Campus - nº 417, ano 44

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Campus BRASÍLIA, 21 DE OUTUBRO A 3 DE NOVEMBRO

NÚMERO 417 ANO 44

OBRAS PRECÁRIAS PREJUDICAM ESCOLAS PÚBLICAS DO DF Nos últimos quatro anos, 28 escolas foram reformadas no Distrito Federal. Depois da entrega das obras, novos problemas de infraestrutura comprometem a segurança de estudantes e funcionários | página 4

TRABALHO

DIARISTAS FRANQUEADAS Regulamentação das domésticas faz surgir novo mercado no DF: o serviço terceirizado de limpeza

COMPORTAMENTO

Juliana Perissê

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CULTURA

MULHERES NO RAP Cantoras brasilienses lutam contra a violência doméstica e soltam a voz em defesa da igualdade de gênero

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ESPORTES

CAMPEÕES SEM PATROCÍNIO Falta de apoio financeiro obriga atletas a arcarem com despesas de torneios e equipamentos

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FALTA DE SEMÁFOROS SONOROS PÕE DEFICIENTES VISUAIS EM RISCO

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Carta do Editor O tema predominante do nosso terceiro Campus é a inclusão. Talvez, o desejo por mudanças refletido no período de eleições tenha influenciado alguns de nossos repórteres a expor problemas vividos por minorias e buscar soluções para entraves do cotidiano. Mostramos as dificuldades de pessoas com deficiência visual em atravessar as ruas (11) e os desafios da alfabetização de surdos (10). Fomos além de simplesmente expor os fatos: sentimos na pele a determinação de universitários com dificuldades motoras para atravessar o campus Darcy Ribeiro (7). A falta de infraestrutura não afeta só pessoas com necessidades especiais. A segurança de estudantes e funcionários de escolas públicas do DF está em risco após reformas malfeitas, que já apresentam problemas pouco depois da entrega das obras (4 e 5). Vivemos um período de mudanças, em que o belo é o natural. Em que ter os mesmos

What the foca? direitos não é nada além de óbvio. Aqui, as mulheres soltam a voz e usam o rap para se expressar e lutar pela igualdade de gênero (8 e 9). Elas soltam também os cabelos, negam a chapinha e assumem a beleza dos cachos (15). Até a cor dessa edição é símbolo de luta. O outubro rosa e o alerta para a prevenção do câncer de mama contagiaram o nosso jornal. O papel do jornalista também é conscientizar. Apesar de todos os problemas retratados no Campus, desistir não é uma opção. Mesmo sem apoio, atletas brasilienses lutam para participar de competições e pagam torneios com dinheiro do próprio bolso (12 e 13). Aqueles que têm uma grande ideia e não conseguem financiamento podem recorrer ao crowdfunding, no qual pessoas que se interessem pelo projeto podem colaborar (6). Boa leitura!

Julia Lugon editora-chefe

Memória A edição 44 do jornal Campus, de outubro de 1982, trouxe a matéria de Paula Xavier Mattoso, no qual se expunha as dificuldades que as domésticas sofriam pelo descaso dos patrões e preconceito da sociedade através da voz de Nilza, uma empregada domés-

tica que desistiu da profissão, mas não de criar a primeira Associação de Empregadas Domésticas do DF. Mais de 30 anos depois, o jornal aborda uma nova realidade para essas trabalhadoras trazida com a PEC nº 66: empresas que oferecem serviços de diaristas estão tomando o lugar das formas tradicionas de empregadas autônomas e das domésticas nos lares.

Campus

Mayara Subtil

A redação do Campus se prepara para finalizar mais um jornal. Em cada edição, os cargos são redistribuidos entre os alunos que encaram o desafio de serem editores pela primeira vez

Ombudskivinna A edição 416 do Campus trouxe uma melhora significativa na escolha de pautas, processo de apuração e escrita. Os textos estão mais fluidos e com mais densidade de informação. Outro fator presente nesta edição é a noticiabilidade exigida para que os alunos possam cumprir o processo de construção do jornal laboratório. Mas existem pontos que teimam em trazer problemas para a produção do material, dentre eles a fotografia e a revisão falha. Problemas com concordâncias, rios que teimam em aparecer, alguns períodos mui-

*Termo sueco que significa "provedor da justiça", discute a produção dos jornalistas sob a perspectiva do leitor

to longos e o til deslocado, com desconforto na leitura. Tais fatores não poderiam ter passado despercebido por quem ficou com esta etapa do processo. Editores e revisores, vocês se tornam responsáveis pelo que editam e deixam publicar. É repetitivo mas, equipe Campus, cuidado com as fotografias, elas fazem parte da matéria e podem comprometer todo empenho de vocês. Bonecos nunca serão a melhor opção para ilustrar o texto. Elas criam a sensação de tapar um buraco e falta de empenho de quem está nesta função. Pensem

em soluções que tenham sintonia com a matéria de forma que não pareça um trabalho desleixado. A surpresa na fotografia foi a fotorreportagem, que começou a dar os primeiros passos para o objetivo esperado: o de trazer informação por imagens. Para completar esta análise, tenham cuidado com as informações que vocês colocam no texto, informações erradas colocam em xeque a credibilidade da matéria.

Karla Beatriz Barbosa aluna do 7º semestre de jornalismo da UnB

Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília

Editora-chefe: Julia Lugon Secretário de redação: Walter Carlos Editores: Isabella Campedelli, Lucas Ludgero, Luisa Marini, Mariana Machado, Rudá Moreira e Tamara Montijo Repórteres: Beatriz Pataro, Breno Damascena, Bruna Lima, Carolyna Paiva, Glaucia Machado, Gustavo Schuabb, Ivana Carolina, Jamile Racanicci, Luiza Garonce, Marília Nestor, Melina Fleury, Nara Menezes

e Taina Andrade Diretor de arte e foto: Eduardo Carvalho Fotógrafos: Carolyne Cardoso, Juliana Perissê, Mayara Subtil e Vitor Sales Diagramadores: Isabella Campedelli, Lucas Ludgero, Luisa Marini, Mariana Machado, Rudá Moreira e Tamara Montijo Projeto Gráfico: Breno Damascena, Bruna Lima, Isabella Campedelli, Lucas Ludgero e Rudá Moreira

Professores: Sérgio de Sá e Ana Kalume Jornalista: José Luiz Silva Monitores: Isabela Resende e Jéssica Martins Gráfica: Colorprint Tiragem: 4 mil exemplares Contato: 61 3107-6498 / 6501 Endereço: Universidade de Brasília, campus universitário Darcy Ribeiro, s/n, Asa Norte, Brasília/ DF. Faculdade de Comunicação, Instituto Central de Ciências - Ala Norte | CEP: 70 910-900

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www.campus.fac.unb.br


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TRABALHO

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RENOVAÇÃO DE UM SERVIÇO

Reclamações de tarefas domésticas e o descumprimento do acordo com diaristas fazem empresas de limpeza terceirizada ganhar espaço no mercado Tainá Andrade

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implementação, em 2013, da Emenda Constitucional nº 66 – a PEC das Domésticas – fez com que empregadas e patrões deixassem os vínculos empregatícios e optassem pelo trabalho com diárias. A partir disso, um novo mercado surgiu em todo o Brasil, inclusive no Distrito Federal: o de terceirização da faxina no lar. A Associação Brasileira do Mercado de Limpeza Profissional (Abralimp) aponta que as regiões Sul, Sudeste e o DF são responsáveis por cerca de 80% do serviço. De acordo com a Abralimp, o aquecimento no setor é responsabilidade das “mudanças no dia a dia das famílias brasileiras que refletem a transferência do conceito de higienização, já utilizado por órgãos públicos e empresas, para casas”. Um estudo do Mercado da Limpeza Profissional, realizado em 2011 e 2012, verificou uma movimentação entre R$ 17,1 e R$ 17,8 bilhões no segmento brasileiro. Isso, somado aos dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF), que mostram franquias de limpeza crescendo 65% em um ano, configura um boom no mercado. Nesse contexto, a franquia portuguesa House Shine há dois anos se instalou no Brasil e, desde junho de 2013, começou a atender os brasilienses. São solteiros que moram só, casais ou famílias que vivem em apartamento. Atualmente a empresa tem uma média de 80 clientes fixos e seis equipes com duas funcionárias cada. Carlson Emanuel, sócio da franquia, acredita que a alta

