente ao estabelecimento. Queimada do sol e do calor, aos 40 anos, com os cabelos lisos e escuros, Telma toma conta da loja com a filha mais velha. O sonho da vendedora era ter o próprio negócio. Depois de organizar várias festas, decidiu que continuaria trabalhando no ramo. A loja oferece não só o serviço de aluguel de ternos e roupas para debutantes, mas também o serviço de buffet, ornamentação e buquês. A vendedora deixa o local todo aberto. De longe, veem-se os quatro corredores da loja, cheios de roupas. Mas as peças não aguentam ficar ao ar livre por muito tempo. “Deixo os vestidos e os ternos aqui para o cliente ver, mas a poeira suja tudo. Depois de um tempo, tenho que limpar a loja inteira, tiro todas as roupas e lavo”, conta. Na rua, não há praças, calçadas ou bancos. Faltam creches para as crian-

ças, que não têm lugar para brincar. Não há muitas árvores, sombra ou qualquer sinal de que aquela região já foi amada por moradores. Na outra ponta da rua, distante das oficinas, um

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Julia Lugon

campo de futebol abandonado separa o Residencial Santa Maria da BR-040. Entre duas rodovias, um estado e a capital federal, a pequena rua espera, um dia, deixar de ser terra de ninguém.

POR QUE NÃO REGULARIZAR? Os moradores e comerciantes do Residencial Santa Maria reclamam que os problemas da rua são os mesmos há décadas. No entanto, a Administração de Santa Maria informou o Campus de que a área está no Plano Diretor de Ordenamento Territorial como Área de Relevante Interesse Social (ARIS) e será regularizada eventualmente. A administração explicou que será necessário fazer um levantamento cadastral da região, além de vistorias técnicas para garantir a funcionabilidade dos espaços. A regularização da rua deverá ser feita pela Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano (Sedhab) a Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab). Em relação ao asfalto, a administração alegou que não pode asfaltar aquela área porque ela pertence ao Departamento

de Estradas de Rodagem do Distrito Federal (DER-DF), responsável pelo perímetro da DF-290. Em resposta, o DER-DF afirma que “a comunidade deve encaminhar solicitação ao órgão para que sejam feitos estudos técnicos que irão avaliar a necessidade de pavimentação da via marginal da rodovia DF-290”. Apesar do 190 não direcionar os moradores para a polícia do DF, o 26º Batalhão de Polícia Militar do DF, responsável pela área de Santa Maria, garante que atende as chamadas da rua pelo telefone 3901-1888. A proximidade com o município de Valparaiso leva alguns políticos de Goiás a tentarem resolver os problemas na rua. Segundo a prefeitura de Valparaíso, há um desejo de ter a área regularizada e asfaltada, mas que nada pode ser feito por se tratar de um território do DF.


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Esporte

na corda bamba

Equipe brasiliense de ginástica rítmica perderá o espaço de treino caso associação esportiva feche as portas Mariana Machado

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erca de dez das melhores atletas de ginástica artística do Distrito Federal podem perder o espaço de treino. A Associação de Ginástica da Octogonal e Cruzeiro (Aginoc) luta para manter as portas abertas. O galpão onde acontecem as aulas está localizado no lote da Escola Classe 8 da Octogonal e a Secretaria de Educação do DF (SEDF) pede a devolução do terreno. Além da equipe de ginastas, a associação recebe por volta de 300 alunos carentes que fazem aulas gratuitas de ginástica rítmica, natação, arte circense e judô. A Aginoc foi construída em 1996 com recursos de Maria Cristina Fontes, idealizadora e atual dirigente. Cristina explica que não recebe qualquer repasse em dinheiro público para manter o local. Às terças e quintas-feiras são ministradas aulas pagas. Porém às segundas, quartas e sextas-feiras as aulas são gratuitas para alunos de baixa renda. Desta maneira, as mensalidades mantêm os alunos não pagantes. A SEDF acusa a Aginoc de usar terreno público para cobrar mensalidades a pede a devolução do terreno para a escola. A dirigente afirma que no contrato era previsto que não fossem cobradas as aulas das alunas de ginástica rítmica, mas também não proibia a cobrança de mensalidades para cobrir as despesas de manutenção das instalações. De acordo com o secretário de Educação do DF, Marcelo Aguiar, a escola usará o galpão para o período integral de aulas. No entanto, em uma

