Campus - nº 427, ano 45

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CAMPUS

BRASÍLIA, OUTUBRO DE 2015

NÚMERO 427 ANO 45

SEGURANÇA

ESPORTE

CONVÊNIO SUSPENSO

OITO POR DIA

TERCEIRA IDADE

Entidades do DF não recebem pão há cinco meses

Famílias buscam parentes desaparecidos no DF

Time de vôlei reúne jogadoras a partir dos 50 anos

EDUCAÇÃO

MAYNA RUGGIERO

SALAS DE PAPEL MEC pagou instalações para alunos com necessidades especiais no DF, mas Campus descobre que algumas viraram depósitos (foto) e outras não existem


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Brasília, outubro de 2015

CAMPUS

CARTA DO EDITOR

NA FILA

Ana Carolina Fonseca Editora-chefe

Chegamos à nossa segunda edição do Campus com mais segurança no trabalho. Nas primeiras semanas na redação, optamos por uma estrutura sem hierarquia, sem chefes. A nova fórmula não deu certo: voltamos para o tradicional, mas aprendemos muito com a experiência. Mais do que nunca, entendemos que essa produção é coletiva. Cada página do jornal é o resultado do esforço de todos os envolvidos. Se na edição de estreia tivemos dificuldades com a rotina de produção, agora nosso desafio é manter a qualidade das pautas e dos textos. Na edição passada, a principal preocupação do Campus foi retratar desigualdadades e preconceitos, seja em casa, no trabalho ou na saúde. Agora, o foco está na cidade. Ou melhor, nas cidades do Distrito Federal. Fomos até o Paranoá para conhecer o estádio JK, abandonado pela administração, mas ainda possuidor de torcedores fieis. Enquanto isso, a crise do GDF chega ao pãozinho francês de cada dia: asilos e creches do Distrito Federal

estão sem abastecimento de - isso mesmo - pão desde maio. Você sabia que todas as escolas públicas deveriam estar adaptadas para alunos com necessidades especiais? Na prática, isso não acontece. O Campus visitou escolas do DF que não estão preparadas para receber esses estudantes e conheceu a realidade das crianças que dependem dos recursos. Na página 12, mostramos uma rádio representante da comunicação indígena. A luta dos povos indígenas já foi pautada pelo Campus, como contamos na “Memória” desta edição. Vemos, até hoje, a demarcação de terras pautada como uma das principais dificuldades na conquista dos direitos desses povos. A novidade do Campus neste semestre é que em todas edições temos um suplemento: são matérias com um olhar novo de um tema específico. Na primeira edição foi a vez da saúde. Agora, damos espaço para a produção agrícola no Distrito Federal. Boa leitura. *Feminino de ombusdman, termo que significa “provedor de justiça”, a ombudskivinna discute a produção dos jornalistas a partir da perspectiva do leitor.

OMBUDSKVINNA*

Nas filas e nos corredores da UnB, perguntamos a estudantes sobre a descriminalização do porte da maconha. O tema está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) desde o início de setembro e divide as opiniões dos ministros.

Lucas Mafra Ciência da Computação

“Sou a favor. Acredito que há muito preconceito sobre a utilização também.”

Amanda Venício

A edição 426 do Campus tem unidade e apresenta pautas que conversam entre si. Além disso, traz à tona questões de gênero e sexualidade. A matéria “Para fora do ninho” fala sobre jovens LGBT que são expulsos de casa, tema que merece discussão. Acredito, porém, que faltou um gancho com uma informação recente ou um enfoque mais preciso. Os dois personagens falam sobre as dificuldades de concluir os estudos devido às agressões da família. Por que não uma pauta sobre como a homofobia atrapalha o acesso à educação? “O lugar das mulheres nas academias militares” e “Sexualidade de mulheres que amam mulheres” espantam ao revelar o preconceito contra gênero e orientação sexual entre militares e médicos. Matérias como essas são necessárias para não nos deixar esquecer que há ainda muita coisa a ser mudada na sociedade. “Ginecologia das plantas” é um texto bastante balanceado, que aponta prós e contras e deixa a decisão para o leitor.

MEMÓRIA

Na edição 64 do Campus, de abril de 1984, o jornal estampou na capa as dificuldades que a população indígena tem na luta por seus direitos no Brasil. A matéria de Jair Barbosa Jr, Luiza Modesto e Diogo Neto foi publicada logo após o II Encontro de Lideranças Indígenas, que ocorreu em Brasília. O evento foi presidido pelo deputado federal e cacique xavante Mário Juruna, um ícone na luta política do índio brasileiro.

O relato de uma mulher que tivesse feito um tratamento alopático, mas só conseguiu uma cura após utilizar um método natural teria enriquecido a matéria. “Os esquecidos” me fez desejar um texto de duas páginas ou mais. Queria saber cada detalhe sobre a resistência e a sobrevivência indígena após a expulsão. Imaginei uma matéria que comparasse a rotina dos novos moradores do setor Noroeste e a dos resistentes das tribos Kariri-Xocó e Tuxá. Agora, vamos aos puxões de orelha. O novo jornal reproduz o mesmo visual do anterior, mas sem dar créditos à equipe de planejamento gráfico do semestre passado. Utilizar uma imagem de divulgação na capa, em vez de uma produzida pelos próprios alunos, também pegou mal. E, logo na Memória, o leitor dá de cara com um deslize: a palavra “homossexualismo” em vez de “homossexualidade”. Embora a edição de 1995 retratada tenha utilizado a primeira expressão, que traz uma conotação negativa, não há por que o Campus repetí-la.

1984

Enquanto isso, o cacique txucarramãe Raoni tomava a frente de um movimento contra o descaso da Funai. Na época da publicação da matéria, ele já esperava havia 13 anos pela resolução de um conflito envolvendo seu povo. Nesta edição, mostramos a história da rádio indígena Yandê, uma representação da voz dos povos indígenas que conta as histórias deles de um modo ignorado pela mídia tradicional.

Ana Libânio Economia

“Sou contra. O problema da maconha no Brasil não é a utilização, é o que tem por trás, o tráfico e as vidas tiradas pra droga chegar aqui.”

Henrique Tagliari Administração

“Sou a favor. É um assunto muito complexo. Temos hoje uma guerra gigante contra o tráfico.”

Isadora Almeida Desenho Industrial

“Sou a favor. Isso abre portas pra tratarmos das coisas de um jeito certo, ao invés de negarmos um problema que sempre existiu e sempre vai existir.”

EXPEDIENTE Editora-chefe: Ana Carolina Fonseca Editores: Beatriz Queiroz, Felipe Sousa Alves, Luana Pereira e Rafaella Panceri Repórteres: Alana Martinez, Ana Carolina Bardini, Ana Gabriela Braz, Anna Caroline Magalhães, Carina Ávila, Isabelle Marie, Maria

Letícia Melo, Mayna Ruggiero, Tássia Saraiva, Tatiane Vaz, Thaísa Oliveira e Yasmin Perna Diretores de Arte: Raphaele Caixeta e Renan Xavier Fotógrafos: Loyane Alves e Ludimila Mamedes Projeto Gráfico: Amanda Venício, Anna Luiza Félix, Bárbara Cruz, Bianca Marinho, Luiza Antonelli, Maria

Paula Abreu, Matheus Bastos , Raphaele Caixeta, Renan Xavier e Wenderson Oliveira Monitoras: Maria Paula Abreu e Mariana Lozzi Professor: Solano Nascimento Jornalista: José Luiz da Silva Gráfica: Coronário

Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da

Universidade de Brasília


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CRISE

CAFÉ DA MANHÃ SEM PÃO Instituições de assistência social do Distrito Federal sofrem com a interrupção do fornecimento de alimentos por parte do governo do DF ANNA CAROLINE MAGALHÃES

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dia no lar dos velhinhos Bezerra de Menezes, em Sobradinho, começa cedo. Às 7h do dia 30 de setembro, os idosos já estão divididos em duas mesas grandes para o café da manhã. Há mais cadeiras de roda do que cadeiras comuns. De longe é possível escutar balbucios indecifráveis, desses que a terceira idade traz. Funcionários se desdobram para carregar de lá para cá o café, os biscoitos de água e sal e a batata doce. O pão acaba mais cedo porque o asilo conseguiu pouca doação. O GDF, que deveria entregá-los três vezes por semana ao asilo, não manda mais há seis meses. Essa realidade se repete em 185 instituições assistenciais do Distrito Federal. Elas estão desde meados de abril e maio sem receber os pães do convênio que tinham com o GDF. De acordo com o Programa de Provimento Alimentar Institucional, de duas a três vezes por semana as entidades deveriam receber pães, dentre outras coisas como leite, iogurtes e derivados, conforme a necessidade de cada local. Entretanto, devido problemas com o atacadista contratado para o serviço, o fornecimento foi suspenso. Segundo a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Humano e Social (SEDHS), a interrupção se deu em virtude do pedido de reajuste de mais de 40% feito pela atacadista Fonte Fofinho, responsável pelo fornecimento e distribuição dos pães desde 2013. Os reajustes anuais concedidos pelo GDF estavam de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em torno de 6,5%. O contrato de 2015 chegou a ser renovado, mas devido ao fato de o reajuste não ter sido atendido, ele foi rompido unilateralmente em março de 2015. Seu valor era de R$3,7 milhões e previa o total de 19 milhões de pães por ano, o que correspondia a até 1,6 milhão por mês. “Solicitamos o reajuste, eles [GDF] não quiseram e, por isso, não pudemos fazer mais o serviço. É simples”, afirmou um funcionário do atacadista, localizada no Cruzeiro, que

não quis se identificar. Nenhum outro aceitou dar entrevista sobre o assunto ou explicar a situação. Enquanto isso, as instituições de assistência social que têm esse convênio com o governo se viram como podem. A nutricionista da Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), Daniele Alvino, explica que a falta é grande. “Com os pães fazíamos torradas, servíamos sanduíches, podíamos variar. Agora, ou temos que tirar dinheiro destinado a outras coisas para

sempre damos um jeito, não vamos deixá-los sem comida, mas é complicado. Temos que ir atrás de padarias ou arranjar dinheiro. Se formos pagar sempre, vamos gastar mais de mil reais por mês só com pães”, confessa o coordenador Marco Antônio Lolato. Outra reclamação foi que não houve nenhum aviso prévio às instituições assistenciais em relação aos pães. A descoberta veio por meio da própria interrupção do fornecimento. “Quando vimos que não estavam entregando LOYANE ALVES