Mayara Subtil

As diaristas de A Governanta levam, em média, duas horas para concluir a faxina contratada por um dia

clientela se deve ao fato de muita gente, depois da lei, não ter mais empregado contratado em casa. “Com a grande rotatividade das diaristas, as pessoas demoram a adquirir confiança e preferem adotar o serviço de uma empresa que irá se responsabilizar por qualquer dano”, explica. Isso ocorre com Elizabethe Seabra. A mulher de 54 anos desistiu de procurar diaristas porque sempre recebia em troca uma tarefa malfeita. “Entrava em casa e me sentia uma palhaça por sempre encontrar serviços incompletos. O pior era ainda pagar por isso.” Hoje, ela utiliza os serviços de A Governanta, outra franquia portuguesa que se firmou no DF e desenvolve, desde novembro do ano passado, um trabalho similar ao da

empresa House Shine. A cartela de clientes de A Governanta conta com 10 fixos e vários ocasionais. Uma equipe de duas funcionárias faz uma média de três limpezas por dia em casas ou apartamentos. A dona de casa Mônica Pimentel tem uma empregada doméstica, mas não descarta a possibilidade de contratar a firma. “A moça que trabalha comigo vai entrar de férias e eu não posso fazer esforço, pois meu braço está machucado. Nesse caso chamo a empresa para fazer uma geral nos dias que ela não estiver aqui.” ATUAÇÃO E CONCORRÊNCIA No ramo de limpeza de residências existem duas vertentes a se seguir: a de agência e a de contratados. A primeira é basicamente um grande banco

de dados de cadastrados, em que as pessoas são acionadas quando existe demanda. O único vínculo que a empresa tem é na hora de garantir a porcentagem pelo intermédio. O segundo tipo é quando a firma tem funcionárias fixas, que recebem salário e benefícios. Apesar das duas empresas – a House Shine e A Governanta – seguirem o mesmo modelo de atuação, a contratação, elas não são concorrentes diretas. “Há muito campo para investir”, explica Paula Navarro, proprietária da última. No próximo ano, a Cia da Vassoura também promete entrar nessa área de atuação. Atualmente, a empresa funciona como mediadora de diaristas freelancers. Faz a triagem, fiscaliza o serviço final e recebe o pagamento. Mas, de acordo

com Cleriston Canto, dono do negócio, as contratações vão garantir mais lucro. “Todo dia alguém liga interessado, apesar de termos começado a atividade há apenas um mês e meio. A demanda é alta.” Por outro lado, há quem não simpatize com o serviço. Janaína Catete tem resistência a esse novo formato de limpeza porque acha algo muito impessoal. “Para mim, tem que existir o vínculo. Se não, como confiarei na pessoa que está dentro da minha casa?”, questiona. Janaína tem a mesma diarista há 10 anos e mora em Brasília há 12. “Sou da geração que a empregada dormia em casa. Ela deve se tornar parte da família.”

JURIDICAMENTE FALANDO... O vínculo empregatício com empresas é novo no âmbito de serviços domésticos. “É confortável para os patrões porque tira a responsabilidade dele e entrega para a firma”, explica Alessandra Amaral, advogada penal, trabalhista e de família. Apesar de consideradas autônomas pela legislação, as diaristas não respondem a uma lei específica. Mas, de acordo com o Tribunal Regional do Trabalho do DF, quando a diarista comparece na residência por mais de quatro vezes, todas as diárias são pagas no fim do mês ou é estipulado horário de entrada e saída, pode ser considerada empregada doméstica. “A partir do momento que são contratadas por uma empresa, seu vínculo é com o empreendimento. São funcionárias regidas pelas regras da CLT, não mais pela PEC”, esclarece a advogada.


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INFRAESTRUTURA

DESCULPE O TRANSTORNO, PRECISAMOS DE REPAROS Escolas públicas do Distrito Federal apresentam problemas após obras realizadas pelo GDF Carolyna Paiva Ivana Carolina

Fotos: Juliana Perissê

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s aulas no Centro Educacional (CED) 15 de Ceilândia começaram no dia 17 de fevereiro, duas semanas após o previsto em calendário. Os alunos estavam ansiosos pelo retorno. Iriam receber uma nova escola, depois de mais de dois anos de reforma. No entanto, a obra de aproximadamente R$ 5 milhões trouxe algumas surpresas. Problemas com a tubulação de água, a rede de esgoto e a fiação elétrica foram detectados logo após a entrega, ainda em outubro de 2013. O colégio entrou em contato com a Coordenação Regional de Ensino de Ceilândia e, aos poucos, alguns deles foram resolvidos. Entretanto, com o passar do tempo, novos impasses surgiram. Segundo Anderson Souza, diretor desde 2007, os danos antecedem o início do ano letivo e isso atrasou o calendário. “A dificuldade surgiu já ao fazer a mudança, quando a escola teve que procurar caminhões e outros mecanismos para levar móveis e equipamentos”, conta. No dia 11 de junho deste ano, mais uma surpresa: parte da rampa de acesso ao primeiro andar caiu. Tempo depois, um pedaço da parede cedeu e a passagem foi bloqueada. “Embaixo da escada tinha um reboco muito grosso e ele começou

Reboco que cedeu embaixo de sala de aula põe em risco segurança dos alunos e funcionários do CED 15 de Ceilândia

a cair. A parede está assim porque a construtora não deixou espaço necessário entre uma junta e outra, colocando um reboco que cedeu”, explica. Além disso, permanecem vazamentos, falhas nos quadros de energia e rachaduras. Anderson entrou em contato com a Regional de Ensino

de Ceilândia, que se prontificou a reparar os prejuízos. Engenheiros fizeram vistorias, mas ainda não foram definidos novos prazos. Para Anderson, o contexto dificulta o resultado final. “A forma como o processo ocorre não é bem estruturada. Há falhas entre os setores envolvidos, desde

a construtora, que não segue o planejamento, à dificuldade de acompanhamento da Secretaria de Educação”. Ele ainda lamenta: “É um pouco frustrante, como se você chegasse à sua casa nova e visse que ela está com problemas”. O professor de biologia Elias Chaves trabalha há um ano na

escola e confessa estar desmotivado. “O Brasil precisa repensar o processo de licitação. Além de toda a fraude e corrupção, saber que a empresa com os materiais mais baratos é a ganhadora significa que serão utilizados os produtos de pior qualidade”, declara. Ele conta que o colégio


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recebeu materiais precários e abolidos do ensino, como quadros de giz. “Falta fiscalização durante as obras e sobre a qualidade do que está sendo entregue. Além disso, punição. Eu nunca vi uma empresa ser obrigada a devolver o dinheiro”, relata. Entre os alunos, a reação é a mesma. Kelita Dutra cursa o segundo ano e tem que dar a volta na escola para chegar à sua sala, pois a área de acesso foi interditada. Ela e os colegas estão decepcionados com a realidade enfrentada e têm medo de que algo mais grave aconteça. “Esse é um problema muito sério, porque era para tudo estar em bom estado. Sem falar no perigo para as pessoas que estudam e trabalham aqui. A educação e a segurança já são ruins, ver o colégio nesse estado é um desinteresse a mais para vir às aulas”. A HISTÓRIA SE REPETE O Centro Educacional 15 de Ceilândia é apenas mais uma escola nessa situação. A Secretaria de Educação do Distrito Federal divulgou um documento com todas as obras realizadas entre os anos de 2011 e 2014. Do número total de reparos, apenas 28 escolas foram concluídas e inauguradas nos últimos quatro anos. O Campus entrou em contato com colégios listados no documento e a história é a mesma: pouco tempo depois de entregues, eles apresentaram algum tipo de problema e novas documentações foram enviadas às Regionais de Ensino das respectivas Regiões Administrativas do DF, a fim de reparar os danos. No CED 1 do Cruzeiro, as obras, finalizadas em 2012, provocaram dificuldades relacionadas à água. O diretor, Jovandir de Andrade, explica que “o projeto não previu a vazão de água e, todas as vezes que chovia, a escola alagava”.

O transtorno acontecia principalmente no estacionamento, por ser uma área de declive. Logo após as primeiras inundações, Jovandir entrou em contrato com os responsáveis e, segundo ele, a situação foi parcialmente resolvida. Mais de R$ 4 milhões foram investidos no local, no entanto, as poças continuam e, ainda, “há rachaduras no refeitório, o muro teve de ser trocado e os rodapés estão caindo”, conta. Adriana Mendes, vice-diretora do Centro de Ensino Médio (CEM) 1, localizado no Gama, relata que a escola passou pela reforma para a reconstrução parcial do muro. “Quando a obra foi entregue, eles tiveram que voltar para fazer consertos”, conta. O custo inicial foi de mais de R$ 200 mil e, de acordo com ela, mais gastos apareceram, pois “o portão teve de ser trocado, além de ter sido necessária a correção de pequenos ajustes”. Em menos de dois anos, a

Rachaduras na Escola Classe de Taguatinga refletem infiltração e problemas na reforma, que acabou em 2013

Arte: Eduardo Carvalho

INVESTIMENTOS EM OBRAS DE ESCOLAS PÚBLICAS DO DF

2014 OBRAS

OBRAS

OBRAS

EM LICITAÇÃO

NÃO INAUGURADAS

EM EXECUÇÃO

R$ 38.115.648,72

R$ 56.300.410,15

R$ 156.073.800,26

R$ 76.979.013,65

2011 a 2014

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Escola Classe 19 de Taguatinga, reconstruída e entregue em fevereiro de 2013, também apresenta contratempos. A diretora, Thaís Macedo, reclama das infiltrações e do mau cheiro perto do banheiro. “No início do ano entramos em contato. Há dois meses eles vieram, fizeram vistoria e ainda não retornaram.” Em Samambaia não é diferente. Tereza da Silva ocupa o cargo de Apoio ao Administrativo da Escola Classe 108 e relata: “Temos problema no portão, vazamentos no telhado, banheiros entupidos e paredes rachadas. Eles já vieram, arrumaram, mas tudo continua”. Apesar das melhorias, as adversidades recorrentes desanimam professores. Ciro Fernandes leciona filosofia no CED 3, em Brazlândia, escola onde ocorreu a construção de quadra poliesportiva coberta, no valor de aproximadamente R$ 2 milhões. “A quadra ficou bacana, mas apresentou alguns problemas: a altura ficou baixa, então alaga quando chove”. O educador menciona ainda que, por terem aproveitado a estrutura anterior para subir a nova, algumas frestas abriram. “Logo que a obra foi entregue, tudo foi registrado. A defesa civil esteve aqui, mas, até agora, não foram tomadas providências.” OS RESPONSÁVEIS O Campus entrou em contato com a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF) para esclarecimentos acerca dos problemas nas obras das escolas. A SEDF, por meio da Subsecretaria de Logística, informou que os problemas listados nas unidades educacionais são de ciência do órgão e que os documentos de solicitação de revisão das obras foram encaminhados à Coordenação de Engenharia da pasta, para que técnicos visitem as escolas e tomem as providências.

