CAMPUS
BRASÍLIA, OUTUBRO DE 2019
NÚMERO 450, ANO 49
Investimento vira carcaça O Campus busca os 131 quiosques comprados para a Polícia Militar e só encontra 40 em uso. Abandono e depredação geram prejuízo de R$ 20,7 milhões
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CARTA AO LEITOR Em suas quase cinco décadas de existência, o Campus destacou, com frequência, denúncias de problemas sociais, desvios de condutas ou recursos e desperdícios. Nesta edição, o jornal mostra em manchete o caso do abandono de postos de segurança comunitários, que tanto envolve questões sociais como má gestão de recursos públicos. Outra retomada desta edição é o encarte. Em quatro páginas, o Campus aprofunda a questão de refeições coletivas e também de alimentos alternativos.
EXPEDIENTE
As demais matérias apresentam um leque tão grande que vão de práticas milenares até temas muito recentes. A meditação, agora servindo para crianças, e o crochê, em um uso terapêutico, aparecem nas páginas do jornal.
Jornal-laboratório Faculdade de Comunicação Universidade de Brasília (UnB)
Também está aqui uma polêmica sobre o uso do atualíssimo twitter: autoridades podem ou não bloquear seguidores? E o longevo futebol, cada vez mais em pés femininos, caracteriza a incursão do jornal pelo esporte. Boa leitura.
CAMPUS Jornal-laboratório Faculdade de Comunicação Universidade de Brasília (UnB)
CAMPUS
EXPEDIENTE
Professor Solano Nascimento Jornalista José Luiz Silva
OMBUDSKVINNA* *A “provedora de justiça”, profissional que discute a produção dos jornalistas pela perspectiva do leitor.
Thallita Alves
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MEMÓRIA
no texto e o que a disposição de altura que a imagem das jogadoras mostra. Indígenas conectados aponta um movimento para contar a própria história, a necessidade de autorrepresentação e preservação da identidade cultural de um povo. A pauta tem grande apelo, é um assunto que devidamente comunicado reforça a função do jornalismo em dar voz a todos, colocar em xeque preconceitos, sair do óbvio que muitas vezes são as fontes oficiais e dar o devido espaço de fala para quem precisa ser representado. A presença plural dos indígenas no espaço digital é uma novidade que a matéria bem construída apresenta para quebrar os prejulgamentos. Tecnologia, esporte, parceria entre universidade e mercado de trabalho é o que encontramos em Drone-gandula. A matéria é rica em descrição sobre a produção e materiais, desperta o interesse por conhecer o laboratório e tem uma narrativa bem estabelecida com a apuração feita. Encontro marcado é uma combinação entre pauta de serviço e cultura. A torre de TV é um ponto de encontro aberto para pessoas, comércio, alimentação e estilos culturais. É uma leitura agradável, mas poderia ter a declaração de outros públicos que frequentam o espaço.
Diagramação Andreia Morais Supervisão de diagramação Professora Suzana Guedes Impressão Gráfica Coronário Tiragem 3.000 Contato nascimento@unb.br
CAPA Crédito: Talita Souza
jornal contou, na última edição, com uma marcação explícita por editorias, diferente dos três últimos anos, e ao mesmo tempo retomando uma organização presente desde os primórdios do jornalismo. O Campus está bastante diversificado, com temáticas de interesse da universidade, em sua maioria com olhar atento, mas faz falta a perspectiva mais investigativa e de denúncias entre os temas. A veia empreendedora e de economia alternativa continua presente na temática do Campus. A matéria Cotidiano das marmitas apresenta variedade de fontes, aponta a venda de marmitas como a solução para muitos que ficaram desempregados, também destaca o outro lado, com o desgosto dos comerciantes que têm espaço fixo na universidade. A adesão dos estudantes torna o negócio ainda mais promissor e deixa a reflexão sobre os impactos positivos e negativos da regularização para o custo de novos negócios na UnB. Pautas sobre mulheres e protagonismo feminino são praticamente uma marca do Campus e fica evidente em Mulheres do Vale e Da rua para a olimpíada, que une a luta feminina com a religião e a dedicação de mulheres ao basquete. Da rua para a olimpíada é dinâmica e atrativa, mas apresenta uma incoerência entre a altura das atletas descrita
Reportagem, edição e fotografia Ana Isabel Mansur, Andressa Reis, Flávia Said, Gabriel Escobar, Gustavo França, Naum Jiló, Talita de Souza, Úrsula Barbosa e Ygor Wolf
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m fevereiro de 2013, na edição 393, a matéria que se destacou no Campus foi a respeito da segurança alimentar. O foco era a qualidade da carne vendida no Distrito Federal: em 2012 a Secretaria de Agricultura calculou que, das 50 toneladas produzidas no DF, 33 eram clandestinas. A reportagem lembrava que carne clandestina não é sinônimo de carne estragada e apontava cuidados básicos para evitar contaminação, como, por exemplo, procurar os selos do Serviço de Inspeção Federal (SIF) que garante a certificação de origem. A carne pode estar aparentemente sadia, mas o animal não ter recebido vacinas que evitam doenças como raiva e tuberculose. No Brasil todo ano são registrados diversos tipos de doenças transmitidas em alimentos. Nesta edição, a alimentação é mais uma vez discutida no Campus, porém de um ponto de vista positivo.
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Crédito: Vinicius Vinhal
POLÍTICA
Este @ bloqueou você Autoridades públicas barram seguidores no Twitter gerando questionamentos jurídicos sobre liberdade de expressão, transparência e privacidade FLÁVIA SAID
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o acessar o Twitter em 21 de agosto, o auditor externo José Paiva (@josepaivajr_) descobriu que havia sido bloqueado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (@jairbolsonaro). Crítico contumaz do governo, Paiva compartilhou a cópia da página de bloqueio como reconhecimento de seu papel de antagonista. Apesar de inusitado, o bloqueio não é incomum. O engenheiro aeronáutico Luiz Guilherme Prado (@luizguiprado) foi bloqueado não apenas pelo presidente, mas igualmente pelos filhos Eduardo, Flávio e Carlos e pelo ministro da Educação. Prado alega ter questionado posicionamentos das autoridades de forma respeitosa e avalia que os bloqueios o deixam alijado do debate. “Sinto que muitas vezes tenho questionamentos importantes e acabo não conseguindo fazer”, diz ele. Os dois se somam a um número impreciso de usuários bloqueados por autoridades públicas no Brasil e no mundo. Criado em 2006, o microblog tem mais de 500 milhões de pessoas registradas em 2019 e desempenha papel central na comunicação política de muitos governos, tendo se tornado um canal direto de comunicação entre representantes e cidadãos e sido explorado como mecanismo de propaganda e prestação de contas. A ferramenta de bloqueio impede que um usuário possa comentar e compartilhar informações disponíveis no perfil. Em dezembro de 2018, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) bloqueou o jornalista do The Intercep t Leandro Demori (@ demori). ”Pode o presidente eleito do país bloquear um jornalista? Justamente no meio onde ele promete prestar contas à população?”, questionou Demori via Twitter, lançando uma dúvida que especialistas e juristas ainda não são capazes de responder. O Brasil é o segundo colocado em número de usuários no Twitter no mundo, com 41 milhões de perfis, atrás apenas dos Estados Unidos. Com mais de 5 milhões de seguidores, o terceiro presidente brasileiro no exercício do cargo a utilizar o Twitter — depois de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) — demonstra estar ciente da importância dessa rede social. Adepto do Twitter desde que era deputado federal, Bolsonaro utilizou seu perfil na época da transição de governo como uma espécie de Diário Oficial da União, onde divulgava, quase sempre em primeira mão, os nomes dos indicados para compor seu ministério. Segundo levantamento do Campus, dos 22 ministros do governo, 16 seguem a mesma diretriz presidencial e possuem perfil verificado na rede, selo que atesta a legitimidade da conta.