Fotos: Eduardo Carvalho

Após 18 anos formando ginastas de nível internacional, espaço de treino na Octogonal pode ser fechado por decisão da Justiça

das cláusulas do contrato de permissão de uso, ao devolver o terreno, Cristina deve entregá-lo como recebeu: sem galpão e sem piscina. O secretário insiste que o galpão não será destruído, mas colocado em uso para os alunos da Escola Classe 8. Outra exigência da Secretaria é o pagamento de uma dívida de conta de água e luz no valor de R$ 106 mil. À época da construção do galpão, tanto o uso de água como de luz foram compartilhados com a escola durante um ano e meio até ser instalado um sistema independente. Hoje, a SEDF cobra a dívida, mas Cristina afirma que a conta está errada desde o início e diz que a Aginoc pagará

pela média de gastos. Um processo da Secretaria de Educação contra a Aginoc questionando a posse do terreno aguarda decisão judicial desde 2008. Em meio à espera, as ginastas da Aginoc

se preparam para competir no Torneio Nacional de Ginástica Rítmica, representando o DF. Caso precisem sair do galpão onde treinam, as alunas ainda não sabem para onde ir.

A Aginoc também oferece, gratuitamente, aulas de natação para alunos de baixa renda três vezes por semana

Ao longo dos 18 anos de funcionamento, a Aginoc formou ginastas que representaram o país em competições internacionais. É o caso de Larissa Portela, que com pouco mais de dez anos já era ginasta da associação. Em 2005, a atleta passou a integrar a Seleção Brasileira de Ginástica Rítmica e em 2007 conquistou três medalhas de ouro competindo nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, além de ter sido hexa-campeã brasiliense na modalidade. “Sou muito grata à Aginoc por ter me dado essa oportunidade e por terem acreditado em mim.” Hoje, a ginástica rítmica passou de esporte para profissão. Ela dá aulas da modalidade para crianças. Inclusive, no ano passado, foi uma das professoras da Aginoc. Atualmente, a associação conta com 17 funcionários, entre professores, secretárias e equipe de limpeza, e recebe cerca de 600 alunos de todas as idades, sendo 50% deles alunos não pagantes. “São 18 anos arraigados na comunidade. Existe uma história de troca e convivência e nós temos cem por cento de aprovação na comunidade”, afirma Cristina. O secretário Marcelo Aguiar, afirma estar disposto a parcelar a dívida e fazer um acordo com a Aginoc para a SEDF repassar verba pública para manter o galpão funcionando e não haver mais a necessidade de ter alunos pagantes. “Apesar de prestar serviços para a comunidade, é uma instituição que cobra mensalidade e nós não podemos permitir o uso de bem público para fim privado.”


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Transporte

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Popular mas ilegal

Mesmo com mais ônibus que fazem a rota UnB—Rodoviária, alunos ainda reclamam do serviço precário Gustavo Schuabb (texto e foto)

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lunos e funcionários da Universidade de Brasília (UnB) dispõem dos ônibus da linha 110 para fazer o trajeto Rodoviária—Campus Darcy Ribeiro. Alguns problemas, como longas esperas entre um veículo e outro, superlotação e até mesmo a grosseria de alguns cobradores e motoristas, fazem o cidadão optar por meios alternativos. Uma dessas opções é o transporte pirata. A atividade irregular começa bem cedo durante a semana. Motoristas circulam pela plataforma A da Rodoviária do Plano Piloto, gritando o destino para quem espera na fila do 110 para a UnB. Alguns, impacientes ou atrasados, embarcam nos carros. Mas é a partir de 11h30 que começa o maior movimento na parada de ônibus em frente ao Instituto Central de Ciências (ICC) Sul, já na universidade. De maneira organizada, vários carros vão se enfileirando no recuo utilizado pelos ônibus. Novamente, gritam o destino para quem está na imensa fila de embarque do ônibus, até conseguirem preencher todo o veículo. O valor de R$ 2 da passagem ilegal é o mesmo preço cobrado pelos ônibus, pagos antes de chegar ao destino final, para que os passageiros possam descer de maneira rápida e sem chamar a atenção da fiscalização. Assim que recebem o dinheiro, os motoristas voltam para a UnB, em um ciclo que se repete até a demanda praticamente acabar. O motorista do transporte pirata fica com todo o dinhei-