Idosos do asilo Bezerra de Menezes, em Sobradinho, estão sem os pães fornecidos pelo GDF há cerca de seis meses. Biscoitos, bolos e pães doados por padarias próximas são a saída

comprá-los ou substituir por outros alimentos. É difícil”. As quatro unidades da Apae que existem no DF (Asa Norte, Guará, Ceilândia e Sobradinho) recebiam os pães. Ao todo, eram mais de dois mil pães por semana. Na unidade da Ceilândia existe produção de pães caseiros como aula, mas, de acordo com Alvino, é impossível atender toda a demanda da entidade. “A pequena produção que há na Ceilândia não dá conta de tudo. Eles ajudam, mas ficam muito sobrecarregados, não dá”, explica a nutricionista. A dificuldade se repete no Lar dos Velhinhos Bezerra de Menezes, em Sobradinho. A alternativa encontrada pelos funcionários do local foi pedir ajuda às padarias próximas. “Nós

mais, ligamos e avisaram que estava suspenso e sem data para voltar”, afirma Lolato. Além disso, os coordenadores das entidades não receberam explicação sobre o motivo da suspensão. Lolato descobriu a razão do corte durante a realização desta reportagem. Na maioria das vezes, comprar os pães é uma alternativa inviável para grande parte das instiuições assistenciais. Lolato explica que o contrato de apoio financeiro que o asilo tem com o GDF, no valor de R$ 1,7 milhão por um ano, paga apenas os mais de 60 funcionários que trabalham no local. Há ainda despesas com alimentação, manutenção do espaço, contas de água, luz e até mesmo despesas médicas, pois nem sempre o idoso pode esperar o

tempo que hospitais públicos exigem para exames, restando como opção apenas o atendimento particular. Além disso, os asilos que antes recebiam fraldas geriátricas do governo, agora não recebem mais devido ao fato de o produto estar em falta na rede pública de saúde há mais de sete meses, o que ocasionou outro aumento de gastos. Dessa forma, desembolsar verba para os pães se torna uma missão praticamente impossível para as entidades, principalmente em uma época em que o produto ficou 8,1% mais caro devido à alta do dólar. Para o coordenador do Lar dos Velhinhos São José, localizado em Sobradinho, Luciano Fernandes, os pães fazem muita falta na rotina do asilo. “Estamos dependendo das doações que fazem para nós”, afirma. “Entramos em contato com a SEDHS assim que os pães pararam de vir, disseram só que era problema com a atacadista e que não tinha nenhum prazo para retomar. Estamos aqui de mãos atadas até agora.” Em tempos de crise, a dificuldade de sobrevivência das entidades aumenta ainda mais. Fernandes afirma que hoje em dia vive com medo de haver mais cortes por parte do governo. “Vendo essas medidas que o GDF está tomando, além dos cortes e da crise no país inteiro, ficamos com receio de tirarem os auxílios que recebemos. Até agora não teve. Estamos na torcida para continuar sem ter, mas nunca sabemos”. Foi apenas seis meses depois do rompimento contratual, em setembro, que o GDF abriu uma licitação de R$ 5,3 milhões para a compra dos pães. O pregão eletrônico estava marcado para ser realizado no dia 24 de setembro, mas foi suspenso. De acordo com a SEDHS, ainda em outubro ele vai acontecer para que a entrega dos pães possa, finalmente, ser normalizada. Enquanto o problema não é resolvido, os pães vão continuar acabando mais cedo nos cafés da manhã e lanches da tarde das instituições assistenciais. u


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SAÚDE

É PRECISO PREVENIR Mesmo abaixo da média nacional, DF é o primeiro a articular um Plano Distrital de Prevenção do Suicídio ALANA MARTINEZ

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e a mobilização política e social acerca do tema. Durante a I Jornada de Prevenção do Suicídio, em setembro de 2012, o DF lançou a Política Distrital de Prevenção do Suicídio, tornando-se a primeira unidade federativa brasileira a apontar a necessidade de se desenvolver um plano de ação específico, dirigido para atenção a este importante problema em saúde pública. O Brasil é pioneiro na América Latina na prevenção do suicídio por ter sido o primeiro país a desenvolver Diretrizes Nacionais para esse fim. As diretrizes foram instituídas pelo Ministério da Saúde em agosto de 2006 e constituem fundamentos para construção de planos de ação a serem executados conjuntamente por diferentes Secretarias de Estado e setores da sociedade.

objetivo de conscientizar a população sobre a realidade do suicídio e mostrar que existe prevenção em mais de 90% dos casos. Gilson Moura, voluntário do CVV, explica que a cor amarela simboliza vida, luz e por isso foi definida como a cor do movimento. O CVV é uma organização nãogovernamental (ONG) que se baseia no trabalho voluntário de milhares de pessoas distribuídas por todas as regiões do Brasil com o objetivo de valorizar a vida, prevenindo o suicídio. A principal iniciativa da ONG é o Programa de Apoio Emocional realizado por telefone (141), chat no site (www.cvv.org.br), e-mail, skype, correspondência ou pessoalmente nos postos do CVV. Trata-se de um serviço gratuito, oferecido por voluntários que se colocam disponíveis para uma conversa de ajuda. “O suicídio é um fenômeno extremamente complexo e multideterminado que pode envolver inúmeros fatores, dentre eles, psicológicos, culturais, religiosos e sociais”, explica Carlos Henrique Aragão, professor de uma disciplina do curso de Psicologia da Universidade de Brasília chamada

CAMPANHA DE PREVENÇÃO O Centro de Valorização da Vida (CVV), em sintonia com a Associação Internacional de Prevenção do Suicídio (IASP) e a OMS, abraçou no mês passado o movimento mundial Setembro Amarelo. O movimento tem o

Luto e Suicídio e especialista em Tanatologia. Mais de 90% dos casos estão relacionados a algum transtorno mental, como depressão e esquizofrenia. Ainda segundo o professor, é preciso investir na prevenção desses transtornos, a fim de diminuir as taxas. O último levantamento da OMS traz um alerta sobre o tabu em torno do suicídio, que impede famílias e governos de abordarem a questão abertamente e de forma eficaz. De acordo com Beatriz Viana, estudante de 18 anos que já tentou suicídio, a sociedade ainda é bastante preconceituosa. “O suicídio é visto como coisa da cabeça da pessoa, como loucura”. É necessária uma maior compreensão por parte da sociedade. “Deixar de falar sobre o assunto não colabora com a quebra desse tabu”, afirma Gilson Moura. O tema deveria fazer parte, de forma muito natural, de discussões em rodas de amigos, escolas, casas religiosas, dentro das casas e na mídia. “O relato de suicídios de uma maneira apropriada, acurada e cuidadosa, por meios de comunicação esclarecidos, pode prevenir perdas trágicas de vidas”, alerta o manual da OMS. u

OS DADOS DO SUICÍDIO

RAPHAELE CAIXETA

suicídio é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) um grave problema de saúde pública e a terceira maior causa de morte no mundo entre pessoas na faixa etária de 15 a 34 anos. Segundo estimativa da organização, serão 1,5 milhão de mortes por suicídio em 2020 e uma das chaves para a redução das mortes é o compromisso dos governos nacionais para a criação e implementação de planos de ação. O Brasil está na lista dos 28 países conhecidos por ter estratégias nacionais de prevenção do suicídio e o DF é a primeira unidade da federação a formular um plano de prevenção. No DF, de acordo com dados da Secretaria de Saúde, a maior frequência de mortes por essa causa se concentra entre pessoas de 20 e 49 anos, sendo a maioria solteiras, com no mínimo quatro anos de escolaridade. A média do Distrito Federal foi de 4,5 casos de suicídio por milhão de habitantes em 2013, número abaixo da média nacional, de 5,8 casos. Ainda assim, o GDF se mostrou preocupado e decidiu implementar um Plano Distrital de Prevenção do Suicídio. O plano, que começou a ser elaborado em 2013, já foi aprovado pelo colegiado de gestão da Secretaria de Saúde e atualmente se encontra no Conselho de Saúde do DF para aprovação. O texto final é resultado de 120 dias de reuniões de diversos especialistas e profissionais envolvidos com o tema e deverá ser revisado e adaptado a cada quinquênio. Antes da elaboração do Plano Distrital, o DF já contava desde 2012 com Jornadas Distritais de Prevenção do Suicídio, instituídas pela Coordenação de Prevenção do Suicídio da Diretoria de Saúde Mental (DISAM) da Secretaria de Saúde, criada em 2011. As Jornadas ocorrem anualmente por ocasião do Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, 10 de setembro, e têm como intuito a conscientização de profissionais de saúde e agentes de prevenção

----------------------------------------- 800 mil por ano

INFOGRÁFICO -----------1 a cada 40 segundos

-------------- 16 milhões tentam todo ano -------------- mais mortes por suícidio

-----------------------------12 mil por ano ------------------- 32 por dia ------------------- 8º país no ranking

da América Latina

que por guerras e conflitos

FONTE: ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE

FONTE: INSTITUTO SANGARI/MINISTÉRIO DA JUSTIÇA


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SEGURANÇA

BUSCA POR APOIO Em média, oito pessoas desaparecem diariamente no Distrito Federal. Familiares encontram dificuldades na hora de realizar as buscas TÁSSIA SARAIVA