Bolsonaro se espelha no presidente americano, Donald Trump (@realDonaldTrump), para interagir com o público, anunciar medidas, criticar a mídia e rebater detratores. Em transmissão ao vivo, Bolsonaro comentou sua maneira de lidar com críticos. “Se baixar o nível, eu bloqueio”, justificou ele, dizendo ser obrigado a banir alguns usuários pela maneira desrespeitosa como se comportam. O Observatório do Clima (@obsclima), rede de organizações não-governamentais que discute temas ligados às mudanças climáticas, também entrou na leva dos bloqueados pelo alto escalão do governo. Em fevereiro, o perfil da organização sofreu bloqueio do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (@rsallesmma). À revista Época, Salles disse que o perfil do Observatório estaria “tumultuando, ao invés de debater” e seguiu bloqueando organizações e ambientalistas. No caso do deputado distrital Leandro Grass (@leandrograss), da Rede, o bloqueio do ministro da Educação, Abraham Weintraub (@ abrahamweint), veio depois de o político ter feito críticas aos cortes na pasta. “Isso é ruim para o diálogo institucional, para o próprio esclarecimento acerca das decisões do ministério e para nossa avaliação do governo”, comenta. Para Grass, o bloqueio dificulta o acesso à informação, diminui o potencial de transparência e prejudica a relação de diálogo. “É preciso ouvir críticos, faz parte, se não, vira regime totalitário”, pondera. Z ona cinzent a Para Creomar de Souza, professor da Universidade Católica de Brasília e fundador da D harm a P o litical R isk and S trateg y, políticos bloqueiam cidadãos que os criticam como forma de autopreservação e por temerem linchamento virtual. Souza acredita estar em curso um processo de aprendizagem. “Creio que o mundo digital é um espaço de inovação que pode gerar melhoria na qualidade das políticas públicas”, avalia. “A questão fundamental é saber o que a sociedade quer desse espaço.” Em 2018, após provocação do K nig ht First A m end m ent Institute, a juíza americana Naomi Reice considerou que o bloqueio imposto pelo presidente Donald Trump a seguidores no Twitter atenta contra a Primeira Emenda da Constituição americana, relativa à liberdade de expressão. Como a justiça brasileira vai arbitrar esses casos ainda está no campo das apostas. Alguns juristas defendem que quando se trata de uma conta pessoal, a autoridade tem resguardado o direito à privacidade. Além disso, ofensas podem
ser utilizadas como justificativa para o bloqueio, dado que a liberdade de expressão é limitada. Por outro lado, uma ação pioneira no Brasil entende que o bloqueio de seguidores fere a Constituição Federal. Após ser bloqueada pelo ministro da Educação, a professora e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) Debora Diniz judicializou o caso. Em julho, um grupo de advogadas entrou com um mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para questionar a restrição imposta pelo ministro Weintraub. Segundo Ladyane Souza, uma das advogadas do caso, o bloqueio é “seletivo” e pode ser enquadrado como censura. As advogadas sustentam que o ato é coercitivo e viola o direito ao acesso à informação e à liberdade de expressão. Elas alegam que o ministro agiu de maneira discriminatória ao restringir o acesso ao conteúdo publicado em sua conta por incompatibilidade político-ideológica. Também embasa a argumentação um código de conduta de servidores públicos que define o princípio da integral dedicação ao cargo, segundo o qual as atribuições do cargo ou função pública precedem todas as outras atividades. Assim sendo, funcionários da alta administração não podem renunciar à função. Os ministros do STJ terão que se posicionar sobre o caso específico em plenário, em data ainda não definida. “São questões novas, que envolvem adaptação à era digital”, afirma Ladyane, para quem uma discussão favorável já é capaz de abrir precedentes para outros casos. Weintraub ainda não se pronunciou nos autos, mas em julho postou a seguinte mensagem em seu perfil: “Meu Twitter, minhas regras! Fui informado que há uma comunistinha querendo que eu a desbloqueie. Regras para ter acesso: não pode ser comunistinha e chato ao mesmo tempo”, disse. Na opinião de Claudio Angelo, do Observatório do Clima, há uma zona jurídica cinzenta em casos como o do bloqueio imposto pelo ministro do Meio Ambiente pois, embora a biografia do perfil identifique o usuário como ministro de um órgão federal, trata-se de um perfil pessoal que não é tocado pela comunicação do ministério. Para o analista Creomar de Souza, é um dilema que vai gerar uma bola dividida muito complexa para juízes. Não estão claras as fronteiras entre privacidade e vida pública no Twitter, nem o uso, por autoridades, de contas pessoais. Procuradas, as assessorias de comunicação da Presidência da República e dos ministérios da Educação e do Meio Ambiente não responderam à reportagem até o fechamento desta edição. C
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CIDADE
Cemitério de desperdício Dos 131 quiosques adquiridos para o policiamento comunitário da PM, só 18 estão sendo usados pela corporação ANDRESSA REIS TALITA DE SOUZA
Op iniõ es d ist int as
“A sensação de segurança acaba se tornando segurança de fato e, portanto, a presença de um posto físico seria ideal, desde que o governo conseguisse mantê-lo com todo o aparato necessário como, por exemplo, efetivo policial e equipamentos de monitoramento”, diz Hott. “Teria sido muito importante não ter falhado com esses PCSs.” C
Crédito: Talita de Souza
Para Neuda Ferreira Moreno, 59 anos, a retirada do PCS da quadra em que mora na QR 313 em Samambaia Sul agravou uma situação que já era ruim: assaltos, depredação da praça da quadra e falta de auxílio à comunidade eram rotina mesmo com a presença dos policiais. Neuda afirma que, ainda assim, o posto faz falta e foi retirado sem aviso prévio nem substituição por policiais nas ruas. “Não tem policial nenhum que passa por aqui e quando precisamos ninguém chama a polícia. Acho que a gente tem medo. É triste. O postinho não servia para nada, mas parece que sem ele ficou bem pior. Parecia que tinha mais segurança, mas pensando bem não tinha, era só algo que aparentava. Agora, nem isso”, diz. Já na QR 112 de Samambaia Sul, apenas a algumas quadras da casa de Neuda, a realidade é bem diferente. Localizado ao lado da estação Samambaia Sul do Metrô, o PCS 042 permanece na quadra por pedido da própria comunidade. “Há uns três meses, a PM veio tirar o posto e nós nos juntamos e fizemos um cordão humano em volta dele para impedir. Esse posto aqui funciona muito, e a gente se sente muito mais seguro”, conta Marcos Lima, 35 anos, proprietário de um sacolão localizado em frente ao PCS.