ro das passagens, sem dedução de impostos. A título de comparação, um cidadão que ganha três salários mínimos (R$ 2.172) tem um desconto de quase R$ 200 do salário para pagar o INSS. Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, transportar passageiros e cobrar pela prática sem a devida licença podem resultar em uma multa de R$ 2 mil a R$ 5 mil, além do infrator ter o veículo apreendido. A prática é antiga e realizada à luz do dia por não haver nenhum tipo de fiscalização no local. Porém, segundo nota da Secretaria de Transportes do Distrito Federal (STDF), o órgão tem conhecimento da situação, e diz que medidas já foram tomadas contra a irregularidade. “Está sendo montada uma estratégia específica

para combater o problema.” A nota diz ainda que a fiscalização é realizada em parceria com o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), Departamanto de Trânsito do DF (Detran) e Polícia Militar (PM) em áreas próximas à UnB. Já a PM e o Detran afirmam apenas seguir o estipulado pela STDF. Porém, não é o que acontece. A equipe de reportagem

de transporte, segundo alguns usuários. O aluno do 5º semestre de Ciências da Computação Felipe Sutano diz que já fez uso desse meio por conta da falta de ônibus. Segundo ele, a quantidade de veículos não consegue dar conta da demanda, gerando filas e superlotações. Felipe conta que não se sente tão à vontade dentro de um veículo pirata. “Eu fico preocupado com o motorista. Apesar de serem sempre os mesmos motoristas, eu não os conheço, não sei como dirigem.” No mês passado, o DFTrans, órgão que coordena o sistema público de transporte em Brasília, adicionou 16 novos ônibus à linha 110, aumentando o número de viagens, sob a justificativa de que mais pessoas da comunidade acadêmica precisam usar o transporte público. Apesar

“Eu pego o transporte pirata só com mais passageiros. Sinto muito medo” Adriana Moreira

esteve no principal ponto de embarque do transporte pirata durante uma manhã inteira, e a atividade transcorria livremente, sem qualquer indício de fiscalização. Apesar de perigosa, a atividade ilegal ajuda a preencher uma falha do sistema público

Alunos chegam a esperar mais de meia hora após o horário em que o ônibus deveria passar

de mais ônibus comporem a linha, a estudante do 5º semestre de Artes Plásticas Adriana Moreira relata que nem sempre ela consegue chegar a tempo para a aula. A aluna que tem aulas aos sábados conta que o 110 sempre atrasa. “Por conta disso, me sinto obrigada a usar esse transporte. Os ônibus estão sempre lotados, e os carros piratas andam mais rápido”, justifica. Apesar dessa praticidade, Adriana, assim como o outro estudante, não confia nos motoristas. “Eu pego o transporte pirata só com mais passageiros. Sinto muito medo.” Para ela, porém, se essa prática não acontecesse mais, milhares de alunos em situações parecidas sairiam prejudicados. A Secretaria de Transportes adverte que os usuários se expõem a diversos tipos de riscos ao embarcar em um transporte pirata. “O passageiro pode sofrer violência, assédio, acidente, furto, roubo, ameaças, dentre outras situações que podem atentar contra a sua integridade.” Para o órgão, o principal risco se deve à qualidade de manutenção do veículo. “Os carros usados para transporte pirata não são vistoriados e nem passam por inspeção de segurança.” Mesmo com tantos contras, muitos alunos da UnB usuários do transporte público não querem o fim dessa prática. “Acho que se viesse a fiscalização e pegasse todo mundo, muitos alunos iriam reclamar”, desabafa o universitário Felipe Sutano. “Não deveria ter, mas muitas vezes é um mal necessário.”