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odrigo Henrique Lino Teixeira desapareceu em 2010, aos 18 anos, na cidade de Santa Maria, sem deixar pistas. “Saímos para um almoço, mas ele ficou em casa. Quando cheguei, ele não estava mais lá. Fui ficando desesperada. Ele nunca tinha passado uma noite fora”, conta Magna Vieira, mãe de Teixeira. A ocorrência foi registrada na manhã do dia seguinte e até hoje a família não tem notícias do que aconteceu com o jovem. Teixeira faz parte da estatística de desaparecidos do Distrito Federal. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, apenas nos primeiros quatro meses de 2015 foram registradas 972 ocorrências de desaparecimento. Isso representa uma média de oito por dia ou um desaparecimento a cada três horas. Do total de ocorrências, 241 são de jovens entre 18 e 29 anos, a maioria homens. A busca por Teixeira continua com a distribuição de cartazes e a divulgação do caso em redes sociais. “No início foi um desespero, mas agora é um sentimento de espera. Não tem nada que eu possa fazer que eu não tenha tentado. Mesmo assim, nunca perdi as esperanças de achá-lo”, conta a mãe. Segundo ela, a família não recebeu qualquer atualização sobre a investigação, então tentou realizar a busca por conta própria. “Na época do desaparecimento eu desconfiei que poderia ter alguma pista acessando as redes sociais que ele utilizava. Pedi ao Ministério Público a quebra de sigilo dele, mas não tive autorização. Não tive o apoio de ninguém. As mães de pessoas desaparecidas não têm respaldo, não têm nada”, explica. Magna Vieira não foi a única que sentiu falta de uma rede de apoio ao procurar por um familiar desaparecido. Nívea Oliveira também teve que enfrentar o desaparecimento de sua irmã, Nádia Oliveira, de 45 anos, apenas com a ajuda de amigos. Circulando pelas proximidades de sua casa e colando cartazes pela cidade, ela pro-

curou pela irmã, que possui um princípio de esquizofrenia e teria saído de casa por conta de uma crise. “Cheguei a procurar uma ONG e alguns veículos de comunicação, mas ninguém se manifestou”, conta. Nádia Oliveira voltou para casa voluntariamente após passar sete dias com moradores de rua na 103 Norte. Segundo a irmã, ela chegou bem e sem ferimentos. “Os moradores de rua ajudaram ela, na medida do possível. Ela tem esses surtos, mas entende o que está fazendo. Mesmo assim não conseguimos conversar sobre o assunto. Ela acha que tem razão sempre e não podemos contrariar porque ela se irrita e faz essas loucuras”, explica. Apesar do número alto de ocorrências, o total de localizações também é elevado, com uma média de 73%. Para o delegado Leandro Ritt, da Polícia Civil do DF, esse número é ainda maior, mas não chega a ser contabilizado pela secretaria. “Hoje em dia não há mais um período mínimo de espera para se fazer a ocorrência. Na maioria dos casos, a pessoa retorna para casa e a família não dá baixa na ocorrência, ou seja, o caso fica em aberto”, explica. Por conta disso, as estatísticas acabam prejudicadas e não diagnosticam corretamente o número de pessoas que permanecem desaparecidas. Com adultos é comum que o desaparecimento seja fruto de uma decisão de passar alguns dias fora sem avisar a família, na casa de um amigo(a) ou namorado(a), por exemplo. Já no caso de crianças e adolescentes, o motivo pode ser uma fuga de casa por conflitos familiares, violência doméstica, uso de drogas ou extravio por descuido. Nesses casos, a localização costuma ser mais simples. Já quando o desaparecimento é involuntário, por sequestros, acidentes ou crise psiquiátrica, por exemplo, a localização se torna mais complexa. Segundo a Secretaria de Segurança, esse tipo mais grave de desaparecimento representa apenas 2% do total de pessoas adultas.

LUDIMILA MAMEDES

Sem respostas há cinco anos, Magna Vieira busca o filho com recursos próprios. Amigos e familiares ajudam na divulgação do caso por meio de redes sociais

“Em poucos casos a pessoa realmente desaparece. Quando isso acontece, sabemos que houve algum crime ou que a pessoa não quer ser encontrada”, explica o delegado. No GDF, quem atua no acompanhamento e apoio a famílias de pessoas desaparecidas são os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas). Porém, apenas casos de desaparecimento de crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência física ou transtornos psicológicos recebem esse tipo de assistência. “A pessoa adulta, homem ou mulher, pode sumir, então a gente não vê como violação de direito, mesmo que seja”, explica Angela Ramirez, assessora da Coordenação de Proteção Social Especial dos Creas. Os Creas são responsáveis por um acompanhamento psicossocial dessas famílias. Pofissionais das áreas de psicologia e assistência social identificam as demandas e dão os encaminhamentos necessários, como para psicólogos na rede de saúde, em caso de depressão. “Em uma situação de fuga de casa, por exemplo, o acompanhamento pode continuar mesmo que a pessoa

tenha sido localizada, para que haja uma ajuda no conflito familiar”, explica Ramirez. Além de um monitoramento mais sistemático da família em que é identificada alguma situação de violação de direitos, o Creas confecciona cartazes para a divulgação das informações do desaparecido e ajuda as famílias a distribuí-los. Mesmo assim, o órgão é pouco conhecido. “Falta uma divulgação maior”, conta a assessora. Apesar de não haver prevenção ao desaparecimento, existem regiões com índices maiores do problema e situações consideradas de risco. Ceilândia, Samambaia e Planaltina lideram em números absolutos de desaparecidos nesse primeiro quadrimestre de 2015. Já o Paranoá e a Estrutural lideram em números proporcionais, ou seja, total de desaparecimentos em relação à população. “O desaparecimento pode ser visto como um problema social. A falta de dinheiro e estrutura acarreta diversos outros problemas como o uso de álcool ou drogas, violência doméstica e conflitos familiares em geral, que podem motivar esse problema”, explica o delegado Leandro Ritt. u


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EDUCAÇÃO

FALTA DE ESTRUTURA PREJUDIC

Levantamento feito pelo Campus indica que instalações bancadas pelo M em 18% das escolas MAYNA RUGGIERO E TATIANA VAZ

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O Campus solicitou ao MEC a lista das escolas do Distrito Federal que foram contempladas pelo programa. Das 331 escolas da lista, o Campus conseguiu informações de 77. Dentre estas, oito não possuem a sala, e outras seis têm as instalações, mas elas não funcionam. Os dois grupos equivalem a 18% do total. Na EC 831, a sala está fechada por falta de professor. “Demanda nós temos, só que este ano nós não temos professor. O ano passado tivemos uma professora, só que ela já entrou na escola em licença maternidade”, conta a supervisora Elieje Silveira. Ao todo, são 17 alunos portadores de necessidades especiais que estavam sendo atendidos na escola mais próxima, Caic Helena Reis. No entanto, este ano não houve o atendimento. “Os alunos não foram atendidos porque a escola precisou do espaço da sala, então os professores da sala de recursos foram retirados”, explica a pedagoga Maria do Socorro Pereira. Por enquanto, o atendimento dos alunos está sendo realizado de ma-

neira semelhante ao reforço escolar comum. Feito pelos próprios professores, sem especificidade e dentro das salas de aula. “Eu peço muito para os professores atenderem esses alunos no turno contrário porque se os outros alunos tem esse atendimento no reforço escolar, eles também precisam ter, senão não há inclusão. O atendimento está sendo oferecido, mas não é um atendimento especializado e nem todos os alunos conseguem ser atendidos”, ressalta Pereira. A expectativa da escola para o ano que vem é que a sala volte a funcionar, mas a supervisora Silveira destaca que não é uma solução que está nas mãos da direção. “Nós estamos aguardando o remanejamento novamente, mas pra este ano não tem o que fazer”, diz. No Centro de Ensino Fundamental 02, do Riacho Fundo II, a diretora Cristiane Lopes confirma que a sala foi fechada pela Secretaria de Educação do DF (SEDF) sob a justificativa de possuir um número insuficiente

de alunos portadores de necessidades especiais. “Nós só tínhamos sete e eles fecharam a sala porque precisavam de oito”, ressalta. A vice-diretora, Cynthia Rodrigues, afirma que mesmo quando a sala existia o atendimento deixava a desejar. “Nós tinhamos um professor de 40h e um de 20h. Esse de 40h ficou de atestado durante muito tempo, voltava a trabalhar, depois voltava a pegar licença. O de 20h é o que vinha regularmente, só que ele não conseguia atender todos os períodos”, destaca. Além disso, um dos computadores recebidos para funcionar na antiga sala de recursos do CEF 02 chegou com problemas e nunca saiu da caixa. Em 2015, o número de alunos no CEF 02 aumentou. Hoje são 11 alunos portadores de necessidades especiais matriculados na escola, no entanto a escola ainda não possui a sala de recursos. Como alternativa para a carência de atendimento, o acordo feito com a Secretaria de Educação do DF é que os alunos seriam atendidos

Situação das salas de recursos no DF 79.2% funcionam

Das 331

10.4% não possuem

escolas que

7.8% não funcionam

receberam recurso, 77 foram procuradas

2.59% se recusaram a dar informações

RAPHAELE CAIXETA

a Escola Classe 831 de Samambaia há uma porta fechada abaixo do nome “Sala de Recursos”. Dentro, uma estante com materiais de limpeza, papéis e caixas de papelão dividem espaço com os equipamentos amarelos com a etiqueta “MEC/FNDE”. A sala que deveria ser usada por alunos portadores de necessidades especiais hoje funciona como despensa. Materiais como computadores adaptados, máquina de escrever em braile, lupa eletrônica, scanner com voz, notebooks, e teclados especiais, estão jogados nas mesas. “Tudo parado”, enfatiza a pedagoga da escola Maria do Socorro Pereira. O caso da EC 831 não é excessão. O Programa de Implementação das Salas de Recursos Multifuncionais, idealizado pelo Ministério da Educação (MEC), consiste em fornecer equipamentos tecnológicos de ponta e brinquedos pedagógicos para auxiliar os professores no atendimento a alunos com necessidades especiais. Inclui: deficiência física, atraso no desenvolvimento e altas habilidades. Para que o atendimento funcione é necessário que a escola tenha uma sala disponível. A partir daí o MEC disponibiliza os equipamentos e a Secretaria de Educação de cada unidade da federação fica responsável por encaminhá-los para as escolas, bem como designar um professor responsável para cada sala. Segundo o Ministério da Educação, em dez anos cerca de 42 mil escolas públicas de todo o Brasil foram contempladas pelo Programa. Escolas que recebem os equipamentos e têm professores ganham também recursos financeiros por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). No período de 2008 a 2014, o PDDE disponibilizou R$ 515,5 milhões para aquisição de equipamentos, manutenção e adequação arquitetônica do ambiente escolar.