Após a tentativa de retirada, os moradores da quadra se reuniram e reformaram o posto, pintaram a estrutura com as cores da Polícia Militar e plantaram árvores nas laterais. Para a população, a ação é um agradecimento pelo bom trabalho prestado à comunidade. “Sempre temos policiais aqui e nas redondezas. Estes dias um menino assaltou uma pessoa perto do Metrô e tentou fugir, os policiais correram atrás dele e o pegaram. Eles sempre estão em alerta”, afirma Josiane Cordeiro, 36, funcionária de uma loja de castanhas perto do posto. Apesar do relato da população, na hora em que a reportagem esteve no local o posto estava trancado. Segundo Marcos, isso ocorre quando os policiais precisam atender a uma ocorrência. Outros PCSs que ainda estão nos locais que foram instalados têm tido usos distintos. Na quadra 105 do Sudoeste, o posto sem porta e vandalizado serve de banheiro para moradores de rua. Nas quadras QE 38 e QE 40 do Guará 2, os PCSs foram desativados após serem incendiados. O mesmo ocorreu na Vila Telebrasília, perto do final da Asa Sul. No SIA, uma estrutura foi depredada: além de abandonado, o quiosque está pichado e com os vidros quebrados. Segundo a PMDF, não há planos de revitalização para os PCSs destruídos. Como nova estratégia em segurança pública, as estruturas estão sendo substituídas por viaturas e bases móveis, para aumentar a agilidade no atendimento policial e expandir a área de ação das equipes. A corporação afirma que a nova forma de atuação da PM já está em funcionamento. Para o pesquisador e especialista em segurança pública Júlio Hott, professor do UniCeub, essa nova forma de policiamento tende a apresentar uma série de falhas. “Embora tenha a vantagem da mobilidade, esse tipo de estratégia de segurança cria lacunas, um intervalo entre um deslocamento e outro, momentos que facilitam a ação dos criminosos”, explica. Segundo ele, estudos recentes apontam que a segurança pública consiste em sensação de segurança. Por isso, o especialista alerta que o ideal seria ter um plano de metas em segurança pública para serem aplicadas independente da gestão, e não estratégias baseadas em plataformas políticas passageiras.
Crédito: Talita de Souza
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céu aberto e envoltas em grama alta, cerca de 10 estruturas de Postos Comunitários de Segurança (PCSs)- aquelas espécies de quiosques ovais nas cores verde e branco - se degradam lentamente após serem descartadas a esmo em um terreno ao lado da Policlínica da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), no Setor Policial Sul. Quem passa pelo local e vê pedaços de ferros enferrujados e queimados pode não reconhecer que aqueles objetos ostentaram, em 2008, a bandeira de segurança pública do Governo do Distrito Federal. Onze anos depois, levantamento do Campus mostra que dos 131 postos espalhados pelo DF apenas 40 estão sendo utilizados, sendo 18 pela PM e 22 por outras pastas. Cada posto custou, à época, entre R$ 100 mil e R$ 150 mil. De acordo com o GDF, todo o processo de implantação envolveu R$ 18 milhões. Em valores atualizados pela inflação, os 91 quiosques vandalizados e abandonados implicam um prejuízo de R$ 20,7 milhões aos cofres públicos. Quando houve a implantação das estruturas, no governo de José Roberto Arruda, eleito pelo DEM, a justificativa do GDF era que elas serviriam para aproximar a comunidade da polícia e auxiliar no combate à criminalidade nas Regiões Administrativas. Mesmo mantendo inicialmente esse discurso, gestões seguintes acabaram abandonando as estruturas aos poucos. Em 2016, durante a gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB), foi tomada a decisão definitiva de desativar os postos após o registro de uma série de incêndios e episódios de vandalismos nos quiosques. Segundo informações da própria PMDF, 38 unidades foram transferidas a secretarias e somente 18 continuam como PCSs.
A maioria dos postos comunitários da PM acabou depredada, incendiada ou serviu de abrigo ou banheiro para moradores de rua
Neuda Moreno mostra o local em Samambaia onde havia um quiosque. Para ela, a situação era
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Apressado come só
Projeto promove refeições colaborativas em que os participantes se envolvem em todas as etapas do preparo do alimento ANA ISABEL MANSUR
Diga-me com quem cozinhas
Isabela (à direita) acredita que o respeito aos ciclos da alimentação vem do conhecimento dos processos envolvidos
defendemos fortemente são a cultura brasileira e os alimentos orgânicos.” Sarah Maria Cruz participou da segunda edição e saiu com a impressão de que todo mundo pode cozinhar. “Se não souber fazer, alguém ensina. São pessoas comuns que se reuniram para entender que alimento é preparo, troca e diálogo. É quase terapêutico. Depois, é só aproveitar tudo que foi produzido”, conta. Para ela, a conversa entre experiências que o projeto propõe vai desde valorizar a produção local até conhecer mais a origem do prato em questão. “Os alimentos vêm de produtores da região. Dentro disso, tem muito a ser aprendido. A ideia é trocar laços.” A última edição do projeto, como galinhada como prato principal, foi praticamente composta apenas de alimentos orgânicos, de oito produtores locais. Se a defesa dos produtos livres de agrotóxicos era um dos pratos principais d’O Alimento Une, não fortalecer a agricultura local e familiar e não colocá-la no centro da mesa de discussões do projeto seria incoerente. Nasceu, então, o primeiro filho: o Coletivo Contato, uma websérie documental, em que cada episódio gira em torno de um produtor local de alimentos orgânicos. Com o objetivo de aproximar quem produz de quem consome, o projeto dentro do projeto pretende desmistificar a ideia de que a alimentação orgânica é inacessível. O coletivo acredita que a defesa da produção orgânica, para além de um rótulo publicitário, carrega a importância de reconhecer os impactos sociais, econômicos e ambientais que as escolhas alimentares têm. O segundo filho ainda está na fase gestacional. Trata-se do Santuária, um café-bar para agrupar as ações propostas pelos projetos e ser um polo irradiador de ideias: haverá feira de alimentos orgânicos e rodas de conversa, além de outros itens do cardápio. Ainda sem data de inauguração definida e concentrando boa parte dos esforços da equipe, o Santuária cozinha o próximo encontro d’O Alimento Une em banho-maria. Até lá, para forrar a barriga, é possível acompanhar o projeto pelo Instagram (@oalimentoune). C
Crédito: Lucas Orsini/divulgação