2011 Todas as escolas passaram por 2014 algum tipo de manutenção INVESTIMENTO

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OBRAS ENTREGUES

R$ 63.994.003,25

Valor total: R$ 391.462.876,03 Fonte: SEDF


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EMPREENDEDORISMO

RACHANDO A CONTA

Prática do , ou financiamento coletivo, cresce no Distrito Federal e vira oportunidade para quem quer começar um negócio Mayara Subtil

Os integrantes da banda Dona Cislene, Paulo Sampaio e Guigui, mostram o álbum "Um Brinde aos Loucos" que foi gravado por meio do crowndfunding

Marília Nestor

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indo da junção das palavras c

se refere à obtenção de verba por meio de vários investidores. Na prática, costumam ser pessoas físicas que se interessaram pela iniciativa no meio virtual. Seria uma espécie de “vaquinha”. O método é uma oportunidade para correção de certas falhas do mercado.

Com essa prática, o custo inicial para os projetos torna-se menor, o que é bom para empreendedores que necessitam de capital e costumam ser independentes, pouco experientes e sem acesso a investimentos pelos métodos tradicionais. Por não ter algum órgão formal ao qual responder, o não possui dados que comprovem o seu crescimen-

to, mas, no Distrito Federal, ele pode ser percebido pelas pessoas que trabalham com o meio e pelo aumento de iniciativas. Isso é o que conta Miguel Rodrigues Galvão, do PikniK no Calçadão, que financiou o evento PikniK na Ermida Dom Bosco pelo método. “Basta ver as várias ações que estão sendo financiadas desta forma, como o Novo Guia BsB e Zines, por exemplo.” Ele explica que, quando optaram por realizar o festival, queriam o conceito “feito em bsb” para programação sonora. Contudo, se depararam com uma realidade em que os custos extras eram expressivos e não poderiam repassálos para o expositor, pois isso poderia tornar proibitiva a participação de algumas bandas no evento. Optaram então pela plataforma carioca “Queremos!”, na qual propuseram uma programação gratuita ao público em troca de bônus e brindes. “Se uma ideia ou ação é boa, sempre tem alguém disposto a pagar para tirá-la do papel, e o público de Brasília assim o fez”, explica. Ele diz que o dinheiro arrecadado não foi o suficiente para custear o projeto inteiro, mas serviu para cachês e passagens. “Se tivéssemos incluído todos os custos envolvidos quando optamos pelo mini festival, a meta ficaria muito alta e não seria batida. Acabou que o restante foi custeado pela nossa margem em mercadinho e bazar.” No caso da banda Dona Cislene, os integrantes conseguiram quase R$ 8 mil para

financiar um novo álbum, após terem colocado R$ 5 mil como meta. “Quem estiver interessado em fazer o faz. Nunca pensamos que iríamos alcançar 150% da meta. Com trabalho e dedicação o projeto vinga”. Os jovens contaram que divulgaram a iniciativa em várias redes sociais, fizeram um vídeo explicativo, que foi o carro chefe da campanha, e falaram sobre a proposta a cada lugar a que iam. “Vemos muitos projetos surgindo a cada dia, a ideia é genial, favorece tanto o apoiado quanto o apoiador”. No ano passado, aconteceu um evento físico na Ceilândia que buscava expor projetos para possíveis investidores, o A feira reuniu 15 expositores. O Diretor da Cultura Off, empresa que organizou o festival, Gledson Shiva, conta que, depois

que perceberam o sucesso do evento, decidiram fazer um site para atender a demanda. “O que achamos interessante é que isso dá oportunidade para jovens que possuem talento, mas não condições financeiras. O lançamento deles ocorre de maneira nova, com outro jeito de transferir recursos”, diz o diretor. Ele afirma que a prática não está crescendo apenas no Distrito Federal, mas no Brasil inteiro. Com o endereço www.culturacrowd.capital, a ideia da empresa é inovar deixando de ser apenas uma plataforma para pessoas que precisem de capital para os projetos, mas também dê consultoria para esses indivíduos. “A demanda para esse tipo de serviço é grande e o retorno do mercado é muito bom. Acredito que isso se dê pela simplicidade do financiamento”, conta Shiva.

SEM FRONTEIRAS Como a maioria dos projetos fica na rede, pessoas de qualquer local do mundo podem contribuir. O primeiro projeto que o estudante João Diogo Brites, 20, financiou, por exemplo, foi um filme com temática homossexual na Uganda, que não conseguiu capital por outros meios. Além desse, ele também contribuiu para uma cafeteria com temática de cinema na Arábia Saudita, um baralho desenhado por um artista plástico canadense, um caderno com folhas de lousa, um jogo de tabuleiro que cabe na carteira e quadrinhos de uma

desenhista independente de Israel. Para o jovem, o maior problema do método é a fraude. Seja por incompetência do criador do projeto ou má fé, existe risco no investimento de o projeto não ser concluído ou a recompensa não chegar. Como o crowdfunding é recente e não possui barreiras de fronteiras entre países, faltam recursos legais para proteção do consumidor. Portanto, ele diz que diversas transações deixam de acontecer por falta de confiança e desencontro de informações.


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Texto: Melina Fleury Foto: Vítor Sales

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TINHA UMA ESCADA NO MEIO DO CAMINHO

ma escada de dois lances de repente se transformou em uma montanha a ser escalada, desgastes no chão viraram buracos negros, prontos para me levar para baixo, e a grama se transformou em uma desafiadora areia movediça. Em apenas dois meses sem poder pisar no chão, descobri o universo das pessoas com necessidades especiais dentro da Universidade de Brasília (UnB). Passei a ver a irregularidade dos prédios, os problemas de locomoção, o preconceito das pessoas com o que elas julgam diferente e a falta que um elevador ou uma rampa adequada fazem. Talvez falar de acessibilidade na UnB já tenha virado clichê. Mas por que tratar como tal um problema que sequer foi solucionado? A acessibilidade é lei desde 2004, definida como “condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços”. Dez anos depois, a universidade ainda tem dificuldades para se adequar. Já no meu primeiro dia indo de muletas para aula, descobri que o elevador localizado na parte Norte do Instituto Central de Ciências (ICC), o Minhocão, não funciona desde uma enchente em 2011. Plano B: rampas. Extremamente íngremes e localizadas somente na área central do prédio. Plano C? Tirar meus pais de casa todos os dias para me ajudarem a chegar à minha

sala no mezanino da Faculdade de Comunicação. Próximo plano: passar a manhã sem beber nada para não precisar ir ao banheiro – localizado, claro, somente no térreo. Logo me deparei com o Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (PPNE) para entender melhor a questão da acessibilidade dentro do campus Darcy Ribeiro. O coordenador, José Roberto Vieira, explicou como eles trabalham com os 168 alunos cadastrados, e afirmou que o campus melhorou muito desde a época em que ele, também cadeirante, chegou lá. “Agora temos um problema que é a acessibilidade na atitude das pessoas, como elas vão perceber o aluno, como o professor vai tratar. [É preciso] quebrar paradigmas, preconceitos que fazem com que pessoas com deficiência não se reconheçam como pessoas com deficiência porque acham que isso vai ser ruim para elas”, afirma José Roberto. A UnB, de fato, melhorou nos últimos anos. Os três elevadores do ICC foram inaugurados em 2008 e, desde então, de acordo com o diretor do Centro de Planejamento da UnB (Ceplan), Alberto de Faria, os novos prédios já foram planejados pensando em acessibilidade. Segundo ele, “essas normas vêm sendo incorporadas nos projetos dos novos edifícios, onde temos

um controle maior dos ambientes. Mas mesmo neles, a gente percebe que é importante uma avaliação, porque à medida que vivemos o problema a gente vai percebendo as necessidades”. Além disso, o ICC está sendo adaptado para melhor atender aos PNEs da instituição: no mezanino sul já foi colocado piso tátil e os banheiros foram adaptados para cadeirantes. De qualquer forma, pude perceber que o PPNE passa por dificuldades com relação ao que pode ou não ser feito com a verba que recebe anualmente do Ministério da Educação (MEC). Atualmente, eles dispõem de um veículo para fazer o transporte de alunos com necessidades especiais pelo campus. Quando soube disso, imaginei uma minivan com elevador, o que, segundo José Roberto, seria ideal. Mas o veículo é um Fiat Uno da prefeitura, que permite o transporte de um estudante por vez. “Temos que priorizar as demandas”, lamenta o coordenador. Por ser um campus muito extenso, a locomoção de um prédio para o outro é muito difícil para cadeirantes. A caloura de Museologia Marina Anchises entende bem esse problema tendo aulas na Faculdade de Ciência da Informação (FCI) e no Pavilhão João Calmon (PJC). A jovem de