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CA APRENDIZADO DE ALUNOS

MEC para atender estudantes com necessidades especiais não funcionam s do Distrito Federal

nas salas de recursos das escolas mais próximas, o Centro Educacional 01 (CED 01), do Riacho Fundo II, e o CEF 01, do Riacho Fundo I. “Os dois alunos que foram pro CED 01 estão sendo atendidos normalmente, e o restante, que teria que ir pro CEF 01, está sem atendimento. A pessoa que trabalhava lá está de atestado médico desde junho”, explica a diretora Lopes. Para a pedagoga da EC 831, a falta do atendimento especializado da sala de recursos deixa o desenvolvimento da criança estacionado. “Alguns alunos avançam, mas muito pouquinho, porque o atendimento não é especifico para aquela criança. Imagina uma criança deficiente visual que precisa de um atendimento ultra especializado. Ali na sala de aula não tem”, afirma. No Centro de Ensino Fundamental 02 (CEF 02), do Riacho Fundo II, a diretora Cristiane Lopes também reforça importância que a sala de recursos tem no dia-a-dia dos alunos. Para ela a falta do espaço causa uma grande perda tanto para os estudantes quanto para os educadores. “Os professores da sala de recursos conhecem as especificidades de cada aluno e por isso conseguem explicar para os outros professores as adaptações que devem ser feitas”, diz. Dentro da sala os professores são responsáveis por realizar atividades pedagógicas específicas para atender a deficiência de cada aluno. “O quadro que precisa ser modificado, a sala que precisa ser iluminada de uma maneira diferente, tudo isso é pensado dentro da sala de recursos. O professor trabalha também para produzir materiais pra ser aplicados em sala de aula”, afirma Maria do Socorro Pereira. Ao ser procurado novamente pelo Campus, o Ministério da Educação confirmou a entrega de equipamentos para todas as 331 escolas listadas. No entanto, disse que a distribuição des-

ses equipamentos é de responsabilidade da própria Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF). Segundo a assessoria da SEDF, o critério utilizado para definir as unidades que terão as salas é a quantidade de estudantes portadores de necessidades especiais matriculados. Ainda de acordo com a resposta dada pela SEDF, em 2016 mais 14 escolas do DF irão receber equipamentos e professores para o funcionamento da sala. “As escolas citadas na demanda ainda não receberam os equipamentos com base no critério utilizado pela SEDF/COESP. O objetivo da Rede Pública é equipar todas as unidades de ensino que tenham salas de recursos”. A LEI O número de matrículas de pessoas portadoras de necessidades especiais em escolas regulares cresceu mais de 400% nos últimos 12 anos no Brasil, passando de 145 mil em 2003 para 698 mil em 2014. Sendo assim, o direito de pessoas portadoras de necessidades especiais à matrícula em classes comuns do ensino regular é amparado no artigo 205 da Constituição Federal, que prevê “a educação como direito de todos, dever do Estado e da família, com a colaboração da sociedade”. A Carta Magna também garante, no artigo 208, o direito ao atendimento educacional especializado. As instituições públicas e privadas que se negarem a matricular os estudantes com portadores de necessidades especiais estarão sujeitas a multa. Dessa forma, a meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE) tem como objetivo universalizar, para a população portadora de necessidades especiais, o acesso à educação básica e ao Atendimento Educacional Especializado. Preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo e de salas de recursos multifuncionais. u

MAYNA RUGGIERO

“Imagina uma criança deficiente visual que precisa de um atendimento ultra especializado. Ali na sala de aula não tem”, afirma a pedagoga Maria do Socorro Pereira, da EC 831, de Samambaia MAYNA RUGGIERO

Na EC 831, os equipamentos distribuídos pelo Ministério da Educação (MEC) não estão sendo utilizados por falta de professores

O ENSINO NA PRÁTICA Para dar aula em uma salas de recursos não é necessário possuir uma graduação específica. O MEC, através do programa de Formação Continuada de Professores na Educação Especial, oferece cursos gratuitos de especialização, aperfeiçoamento e extensão, presenciais e a distância, no âmbito da Universidade Aberta do Brasil – UAB.

O programa destina-se a qualquer profissional, atuante no sistema público de ensino, que queira trabalhar no atendimento educacional especializado e em classes comuns do ensino regular. Para que o curso aconteça, é preciso que a Secretaria de Educação apresente a demanda e o plano de trabalho da instituição que receberá o professor.


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VULNERÁVEIS

MIGRANTES NAS RUAS Pessoas de fora de Brasília buscam na capital oportunidades mas muitas vezes são obrigados a recorrerem às ruas MARIA LETICIA DE MELO

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uem passa pela emergência do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN) à noite pode esbarrar com Mary Romão Reis, de 56 anos, que dorme em bancos da instituição. Ela trabalhava como empregada doméstica em São Paulo e decidiu vir para Brasília depois de ouvir que teria mais oportunidades na capital. Crescida na antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (Febem) de São Paulo, após ter sido abandonada pelos pais ao nascer, Mary Reis morou inicialmente em um albergue no Núcleo Bandeirante há 32 anos.“O mais difícil foi conseguir emprego. Quando eu dizia que era de fora, as pessoas questionavam se eu tinha endereço fixo, e quando dizia que não, já ficavam desconfiadas”, relata. Depois de trabalhar por mais de quatro anos em casas de família como empregada doméstica e de morar durante 13 anos em Águas Lindas, Reis decidiu se separar do companheiro que tinha problemas com bebidas alcoólicas. Sem condições de pagar aluguel, a paulista dorme desde 2012 na emergência do HRAN e sobrevive com uma renda mensal de R$ 72, recebida pelo programa Bolsa-família. A falta de moradia e de renda, contudo, não a desmotivou a ir em busca de melhores condições de vida. Em 2013, começou a ter aulas na Escola Meninos e Meninas do Parque, que funciona no Parque da Cidade e é voltada para pessoas em situação de rua. Após ter concluído o ensino fundamental na escola, Reis cursa o ensino médio à noite no Centro de Estudos Supletivos da Asa Sul (Cesas), com o sonho de sair das ruas e se tornar veterinária. A ideia da capital ser a terra das oportunidades não trouxe apenas a paulista para o Distrito Federal. É o que mostra o estudo Renovando a Cidadania, realizado em 2011 na Universidade de Brasília (UnB), a mais recente pesquisa com análise detalhada sobre as pessoas em situação de rua no Distrito Federal. No estudo, foram en-

contradas 2.512 pessoas em situação de rua. Dessas, 1.972 eram indivíduos em idade adulta. Dentre eles, 80,5% vieram de outras unidades da federação. Entre as causas identificadas para a migração dessa população para o DF, a busca por trabalho é a mais expressiva, sendo identificada em 49,1% dos casos. Novos dados de levantamento, feito a partir de abordagens nas ruas pelo Serviço Especializado de Abordagem Social (Seas) da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Humano e Social (Sedhs), identificou cerca de 4 mil pessoas em situação de rua no DF no primeiro semestre deste ano. Depois do tempo decorrido após o estudo e do crescimento da população em situação de rua no DF, segundo uma das pesquisadoras e professora do curso Serviço Social na UnB, Camila Potyara Pereira, tudo indica que o grupo nascido no DF está crescendo e que hoje há uma geração que já nasceu nas ruas. No entanto, ela considera que ainda não aumentou o suficiente para inverter o quadro identificado na época. “As grandes cidades são pólos que atraem, não só pelas oportunidades de trabalho formal, mas por apresentarem realidades mais complexas, onde há mais hospitais, escolas, serviços públicos, trabalhos sociais sendo desenvolvidos, além de chances de realizar trabalhos informais”, explica. Para a pesquisadora, ao chegarem à capital, o principal fator que dificulta a entrada dos migrantes no mercado de trabalho é a falta de qualificação profissional. “A maioria não terminou sequer o ensino médio. Dessa forma, os empregos que os esperam são aqueles para os quais o mercado já está saturado”. Uma vez em situação de rua, Potyara afirma que as dificuldades são intensificadas pela falta de comprovante de residência e documentos, além do preconceito. “O indivíduo em situação de rua é estigmatizado como violento, preguiçoso e possuidor de vícios. Para conseguir emprego tem que transpor esses estigmas sociais”. Raimundo dos Santos Nascimen-