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Como o projeto é colaborativo e não submete os envolvidos a nenhum tipo de pressão, não há periodicidade fixa para as edições. O segundo encontro ocorreu em janeiro deste ano, e o terceiro, em abril. A equipe que hoje forma O Alimento Une nasceu entre a primeira e a segunda edições, de forma natural e orgânica, como era de se esperar. Além de Isabela, fazem parte do projeto outras onze pessoas, entre fotógrafo, filmmakers, produtores, editores, decorador e organizadores. Fernanda Calaça, artista plástica, foi responsável, entre outras várias coisas, por costurar, um por um, os panos de prato de algodão cru que foram vendidos como lembrança para os participantes da terceira edição, para ajudar a cobrir os custos das refeições. Fernanda reconhece que os objetivos d’O Alimento Une agora fazem parte de seu dia-a-dia. “É um despertar de consciência, olhar com mais carinho para a comida e para aqueles que a produzem. É saber, de fato, do que estamos nos alimentando e quem nos alimenta”, reflete. As refeições dos encontros não seguem nenhum modelo de restrições. Ghabriel Coelho, um dos filmmakers da equipe, acredita que o paradigma do consumo de carne para pessoas do campo é diferente daquele que quem mora na cidade tem. “É outra relação. Elas criam o animal que vão consumir, aproveitando praticamente todas as partes dele. Na cidade, para comer 20 filés, por exemplo, é preciso matar 20 bois. É um consumo absurdo. Eu compro um pedaço em uma bandeja hoje, amanhã eu pego mais um e assim por diante”, argumenta. “Um produtor, por exemplo, mata um leitão que vai durar três meses alimentando uma família de 12 pessoas. Existem formas decentes de consumir produtos de origem animal, principalmente em populações tradicionais e do campo. Não é o consumo, em si, que concentra o problema. É o formato.” Isabela explica que o projeto não defende o vegetarianismo, o veganismo ou o “como carne mesmo”. “Defendemos a comida brasileira. Tem muita comida do Brasil que é vegetariana, mas, antes, é brasileira.” De fato, a segunda edição teve como atração principal a feijoada, cuja versão de Pernambuco é feita apenas com legumes. “Fizemos a feijoada carioca e a pernambucana, que já não tem carne por si só, não por querer ser vegetariana. Eu acho que isso inclui mais as pessoas, que vão sem a preconcepção ‘natureba”, defende a jovem. “Estamos falando sobre comida brasileira, não de um padrão ou outro. As únicas coisas que
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howbiz. É assim que Isabela Marconi, idealizadora e criadora do projeto O Alimento Une, define o universo da cozinha televisiva. “Tem toda uma espetacularização de que é preciso ter avental, roupas e facas específicas, muito por conta dos programas de TV.” Ela, que é formada em direito e em gastronomia, já tinha o costume de cozinhar para amigos. “Alguém sempre dizia ‘como eu não sou da cozinha e não sei o que fazer, não vou ficar aqui’, mas no fim todo mundo ficava na cozinha, mesmo que mais ninguém cozinhasse.” O momento de preparação de alimentos não diz respeito apenas ao caráter nutritivo. O ato de comer envolve também relações pessoais, sociais e culturais. No caso dos hábitos brasileiros, as heranças alimentares indígena, africana e portuguesa manifestam o fator social da refeição dentro do prato: reunião de misturas. Arroz com feijão, feijoada, moqueca, galinhada, cozidos, viradinhos, farofa. No Brasil, comer é estar junto. Foi juntando a tradição e os questionamentos que Isabela, em setembro do ano passado, se motivou para dar caldo ao sonho de reunir pessoas para cozinhar, aprender, entender e comer juntas. A primeira edição atraiu 56 pessoas, entre amigos e conhecidos, em torno da moqueca. “Não foi nada ensaiado nem combinado, como a maioria dos eventos é. A mãe de uma amiga ofereceu a casa, outros amigos filmaram e fotografaram. Outra começou a pensar em um nome e me perguntou por que eu estava fazendo aquilo tudo. Eu disse que o alimento precisa unir as pessoas. Daí veio o nome.” Isabela defende que os ciclos da alimentação sejam compreendidos pelas pessoas. “Não é só sentar, comer e consumir uma entrada, prato principal e sobremesa. Aí você não tem uma experiência nem é levado a entender o mundo da alimentação, que não é só o prato que está na sua frente, mas envolve todo um processo de produção, desde o produtor até a política produtiva.”
As refeições do projeto reúnem pessoas das mais variadas faixas etárias e gostos alimentícios
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Cafés comunitários se espalham no DF YGOR WOLF
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luz do sol se estende entre os vários troncos de árvores, a grama se encontra seca e o vento é típico de uma manhã de seca no estacionamento 4 do Parque da Cidade Sarah Kubitschek. Cleo Almeida, de 45 anos, chega ao local e inicia os preparativos decorando a mesa com toalhas coloridas e arranjos de rosas e girassóis. Aos poucos, outras pessoas começam surgir. Aparecem balões, plantas e bandeirinhas, e o lugar fica mais colorido. Das bolsas saem diversos alimentos e bebidas: bolos, pães e broas. Desconhecidos que passam por ali, seja fazendo uma caminhada ou passeando com os filhos, olham, desconfiam e se perguntam sobre o que está acontecendo. Eis que são convidados a se juntarem ao grupo para comer e conversar. Cleo, que trabalha com eventos e é coordenadora do grupo Espalhando Amor DF, montou o chamado “café do bem”. O intuito é juntar o máximo de pessoas possíveis para trocar ideias e compartilhar histórias do dia a dia e do voluntariado. O segundo encontro do ano, realizado naquela manhã do sábado 17 de
agosto, reuniu cerca de 25 pessoas. Pintura de rosto e jogos fizeram a diversão de crianças e adolescentes que passaram por lá. Já os mais velhos aproveitaram o tempo para bater papo e descansar. Essa prática tem o nome de café comunitário e é definida como uma reunião para diálogos entre organizações comunitárias, gestores públicos e organizações não governamentais. Grupos de voluntários têm realizado diversos eventos nesse estilo na capital federal. A paraibana Cléo, que chegou a Brasília há 13 anos, conta que, por já realizar trabalhos deste segmento em seu estado natal, montar um grupo de voluntários aqui foi algo simples. “Sempre fiz esse trabalho, mas era usando o meu nome mesmo, só que sempre tive uma turma que me ajuda, então fizemos o grupo, e aos poucos estou tirando meu nome dos eventos e deixando só o nome do grupo. É uma forma democrática de dizer que todos fazem a diferença.” Três edições do café são realizadas durante o ano. A última em 2019 está prevista para novembro. “Sugiro a data no grupo de ‘zap’ e já come-
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A placa dá as boas vindas àqueles que passam em frente ao café do bem
Crédito: Ygor Wolf
çamos a nos mobilizar, pois é tudo voluntário: a decoração e os comes e bebes”, explica Cléo. Café e música Outro projeto que explora a prática da refeição comunitária é o Café com Samba, que faz parte das atividades culturais na Torre de TV. Trata-se de uma associação sem fins lucrativos que nasceu em agosto de 2015 com o objetivo declarado de propagar alegria e cultura, levando junto a mensagem de inclusão e responsabilidade social. A roda mensal do Café com Samba na Torre de TV atrai quem quer ouvir samba, dançar ou tocar um instrumento, seja músico profissional, amador ou aprendiz. O evento de samba com café compartilhado ocorre todo segundo sábado do mês, a partir das 9h da manhã. A jornalista Dorivânia Ribeira, de 49 anos, diz que é a melhor roda de samba de Brasília. “Você pode curtir o samba, levar uma cerveja e ainda saborear um delicioso acarajé ou comidas típicas do Norte e Nordeste por aqui”, comenta. Café e ação social O Projeto Ame-os surgiu com o propósito de levar afeto às pessoas em situação de vulnerabilidade social. Nos fins de semana, o projeto