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Saúde

Símbolo de humanização Casa de Parto de São Sebastião tem sido cada vez mais procurada por mulheres que desejam partos sem intervenção médica Luiza Garonce Nara Menezes

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única casa de parto do Distrito Federal pode passar despercebida por quem transita pela Unidade Mista de Saúde de São Sebastião. Sem espaço próprio, a casa ocupa uma extremidade do prédio e esconde-se atrás de balcões e portas sem identificação formal. Quem chega ao local não imagina a estrutura acolhedora que recebe gestantes diariamente. Enfermeiras em uniformes coloridos com estampa infantil guiam mães até os quartos, identificados por nomes lúdicos como “brisa”. Amplos, limpos e equipados com utensílios que permitem às gestantes variar posições, eles oferecem conforto e liberdade de movimentos. Quadros com fotos de famílias atendidas na unidade revelam o tratamento diferenciado que receberam. A Casa de Parto de São Sebastião é a única unidade de saúde do DF onde todos os partos são humanizados. Inaugurada há 13 anos, a casa atua há mais de cinco exclusivamente com este tipo de parto. O motivo foi a transferência dos médicos obstetras para o Hospital Regional do Paranoá, em 2009. Com a saída deles, a equipe de profissionais passou a ser composta por enfermeiras obstetras e técnicas de enfermagem – atualmente 17 e 11, respectivamente –, que não podem realizar procedimentos cirúrgicos ou aplicar anestesias. Por esta razão, a Casa de Parto atende segundo critérios

específicos que indiquem gravidez de baixo risco. Nos dois primeiros anos após a evasão dos médicos, o número de atendimentos da Casa de Parto caiu de 382 para 221 e, posteriormente, para 174. A enfermeira Clarice Maciel afirma que difamações provocaram a queda na procura: “Havia médicos da rede pública que não recomendavam às gestantes que viessem para cá. Foi uma época em que sofremos muito, porque faziam as mulheres acreditar que não tínhamos competência para realizar partos normais.” De acordo com a Resolução nº 223 do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), enfermeiros obstetras são habilitados a realizar partos normais sem complicações. Por isso, somente são atendidas pela Casa de Parto mulheres que não estejam em gravidez de risco e que não precisem, a princípio, de intervenções para dar à luz. Cinco anos depois da saída dos médicos, a casa superou a fase de descrédito e obteve 95% de aumento no número de atendimentos. A unidade tem capacidade máxima para seis partos simultâneos e a média mensal chega próxima aos 50. A enfermeira afirma que a melhor propaganda tem sido o boca a boca. “Muitas mulheres vêm até a casa porque ouviram relatos de amigas que ficaram muito satisfeitas com o nosso atendimento”, relata. Enquanto moradoras de

Alannah Freitas

Enfermeira Clarice Maciel explica métodos para aliviar as dores das contrações: a imersão em água morna é uma das opções

São Sebastião e do Paranoá costumam ter seus filhos na Casa de Parto pela proximidade, gestantes de outras regiões do DF buscam a unidade pela humanização do parto. Este é o caso de Charlise Gasparotto, moradora do Lago Sul que descobriu o local enquanto pesquisava opções de atendimento que respeitassem seu desejo de parto. “A médica que estava acompanhando meu pré-natal era a favor do parto normal, mas disse que não o faria para não interferir

O QUE É PARTO HUMANIZADO? Apesar de ainda não haver consenso médico a respeito da definição de parto humanizado, em geral, costuma caracterizar-se como o parto normal com o menor número de intervenções tanto na mãe quanto no recém-nascido. “É uma mistura dos anseios da paciente com o conceito de humanização: acolhimento, respeito à mulher, ao tempo do corpo, às companhias que deseja, à alimentação e à movimentação”, explica a médica obstetra Rachel Reis. “É uma escolha consciente. A gestante é acompanhada desde o prénatal e elabora o plano de parto para declarar os cuidados que deseja receber e as intervenções que podem ser feitas”, afirma a enfermeira obstetra Kelly Cavalcante.