LOYANE ALVES

Raimundo dos Santos Nascimento e Mary Romão Reis vieram para Brasília com esperanças de conseguir emprego, mas as dificuldades os levaram a morar na rua

to, 50, também foi aluno da Escola Meninos e Meninas do Parque e faz o ensino médio no mesmo centro de ensino que Reis. Vindo do Rio de Janeiro há sete anos, o carioca que trabalhava como serralheiro deparou com o desafio da falta de condições para pagar aluguel. Durante sua trajetória no DF, morou no Albergue Conviver e em unidades de acolhimento, ambos do GDF. No entanto, a estada nas instituições assistenciais é temporária. Finalizado o tempo de permanência, passava períodos morando nas ruas. Hoje, após ser beneficiado com o auxílio emergencial, oferecido pela Sedhs a pessoas em situação de rua, Nascimento consegue pagar uma moradia no Guará. “O auxílio é de R$ 600. Pago R$ 450 de aluguel, daí sobra só R$ 150. É temporário, mas sem essa ajuda eu não conseguiria pagar um lugar para morar agora”, declara. Ângela Cristina Ramirez de Andrade, assessora da Sedhs, argumenta que o processo de retirada das pessoas da situação de rua é complexo. “Não é suficiente investir apenas em capacitação profissional. Temos que trabalhar em conjunto com outros órgãos e instituições para atender as demandas

individuas e coletivas, que envolvem questões jurídicas, problemas de saúde e familiares, e falta de documentação. É necessário construir um processo de saída das ruas”, afirma. Segundo Camila Pereira, é necessária a articulação de todas as esferas governamentais e da sociedade civil para transformar o cenário, que é causado por problemas estruturais. “É uma população carente de todas as proteções públicas. Devem ser implementadas políticas de saúde, educação, habitação popular de qualidade, transporte, previdência social, e de assistência social, de forma que todas sejam organicamente articuladas”, defende. Para Amélia Araripe, diretora da Escola Meninos e Meninas do Parque, as políticas públicas que visam promover a saída das pessoas da situação de rua devem ser adaptadas para a realidade que vivenciam. “São criados programas utópicos e que acabam não atendendo a realidade dessas pessoas”, critica. “É preciso se adequar às dificuldades enfrentadas devido ao contexto social em que vivem. Para isso, devem ser ouvidas as necessidades das pessoas que estão nessa situação e não dos burocratas dos gabinetes”. u


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URBANISMO

SELO VERDE QUESTIONÁVEL Pesquisa revela que arquitetura do bairro verde de Brasília leva a maior consumo de energia se comparada a construções mais antigas da cidade YASMIM PERNA

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Noroeste foi planejado para ser o bairro mais moderno da cidade. Deveria conter construções ecológicas, sistema de transporte alternativo, ciclovias e coleta seletivo de lixo. Mas não foi exatamente isso que a pesquisa realizada pela aluna de mestrado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília Ana Ceres Belmont revelou. Belmont trouxe resultados que questionaram a sustentabilidade do bairro ao mostrar que a arquitetura do Noroeste pode levar a um maior consumo de energia se comparada à outras construções da capital. Durante dois anos, a pesquisadora comparou prédios residenciais representativos de três épocas da cidade para analisar a eficiência no consumo de energia. O primeiro grupo é composto por prédios construídos entre 1960 e 1970, o segundo grupo de 1980 a 2004 e o terceiro grupo de 2004 a 2014. Belmont constatou que os edifícios construídos de 1980 a 2004 tiveram o melhor desempenho. A eficiência energética é a possibilidade de otimização do consumo, que

permite conter problemas ambientais sem comprometer a qualidade de vida das pessoas. Para isso foi criada em 2001 a etiquetagem que classifica o nível de eficiência de construções a partir do Regulamento Técnico da Qualidade para Edifícios Residenciais (RTQ-R). Dessa forma, a projeção arquitetônica é fator fundamental na economia de energia e tem influência direta no estilo de vida das pessoas em tempos de recursos cada vez mais escassos.O formato do edifício, o tratamento das fachadas e a distribuição interna dos ambientes provocam correta iluminação e ventilação natural, por isso são pontos de atenção na projeção. A pesquisadora aponta que a utilização abusiva de vidros nas fachadas, redução de sistemas de proteção solar, entre outros fatores, são hoje tendências do design, mas trazem consequências: “Os prédios do Noroeste têm muito vidro. Proporcionam iluminação, mas ao mesmo tempo aquecimento do ambiente, e a gente acaba fazendo a utilização de outros recursos, como ar condicionado, e deixa de utilizar ventilação natural”. LUDIMILA MAMEDES

Em contraste à proposta verde no bairro, o Noroeste apresenta pouca vegetação e fachadas com muitos vidros

Essas características nas projeções do Noroeste que se destacam em relação ao Plano Piloto foram causadas por fatores como a preocupação em atender demandas do mercado, a normatização do bairro e alto preço dos terrenos. Construtoras e arquitetos que priorizam tendências de mercado na busca de atender à vontade do cliente quase levaram as varandas, importante sistema quebra-sol, à extinção.“A lei permite o fechamento de varanda. Todo mundo fecha para aumentar a sala e já pede para o apartamento ser entregue sem. Então, o costume da população que foi ditando o que era melhor para vender”, conta a arquiteta Patrícia Von Glehn, do escritório MKZ Arquitetura, responsável por algumas projeções do bairro. Belmont explica que a tendência estética com alta utilização de vidros também aumenta o interesse dos compradores, mas esse modelo de design importado do exterior é pouco apropriado para o Brasil. “Esse tipo de construção, com muito vidro, é muito comum em lugares de climas frios, porque as pessoas precisam reter o pouco calor no ambiente”. Ela reclama que, de modo geral, as edificações no Brasil são vendidas pela estética e não pela eficiência. O Noroeste é regulado pelo Manual Verde, Norma de Gabarito da Quadra Específica (NGP), além da legislação. Renata Silva, arquiteta de uma das construtoras que atua na região e para ela a norma do bairro peca ao exigir a utilização de vidros nas fachadas e limitar outros elementos que diminuem a incidência de sol nos prédios. “Brises, cobogós e marquises são elementos de proteção solar e aumentam circulação de ar. Havia vários mecanismos que eram utilizados e o uso desses elementos se perdeu”. Com o m² e lotes com preços mais elevados na capital, construtoras apostam em unidades residenciais mais enxutas. Von Glehn explica que hoje a metragem dos apartamentos

diminuiu em relação ao passado e com terrenos mais caros é possível observar projeções “econômicas” nos espaços, ou seja, um maior número de apartamentos por edificação. Assim, poucos apartamentos são vazados – o que contribuiria para ventilação – e muitas pessoas ainda optam por não ter a varanda para ampliar o ambiente interno.

‘‘A projeção arquitetônica é fator fundamental na economia de energia” Carolina Gaspar é arquiteta de outra construtora da região e aponta a existência de outros fatores que influenciam o maior aquecimento dos edifícios: “O Noroeste não tem uma cobertura vegetal com porte de árvores adultas que possa diminuir a incidência de radiação na fachada”. No entanto, ela chama atenção para utilização de material mais moderno e de alta performance. “Hoje o desempenho dos materiais é superior aos antigos. Trabalhamos com vidros laminados e de alto desempenho”, conta Gaspar. Esses materiais são mais modernos, mas muitas construtoras não os utilizam porque isso implica elevação de custos, como explica a arquiteta Renata Silva. “Alguns vidros laminados já possuem proteção para que haja uma entrada menor de calor, mas os preços são muito elevados”. Apesar de o Noroeste já ter tido o m² mais caro de Brasília, hoje ele sofre com falta de infraestrutura.“Eu não vejo muita diferença do que está sendo feito aqui para outros lugares. O bairro foi muito mal implantado. Até hoje há vários trechos que não têm sistema de drenagem executada. Aqui tem água para todo lado quando chove, não tem boca-de-lobo”, conta a arquiteta Renata Silva. u


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ESPORTE

IMPEDIDOS Falta de infraestrutura mantém Estádio JK, principal arena esportiva do Paranoá, fechado ao público ANA CAROLINA BARDINI

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ampo de terra com vestígios de grama, vestiários cobertos por poeira e arquibancadas desgastadas. É o cenário atual do Estádio JK, no Paranoá. Construído pelo Governo do Distrito Federal (GDF), com investimento estimado em R$ 500 mil, o Estádio JK foi o 11º estádio candango, inaugurado em 2002. Com capacidade para seis mil pessoas, o estádio já foi palco de diversos jogos. No entanto, desde 2012 encontra­-se fechado ao público. De acordo com a Administração Regional do Paranoá, responsável pelo estádio, duas reformas foram feitas em 2011 e 2013, mas nenhuma delas adequou o local às normas de segurança do Estatuto do Torcedor (como ter mais de uma saída de emergência, por exemplo) e por isso o estádio ainda não pode receber jogos oficiais nem outros eventos. A ausência de preservação e a demora entre uma reforma e outra faz com que algumas reformas precisem ser feitas mais de uma vez, causando gastos desnecessários. O Paranoá possui um time de futebol profissional: o Paranoá Esporte Clube. O time foi fundado em 2000 e em 2004 foi campeão da segunda divisão do Campeonato Candango, quando disputou jogos em casa. Atualmente o

time tem que disputar os jogos da segunda divisão em estádios de outras cidades­satélites, o que torna difícil para os torcedores acompanharem o time. Bruno Carvalho, 23, mora no Paranoá desde 1996 e conta que torce para o time desde quando ele foi campeão da série B do campeonato Brasiliense, subiu para série A e jogou com times como Brasiliense e Gama. “Naquela época, o time tinha uma torcida organizada chamada Sucuri Mania, e todos que gostam de futebol sabem que uma torcida organizada é fundamental”, lembra ele. Carvalho diz que não poder usufruir do estádio é ruim para a comunidade do Paranoá, não só por causa dos jogos profissionais, mas pela possibilidade cultural que o lugar pode oferecer. “É fundamental ter um espaço público não só de lazer, mas também cultural, já que o Paranoá não possui nenhum teatro ou cinema”, explica. Luciano Milagre era jogador na época em que o Paranoá conquistou a série B. Ele conta que o apoio da torcida sempre foi intenso e que, além de irem aos jogos, as pessoas acompanhavam o treino e procuravam ajudar financeiramente os jogadores. “Isso era uma maneira de entrar em campo com o time. Por mais difícil que fosse o adversário, ouvir os gritos da torcida dava uma forLOYANE ALVES