Repórter do Campus relata experiência após dois meses caminhando com muletas no campus Darcy Ribeiro

25 anos levou em consideração as limitações na hora da escolha do curso, e conta que finalmente encontrou algo que se sente feliz fazendo. “Amo estar aqui, é a melhor experiência. Todo mundo deveria ir para universidade.” Marina, sempre acompanhada da mãe, Maria Cristina Cardoso, não esperava que a acessibilidade fosse tão ruim. Se chegar a uma sala no ICC já é complicado, chegar às aulas na FCI, que não conta com rampas ou elevadores, é mais difícil ainda. Marina passa por uma rampa de carros, íngreme e cheia de buracos, voltada para os fundos da Biblioteca Central (BCE), e depois passa pelas salas de estudos da BCE até chegar a uma porta de funcionários (que está sempre trancada). É preciso conseguir autorização para abrir a porta e só então as duas conseguem adentrar a faculdade. Os prédios da UnB foram construídos, de acordo com José Roberto, em uma época em que não se pensava que pessoas com necessidades especiais iriam frequentar faculdades. Por isso, muitos prédios não apresentam estrutura para instalação de elevadores. Além disso, elevadores da UnB – principalmente os do ICC – são de baixa capacidade e pequena potência, aguentando apenas três alunos ou um cadeirante e um acompanhante. Porém, o que se vê diariamente é um grande número de alunos fazendo uso indevido dos

elevadores ao mesmo tempo. Passados dois meses e ainda com dificuldades para andar, comecei a ter uma visão mais crítica dos problemas e possíveis soluções da acessibilidade dentro da UnB. Consigo ver que muito já foi feito, mas para que os estudantes PNEs possam ter uma experiência universitária mais independente, ainda há muito a se realizar.

O ICC possui três elevadores desde 2008, todos localizados no bloco “B” do prédio, sendo que um deles - localizado na Ala Norte não funciona desde uma forte chuva em 2011. A obra no valor de R$ 370.437,15 saiu no relatório de obras do Ceplan de novembro de 2010. Em março de 2012, em entrevista ao G1, a diretoria do Centro afirmou que R$ 400 mil seriam investidos naquele ano na instalação de três elevadores adequados a cadeirantes no ICC. Aparentemente nada foi feito e a diretoria do Ceplan não respondeu o Campus até o fechamento desta edição.

Arte: Walter Carlos

DÁ LICENÇA?

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À FRENTE

CULTURA

Mulheres assumem a rima e o microfone

Jamile Racanicci

Arte: Eduardo Carvalho

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s cantoras de rap brasilienses são a prova de que o peso da batida, a força das letras e a firmeza da atitude podem muito bem ser acompanhados por esmalte, saia ou maquiagem. Formados exclusivamente por mulheres, grupos como , além de MCs como Flora Matos, mostram cada vez mais que o sexo feminino é guerreiro o suficiente para garantir um espaço no rap. Ao tomar o microfone, assumir o papel principal nos palcos e cantar músicas originais de sucesso, as meninas mostram que o talento não tem gênero. Marcado pela afronta, o rap brasiliense abriga ícones da luta contra o racismo e a desigualdade social, com clássicos como Sub-raça, do Câmbio Negro, e Brasil com P, do GOG. Com a subida das mulheres aos palcos, o estilo musical tradicionalmente de protesto também se torna oportunidade para colocar em pauta angústias ti-

picamente femininas como a violência doméstica e a maternidade. “Colocamos a questão da violência no clipe da música Bem mais porque a agressão vai matando os sonhos das mulheres. A música fala que nem tudo está perdido, que elas não precisam ficar naquela situação a vida toda. Então as mulheres ouvem alguém falar sobre a realidade que vivem”, explica Taty, do grupo Belladona. Popular em todo o DF, principalmente na periferia, o rap tem representantes notórios, por exemplo, nas regiões de Ceilândia, Gama, Taguatinga. Taty, DJ Janna e Rayla, as três integrantes do grupo BellaDona, são de Brazlândia. Para gravar canções, as rappers atravessam o DF a caminho de Planaltina. Já as cantoras do Atitude Feminina nasceram em São Sebastião e não trocam a cidade. “Não quero perder meus laços, eu continuo a mesma pessoa. Toda minha vida começou em São Sebastião: meus amigos verdadeiros, o primeiro namorado, minha infância”, conta Aninha, uma das cantoras do grupo.

O protagonismo das mulheres no rap também possibilita que a visão delas sobre o próprio gênero seja observada. Ao cantar sobre a sensualidade, a luta diária para colocar a comida na mesa e o desafio de seguir os próprios sonhos, cantoras como Taty e Rayla, do grupo BellaDona, contribuem para que as mulheres sejam vistas como donas da própria vida e mesmo como rappers. “Ter gente no palco é importante, porque várias meninas precisam desse tranco para correr atrás e acreditar na música. Toda menina que está querendo parar, nós apoiamos para não desistir. Tem que aumentar, não diminuir”, argumenta Taty. Mas o sucesso não veio sem dor. Ao longo da trajetória das rappers, alguns músicos não pouparam comentários machistas, com o objetivo de desencorajá-las a participar do rap simplesmente por serem mulheres. Na estrada há 14 anos, o Atitude Feminina foi um dos grupos de mulheres pioneiros em Brasília. “No começo era bem mais difícil. Eles xingavam, às vezes mandavam desligar o som e até faziam gestos. Mas não tinha resistência do público. Hoje, quem fazia piadinha no Orkut ,agora quer que a gente regrave música junto com eles”, comemora Aninha. Envolvida com o rap desde a década de 90, Taty conta que as mulheres costumavam fazer no máximo participações especiais, como vozes bonitas para composições dos homens. “Passei muitos anos só no fundo de palco, fazendo um ou outro refrão. E até hoje alguns caras mal se dão o tra-

Com 14 anos de formação, o grupo Atitude Feminina g

balho de dar o crédito às mulheres pelas músicas que ajudaram a compor”, indigna-se Taty. Segundo Taty, o sucesso do BellaDona se explica porque o público é muito diverso. Até mesmo educadores usam o novo CD, , na sala de aula a pedido dos alunos. “Às vezes eles deixam rolando como som ambiente para a molecada fazer prova”, explica. “E como sei que minha família vai ser a primeira a ouvir o CD, não vou cantar apologia ao crime. Quero fazer músicas que todo mundo vá gostar”, acrescenta. Para Aninha, do Atitude Feminina, é fundamental ser respeitada como rapper independentemente do gênero, além de se firmar como cantora que aborda temáticas típicas das mulheres. Ao criar canções como , que tratam de temáticas como os perigos do mundo do crime e conflitos familiares, o grupo agrada tanto mulheres quanto homens. “Como cantora de rap, eu canto para

todo mundo. Os fãs são muito diferentes em cada lugar e a música pode ajudar todos eles a não fazer escolhas erradas”, explica Aninha. Apesar da boa receptividade do público, Hellen, do Atitude Feminina, acredita que preconceitos sempre vão existir. “Já me pararam e perguntaram: ‘nossa, você é cantora de rap? Nem parece’! E nem parece por quê? Porque eu sou branca? Porque você acha que rap é só palavrão?”, conta. Segundo o produtor da banda, DJ Raffa, muitos músicos são hostis por inveja. “Tem muitos que pensam: ‘por que elas têm um sucesso tão grande e eu não?’ Até alguns grupos femininos em vez de somar preferem fazer concorrência”, pontua. MÚSICA ROSAS Toda mulher tem uma conhecida, amiga, irmã, filha, avó, mãe que já apanhou por ser mulher. Muitas veem as agressões se repetirem na própria vida. Pode ser qualquer uma a próxima a levar