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Brasília, 23 de setembro a 6 de outubro de 2014 Gráfico: Walter Carlos

humanizado é reflexo das práticas obstétricas no Brasil, que tornaram patológico um evento natural. A administração de ocitocina sintética – hormônio que acelera o trabalho de parto – é comumente pedido por estas parturientes. Médica obstetra do HMIB, Rachel Reis conta que, como os partos hospitalares têm prazo limite para serem realizados, a ocitocina costuma ser aplicada mesmo quando não há necessidade, porque os leitos precisam ser desocupados. Na Casa de Parto, o respeito ao tempo biológico do nascimento garante que ele não seja antecipado indiscriminadamente. A aplicação do hormônio só é feita quando a dilatação não progride e começa a apresentar riscos. “Não há por que acelerar o processo quando a mãe e o bebê estão bem, mesmo em trabalhos de parto demorados”, explica Clarice. Silvéria dos Santos ressalta que o uso de tal medicação desrespeita o tempo que o corpo da mulher precisa para parir, especialmente na primeira gestação. “Esta mulher nunca pariu, este útero nunca se contraiu dessa forma, esta vagina nunca se expandiu a esse ponto. O corpo está aprendendo a responder a todas estas reações”, explica. PROCEDIMENTOS A entrega da autonomia da mulher às equipes médicas fez com que vários procedimentos invasivos virassem rotina, como a episiotomia – corte vaginal que visa facilitar a passagem do bebê. De acordo com a enfermeira obstetra Kelly Cavalcante, a intervenção é tratada como condição para partos normais quando, na maioria dos casos, é desnecessária. Na Casa de Parto, a episiotomia só é realizada quando a chance de laceração é muito grande ou quando não há espaço para a passagem do bebê. Mesmo assim, o consentimento

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nascimentos foram realizados na Casa de Parto de São Sebastião em 2013

da mulher é indispensável. “Na última vez que fiz episiotomia, o bebê era muito grande, pesava quatro quilos e quatrocentos gramas. A necessidade era clara”, relata Clarice. No parto de Charlise Gasparotto, o procedimento foi aplicado. Segundo ela, apesar de não desejar a episiotomia, confiou na explicação das enfermeiras acerca da necessidade. “Eu tive total segurança na equipe que me atendeu e, por isso, sei que nada foi feito sem que precisasse. Ninguém tentou apressar meu trabalho de parto e este apoio foi fundamental.” As possibilidades de intervenção no recém-nascido são ainda maiores e algumas delas podem trazer danos à saúde. O corte precoce do cordão umbilical aumenta a chance de anemia porque interrompe a última transmissão de ferro. A aspiração das vias respiratórias é outro procedimento comum em hospitais, apesar de ser frequentemente dispensável. Segundo a enfermeira Silvéria dos Santos, “as próprias contrações ajudam a expelir o muco das vias respiratórias, porque massageiam o corpo do bebê.” O colírio de prata também costuma ser aplicado em todos os bebês, mas o remédio é necessário somente em casos

de parto vaginal cuja mãe tenha gonorreia, doença causadora da conjuntivite neonatal. Como crítica aos protocolos hospitalares que mantêm tais procedimentos, a médica obstetra Brena Melo, associada à Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, desaprova a atitude de médicos que desconsideram o planejamento das gestantes por acreditar que elas ignoram as consequências de suas escolhas. Os únicos procedimentos obrigatórios da Casa de Parto são a injeção da vitamina K, para impedir hemorragias, a vacina BCG, contra tuberculose e o colírio de prata. Clarice afirma que não há como evitá-los, pois a casa responde à Secretaria de Saúde e, por isso, precisar seguir protocolo estabelecido pelo órgão. As mães que deram à luz na Casa de Parto sentemse satisfeitas com o atendimento. “Eu não só teria outro filho lá, como faria todo o meu prénatal na Unidade Mista de Saúde”, afirma Charlise. Grávida de seis meses do terceiro filho, o pré-natal de Eliane não apresentou nenhum risco e tudo indica que o parto será, mais uma vez, na casa.