trabalha com palestras, ações, e atividades religiosas com crianças, adolescentes e mulheres da comunidade Santa Luzia, na Cidade Estrutural, uma das regiões administrativas mais carentes no Distrito Federal. Gabriela Lucio, de 24 anos, é uma das organizadoras do projeto e relata que o espaço utilizado pela equipe é cedido por uma creche. Há sempre cafés ou lanches comunitários. No último fim de semana do mês de agosto, a equipe do projeto realizou uma tarde de atividades e brincadeiras com as crianças da comunidade. Para a comunicadora organizacional Fernanda Bastos, de 24 anos, participar do projeto foi uma das coisas mais incríveis que ela pôde fazer em Brasília. “Descobri uma realidade que não acreditava existir na cidade e a tão poucos minutos de distância do centro do Poder Executivo da capital. Ajudar essas pessoas, nem que seja por uma tarde, com um lanche, simboliza pelo menos um dia feliz em suas vidas, no qual não precisam pensar em como irão alimentar os filhos ou se alimentar”, relata emocionada. “Acredito que os cafés comunitários são um sopro de felicidade para essas pessoas. Uma alegria momentânea, para esquecerem pelo menos por uma tarde os problemas que assolam todo dia seu cotidiano.” C
Pães, bolos e biscoitos são compartilhados com todos no segundo café comunitário da Espalhando Amor DF
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O não convencional no prato Plantas como capuchinha, coentrão e chaya chegam a menus e feiras de Brasília NAUM GILÓ
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Pesto feito com coentrão e coentrão fresco no estande de produtos orgânicos provenientes da FAL
Peixinho-da-horta: empanada e frita, a folha tem gosto muito semelhante ao de peixe.
Crédito fotos: Naum Giló
Chaya: é recomendada a desidratação para a eliminação do ácido hidro cianídrico
s plantas alimentícias não convencionais (Panc) são espécies vegetais que podem servir como alimento, mas que normalmente são descartadas ou subutilizadas pelos consumidores. Na lavoura, são mais resistentes que as plantas mais tradicionais: não precisam de agrotóxico e têm uma menor necessidade de irrigação. Em Brasília, estão se espalhando por hortas, agroflorestas e chegando a feiras. Na Fazenda Água Limpa (FAL), localizada no Núcleo Rural Vargem Bonita e pertencente à UnB, plantas alimentícias não convencionais convivem lado a lado com hortaliças comuns. Num rápido passeio pelos canteiros da horta, é possível encontrar espécies como coentrão, capuchinha, peixinho-da-horta e vinagreira. Apesar de serem pouco conhecidas, todas elas podem servir como alimento. “Não tem como falar de diversidade alimentícia sem falar das Panc. As espécies tradicionais são poucas comparadas à quantidade de possibilidades que existe”, explica Alexandre Nogales, agrônomo formado na UnB e um dos responsáveis pela agrofloresta da FAL, onde hortaliças são cultivadas junto a árvores. Ele também conta que há Panc cujos ciclos de colheita são mais curtos que os das plantas tradicionais, o que pode ser uma alternativa rentável para o agricultor. “Dá para colher a capuchinha diariamente. As flores são comestíveis e as folhas podem substituir a rúcula”, exemplifica. Matheus Saad também é formado em agronomia na UnB e é parceiro de Alexandre na lida com as mais de 100 espécies cultivadas na agrofloresta da FAL. Formado em 2017, ele diz que a diversidade de plantas na horta evita superpopulações de insetos. “Se um inseto que come folha de milho chegar a uma lavoura monocultora, ele vai se reproduzir muito”, exemplifica. Além do trabalho direto com a terra, Matheus também cuida da feirinha onde os produtos da agrofloresta são postos à venda, na CLN 315, na Asa Norte. O estande de produtos orgânicos é montado aos sábados e tem um cantinho reservado apenas para as Panc. Uma das freguesas é Maria de Lourdes Simas Fernandes, chef formada pelo The French Culinary Institute, de Nova York (EUA). As plantas alimentícias não convencionais não só fazem parte da alimentação de Lourdes como também estão presentes em menus feitos por ela. A chaya, por exemplo, ela põe no forno e tempera com pimenta de macaco, típica da comunidade quilombola Kalunga, da Chapada dos Veadeiros. No pesto, ela usa o coentrão no lugar do manjericão. “O coentrão ficou um mês na minha geladeira e não murchou. As Panc não são resistentes apenas no solo”, conta Lourdes. Da capuchinha, ela diz que come tudo: folha, flor, talo e broto. Do coração da banana também são feitos pratos. Um deles é a caponata de mangará, outro nome dado para a parte final da inflorescência da bananeira. “Cozinho em duas ou três águas para tirar o amargor. Depois levo ao
Matheus Saad e Alexandre Nogales na agrofloresta da FAL
forno com cebola, tomate, azeite, alho e tomilho”, detalha. Maria de Lourdes trabalha com a divulgação da utilidade e da aplicação das Panc na cozinha do dia a dia em casa e em restaurantes, ministrando oficinas de culinária no Lago Sul. “Queremos ensinar a reconhecer as Panc, mostrar a capacidade de diversificação e o potencial das plantas não convencionais”, explica Lourdes, que tem como parceiras nas oficinas uma engenheira florestal e uma nutricionista. “A valorização da agricultura plural e da agroecologia estão na base da nossa filosofia, que busca aumentar a diversidade no prato, além de estimular o plantio diverso que contribui para a saúde do solo”, completa. Há 10 anos O interesse de Maria de Lourdes pelas plantas alimentícias não convencionais começou em 2009, quando ela conheceu Valdely Kinupp em um congresso acadêmico. Kinupp é biólogo e assina, ao lado de Harri Lorenzi, o livro Plantas Alimentícias não Convencionais (PANC) no Brasil, considerado uma bíblia sobre do assunto. Na obra, são catalogadas cerca de 350 espécies de Pancs e há receitas culinárias que as usam como ingrediente. “O que nós precisamos é de uma alimentação eclética, variada, sazonal, mais regional, fresca e sem agrotóxico”, decreta Valdely, que é o inventor do termo Panc, professor do Instituto Federal do Amazonas e doutor em fitotecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Para Kinupp, o Brasil tem tudo para ser a bola da vez da alta culinária planetária, mas sofremos de xenofilia alimentícia: “A gente conhece e gosta muito daquilo que vem de fora e negligenciamos ou desconhecemos, por falta de políticas públicas, frutas, castanhas, sementes e hortaliças brasileiras. Por que nós não conhecemos? Porque não temos produção suficiente”, lamenta. Sem números Não existem dados sobre produção de Panc no Distrito Federal por causa da forma como elas geralmente são produzidas: em coletas em quintais das famílias e em boa parte para consumo próprio. “Já é difícil obter informações sobre produção de algumas hortaliças comuns, como chuchu e jiló, imagina de Panc, que por essência têm um modo de produção diferente”, conta Nuno Madeira, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Hortaliças. De acordo com Nuno, as Panc representam segurança e soberania alimentar e nutricional. “Elas são a única forma segura e acessível de termos uma diversidade alimentar. Se não for com as Panc, vais ser muito caro produzir comida biodiversa com os sistemas agrícolas industriais vigentes”, define. Nuno consegue lembrar de produtores comerciais no DF de mangarito, ora-pró-nobis e moringa, mas ressalta que qualquer estimativa sobre produção de plantas alimentícias não convencionais iria subestimar a real situação das Panc no Distrito Federal. Segundo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, mais de 7 mil espécies de plantas identificadas já foram utilizadas como alimento na história da humanidade. Atualmente, menos de 150 são comercialmente cultivadas em todo o mundo e apenas quatro espécies são responsáveis por quase 60% do suprimento energético da humanidade. Contar com essa base alimentar estreita torna o fornecimento de comida mais vulnerável a pragas e doenças, interferindo na segurança alimentar de todo o planeta. Para Valdely Kinupp, as Panc podem ser uma parte importante da solução para o problema da fome no mundo, desde que não haja foco em uma espécie. O segredo estaria na variedade e no respeito às condições regionais e sazonais. “Não falta comida. Praticamente um terço dos alimentos convencionais são jogados fora, e 99,9% das Panc, via de regra, são subutilizadas”, explica Valdely. “Com o resgate dessa alimentação biodiversa, as Panc podem e devem ser o alimento do futuro.” C