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DO PALCO

para dar cara nova ao rap brasiliense

alcoólatra e infiel. Diante da transformação, a mulher faz de tudo para trazer seu príncipe de volta. Com um bebê na barriga, acredita que a realidade vai mudar. Mas, ao chegar em casa cheirando maconha, o marido não mede esforços para surrá-la. O sangue escorre junto com a vida do filho e da mulher. Tamanha a identificação do público com a música, a faixa se tornou um dos hits de maior sucesso do grupo. Os depoimentos de mulheres que tomaram coragem por meio da música para denunciar os maridos violentos impressiogarante seu espaço ao lado de rappers masculinos nam Hellen. “Não esperávamos essa repercussão toda da música. Mas a gente escuta um empurrão do namorado, relatos emocionantes quando um tapa do marido ou uma descemos do palco. Recebemos muitos recados pelo Fasurra do pai dos filhos. Para o Atitude Feminina, o tema cebook também. Acho que, é especialmente sensível. Aninha, por ela saber que a música foi Hellen e as ex-integrantes do gru- baseada em fatos reais, a mupo, Jane e Giselle, viam a violência lher começa a pensar que não acontecer dentro de casa, regular- é a única, que pode separar do mente, e sentiam dificuldade de cara e seguir a vida”, enfatiza. Tema de provas do Programa falar sobre o assunto. “Éramos de Avaliaquatro mulheção Seriares, todas as da (PAS), quatro tinham a música um histórico Rosas tem de violência o videona família”, clipe do conta Hellen. grupo com Aninha diz o maior que as marcas são tão pro- Aninha, do Atitude Feminina n ú m e r o de acessos fundas que é difícil falar sobre o assunto. “Quan- no YouTube (somam-se mais to tempo ficamos em silêncio de- de 3 milhões) e foi a porta de pois que você fez a pergunta? entrada do Atitude Feminina É por isso, esse é um tema para a África. Como um artista muito forte para todo mundo”, local utilizou um trecho do hit em uma canção, os fãs de rap explica Aninha. Lançada em 2006, a músi- africano buscaram conhecer ca Rosas conta a história de melhor o som das brasileiras uma mulher que, apaixona- e lotaram um show do Atida, entrega-se completamen- tude Feminina na cidade cate a um marido que se torna bo-verdense de Mindelo, em

"Quem reclamava da gente naquela época, agora tem que nos engolir."

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Fotos: Vitor Sales

As cantoras do BellaDona, Taty e Rayla, sairam dos bastidores para lançar seu novo CD A Flor da Pele

2012. Na gravação do show, aparecem homens e mulheres africanos na plateia cantando estrofes inteiras da música. Assim que terminou de cantar, a dupla iniciou um coro da frase: “quem ama não mata, não humilha e não maltrata”, que os fãs repetiram, do início ao fim. A mãe de Aninha perdeu três filhos por agressão do marido. Temerosa, nunca havia se manifestado sobre isso. Na própria casa, em uma entrevista do Atitude Feminina durante a gravação do clipe , a mãe de Aninha começou a falar sobre o assunto pela primeira vez. “Eu tenho a fralda guardada até hoje do sangue que o pai da Aninha fez escorrer de mim dentro dessa casa”, foi a primeira frase que disse. “A minha mãe foi falando e a gente ficou calada. O cara estava filmando a gente e até virou a câmera para ela. Então é uma música difícil. Todas as vezes que eu subo

no palco para cantar me dá raiva, porque ainda há mulher que apanha e não denuncia. Aí diz que hoje não vai, mas amanhã... E amanhã não, depois. E quando vai ver vira uma con-

sequência muito maior. Toda vez que canto no show vai me dando mais raiva, dá vontade de cantar mais, trocar outras músicas por essa e repetir até abrir a mente”, relata Aninha.

LUTA POR AUDIÊNCIA NAS RÁDIOS Embora o rap tenha conquistado fãs por toda a periferia do DF, ainda há resistência por parte de rádios comerciais em tocar o estilo musical. Ainda assim, o rap acaba encontrando os próprios meios de divulgação. DJ Nego Gilson, dono da rádio online Movimento Hip Hop, ativa desde 2012, conta que o rap realiza divulgação independente por meio de rádios comunitárias e na internet. “O rap ainda continua sendo muito discriminado. A gente divulga todo tipo de rap na web, mas quando leva para a rádio o pessoal dá qualquer desculpa para não tocar”, expõe.

Com cerca de sete mil ouvintes por mês, a Movimento Hip Hop pode crescer ainda mais com a capacitação do DJ e porteiro em Ceilândia, Nego Gilson. Ele planeja se tornar microempreendedor individual pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e estuda para prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) a fim de ingressar no curso de Comunicação Social da Universidade de Brasília. “O rap nacional não é droga e mau caminho, ele também leva paz para as pessoas e eu quero que cada vez mais gente possa conhecer”, explica.


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ACESSIBILIDADE

O DESAFIO DE SE COMUNICAR

Apesar de obrigatório, ensino de Libras e de língua portuguesa para surdos ainda não é aplicado nas escolas Beatriz Pataro

E

m 2005, a legislação brasileira tornou obrigatório o ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e do português escrito para deficientes auditivos nas escolas, mas isso ainda não acontece. O bilinguismo não foi aderido por todas as instituições de ensino, o que representa falha na educação dos surdos que, em sua maioria, não conseguem se comunicar bem por meio da língua portuguesa, pois não entendem bem o idioma. O conteúdo básico da língua portuguesa depende da Libras para ser transmitido. Em função da surdez, desde pequenos os deficientes auditivos não têm estímulo necessário para relacionar a imagem com seu significado. Quando ninguém na família usa língua de sinais, acabam crescendo sem o idioma. “A Libras é sua língua materna. O correto seria que o bebê tivesse contato desde sempre com os gestos para fazer assimilações desde cedo. Isso ajudaria no aprendizado do português também”, explica o diretor da Associação de Pais e Amigos de Deficientes Auditivos do Distrito Federal (Apada), Marcos Brito. Nas escolas privadas, o ensino é praticamente restrito a alunos que não possuem nenhuma deficiência. Segundo Trajano Jardim, diretor de Comunicação do Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino no Distrito Federal (Sinproep/DF), as escolas particulares, geralmente, não aceitam alunos com deficiências pelo fato de ainda não possuírem suporte

para educá-los. “Elas ainda não têm medidas inclusas e não viabilizam a contratação de um intérprete para acessibilidade do surdo”, comenta. Nas escolas públicas do DF, o cenário é um pouco diferente. De acordo com a Secretaria de Educação, de 100 mil deficientes auditivos que vivem no DF, 1,2 mil alunos deles estão matriculados em escolas públicas. A matrícula do aluno com deficiência é feita depois de uma triagem que classifica o nível de surdez que ele possui e fornece amparo de acordo com sua necessidade. Somente a escola não é suficiente. Muitos surdos, depois de formados, procuram ajuda de instituições voltadas para ensino de deficientes auditivos com objetivo de reparar as falhas deixadas pela escola tradicional. A Apada é um exemplo. Todas as matérias vistas na escola são feitas novamente a partir de métodos inclusivos. “Vemos que alguns alunos surdos chegam aqui formados no colegial, mas não sabem nada do que estudaram. Eles somente viram e não aprenderam de fato porque não compreendem bem o português”, afirma Marcos Brito. A instituição possui 60 alunos e nenhum deles entende bem o idioma. A turma de Letramento, com maior número de alunos, é oferecida para pessoas com deficiência que nunca tiveram contato nem com o idioma nem com a língua de sinais. As aulas são, inicialmente, focadas no ensino de Libras

Carolyne Cardoso

Turma de Letramento da Apada recebe alunos de todas as idades e que nunca tiveram contato com português ou Libras

e, em um segundo momento, nas aulas de português. Raimunda Batista, 25 anos, é uma das alunas que passou pelo letramento. Ela chegou à Apada em 2009, sem nenhuma instrução, se comunicando apenas por gestos informais que fazia em casa com a família. Cada palavra é um novo desafio. Com a ajuda de um intérprete, ela conta que sempre foi muito difícil o contato com a família: “Tenho muita coragem para estudar e aprender. É ruim não entender o que acontece ao meu redor, não me comunicar com as pessoas que eu amo”, desabafa a aluna. FORA DA CURVA A comunicação por meio de Libras faz diferença no aprendizado dos surdos. João Paulo Pereira é um exemplo disso. Ele nasceu com surdez severa e profunda, de acordo com a classificação médica dada ao grau apresentado da deficiência. Graças à forma como foi educado, ele lê e

escreve bem em português e consegue falar também. Desde pequeno teve acompanhamento próximo de uma fonoaudióloga e da família. Tudo que estudava na escola era revisado pela mãe quando ele chegava em casa, utilizando o método correto para surdos. “Levei tempo para conseguir aprender português e sofri bastante. Meus dois irmãos também são surdos e não se dedicaram o bastante, por isso, hoje ainda

enfrentam muita dificuldade pra se comunicar ou ler alguma coisa em português”, explica. Hoje, João Paulo é professor do Departamento de Letras da Universidade de Brasília e dirige a Federação Nacional dos Surdos (Feneis). As aulas lecionadas por ele na universidade são realizadas por meio da lousa e de sinais para alunos que não apresentam deficiência auditiva.