Arte : Juliana Perissé

em sua agenda e me sugeriu que fosse ao prontosocorro quando estivesse em trabalho de parto”, relembra. Insegura por não mais contar com a profissional que tinha acompanhado sua gestação, Charlise encontrou na Casa de Parto a segurança que lhe faltava. Enfermeira obstetra e orientadora da Liga de Humanização do Parto e Nascimento da Universidade de Brasília, Silvéria dos Santos media um grupo de gestantes que se reúne no Hospital Universitário de Brasília (HUB) e sugere às participantes que visitem a Casa de Parto. Segundo ela, o atendimento diferenciado da casa costuma gerar maior satisfação nas mães, porque permite, por exemplo, a companhia de doulas – profissionais especializadas na assistência emocional durante o parto. Eliane Souza, moradora de São Sebastião, teve seu primeiro filho no Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB) e sofreu com descaso no atendimento: “Eu era menor de idade e não tive permissão para ninguém me acompanhar. Foi muito ruim ter um parto normal sozinha”. Na segunda gestação, Eliane fez o pré-natal na Unidade Mista de Saúde e optou por dar à luz na Casa de Parto, especialmente, após ouvir depoimentos positivos de mulheres que tiveram filhos lá. “É completamente diferente de um hospital. O atendimento é mais pessoalizado: eu recebi mais atenção, mais cuidados e me sentir à vontade”, relata sua experiência. Por outro lado, a casa recebe muitas mulheres carentes que têm pouca ou nenhuma informação sobre parto humanizado e, por isso, sentem falta das intervenções. “Elas estão acostumadas com o modelo de parto em que o médico intervém o tempo todo”, explica a enfermeira Clarice. Segundo ela, a reação das mulheres ao parto


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gastronomia

sustentABILIDADE À mESA Métodos simples fazem com que cozinheiros não desperdicem e sejam mais criteriosos na escolha de alimentos Tamara Montijo (texto e fotos)

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o campo ao prato de comida, do transporte à venda nas feiras e mercados, um terço dos alimentos produzidos no mundo é desperdiçado, segundo relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Esse número representa cerca de 1,3 bilhão de toneladas. Para evitar o consumo irresponsável e diminuir o desperdício, uma nova tendência está surgindo nos restaurantes de Brasília: a gastronomia sustentável. A sustentabilidade na cozinha é garantida com a utilização de alimentos de origem orgânica, ou seja, sem agrotóxicos. “A gastronomia sustentável se preocupa com a origem dos alimentos, com os resíduos gerados e com o reaproveitamento em alguns casos”, explica Luiz Gustavo Manso, dono do restaurante Bhumi, na 113 sul. Segundo a nutricionista Luana Damasceno Rincon, essa prática pode ser também muito benéfica para a saúde, já que grande parte das fibras e vitaminas se encontram na casca dos alimentos. “O legal é que, ao utilizar todo o alimento, além de evitar o desperdício, o produto não perde os seus nutrientes e isso é muito bom para o consumidor”, diz. Mas, ao contrário do que muitos pensam, o consumo de produtos orgânicos não está relacionado ao emagrecimento. De acordo com Luana, não são utilizados agrotóxicos no cultivo dos

Na cozinha

Práticas na cozinha do restaurante Bhumi foram preparadas para garantir a sustentabilidade

Além de utilizar alimentos orgânicos, a cozinha sustentável opta por frutas e verduras da estação e reduz o lixo produzido ao aproveitar o que os alimentos têm a oferecer e habitualmente é descartado, como cascas, talos e sementes.

alimentos orgânicos, o que ajuda a diminuir o inchaço. “Os agrotóxicos são substâncias lipossolúveis, difíceis de serem eliminadas pelo organismo e podem formar radicais livres, provocando o inchaço”, afirma.

O restaurante também comercializa produtos de origem orgânica, naturais, frutas e verduras da estação

dificuldades A manutenção de uma cozinha sustentável não é uma tarefa fácil. No caso específico de restaurantes, isso reflete em algumas mudanças na gestão, produção, logística e, por fim, nos cardápios das casas. Para o dono do restaurante Bhumi, a maior dificuldade é, sem dúvida, educar o consumidor quanto às práticas sustentáveis. “No começo foi muito difícil para nossos clientes entenderem que certos sucos não estão disponíveis o ano inteiro, pois nós damos preferência ao orgânico (que é sazonal)”, diz Manso. “Achar fornecedores de confiança também já foi um problema, mas hoje temos parcerias bem sólidas com nossos fornecedores. Inclusive nossa feirinha de orgânicos é em parceria com um sítio de orgânicos local.” Essas pequenas dificuldades podem acabar se refletindo no bolso do consumidor. A gastronomia sustentável pode impactar no preço final de um prato (no caso de utilizar ingredientes orgânicos), mas nem sempre isso acontece. Como afirma Manso, a sustentabilidade pode começar dentro da cozinha, nos processos utilizados, com foco na redução de resíduos e na geração de benefícios para o empresário sem alterar o preço final do prato: “mas claro que cabe o bom senso de que os orgânicos são mais caros por terem uma produção bem menor que os convencionais e precisarem de uma atenção especial em