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CAMPUS, OUTUBRO DE 2019 Crédito: Talita de Souza
Crédito: Talita de Souza Davson de Souza, vice-diretor da Escola de Música, que ajudou a transformar os antigos postos em salas de aula
Quiosques acústicos P
elos dados fornecidos pela Polícia Militar, 38 PCSs foram transferidos da Segurança a outras pastas para que continuassem sendo úteis: sete para a Secretaria de Cidades, quatro para a Secretaria do Meio Ambiente, 15 para a Secretaria de Educação, 10 para a Secretaria de Mobilidade e dois para a Secretaria de Fazenda. O Campus fez um levantamento junto a essas pastas e descobriu, no entanto, que somente 22 quiosques estão sendo utilizados por elas. A maioria desses PCSs é usada pelas secretarias de Cidades e Educação. Servem como ponto de ônibus, posto de vacinação e até biblioteca. A maior concentração dos quiosques é na Escola de Música de Brasília (EMB). Há 30 anos sem reformas nem ampliação, a EMB viu nos antigos postos uma saída para a escassez de salas. “Estávamos assim há um tempo e, sem resposta da Secretaria de Educação sobre possíveis reformas, não tínhamos o que fazer. Foi quando uma professora de canto erudito da escola, Denise Tavares, viu, em uma reportagem, a constante vandalização dos postos comunitários que não eram mais utilizados. Junto ao marido, que é engenheiro, foi até a PMDF conhecer os postos e ver se era possível utilizá-los aqui”, conta Davson de Souza, vice-diretor da EMB. Descobriram, então, que além de serem maiores que a maioria das salas da EMB, os postos são feitos de material termo-acústico - fibra de vidro e isopor -, construídos para o clima de Brasília e capazes de suportar períodos grandes de seca e calor.
A escola conseguiu a transferência de 13 quiosques, e o próximo passo foi reformá-los, tirar a identidade de postos policiais e colocar a da instituição. Para a reforma, alunos e docentes da EMB realizaram um dia de apresentações musicais para receber doações, e professores da escola organizaram uma vaquinha interna. Deu certo e hoje os 13 postos estão equipados com tomadas, armários, quadros, bancos, suportes e chão emborrachado, o que melhora ainda mais a qualidade do som. Tássio Vieira, professor de trompa, sentiu a diferença quando começou a dar aulas nos postos. “Principalmente no período da tarde, havia muitos professores e alunos e, muitas vezes, não havia salas para todos”, lembra. Hoje, os quiosques aparecem na grade horária da escola como as salas comuns. “Foi resolvido o problema que havia nas salas de vazamento de som, onde uma aula poderia atrapalhar a outra”, diz Vieira. “Como os postos são afastados, cada um pode ter aula sem atrapalhar outro aluno.” As estruturas são usadas nos três turnos de funcionamento da EMB, o que propiciou melhor qualidade nas aulas e abertura de novas turmas. “Os postos melhoraram quase 100% a viabilização de vida da EMB. Imagina, eles viraram onze salas de aulas a mais por turno, o que dá o total de 33 salas a mais”, contabiliza Davson. “Os outros dois são postos dos vigilantes, localizados nas entradas da escola, o que dá mais segurança para todos.” C
Crédito: Talita de Souza
a situação era ruim e ficou pior
Posto da Escola de Música
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Silêncio: crianças meditando Centros que oferecem a prática para o público infantil se disseminam por Brasília ÚRSULA BARBOSA
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o final da tarde do último domingo de cada mês, um grupo de crianças se reúne num prédio de tijolo à vista, grandes janelas e pé direito alto, que lembra um galpão. Na parte externa, há árvores, arbustos e pássaros barulhentos. Lá dentro, elas sentam ou ficam na posição de lótus e, guiadas por um condutor, meditam. A cena ocorre na Sociedade Vipassana de Meditação (SVM), na Asa Norte, mas práticas semelhantes se repetem em vários outros pontos do Distrito Federal. As aulas são oferecidas em lugares que, mesmo com endereços em bairros centrais da capital, apresentam características que remetem ao bucólico. Os terrenos são grandes, com muitas árvores e sem ruídos de cidade. Os centros de meditação são lugares onde se pode ouvir o som dos pássaros, balançar na rede e andar descalço. As turmas são organizadas por faixa etária e costumam ter poucos alunos, para que seja possível orientar cada um deles segundo suas especificidades. Na SVM, a meditação utilizada é a m ind f ulness, que em português costuma ser traduzida como “atenção plena”. Trata-se de uma prática desenvolvida por pesquisadores, que não tem conotação religiosa e que usa as chamadas âncoras – a respiração é a principal – para meditar. Em outros centros, a meditação infantil aparece acompanhada da Hatha Yoga, corren-
te que combina posturas físicas com exercícios respiratórios. Instrutores que ensinam a prática costumam dizer que a partir de sete anos a criança está apta para meditar. Renato Bastos João, professor de Educação Física da Universidade de Brasília, esclarece que a Hatha Yoga e a m ind f ulness podem ser melhor compreendidas a partir dessa idade. “Em função da maturidade cognitiva e motora, ou psicomotora da criança, que só a partir desse momento vai estar em condições para incorporar o conhecimento e as técnicas”, diz. Isso não exclui faixas etárias iniciais. “A atividade pode ser feita anteriormente com técnicas e ensinamentos lúdicos, mas somente a partir dos sete anos a criança começa realmente a ter um poder de concentração maior”, conta Soraya Farah, professora da SVM. Para a arteterapeuta Amara Hurtado, a meditação infantil e a yoga são cada vez mais necessárias. “As crianças estão perdendo a calmaria com esse mundo tão frenético, em que todo mundo está correndo.” Soraya concorda: “As práticas chegam como ferramentas poderosas para ajudar as crianças a relaxar, aliviar o estresse. Elas aprendem a viver no momento presente e ser mais conscientes de si mesmas, a se conectarem com seu corpo e com sua própria fonte interior de calma, ou seja, a sua essência, o seu
eu. O que permite construir o amor próprio e a autoestima.” Alguns pais buscam a meditação infantil depois de os filhos terem algum diagnóstico de transtornos como ansiedade e hiperatividade. Renato João, que também é psicólogo, alerta que a prática não deve ser vista como milagrosa em casos assim. “É preciso entender que quadros de disfunção são resultados de uma história de vida da criança. É necessário ter um cuidado conjunto de vários profissionais, do médico, psicólogo, professor e da família”, ressalta. Há comprovação de que a meditação pode se somar ao tratamento e contribuir para que a criança compreenda e viva melhor com o diagnóstico, mas trata-se de uma terapia alternativa que deve ser associada a outros métodos terapêuticos. O p rocesso Amara descreve as aulas que ministra como sendo arte associada à prática da yoga e meditação. Para ela, trabalhar com o público infantil é inventar algo que possa ser assimilado em todos os encontros. “As crianças fazem respiração imitando cachorrinho. A elas pouco importa o nome dado àquela respiração específica. A gente precisa ter o jogo de cintura para prender a atenção delas e ensiná-las ao mesmo tempo.”