Vestiário recém-reformado coberto de poeira devido à falta de uso

LOYANE ALVES

Gramados e arquibancadas do Estádio JK: estado de crise

ça maior para o time”, lembra. No campeonato deste ano o Paranoá Esporte Clube está sendo representado por jogadores do time de juniores do Brasília, o que desagrada alguns torcedores pela falta de atletas da cidade. Bira Souza trabalha com o time desde o início e diz que a mudança de jogadores foi necessária e também é uma consequência da falta de um espaço para treinos e jogos. “A falta de dinheiro para transporte dos jogadores acaba influenciando. Além disso, o time tem que arcar com os custos do estádio para poder ter o mando de campo em alguns jogos, o que não seria necessário se o time pudesse jogar em casa”, diz. O Paranoá conta ainda com um time de futebol amador. Fundado em 1988, o Colorado Esporte Clube Paranoá mantém uma escolinha de futebol na cidade com o objetivo de contribuir para a formação de atletas na região. O clube foi um dos primeiros times filiados à Liga Desportiva do Paranoá (LPD) e participou de várias competições realizadas pela Federação Brasiliense de Futebol (FBF) como amador, nas categorias de base infantil e juvenil. Em 2002 o clube foi convidado para participar do campeonato de futebol profissional de Brasília. Por motivos financeiros, o convite não foi aceito, e a vaga foi cedida

ao Paranoá Esporte Clube. João Batista ex-­jogador e responsável pelo time, conta que ter um estádio para jogar influencia diretamente o desempenho do time. “Não há nada como jogar em casa. O apoio da torcida é fundamental e motiva muito. O Paranoá é uma cidade que respira futebol, a torcida compareceria em peso”, diz ele. Outro fator de dificuldade são os treinos. Sem o estádio os times treinam em campos sintéticos, onde a grama reage de maneira diferente do gramado natural, exigindo mais do atleta. “O atleta acaba se desgastando mais e não tem um retorno de como a bola vai reagir quando estiver em um campo oficial”, explica Batista. A Administração Regional do Paranoá já está negociando a próxima reforma. O próximo passo na revitalização do estádio é colocar o gramado e liberar o espaço para uso das escolinhas de futebol. Entretanto o uso por essas escolinhas e pela comunidade deve ser pensado com cautela, pois o gramado se desgastará com facilidade se for usado continuamente. Além disso, a Administração pretende construir um complexo esportivo no local, que sirva como um espaço de convivência para a comunidade. A Administração aguarda o retorno do GDF, e ainda não há previsão para início das obras. u


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ESPORTE

DAMAS DO VÔLEI Grupo de jogadoras com idades entre 50 e 73 anos treina semanalmente e viaja para disputar campeonatos nacionais CARINA ÁVILA

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voleibol é meu terapeuta, minha diversão. Os problemas não existem quando estou no vôlei, porque nele coloco tudo para fora, faço aquilo que realmente gosto”, conta a cearense Uyara Dias, 63 anos. A jogadora faz parte da Associação Brasiliense de Vôlei Feminino Master, a Bravo Master, criada há 30 anos na capital por um grupo de senhoras que desejavam participar do campeonato brasileiro da modalidade. Os únicos pré-requisitos para entrar na equipe: ter mais de 50 anos e ser apaixonada pelo esporte. Cerca de 30 mulheres fazem parte do time, separadas por categorias de idade: 50 a 54 anos, damas de ouro; 55 a 59, damas de esmeralda; 60 a 64, damas de diamante; 65 a 69, damas de brilhante; 70 a 74, damas de vinho; 75 para cima, damas de ferro. “Nós somos todas damas”, pontua a mineira Maria Angela Marini, 64 anos, para explicar a origem dos nomes de cada categoria. Brasília ainda não tem um time de damas de ferro, mas as damas de vinho estão cheias de vigor e disposição para chegar à próxima categoria. “São chamadas damas de vinho porque, quanto mais velhas, melhor, assim como os vinhos. E as próximas são de ferro, pois são fortes e estão aguentando até hoje dentro da quadra”, explica Marini. A maioria das integrantes da Bravo são damas de brilhante. Algumas das jogadoras praticam a modalidade juntas há mais de 30 anos, desde que chegaram à capital. É o caso de Maria Laura de Paula, 71 anos, Dias e Marini. Elas se conheceram em um clube da Asa Sul - Associação Cristã de Moços (ACM) - há 36 anos, onde levavam os filhos para a natação e outras atividades físicas. Enquanto as crianças estavam nas aulas, as mães jogavam vôlei. A tradição nunca se perdeu e, mesmo depois que os filhos cresceram, o voleibol continuou. Hoje, são todas avós e contam com o apoio incondicional da família para seguirem no esporte.

“Antes de completar 50 anos, meu sonho era um dia poder jogar com as damas”, relembra Marini. “É uma atividade saudável para nós, pois envelhecemos com saúde, alegria e disposição. E é uma terapia, porque, quando estamos juntas, só queremos saber da bola, só pensamos nela e não lembramos de problema nenhum”, completa. Quem vê as damas em quadra pode até confundi-las com garotas de 18 anos de idade, pois não faltam energia e animação a esse grupo. Elas caem, jogamse no chão, correm atrás da bola, pulam e dão até peixinho. “Temos um técnico bravo, que exige postura na quadra, posição correta, e cobra quando não corremos, ou não damos peixinho”, diz Marini, que, além de jogar vôlei, faz ioga. Apesar de se divertirem bastante enquanto jogam, as atletas levam os treinos a sério, afinal, a parte mais divertida do ano, segundo elas, é quando viajam juntas para disputar campeonatos. Único homem do grupo, o técnico Paulo Afonso de Oliveira conta que se surpreendeu com a disposição e doação das damas. “Você vê uma pessoa de 70 anos sacando, levantando a bola, caindo. Nessa idade é mais difícil, o medo de cair é maior. Mas elas não têm medo de bola. Eu bato bola, coloco elas para jogarem contra as mais novas, e elas não têm medo”, orgulha-se. A paixão das atletas pelo esporte é visível. “Elas são bem fominhas”, diverte-se o treinador. Não gostam de sair de quadra, não querem descansar. Ao contrário, é difícil fazê-las parar de jogar. Algumas se machucam e continuam jogando mesmo machucadas. De fato, a levantadora Uyara Dias, por exemplo, joga vôlei todos os dias da semana, mais de uma vez por dia, às vezes até em quadras de areia. “Se eu puder jogar o dia todo todo dia, eu jogo o dia todo todo dia”, brinca. Dias já disputou uma competição inteira com o tornozelo inchado, após uma torção. As damas alugam uma quadra no Clube do Exército do Setor Militar Ur-

LUDIMILA MAMEDES

Damas de ouro, esmeralda, brilhante e vinho se preparam para campeonato brasileiro que ocorre em junho do ano que vem em Brasília

bano (SMU) para treinar às segundas e quartas. A turma das categorias a partir de 60 anos pratica das 18h30 às 20h30 e a das categorias de 50 a 59 anos treina das 20h30 às 22h30. As portas da equipe estão abertas para qualquer mulher da faixa etária que queira participar, desde que tenha conhecimento de vôlei e amor pelo esporte. “O nosso técnico avalia a candidata a participar do grupo. Se ela tiver um conhecimento básico do vôlei e uma boa forma física, pode vir, está liberada”, diz Maria Angela Marini. COMPETIÇÕES Os campeonatos brasileiros são realizados uma vez por ano desde a década de 80, divididos por categorias, e é feito um rodízio de cidades para sediá-los. Em junho do próximo ano, Brasília receberá o campeonato das categorias a partir de 60 anos, que contará com a participação de equipes de 12 unidades da federação. Além dos jogos, são organizadas solenidades, bandas musicais e festas de confraternização entre os times. A última vez que o DF recebeu o torneio foi em 2013, quando o Clube do Exército do SMU sediou o brasileiro para categorias de 50 a 59 anos. Maristela Ferraz, 73 anos, explica que as categorias mais baixas costumam ter mais jogadoras: “A quantidade de atletas

diminui à medida que a idade sobe”. Por causa do grande número de participantes, a competição master para menores de 60 anos é organizada separadamente. Para as damas, viajar para competir é sinônimo de alegria e diversão. “Os campeonatos são maravilhosos, pois temos a oportunidade de encontrar aquelas amigas de anos e anos, de outros estados e outras equipes”, aponta Marini. “E nós ficamos felizes de poder encontrá-las mais um ano, porque, na faixa etária em que estamos, ficamos na esperança de não perder nenhuma pelo caminho”. Até junho, as jogadoras não terão folga durante os treinos. Mas não só de treinos vivem as damas do vôlei. A amizade criada dentro de quadra também é forte fora dela, e o lado social é bem animado: confraternizações de aniversário, almoços, saídas de happy hour, reuniões em casa, churrascos e festas de Natal.u

PARTICIPE Quem que tiver interesse em participar da equipe deve entrar em contato pelos números: Gyrlaine Padilha- 9961-8108 Uyara Dias - 8440-3206 Maria Angela Marini - 9988-6835