seu cultivo. No fim, cabe ao consumidor a conscientização que saúde não tem preço. Do jeito que estamos indo [nada sustentável] não iremos muito longe”. O chef Sebastian Parsole acha que o valor pago a mais por uma alimentação sustentável não é nada perto dos benefícios causados ao meio ambiente e a saúde. “Os valores podem ser mais caros do ponto de vista econômico, mas muito mais baratos do ponto de vista ambiental e da saúde.”

Sugestões sustentáveis em brasília Restaurantes Bhumi

113 sul

DuoO

103 sul

Feiras Mercado orgânico

Ceasa (SIA) Aberto às segundas, quintas e sábados, pela manhã Feira do Apogeu

306 norte Aberta aos sábados, pela manhã Feira Orgânica 1

QL 6/8, Lago Sul Aberta às quartas, pela manhã Feira Orgânica 2

Quadra 703/4 sul Aberta aos sábados, pela manhã


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Comportamento

#Lookdodia

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caaarolmacedo Arte e foto: Eduardo Carvalho

Blogueiras do Instagram descobrem como ganhar dinheiro, produtos e serviços de lojas em Brasília Juliana Perissê

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s chamadas instablogueiras transformaram a rede social Instagram em um blog pessoal, em que postagens do dia a dia divulgam marcas de profissionais e estabelecimentos parceiros. Embora o contrato seja informal, algumas chegam a cobrar R$ 100 a cada dez minutos de postagem de divulgação “no ar”. Para fechar essas parcerias, as lojas de Brasília procuram, nas usuárias do Instagram, características como beleza, estilo, jovialidade e grande quantidade de seguidores. Em Taguatinga, a Make Esmalteria, inaugurada há três meses, recebeu três propostas de parcerias de instablogueiras. A dona da loja fechou com Carol Macêdo, 19, que conheceu por indicação. A blogueira do Instagram não paga pelos serviços da esmalteria, mas deve postar a foto das unhas e comparecer aos eventos da loja. O estabelecimento investe, mensalmente, cerca de R$ 150 com o custeio de serviços para instablogueira. Além da Make Esmalteria, Carol Macêdo mantém parceria fixa com outras cinco lojas de Brasília, com divulgações mensais no Instagram. Ela ganha em torno de R$ 2 mil, por mês, em produtos, de lojas de roupas, acessórios, doces e suplementação, e em serviços, de esmalteria, maquiadora e clínica de estética. Além das fixas, ela tem dez parcerias rotativas: as empresas entram em contato esporadicamente e mandam “presentes” para divulgação. Quando não pode ficar com o produto, ela cobra, aproximadamente, R$ 50 por postagem.

Para a pesquisadora associada do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da UnB Célia Ladeira, o que as instablogueiras chamam de presentes são produtos que, com a divulgação no Instagram, constituem merchandising. “Elas estão usando um lugar de fala para inserir um comercial.” A pesquisadora, coautora do artigo “O brasileiro no Instagram: uma identidade globalizada”, comenta que essa rede social, ao contrário do blog convencional, permite uma divulgação mais simples, rápida e direta. Para ela, as propagandas no Instagram exercem uma grande influência sobre as pessoas porque há publicidade de uma imagem social. “Essas meninas constroem sua identidade jovem e criam desejos nas pessoas. É uma publicidade de um gênero de vida jovem e de sucesso.” Samanta Bárbara Ribeiro , 21, seguidora da instablogueira Gabi Sampaio, 19, confirma: “Olhando essas meninas, além de ter uma noção maior de looks, a gente se espelha. Ninguém olha mais revista”. Carol Macêdo começou as divulgações há menos de um ano. Ela diz que o hobby traz benefícios pessoais e profissionais. “Eu ganho coisas que eu não teria como comprar, vou a eventos, conheço muitas pessoas e tenho, a cada dia, mais visibilidade.” Para ela, o Instagram ajuda na realização do sonho de ser modelo. Com mais de 23 mil seguidores, a brasiliense Marina Fontenelle, 21, já divulgou cerca de 20 lojas no seu Insta-