De início pode parecer complicado ensinar crianças a meditarem, mas a premissa é não forçar, não fazer com que pareça obrigação. Outro princípio é ter paciência e não esperar que de um dia para o outro a criança permaneça imóvel durante cinco minutos. A meditação infantil, assim como para os adultos, é um aprendizado que exige treino. Crianças se distraem muito, por isso o exercício e o tempo usados na m ind f ulness, por exemplo, deve começar com um minuto apenas e, a medida em que o professor percebe maior capacidade de concentração, o período poderá ser estendido, aumentado gradativamente. Geralmente três minutos é máximo que uma criança consegue manter a postura e meditar, mas esse tempo varia de acordo com a concentração e a idade. “É imprescindível o hábito da meditação em qualquer fase da vida, mas quando isso é estimulado desde a primeira infância, a perspectiva da felicidade pode ser muito mais genuína”, elucida Amélia Carolina Martins, instrutora de yoga no Instituto Natural Desenvolvimento Infantil (Indi). “Quando a criança entende a meditação como uma forma de conexão com sua essência, ela pode realmente perceber a felicidade dentro e desvincular a felicidade com fatores externos a ela.” C
Crédito: Úrsula Barbosa
A instrutora Amanda Hurtado diz que a combinação de yoga e meditação é fundamental em “um mundo tão frenético”
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ESPORTE
Victória, a predestinada
A menina de Ceilândia que conheceu o futebol pelos pés de sua mãe, enfrentou o preconceito e chegou à seleção brasileira GABRIEL ESCOBAR
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te e educação. “Minha trajetória até o futebol profissional foi muito difícil. A falta de reconhecimento, visibilidade e estrutura pesaram muito. Graças a Deus recebi o apoio de pessoas corretas”, desabafa a atleta. “Enfrentei preconceito e travamos essa luta até hoje.” Em 2011, quando ainda era adolescente, Victória viu a mãe ser diagnosticada com um tumor. “Eu sei que ela gosta muito de futebol”, diz Cristiane. “Mas tenho para mim, hoje, que ela faz mais para ajudar a gente”. Depois de concluir o ensino médio, Victória começou o curso de Fisioterapia, mas, pelo sucesso no futebol, não terminou. Minas Icesp O Minas Icesp - time de futebol formado em parceria entre Minas Brasília Tênis Clube e Faculdade Icesp - foi o clube que tornou realidade o sonho de Victória de se virar jogadora profissional. O contrato foi assinado em 2012, e o time foi a casa da atleta por seis anos. Lá ela conquistou o Brasileiro série A2, a segunda divisão do campeonato de futebol feminino, que dá acesso à elite do esporte no país. Durante a campanha do título, a jogadora foi destaque e artilheira do time, com oito gols marcados. Pelo protagonismo, Victória era a esperança de triunfo do time da capital. Na final do torneio, o nervosismo tomava conta do estádio. Vic dividia o campo com a irmã Krishna, que é goleira. A mãe, Cristiane, assistia ao jogo com bastante apreensão e, como a partida terminou em 0 x 0 e seria definida nos pênaltis, se dirigiu ao vestiário e não quis ver as penalidades. Quando a disputa estava empatada em 3 x 3, chegou a vez de Victória cobrar. A craque do time tinha em seus pés a chance de aproximar o Minas do título. Correu para a bola, olhou para a goleira e errou. “Ela se entregou de corpo e alma pelo time”, lembra Cristiane. “Não era justo perder essa cobrança.” Krishna, observando a tristeza da irmã, correu até ela, abraçou-a e disse: “Vou pegar um por você”. Na cobrança seguinte, a jogadora do Vitória, que disputava a final contra o Minas, bateu para fora. O Minas, por sua vez, converteu, fazendo 4x3. Na última cobrança, Krishna cumpriu a promessa e defendeu, ajudando assim Victória a encerrar o ciclo na capital federal com um título. A chegad a à seleção Em 2019, após ganhar o campeonato no Minas Icesp, Victória foi contratada pelo Corinthians. Titular da equipe, ajudou o Timão a bater o recorde mundial de vitórias con-
Crédito: Arquivo pessoal
A brasiliense vestindo a camiseta clássica da seleção em jogo da categoria sub-20
secutivas, é a líder em assistências do time no ano e uma das melhores jogadoras do país. O desempenho da jogadora gerou expectativa por uma chance na seleção. Não que vestir a amarelinha fosse novidade na vida da atleta. Com passagens pela Seleção Brasileira nas categorias até 15, até 17 e até 20 anos, o sonho de representar a seleção principal parecia questão de tempo. A convocação para a seleção participar de um triangular amistoso no mês passado, em São Paulo, não incluiu Victória. Alguns dias antes do
começo do torneio, porém, Marta - maior jogadora da história do futebol feminino - lesionou a coxa e teve que ser cortada da equipe. Alguém teria que ser convocada em seu lugar. No dia 27 de agosto, Victória foi chamada para substituir Marta. No triangular, a jogadora ficou no banco de reservas nos dois jogos disputados, mas a sensação de ser lembrada na convocação aponta para um futuro promissor. Bem além, inclusive, como frisa Victória “Eu quero ganhar títulos, jogar na Europa, mas, acima de tudo, quero ser feliz no lugar em que eu estiver.” C
Crédito: Arquivo pessoal