573 mil

é o número de surdos no Brasil

100 mil

é o número de surdos no DF

1,2 mil

estão matriculados em escolas públicas

Fonte: Censo/2010 e SEDF Arte: Melina Fleury


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SOM-GUIA

Cruzamentos com semáforo sonoro fazem falta no dia a dia das pessoas com deficiência visual Glaucia Machado

A

Fotos: Carolyne Cardoso

na Lídia Martins precisa memorizar os espaços do chão para se localizar nos lugares que frequenta. Moradora do Recanto das Emas e deficiente visual, ela tem uma vida ativa: faz faculdade, trabalha e sai de casa todos os dias, mas quando o destino é desconhecido, não tem jeito, é hora de pedir ajuda a alguém. Andar pelas ruas do Distrito Federal não é tarefa fácil para todas as pessoas. Uma das principais reclamações de Ana Lídia quanto à mobilidade urbana é a falta de semáforos sonoros. Com duração de alguns segundos, o alarme vindo do equipamento orienta os pedestres no momento da travessia. “É uma segurança, dá para atravessar sem Pessoas com deficiência, como César Achkar, reclamam dos poucos sinais: é preciso medo. Se tivesse em mais locais apertar 30 segundos para acionar o alarme seria muito bom.” Ana conta que conhece apenas três des- lítica de habitação, mas hoje Ao descer do ônibus, seguiu ses semáforos: um na L2 Sul, convivem com o problema. uma moça para atravessar a próximo ao Centro de Ensino “Essa quadra não é totalmen- rua sem semáforo e sentiu o Especial de Deficientes Visuais, te adaptada. Tem faixa, mas carro parar em cima delas. e dois em Taguatinga. nem todos os carros param”, O caminho até a ABDV, na Já no Riacho Fundo II, uma afirma. De acordo com o De- 913 Sul, também deixa a desequadra residencial – o con- partamento de Trânsito (De- jar em relação à acessibilidajunto 14 da QN 16 – também tran), há 453 “cruzamentos de. Quem utiliza o transporte sofre com a falta do recur- semafóricos” no DF, dentre público para ir à associação so. Conhecida os quais 220 são encontra o primeiro obstácucomo vila dos passagens de lo logo na W3: a via é movideficientes vipedestres. mentada e o equipamento de suais, tem ramOs que pos- sinalização não tem alarme pas, pisos táteis Número de semáforos suem sistema sonoro. Alguns metros deem quase todas de sonorização pois há outro aparelho, desta sonoros no DF as calçadas e na somam 96. Para vez com som. No entanto, os área de lazer. o presidente da botões de acionamento do siPaulo Luz mora na vila desde Associação Brasiliense de nal funcionam apenas de um seu início, há sete anos. Ele Deficientes Visuais (ABDV), lado da pista. alega que, mesmo com as fai- César Achkar, o número é Semáforos com mecanisxas de pedestre, é difícil che- pequeno e coloca em risco a mos que sirva de orientação gar ao outro lado da rua. vida dos pedestres. É o caso para a travessia de pessoas Assim como Luz, cerca de de Ana Lídia, que quase foi com deficiência ou mobili30 pessoas com deficiência fo- atropelada quando ia traba- dade reduzida estão previsram para o local devido à po- lhar no Gilberto Salomão. tos no Decreto Nº 5.296, de

96

2004. O texto, que completa dez anos em 2014, estabelece a instalação dos equipamentos em locais em que há intenso fluxo de veículos ou pessoas, bem como por solicitação dos interessados. Aproximadamente 465 mil pessoas com deficiência visual residem no DF, conforme dados do último Censo Demográfico do IBGE, de 2010. De acordo com Thiago Fernando, que perdeu a visão aos 22 anos devido a uma retinopatia diabética, todos os aparelhos de sinalização deveriam ser sonoros. “Por várias vezes deixo de sair por falta de acessibilidade e segurança. O descaso é total”, desabafa. DE MAL A PIOR Segundo o professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Flósculo, os semáforos são solução precária em muitos casos. “Devemos, na verdade, ter percursos seguros para pedestres e cadeirantes, com ou sem

semáforos.” Ele destaca ainda que o Distrito Federal se tornou progressivamente menos acessível, com a expansão urbana desqualificada que vem sofrendo. Em nota, o Detran informou que cada “botoeira” custa em média R$ 2,3 mil e um cruzamento necessita de, no mínimo duas delas. Já a instalação de um cruzamento semafórico depende de um estudo técnico que avalia a geometria da via, o fluxo de veículos e pedestres e conflitos de travessia. O coordenador de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Corde) da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania, Sérgio Pimentel, conta que o órgão não recebeu, nos últimos meses, nenhuma reclamação de falta de semáforo. Além disso, afirma que ações para melhorar a situação estão sendo feitas pelo Detran. Enquanto isso, Ana Lídia, Paulo, César e Thiago aguardam.

FALHA NO PLANEJAMENTO A falta de aparelhos com alarme se repete em outras cidades planejadas. Conforme a Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade, em Goiânia há 623 cruzamentos semafóricos e apenas dois sinais sonoros para pessoas com deficiência visual. Ou seja, somente 0,3% dos equipamentos são adaptados. Em Belo Horizonte, de acordo com a Empresa de Transportes e Trânsito (BHTrans), o número de cruzamentos que possuem semáforos é de 967. Entretanto, nenhum deles conta com sistema de sonorização.


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ESPORTES

PAGANDO PARA COMPETIR Enquanto equipes de esportes populares pagam salários que podem chegar a cifras milionárias − subsidiadas por patrocínios e direitos de transmissão −, atletas de modalidades menos conhecidas no Brasil utilizam locais públicos como espaços de treinamento e tiram dinheiro do próprio bolso para financiar não só as competições, mas treinos, equipamentos e uniformes. O Campus mostra como esportistas de nível profissional da capital do país enfrentam essa dificuldade.

Fotos: Mayara Subtil

SEM APOIO PARA CRUZAR A ZONA FINAL

Mesmo com falta de apoio, time feminino de futebol americano de Brasília está prestes a se tornar campeão nacional

Gustavo Schuabb

O

futebol americano é um dos esportes em que os próprios jogadores têm que patrocinar a equipe. Mesmo sem tradição no país, o jogo da bola oval está caindo no gosto dos brasilienses. Hoje, Brasília conta com equipes maculinas e femininas de ambas as modalidades do esporte: (veja arte). Quatro times candangos disputam o principal campeonato nacional, mas nunca ganharam um título. Em contraponto, o futebol

americano feminino brasiliense está prestes a se tornar campeão nacional. Vencedor das eliminatórias do torneio organizado pela Confederação Brasileira de Futebol Americano (CBFA), o time feminino do Brasília Alligators, ou Gators, como são comumente chamados, conquistou uma vaga para disputar a final em novembro, contra o São Paulo Storms, atual campeão nacional e base da seleção brasileira da modalidade. Apesar de receberem grande apoio de torcedores no DF, essas equipes precisam se sus-

tentar com as próprias pernas. Prestes a completar três anos de existência, o time feminino dos Gators não possui patrocínio. Integrante desde a fundação, Raquel Araújo se tornou presidente da equipe e precisa encarar o maior obstáculo do time: a dificuldade financeira. “Contamos com a contribuição de cada integrante da equipe, como uma mensalidade. Mas esse dinheiro ajuda apenas no pagamento das inscrições em campeonatos”, explica. Assim foi no Circuito Na-

ENTENDA O ESPORTE

O futebol americano é praticado com mais ênfase no Brasil em duas modalidades: full pad e flagfootball

Na modalidade full pad, é jogado como é visto na National Football League (NFL), com bastante proteção e contatos mais duros

Já no flagfootball é uma versão mais amena do jogo. É utilizado um cinto com uma bandeira de cada lado da cintura, sem o uso da proteção. Arte: Eduardo Carvalho

cional, ocorrido no mês passado. Viagem bancada por meio do dinheiro dado ao time, e todo o restante, pago por cada jogadora. Mas essa barreira não foi o suficiente para que o Brasília Alligators se intimidasse e não vencesse os outros quatro times (originalmente seriam cinco adversários, mas um precisou desistir da competição, por dificuldades financeiras), inclusive times tradicionais como o Spartans, de São Paulo, vice-campeãs do torneio em 2013, e Vasco Big Riders, do Rio de Janeiro.

Nos Estados Unidos, esta modalidade é utilizada para ambientar crianças que estão começando a praticar o esporte. Ao invés de derrubar, basta retirar uma das bandeiras da cintura do adversário e a jogada será parada. As regras são quase as mesmas existentes na modalidade full pad, com diferenças pontuais para se adaptarem à dinâmica da modalidade flagfootball.

Para Raquel, essa campanha foi marcante. “Nunca havíamos ganhado do Spartans, então foi muito gratificante. O jogo contra o Vasco foi o mais emocionante e nos encheu de confiança para o restante do campeonato”, explica. Os Gators treinam duas vezes durante a semana, sempre em local público. No domingo, dia em que o maior número de jogadoras conseguem ter disponibilidade, por exemplo, o treino é realizado no gramado central da Esplanada dos Ministérios. Todo o material utilizado, como bolas, cones e as flags, são de propriedade do time e bancado pelas jogadoras. Se alguém quiser beber água, precisa trazer de casa. Os uniformes utilizados nos treinos e nos jogos também foram pagos pelas jogadoras. Se rasgar, o prejuízo é maior. Um atleta precisa desembolsar cerca de R$ 1.700 para comprar seu próprio equipamento, na modalidade , e cerca de R$ 250 na . “Não temos patrocínio ainda, mas estamos procurando”, conta Raquel. Além disso, a falta


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MEDALHA NO PEITO, BOLSO VAZIO Breno Damascena

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Parque da Cidade é pista de treino para Lucas Boniolo, da seleção brasileira

“Por não ser um esporte olímpico, o governo não olha para a gente.”