gram e ganha de duas a quatro peças de roupas por mês. Os estabelecimentos entram em contato, dão opções de roupas, ela escolhe as que prefere, eles enviam e ela posta. “Até tenho pensado em levar isso mais pra frente e buscar parcerias fixas, mas ainda estou vendo isso. É difícil de conciliar com a rotina diária atual.” A loja de moda feminina Flower Vip Store, no Lago Sul, é parceira de duas instablogueiras. Elas escolhem, por mês, até quatro looks e postam sem frequência definida. Com essa divulgação, a loja investe, mensalmente, cerca de R$ 2,5 mil. Segundo a proprietária Leandra Canuto, a divulgação na mídia digital, além de mais barata, traz mais resultados positivos. “Hoje em dia, as meninas têm dificuldades na composição de looks e, como as instablogueiras postam as combinações prontas, elas querem comprar o look completo.” Mais de 15 lojas entraram em contato com a instablogueira Gabi Sampaio. Para ela, é difícil estimar quanto ganha em produtos e serviços. “Tem mês que recebo produtos de R$ 600, por exemplo. As pessoas investem muito. Nem fico pensando nos preços.” Fora os mimos que recebe, Gabi Sampaio, com quase 40 mil seguidores, também costuma cobrar por postagem. “Às vezes, são R$ 600 para deixar a publicação ‘no ar’ por uma hora; em outras, R$ 200 por duas horas. Depende da loja.” Grávida de cinco meses, também já recebeu propostas de lojas que querem patrocinar o enxoval e o chá de fralda.

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Carol Macêdo divulga marcas para mais de 22 mil seguidores Curtir

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gabiisaampaio Juliana Perissê

500 curtidas Gabi Sampaio em inauguração de loja da qual é parceira Curtir

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Campus

FOTORREPORTAGEM

Carolyna Paiva

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Brasília, 23 de setembro a 6 de outubro de 2014

por trás do picadeiro

última semana do Hercley Circus na Candangolândia marca mais uma etapa de transição. O circo mudou. São 40 circenses. No entanto, antes de o show começar, a bailarina é caixa, o palhaço é recepcionista, o locutor dirige o carro de som e o DJ é panfleteiro. O circo mudou de lugar, mas também mudou de estrutura. Agora, são os artistas que pagam as contas, alugam espaços, fazem as compras, costuram, trabalham na bilheteria e promovem o circo. Da paixão à profissão, o dia a dia dos protagonistas varia entre a TV a cabo e internet – já instaladas no trailer –, as reformas, lavagens e cuidados dos cenários e a antiga tradição circense dos trapezistas, malabaristas e palhaços. Os ônibus e trailer são casas que mudam de lugar a cada mês. A dificuldade de conseguir novos locais, devido ao alto custo do aluguel e à burocracia, ainda deixa incerto o próximo destino. E, depois de cinco gerações, entre as incertezas e as mudanças do mundo, o futuro do circo é guiado por um sentimento unânime entre toda a arena: o amor.

Cleiber Portugal nasceu no circo. A nostalgia toma conta ao relembrar da juventude, quando domava animais. Aos 70 anos, exerce a função administrativa do Hercley Circus

Minutos antes do espetáculo, Leda Cereja começa a se arrumar. A maquiagem tem de ser diferente todos os dias: o espetáculo tem de continuar

“O preço do gás está quase R$ 50”, reclama a ex-trapezista e uma das proprietárias, Marlene Portugal. No circo, a vida não é diferente: é preciso se virar. Cada casa móvel faz sua própria comida e luta diariamente para se manter

Parece uma casa de bonecas, mas Daniele Romero, trapezista, e Juliana Portugal, acrobata, vivem no mundo real. “Nosso dia a dia é comum: acordamos cedo, assistimos TV e vamos às compras”, relata Juliana

O circo mudou. As várias cadeiras vazias transformaram o cenário circense, que só se sustenta hoje pelo amor e o respeito dos artistas


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