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A RÁDIO DE “T TODOS THAÍSA OLIVEIRA

odas las voces en Mundo Indígena al Día: por un mundo más humano y diverso”, comunica o locutor, em tom empolgado, enquanto uma sucessão de instrumentos indígenas compõem a vinheta do resumo internacional de notícias. Ainda em espanhol, outra voz masculina anuncia os boletins da noite: informes de violação dos direitos humanos em comunidades indígenas do México, Guatemala, Panamá, Venezuela, Nicarágua, Colômbia, Argentina e Brasil. “Um grupo de pistoleiros atacou a comunidade Guarani Kaiowá no estado do Mato Grosso do Sul na madrugada do último 18 de setembro. O ataque, com armas de fogo e balas de borracha, deixou ao menos oito indígenas feridos, informou a Fundação Nacional do Índio, Funai”, informa o noticiário. O resumo é executado por mais três vezes seguidas até que outra vinheta irrompe a programação: “Cultura, educação, entretenimento, notícia. Rádio Yandê, a rádio de todos nós”. Fundada em 2013, a Yandê orgulha-se de ser a primeira web rádio indígena brasileira (www.radioyande. com) e de figurar entre uma das maiores da América. Em dois anos de funcionamento, conquistou ouvintes em mais de 60 países e conseguiu chegar às aldeias, de onde partem 45% dos acessos. A ideia surgiu em 2007, quando Anápuáka Tupinambá, Renata Tupinambá e Denilson Baniwa começaram a questionar a representatividade dos povos indígenas nos meios de comunicação e a refletir sobre como poderiam se articular para mudar esse cenário. “A gente sempre trabalhou em organizações indígenas e guardou muito rancor da mídia brasileira. Até que pensamos: se ninguém está a fim de noticiar a questão de maneira clara e não tendenciosa, nós mesmos temos que fazer”, defende Baniwa. Mantida pelos três fundadores sem fins comerciais, a ideia ecoou e ganhou reforços de outros indígenas. Hoje, a Yandê, com sede no Rio de Janeiro, conta com o apoio de mais de 60 colaboradores e nove correspondentes voluntários pelo país. “Nossa maior dificuldade é financeira. A gente sustenta ela nos braços ou, como dizem os indígenas do Nordeste, ‘na tora’”, explica Anápuáka Tupinambá. Correspondente em Brasília desde 2014, a professora de artes e produtora cultural Daiara Tukano conta que, com

seu trabalho, procura dar voz às verdadeiras lideranças indígenas. “Não existe prioridade alguma, nem interesse, em cuidar ou ajudar os povos indígenas. Tem muita gente que vem das aldeias pra cá procurando resolver coisas que são extremamente importantes para as comunidades, e a Funai as recebe muito mal. É importante que essas pessoas se sintam recebidas de alguma forma. É um trabalho de dar visibilidade.” Tukano diz que conheceu a rádio pelo Facebook e tomou gosto pela programação musical. Ocupam os primeiros lugares do “Top 4 Yandê + Pedidas” artistas indígenas contemporâneos que cantam em suas línguas nativas. É o caso dos músicos Wakay Fulni-ô, com o cântico Kfothesê (Experiência), Kayrrá Kariri Xocó, Mokuka Kayapó, com o Forró Kayapó, e do grupo de rap em guarani Brô MCs, com o hit Koangagua (Nos dias de hoje), cujo clipe em alta resolução e o refrão politizado — “O tempo tá passando e assim vou caminhando, antigamente era muito mais feliz” — já renderam 22 mil visualizações no Youtube. Como uma rede de pequenos colaboradores conectados, a Rádio Yandê defende a etnomídia, conceito que preza pelo respeito à diversidade e que tem por princípio a flexibilidade, a fim de conduzir a comunicação para todos os povos. “A mídia de massa não compreende o sistema antropológico, cultural, as especificidades, as dinâmicas, os diálogos e não consegue contemplar a presença dos povos indígenas. E quando a gente pensa na construção de uma mídia, a ideia é não ficar refém do pensamento de terceiros, é ser protagonista. E isso simplifica toda a questão. É fazer o que é nosso por direito”, argumenta Anápuáka. Em articulação com outras iniciativas de mídia indígena pela América, a Yandê quer construir uma rede de comunicação indígena mundial. “Isso tudo é novo, e as populações indígenas também estão aprendendo a lidar. O fato de ser uma rádio mantém o processo de tradição oral, o que facilita muito o diálogo com as aldeias. E, ser uma rádio aberta a receber os conteúdos de populações indígenas ajudou a romper com alguns preconceitos. A gente ainda vive sob os estereótipos de 1500. Dá para ter acesso a tudo sem deixar de ser a gente mesmo, sejam indígenas de contexto urbano ou indígenas de aldeia. E quando eles percebem isso, eles percebem que isso é poder.” u


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Suplemento

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AGRICULTURA

LAVOURAS QUE SIMULAM

Produtores rurais do Distrito Federal cultivam alimentos em sistema agroflor legumes, frutas e hortaliças cres

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ANA GABRIELA BRAZ

cerca de 50 quilômetros de Brasilia, na área rural do Paranoá, está localizado o assentamento rural Três Conquistas, onde moram 65 famílias. Entre elas, a do líder comunitário Gilberto Ribeiro dos Santos. Na entrada da chácara, é possível avistar a plantação: a terra marrom e o clima seco do cerrado não impediram o crescimento de bananeiras e ipês. O gado, as galinhas e os sabiás complementam o ambiente. Em conjunto, eles compõem a agrofloresta particular do produtor. O modelo ganha força no Distrito Federal: ao menos três assentamentos já aderiram ao estilo de produção agrícola. O modelo também tem chamado a atenção de órgãos públicos e privados para investir no negócio. A agricultura sintrópica, mais conhecida como agrofloresta, é um conceito cunhado pelo pesquisador suíço Ernst Götsch. A ideia de um sistema agroflorestal é simular a produção de alimentos e outros tipos de matérias-primas da mesma maneira que a natureza faz de forma espontânea. Os produtores cultivam árvores e espécies nativas — lenhosas, frutíferas e não-frutíferas — junto com hortali-

ças e leguminosas. Götsch veio para o Brasil na década de 1980 e se instalou na Bahia, onde realizou sua primeira tentativa de agrofloresta no país. O pesquisador conseguiu recuperar um terreno de mais de 490 hectares que estava desgastado devido ao cultivo intensivo de mandioca. A técnica pode ser aplicada em vários ecossistemas, como por exemplo o amazônico, o cerrado e a caatinga. Götsch continua realizando pesquisas no ramo e ensinando as técnicas agroflorestais por todo o Brasil. Ele já passou pelo Distrito Federal e visitou o Sítio Semente, propriedade localizada no Lago Oeste. O dono, o biólogo Juã Pereira, já foi professor de capoeira e hoje é produtor de umas das primeiras agroflorestas do DF. Há dez anos, começou a experimentar o estilo agrícola em sua chácara, mas somente há quatro passou a comercializar seus produtos. Segundo Pereira, é preciso haver mais incentivo para o produtor familiar. “Quem não tem uma chácara para fazer agrofloresta tem que começar a investir nesses pequenos agricultores, comprar na feira deles, montar um LOYANE ALVES

Na época da seca , a produção de tomate-cereja cresce no Sítio Semente, que fica no Lago Oeste, região próxima ao Paranoá

grupo de compra. O agricultor não dá conta de fazer tudo sozinho. Quem mora na cidade tem que fazer alguma coisa e não ficar só consumindo”, diz. Há dois anos, o assentamento rural Três Conquistas começou o Projeto Agrofloresta com patrocínio da Petrobras, em parceria com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-DF) e a Secretaria de Agricultura do DF. O líder da comunidade, Gilberto Ribeiro dos Santos, é natural de Fortaleza dos Nogueiras, no Maranhão, e mudou-se para a região do Paranoá em 1996. Hoje, com a mulher e três filhos, trabalha na lavoura. Ele lida com produção de alimentos orgânicos desde 2000, mas quando começou a fazer agrofloresta percebeu que sua renda aumentou em 40%. A plantação virou o seu “xodó”. “Se eu pudesse, não saía lá de dentro”, brinca. A chácara pertence à irmã de Santos tem quatro hectares — um deles é dedicado às produções agroflorestais. O cultivo é misturado, imitando a natureza e seguindo os princípios do cientista suíço. O ideal é que se tenha espécies de grande, médio e pequeno porte. Santos explica: “A natureza tem um equilíbrio. É diferente do ser humano de hoje, que muitas quer ser melhor que o outro. Numa floresta, você tem mamão e jaca junto com árvores grandes como cajueiro, mogno. Todo mundo tem o seu espaço. É importante que a gente aprenda com a natureza: ela respeita quando é respeitada.” Copiar a natureza significa lançar diversas sementes juntas em um canteiro e deixar que diferentes espécies de muda cresçam livremente no terreno. É o que faz o líder da comunidade. Brócolis vai com couve, jiló com cenoura, amendoim com batata doce, mandioca junta-se com o milho. A semelhança com uma floresta real se dá partir da diversidade e do aumento da complexidade do sistema. Com o terreno dividido em fileiras, Gilberto dos Santos cultiva plantas altas, como bananeiras, intercaladas

O sistema agroflorestal mistura diferentes espécies de p Sítio Semente foi um dos primeiros no Distrito Federal a im

com hortaliças e legumes. As folhas longas e largas das árvores grandes fornecem sombra para o que é plantado no meio. Assim, é possível conservar o solo e manter a umidade, pois a transpiração das plantas se mantém retida dentro do sistema por mais tempo. A necessidade de molhar a terra diminui e, consequentemente, os custos com irrigação são menores. Além disso, as folhas das plantas mais altas que caem ou que são podadas servem de adubo orgânico para o solo. Plantas de médio porte, como café e angico, são plantadas na mesma fileira das bananeiras. Além de agregarem mais variedade à floresta, elas funcionam com uma barreira para o vento e evitam a proliferação de espécies de plantas indesejadas. Hortaliças e vegetais, espécies de pequeno porte, são, em geral, a fonte de renda do produtor. A diversidade dos estágios de crescimento das plantas deve ser observada não somente quanto à altura, mas também na ocupação do solo. Espécies cujas raízes são rasas devem crescer