Ramiro Riveros, treinador de patinação de velocidade Bolsa-atleta O benefício é destinado a esportistas de alto rendimento que obtêm bons resultados em competições da modalidade. Para ser contemplado o esportista deve preencher uma série de requisitos, que vão definir a categoria de valor a ser recebido do governo. Porém, o dinheiro é insuficiente para bancar os gastos dos atletas e, desde 2013, parou de ser concedido à patinação.

de pessoal também afeta. O time está sem técnico principal e as jogadoras treinam por si só. “Perdemos nossos técnicos por motivos variados, e estamos nos virando sozinhas. Alguns jogadores do time masculino são solidários e nos ajudam, mas nós precisamos acumular funções para conseguirmos treinar.” Por não ser muito conhecido no Brasil, o esporte é tido como truculento para a maioria. Raquel conta que esse preconceito dificulta na hora de montar o time. “Muitas pessoas acham que é um esporte muito violento, mas é muito mais inteligência do que força. Arranjar pessoas dispostas a jogar foi a parte mais difícil.”

Por conta disso, a rotatividade dentro do time pode ser muito alta. “Desde a criação até hoje, somente permaneceram eu e mais duas companheiras.” Mas Raquel acredita que esse quadro pode mudar: o plano de um time para jogar a modalidade não é descartado. Mesmo com tão pouco apoio financeiro, o time feminino de flagfootball do Brasília Alligators já disputou 32 jogos oficiais e conquistou o campeonato do Centro-Oeste no ano passado. Foi vice-campeão este ano, 4º lugar no último Circuito Nacional e campeão das eliminatórias nacionais para disputa da final, nos dias 22 e 23 de novembro deste ano, em Goiânia.

as não é só o futebol americano que cresce e ganha adeptos na capital do país. Com a Copa do Mundo neste ano e as Olimpíadas em 2016, o Brasil virou polo esportivo e chama a atenção do mundo. Apesar dos programas de incentivo do governo, muitos atletas ainda dependem do próprio bolso para treinar, disputar campeonatos e levar o nome do país para outros lugares. O problema se repete com a patinação de velocidade em Brasília. A equipe do DF é referência para o resto do país e, com longos passos, apresenta uma evolução notável. O principal motivo dessa mudança foi a chegada do técnico Ramiro Riveros. Nascido na Colômbia, é treinador há 14 anos e chegou a Brasília graças a pedido do Comitê Olímpico Brasileiro para treinar a seleção que participaria do Pan-Americano de 2006. Após conseguirem o resultado mais expressivo do esporte na história do país, Riveros foi convidado a permanecer no Brasil e optou por Brasília em função do Parque da Cidade. “Os outros lugares têm praia, mas aqui eu tenho um parque verde, grande e no centro.” O estacionamento do parque se tornou um dos principais locais para a prática da patinação no país. Desde então, a equipe formada por 30 atletas federados é sempre lembrada para as convocações da seleção nacional, se transformou na maior equipe do Brasil e ganhou nove dos dez campeonatos brasileiros disputados, inclusive o de 2014. Mas nem tudo são flores, a equipe enfrenta vários problemas. A falta de apoio do governo à modalidade é o principal deles. Apesar do espaço do parque, Brasília não tem local adequado para os treinos e campeonatos nacionais. “A única pista para patinação de velocidade no Brasil fica em

Sertãozinho, no interior de São Paulo”, explica Ramiro. A maior dificuldade enfrentada pelos atletas, no entanto, é a falta de apoio financeiro. O equipamento é caro: só os patins profissionais custam entre R$ 1,5 mil e R$ 3 mil, o jogo de rodas custa aproximadamente R$ 300 e se desgasta muito, ainda mais na pista de asfalto utilizada para os treinos. Somado a isso, há equipamentos de segurança, mensalidades, custos com campeonatos, apresentações e viagens para representar Brasília em

R$ 2.250

Preço médio de um par de patins profissionais

a nível mundial, em novembro, na Argentina. A falta de incentivo aos esportes brasilienses não é vista apenas na patinação. Gabriela Alves, ex-campeã brasileira e número 1 do Brasil no tênis, enfrenta problemas rotineiros com a parte financeira. Ela já deixou de disputar campeonatos por causa dos custos. “O esporte em Brasília é fraco. Não pelo nível do tênis, mas pela falta de apoio aos atletas.” Filha de professores, ela joga desde os seis anos. As viagens são costumeiras e necessárias, já que Brasília não tem torneios relevantes para a categoria. A bolsa-atleta que recebe do governo não cobre todas as despesas, o que afasta Gabriela do esporte. “Os equipamentos são caros, além das viagens.” A tenista pretende continuar praticando tênis, mas imagina outros rumos, longe dos campeonatos, para utilizar seu talento. “Tenho o objetivo de jogar por uma universidade nos Estados Unidos. Os gastos com o esporte são muito caros e não acredito que posso me manter assim para sempre.”

outros lugares do país. Nenhum atleta tem patrocínio. Cada um banca os próprios gastos e é comum que eles façam alguns sacrifícios para se manter competindo. “Por não ser um esporte olímpico, acho que o governo não olha para a gente do jeito que merecemos”, diz Ramiro. O bolsa-atleta foi pago a quatro patinadores da equipe em 2012. Lucas BoBreno Damascena niolo, um dos convocados da seleção brasileira, recebeu R$ 11 mil do governo naquele ano. De lá para cá, o recurso parou de ser entregue, pois o esporte não obedece a alguns requisitos. A patinação possui só quatro estados federados na modalidade. O edital exige, no mínimo, seis. “As condições não têm sido favoráveis. Existe pouco investimento e precisamos tirar quase tudo do bolso”, reclama Lucas. Ele economiza desde janeiro para disputar sua Gabriela, ex-número 1 do país, gasta em média terceira competição R$ 1.500 para disputar um torneio fora do DF


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COMPORTAMENTO

NÃO BASTA COMER TAPIOCA

Carolyne Cardoso

Uma dieta saudável sem glúten requer acompanhamento profissional e compromisso

Luiza Garonce

A

moda pegou e o consumo de alimentos glúten free tem se tornado cada vez mais comum. Pergunte a cinco amigos se eles fazem a dieta e ao menos um dirá ter comido tapioca no café da manhã. Adotada como estilo de vida e não exclusivamente por uma restrição alimentar necessária, a dieta zero glúten pode alterar o funcionamento do organismo para bem ou para mal. Quando corretamente orientado, reduzir ou retirar a substância pode trazer muitos benefícios à saúde, como perda de inchaço, bom funcionamento intestinal, maior disposição, redução de inflamações e de alergias e menos dores nas articulações. Mas a exclusão do glúten por si só não garante uma alimentação saudável. É o caso da professora de Desenho Industrial da Universidade de Brasília Daniela Garrossini. Ela começou a dieta glúten free mesmo não sendo intolerante à substância e tampouco sem necessidade de perder peso. A designer optou por restringir a alimentação para melhorar a qualidade de vida e, graças à orientação de um especialista e de sua motivação para manter-se na dieta, relata ter tido mais disposição e melhorado o sono logo na primeira semana. Mas o sucesso do novo cardápio não se atribui exclusivamente à remoção do glúten, mas à

origem dos alimentos: “Tenho que comer tudo o mais natural e puro possível. Até arroz precisa ser o selvagem, ou seja, zero produtos refinados”. A empresa de Tatiana Meira surgiu da necessidade de oferecer alimentos sem glúten com qualidade. A chefe de cozinha retirou a substância do cardápio em 2012, quando começou um tratamento ortomolecular. Preocupada em alimentar-se de produtos

O QUE É GLÚTEN? O glúten é uma proteína de difícil digestão encontrada no trigo, na aveia, no centeio, na cevada e no malte. Pode provocar alergias e processos inflamatórios quando ingerido em excesso, além de enxaqueca, rinite, sinusite, asma, dermatite, constipação, alergia e retenção de líquido.

frescos e naturais, ela criou receitas próprias para pães e bolos livres de glúten. “Não entrava na minha cabeça comer congelados e, com o tempo, percebi que esse era um descontentamento de muitas pessoas com a mesma restrição alimentar que eu.” Estimulada por este cenário, Tatiana abriu, há um ano e meio, a Alimentação Diferenciada, que vende produtos sem glúten, lactose, conservantes ou soja.