esde a convocação para a seleção brasileira, o talento de Victória Albuquerque tem ganhado mais atenção. A jovem brasiliense cresceu em Ceilândia Norte em uma família ligada ao futebol. O pai, Vitório, jogava partidas amadoras, enquanto o irmão, Victor Hugo, e as irmãs Krislaine e Krishna atuam profissionalmente no esporte. A mãe, Cristiane, foi jogadora, trabalha com o futebol há 24 anos e foi por causa dela que Victória se iniciou nos dribles. Victória nasceu em 1998 e enfrentou sua primeira batalha ainda recém-nascida. “Quando ela tinha quatro meses, teve uma pneumonia e chegou a ser dada como morta. Ficou 14 dias na UTI. Conseguiu se recuperar, graças a Deus e a um médico que resolveu ajudar”, explica Cristiane. Depois teve uma infância saudável. As brigas com as irmãs limitavam-se a assuntos cotidianos. “A gente sempre foi muito amiga. Nossas brigas eram só quando uma usava a roupa da outra sem autorização. Agora que ela está em São Paulo, nem brigamos mais”, brinca Krishna, 24 anos. No ensino médio, Victória conheceu Natália Graziely, sua melhor amiga, com quem colecionou aventuras. “Teve uma vez em que a gente estava andando para casa e um homem avançou e tomou o celular da Vic. Quando vimos que ele estava desarmado, saímos correndo atrás dele. Não conseguimos recuperar o celular, mas foi engraçado”, conta Natália. “Em outra oportunidade, fomos para o centro de Taguatinga vender roupa e entramos em um barzinho para jogar bingo. Perdemos o dinheiro da venda e da passagem.” Trabalhando na área desde 1995, a mãe de Victória levava os filhos para a beira do campo enquanto ela jogava. Com essa conexão com o futebol, desde muito pequena Victória passou a frequentar escolinhas de alguns times de Brasília. A menina tinha apenas 8 anos quando percebeu o custo de se envolver em um esporte tido como masculino. Victória jogava com os meninos porque não havia categoria feminina na época. “As pessoas ficavam irritadas porque ela sempre foi diferenciada. Gritavam para puxar o cabelo dela, falavam para ela lavar louça, mas a Vic sempre respondeu no campo, fazendo gols e jogando”, lembra Cristiane. Victória estudou na Escola Classe 21 e no Centro de Ensino Fundamental 7, ambos da rede pública em Ceilândia. Graças ao futebol, conseguiu bolsas de estudo no Colégio Notre Dame, da Asa Sul, e no Colégio Certo, de Taguatinga. Nessas escolas, dividiu a atenção entre espor-
A atleta, ainda na infância, com um troféu de artilheira
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Crédito: Gustavo França
Tecendo transtornos no Riacho Fundo Dois centros de atendimento da satélite usam crochê no tratamento de depressão, ansiedade e bipolaridade
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ficinas de crochê estão sendo utilizadas em postos de atendimento do Riacho Fundo para pessoas com transtornos psicológicos como depressão, ansiedade e bipolaridade. Além de o trabalho manual ajudar na terapia, as oficinas ainda promovem a socialização e podem até gerar uma renda extra aos pacientes. Há dois meses, a psicóloga Diana Sousa Cerqueira iniciou o projeto Grupo de Vivência, no Centro de Saúde 03 do Riacho Fundo. “Quando a pessoa vai fazendo os trabalhos manuais, além de estar ali convivendo com outras pessoas, além de aprender, está aumentando sua autoconfiança, e se emponderando”, explica. “Ela tem vontade de viver e se vê mais animada com a vida.” Diana está montando uma espécie de rede de auxílio para sustentar o projeto. “Nós estamos tentando uma parceria com o Ministério Público para conseguir uma tenda e cadeiras”, conta. “Além disso, cada um traz uma coisa, o próprio paciente contribui com o que ele tem, como tesoura, tecido e outros produtos.” A paciente Shirlene Alves Vieira, de 32 anos, é uma das participantes da oficina. “O meu ânimo mudou bastante. Eu tenho conseguido focar nas coisas, eu estava bem dispersa. Eu trabalho com bolos, tenho conseguido ter mais paciência para fazer as decorações. Consigo cuidar melhor dos meus filhos, desenvolvo brincadeira com eles. Eu tenho mais vontade para fazer as coisas. Além disso, conheci um bocado de gente legal também no grupo”, relata. O Instituto de Saúde Mental (ISM), que faz parte da Rede de Atenção Psicossocial do DF e também se localiza no Riacho Fundo, faz a mesma aposta nos trabalhos manuais. No espaço são oferecidas oficinas de crochê para os pacientes. Eles se sentam ao ar livre, onde um pequeno aparelho de som toca músicas suaves, e ali produzem as peças. Saem tapetes, bonecos, panos de prato e gorros. “Muitas vezes o paciente inicia o trabalho na oficina antes mesmo de passar pelos psiquiatras ou
psicólogos”, conta Lívia Cinthia, gerente do ISM. “Com isso a gente consegue absorver relatos de situações que ele não falaria no consultório, o que mostra uma importância muito grande das oficinas.” Maria Aparecida da Gama, paciente do local, conheceu o espaço a partir de um técnico de enfermagem do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) que a atendeu em uma crise de ansiedade. “Me acolheram muito bem. Passei por uma psicóloga, comecei os trâmites até ser admitida e hoje eu faço o tratamento”, conta. “Eu resgatei a minha autoestima, a forma de me relacionar com as pessoas. Eu não conseguia me socializar. Simples coisas como descer uma escada, descer uma rampa, passar na passarela, sair do meu apartamento, conviver no condomínio, ir até a escola da minha filha, tudo isso eu resgatei.” Segundo ela, a mudança também foi sentida pela família. “Tudo começou desde que meus pais faleceram. Ali eu já não me sentia bem e minha família percebeu isso, só que como somos leigos nem sabíamos que poderia ser uma doença mental. Hoje eles percebem que eu estou muito bem, porque hoje eu consigo exercer a minha função direitinho de mãe. Consigo cuidar da minha filha, levá-la ao shopping, me locomover sozinha, uma qualidade de vida que há muito não tinha”. Maria Aparecida não quer se desvincular do projeto nem após o fim do tratamento. “Eu espero ficar muito tempo aqui, porque isso está me fazendo bem. Mesmo que eu tenha alta, eu quero continuar como voluntária, porque me fez muito bem, eu tenho gratidão. As professoras são como da minha família.” Os trabalhos dos pacientes nos dois centros de atendimento do Riacho Fundo são expostos em feiras feitas por eles mesmo. O dinheiro arrecadado serve como renda extra ou é doado para a compra de mais material para ser usado nos projetos. Em outros locais do DF também há centros de atendimento que oferecem oficinas de trabalhos manuais para pacientes. C
Crédito: Gustavo França
GUSTAVO FRANÇA
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Crédito: Gustavo França
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