Brasília, setembro de 2015

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M CICLOS DA NATUREZA

restal, que ajuda a preservar o solo. Em algumas propriedades, a produção de sceu 40% nos últimos dois anos LOYANE ALVES

plantas num mesmo terreno, como alface e cebolinha. O mplantar o modelo agrícola que imita a natureza

próximas às de raízes profundas. Assim, há um desenvolvimento potencializado de todo o terreno. Outra vantagem dos sistemas agroflorestais é o aumento da biodiversidade. Nos sistemas tradicionais, a plantação de somente uma espécie facilita a reprodução de pragas específicas daquele tipo cultivado. Com mais variedade de plantas, as pestes passam a competir entre si, mantêm a cadeia alimentar equilibrada e tornam desnecessário o uso de pesticidas. Na agrofloresta, os vários ciclos dos produtos cultivados permitem o fluxo de renda contínuo. Em geral, as hortaliças geram lucro mais rápido: Santos consegue fazer a colheita da rúcula e da alface 50 dias depois de plantá-las. A mandioca toma mais tempo, entre seis e oito meses. O milho, no entanto, tem um ciclo um pouco mais complexo que as outras plantas. O produtor utiliza sementes crioulas (modificadas ao longo do tempo a partir do cruzamento de várias sementes e sem sofrer qualquer processo químico), trazidas de sua ter-

ra natal. A colheita é feita quatro meses depois. Segundo Santos, parte da safra é vendida e a outra é dada aos animais do curral, também criados por ele. O gado produz adubo orgânico que volta pra terra — prática que, além de benéfica para o solo, incorre na diminuição dos gastos do produtor. Gilberto dos Santos diz estar muito satisfeito com o sistema agroflorestal. Ele começou vendendo sua produção apenas para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e, hoje, tem dois pontos de venda fixos — um no Paranoá e outro em Planaltina — e pretende abrir um terceiro, na área externa no Ministério da Agricultura. INVESTIR NO PRODUTOR Nas agroflorestas, os benefícios ecológicos não são os únicos. Há também os sociais, na visão do diretor de fomento à agricultura familiar da Secretaria de Agricultura do Distrito Federal, Athaualpa Nazareth Costa. Na agricultura convencional, os trabalhadores têm de lidar com a aplicação de agrotóxicos ou adubos químicos, insumos que podem causar danos à saúde. Na agrofloresta, o produtor é forçado a estar mais presente na plantação, mas, por outro lado, a atividade é menos arriscada. “Não adianta só criar trabalho na área rural. Nós precisamos investir em criação de empregos dignos e adequados para as pessoas”, afirma. Mudar a cultura de produção do agricultor familiar é o maior desafio, hoje, no contexto das agroflorestas, segundo o diretor. “As agroflorestas têm uma diversidade muito grande e isso, para produtor, às vezes é ruim. Existem plantas que são benéficas para o sistema, mas não vão gerar nenhum lucro, o que é difícil para o produtor entender. Então é preciso conscientizá-lo e capacitá-lo para a utilização desse tipo de tecnologia”, diz Costa. Ele acrescenta que a mão de obra deve ser mais preparada, já que é necessário lidar com várias espécies diferentes. Além do mais, o trabalha-

dor é mais exigido na colheita, uma vez que esse tipo de produção não faz uso de máquinas. Outra dificuldade encontrada na implantação dos sistemas agroflorestais está na parte técnica. Trata-se de um modelo muito recente de produção agrícola e, por isso, muitos técnicos agrônomos não têm domínio dos procedimentos. A pesquisa científica na área também é limitada, o que diminui a utilização do sistema. A Secretaria de Agricultura do DF e a Emater-DF buscam estratégias para contornar os obstáculos. Uma delas é

realizar parcerias com consultores agrônomos do Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura, para capacitar os produtores rurais. Outro plano é captar recursos junto ao Ministério da Agricultura, mapear as famílias assentadas que já estão com o cultivo bem estabelecido e definir um “kit de fomentação mínimo” para implantação da agrofloresta. A Secretaria de Agricultura do DF lançou um edital este ano, em parceria com a Fundação de Apoio a Pesquisa (FAP-DF), para oferecer bolsas aos interessados em pesquisar sobre o tema. u LOYANE ALVES

Gilberto Ribeiro dos Santos produz, em sua agrofloresta, duas variedades de alface: crespa e lisa. As hortaliças crescem ao lado de bananeiras


4 CAMPUS

Brasília, outubro de 2015

AVICULTURA

A VEZ DO ORGÂNICO Fazenda do Entorno consegue certificação e produz aves em gaiolas espaçosas, sem ração industrializada nem remédios

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ISABELLE MARIE

arlos Caetano e sua mulher Eliana Rodrigues são os proprietários da fazenda Cantão da Lagoinha, única no Distrito Federal e Entorno certificada para a produção de frangos orgânicos. A propriedade, comprada há 16 anos, quando o casal de economistas ainda atuava no mercado financeiro, está certificada para a produção dos frangos desde maio deste ano e já colocou à venda o seu primeiro lote. A fazenda está localizada na zona rural de Santo Antônio do Descoberto (GO), a cerca de uma hora e meia de carro da rodoviária de Brasília. As galinhas são criadas em gaiolas espaçosas e têm acesso livre a parte do jardim, onde passam o dia ciscando. A ração, composta por milho e soja plantados na própria fazenda, é totalmente orgânica, assim como as camas de palha de milho e os “remédios” administrados. Para cumprir as exigências da produção de carnes orgânicas, Caetano e Rodrigues não medicam as galinhas com antibióticos nem outros remédios convencionais. Como alternativa, utilizam ervas fitoterápicas plantadas na horta da fazenda e fazem experimentos com água do mar dessalinizada, rica em sais minerais, para fortalecer o sistema imunológico dos animais.

Durante a noite, um funcionário da fazenda recolhe os frangos soltos no jardim e os tranca em gaiolas. As aves não podem dormir ao ar livre, pois no fundo da propriedade há uma área de mata fechada onde os proprietários acreditam viver uma onça. Caetano conta que já perdeu dois animais comidos pelo felino. “De manhã, quando vim abrir as grades, encontrei penas espalhadas pelo jardim e contei duas galinhas a menos”. Desde maio, apenas um lote com 300 frangos orgânicos foi colocado à venda, mas a fazenda tem capacidade para produzir até 1.200 animais por mês. O ritmo da produção ainda é lento, mas Caetano não tem pressa. “Eu, inclusive, incentivo outros produtores a entrarem no negócio. É bom que eles entrem, porque fica mais fácil acostumar o mercado com mais produtos”. Ele conta que duas pessoas interessadas em criar frangos orgânicos já visitaram a fazenda, mas ficaram desanimadas com a produção de ração para os animais. Para Luciana Dinato, coordenadora técnica do Sindicato dos Produtores Orgânicos do Distrito Federal (Sindiorgânicos-DF), o maior desafio para a criação de animais orgânicos é ISABELLE MARIE

Carlos Caetano, proprietário da única fazenda que cria frangos orgânicos no Distrito Federal, ao lado de aves com quatro meses de vida

ISABELLE MARIE

Água do mar desalinizada é acrescida à água que as galinhas bebem na Fazenda Cantão da Lagoinha. Os sais minerais da água do mar fortalecem o sistema imunológico dos animais

produzir as rações. “O produtor acaba tendo que produzir a ração, pois hoje todas as rações do mercado possuem grãos transgênicos, o que não é permitido na legislação orgânica”. Caetano e Rodrigues tiveram que investir em tratores e colheitadeiras para viabilizar o plantio de soja e milho usados nas rações dos animais. Além de frangos, também criam gado orgânico, ainda sem certificação. De acordo com as regras da produção de carnes orgânicas, o abate deve ser feito por um abatedouro certificado, com licença ambiental. O abate dos animais orgânicos deve ser separado dos demais pelo espaço ou pelo tempo. Caetano acorda de madrugada para levar seus frangos ao abatedouro, localizado em Brazlândia. Ele precisa ser o primeiro a chegar ao local para que seus animais não se misturem aos frangos não orgânicos que serão abatidos em seguida. Caetano reclama da falta de investimento em pesquisas sobre carnes orgânicas no Brasil. Ele se informa principalmente por artigos de pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), mas não encontra informações suficientes para desenvolver a produção. “O orçamento para a pesquisa sobre orgânicos ainda é muito pequeno no Brasil. Fazemos alguns experimentos

por conta própria, tentando desenvolver tecnologias para melhorar a qualidade do produto”, conta. O primeiro lote de frangos orgânicos da fazenda Cantão da Lagoinha foi disponibilizado para venda em mercados na Asa Norte e em feiras orgânicas no Lago Sul e Lago Norte. Até o início do ano, esses mercados eram abastecidos apenas com frangos orgânicos da marca Kórin, empresa de São Paulo adepta do método da agricultura natural. Para Luciana Dinato, a fazenda é importe para o mercado de produtos orgânicos do DF: “A fazenda ajuda a valorizar o comércio local e estimular outros produtores a seguirem o mesmo caminho, buscando produzir um alimento saudável para a população”. Os frangos de Caetano e Rodrigues chegaram aos mercados com preços semelhantes aos da concorrente paulista, mas encontraram dificuldades para sair das prateleiras. “Pensando em oferecer produtos mais frescos, optamos por distribuir frangos resfriados, mas isso não foi tão bem aceito. A validade deles é bem menor que a dos congelados. Fica mais difícil vender”, explica Caetano. Para o próximo lote, os produtores da Lagoinha estão providenciando embalagens próprias para o congelamento dos produtos e opções de frango em pedaços ou inteiro. u


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