Um erro comum é escolher alimentos sem glúten produzidos com farinha refinada – que passou por processo de remoção das fibras. De acordo com a nutricionista funcional Lilian Lins, isso costuma acontecer quando não há acompanhamento profissional. “A pessoa tira o macarrão, mas come arroz branco ao invés de integral. Substitui o pão pela tapioca, que é uma espécie de farinha refinada da mandioca”. O problema está no baixo valor nutritivo desta farinha e, portanto, na capacidade de suprir as necessidades do organismo para o bom funcionamento. O SEGREDO É EQUILIBRAR O nutricionista funcional Amir Borges afirma que o consumo destes alimentos sem ingestão adequada de líquidos e fibras pode gerar mais constipação: o contrário do que se pretende com uma dieta livre de glúten. “O que acontece com frequência é o paciente retirar a substância do cardápio, mas não consumir todas as frutas e sucos prescritos na dieta.” A remoção do glúten da alimentação diária também pode gerar, a longo prazo, reações adversas quando o organismo entra em contato com a substância. “O corpo se acostuma e, com isso, aumenta a hipersensibilidade. Quando a pessoa ingere glúten, acaba desencadeando diarreia, inflamação ou constipação”,

A chef de cozinha Tatiana Meira abriu empresa que produz alimentos sem glúten, entre eles o “bolo de caneca”

explica Lílian Lins. A dica da nutricionista para quem deseja fazer a dieta é reduzir o consumo, mas não extingui-lo do cardápio. Ela recomenda que o primeiro mês seja completamente isento para fazer uma “faxina” no organismo. Depois, a indicação é consumir alimentos sem glúten preferencialmente integrais e, esporadicamente, alimentos com glúten. Para muitos, a dieta é a nova receita de emagrecimento, mas há quem necessite dela para viver com saúde. Roberto Negrão extinguiu o glúten da alimentação em 2006 após descobrir que é celíaco e ganhou 15 quilos: “Antes eu ficava sempre abaixo do peso ideal”. Apesar de sofrer os sintomas da intolerância, Roberto não tinha conhecimento da doença e

DOENÇA CELÍACA É uma doença autoimune que, em contato com o glúten, gera inflamação crônica no intestino delgado e impede a absorção de nutrientes essenciais. Sintomas: diarreia crônica, depressão, desnutrição com déficit de crescimento, prisão de ventre crônica, osteoporose, esterilidade e doenças neurológicas.

passou grande parte da vida sem que os médicos lhe dessem explicações: “'Seu corpo funciona assim', eles diziam”. De acordo com a Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil, cerca de dois milhões de brasileiros têm a doença, mas a maioria ainda não foi diagnosticada e sofre sem saber o motivo.


Campus

Brasília, 21 de outubro a 3 de novembro de 2014

COMPORTAMENTO

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A FORÇA DOS CACHOS

O fim do alisamento de cabelos crespos ou cacheados aproxima mulheres negras da militância racial Nara Menezes

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ophia Costa, 20, fez progressiva pela última vez em fevereiro deste ano. Juliana Lopes, 20, abandonou tratamentos químicos há quatro anos. Daiana de Azevedo, 33, nunca abriu mão de seus cachos. Graça Santos, 61, parou de alisar os cabelos há 37 anos. Quatro mulheres e diferentes motivações. Em comum, a decisão de usar os cabelos naturais e o envolvimento na militância negra. “Eu olhava para o espelho e não me reconhecia, aquele cabelo liso não condizia com a minha personalidade”, conta Sophia Costa, sobre o que a levou a fazer a transição, período entre a última aplicação de química e o momento em que se cortam as últimas mechas afetadas pelos produtos. Inicialmente, a estudante de publicidade não caracterizou sua decisão como política, mas as pesquisas acerca de cuidados com seus cabelos a inseriram em grupos virtuais que proporcionaram a aproximação ao movimento negro. O uso de tratamentos químicos intensos e frequentes causou em Juliana Lopes o segundo corte químico de sua vida, nome dado à queda de cabelo provocada pela aplicação inadequada de produtos químicos. O abandono destes procedimentos à época não continha outro significado para Juliana que não a preocupação com sua integridade capilar. A admissão na faculdade de direito e o engajamento em movimentos sociais, porém, levaram à sua identificação com o movimento negro, no qual hoje atua pelo coletivo Yalodês. A partir de então, os cabelos cacheados são para ela

Fotos: Juliana Perissê

A cabeleireira Ana Paula Nascimento faz penteado em Andrezza Pereira no salão Rainha de Sabá, especializado em penteados e cuidados de cabelos afro

um ato político de resistência. Daiana de Azevedo sempre refutou as insistentes tentativas de persuasão dos cabeleireiros para desfazer-se de seus cachos. Como professora de crianças, observou que a pressão social era destrutiva à autoestima, especialmente na infância. Essa percepção a levou a fazer um mestrado a respeito da identidade da criança negra na escola. O ingresso de Graça Santos no movimento negro a motivou a deixar o alisamento que fazia desde os quatro anos de idade e, posteriormente, a levou a fundar o primeiro salão afro de Brasília, em 1992.

Segundo ela, a atitude foi uma provocação aos salões tradicionais, que não reconheciam o público negro como consumidor de serviços distintos do alisamento. Nessa iniciativa concebida pela militância, Graça encontrou um nicho de mercado que lhe permitiu se estabelecer no ramo. À primeira vista, já é possível perceber que seu salão não é tão tradicional. Na parede esquerda, junto ao balcão de atendimento, uma estante reúne vários acessórios, como faixas e turbantes, além de colares de semente, cremes para cabelos crespos e bonecas negras. Do lado direito,

um conjunto de fotos de mulheres negras exibindo diversos penteados deixa claro qual é o público majoritário do local. Profissionais de beleza alegam que a demanda por salões voltados ao público negro é crescente devido à influência da mídia. O surgimento de personagens com cabelos cres-pos em novelas é apontado por Ana Paula Nascimento, cabeleireira, como um fator decisivo para que as mulheres voltem a assumir seus cabelos naturais. “Quando você vê esse tipo de cabelo com mais frequência, começa a ver beleza nele”, comenta. Graça concorda que a representatividade na mídia é crucial para que as mulheres aceitem seus cabelos naturais e cita como exemplo uma cena de novela de 2012 na qual, pela primeira vez, uma mulher negra se casou usando penteado afro, o que alavancou o pedido de noivas que desejavam usar seus cabelos naturais. O segmento de salões voltados ao público de cabelos crespos e cacheados é, para Graça, um contraponto ao padrão

de beleza europeu. “Trazer um espaço que não tenta alterar as características afro é uma afronta à percepção de que só o branco é bonito, e é também uma forma de aproximar a questão racial do debate público”, afirma. Reinaldo Fernandes, cabeleireiro, percebe também uma demanda prática relacionada ao público afro, pois afirma que “cabelo crespo é um segredo”, então é necessário um conhecimento específico a respeito da estrutura dos fios para saber lidar com cada tipo de cabelo. Tanto Sophia quanto Juliana afirmam que o alisamento foi uma forma de driblar o fato de que não sabiam lidar com seus cabelos. De acordo com Sophia, “durante a infância a gente passa por um processo de embranquecimento, de que só o cabelo liso é bonito, então reconhecer as nossas origens é uma posição fundamental pra resgatar a nossa ancestralidade”. Juliana compartilha desta opinião e declara que “é cruel você querer parecer com quem te oprime”.

Juliana Lopes, hoje livre dos produtos químicos: “antes eu não me questionava se deveria alisar. Era o caminho natural”


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Brasília,21 de outubro a 3 de novembro de 2014

FOTORREPORTAGEM

CUIDADOS COM A BICHARADA Bruna Lima

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ibi, Joe, Paçoca, Amendoim, Magrela, Choquito, Nina, Orelha, Leroy. Todos têm nome e RG. A ficha clínica é detalhadamente descrita, afinal, estamos falando de pacientes extremamente importantes. Até junho deste ano, 1.809 animais silvestres foram resgatados e levados para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) nas mais diversas condições: com queimaduras, mordidas feitas por outros animais, ferimentos ocasionados por atropelamento e desnutridos. Assim que chegam, passam por exames e cuidados nas mãos de veterinários. Ficam no local em observação e, quando curados, são inseridos novamente em seus habitats. Os que não podem voltar à natureza por algum motivo são destinados às mantedoras de fauna, locais registrados e aptos a receber os animais. Para atender à grande demanda de pacientes, o Ibama DF tem como parceiro o Hospital Veterinário da UnB e o Zoológico Nacional de Brasília, onde alguns dos animais são remanejados para que tenham o melhor tratamento e readaptação possível. Sob o cuidado de profissionais zelosos, ficam até chegar a hora de saírem de seus ninhos, tocas e ambientes artificiais e reencontrar seu verdadeiro lar: a mãe natureza.

A Polícia Ambiental resgata e leva os animais aos Cetas, onde são registrados e encaminhados à veterinária

Tratadores do Cetas recebem, alimentam e limpam o recinto dos animais todos os dias

Os pacientes passam por exames de sangue e de fezes, a fim de constatar doenças e submeter o animal ao tratamento adequado

A dieta dos animais é balanceada e de acordo com o consumo natural do indivíduo. Os remédios são, muitas vezes, introduzidos na comida, facilitando a aplicação

No Hospital Veterinário da UnB, os animais chegam nas mais diversas condições. Lá, são medicados e acompanhados até que fiquem curados

Alguns animais tratados não sobreviveriam na natureza, então ficam no zoológico. Orelha, o lobo guará que perdeu parte de sua audição, é um desses casos


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