Campus - n° 416, ano 44

Page 1

Campus BRASÍLIA, 7 A 20 DE OUTUBRO DE 2014

NÚMERO 416 ANO 44

REMÉDIO ILEGAL AINDA É OPÇÃO PARA ABORTO Após trinta anos de chegada ao país e dez de proibição, Cytotec permanece como a principal alternativa entre medicamentos usados pelas mulheres para induzir a expulsão do feto | página 4

TRANSPORTE

EXAMES INEFICIENTES Testes para adquirir Carteira Nacional de Habilitação são questionados por condutores

POLÍTICA

Mariana Machado

3

SEGURANÇA

ELEFANTE BRANCO Uso e administração do Estádio Mané Garrincha são incógnitas, mas há promessas

12

SOCIEDADE

GHOST BIKES DESAPARECIDAS Bicicletas brancas que homenageiam ciclistas mortos no trânsito têm paradeiro desconhecido

8

15

Em um dos condomínios mais populosos do DF, campanhas eleitorais para síndico são retrato da realidade brasileira

JOVEM ARTISTA QUEBRA BARREIRAS E FAZ MOSTRA NA ITÁLIA

7


2

Campus

Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

Carta do Editor Esta edição foi por nós definida como “um jornal de denúncias”. Os primeiros trabalhos de jornalistas investigativos estão aqui. Desde sair na cara e na coragem para descobrir, no desespero de mulheres pela ideia de eliminar o feto indesejado, um dos esquemas de contrabando na Feirinha do Paraguai e as consequências disso, como óbitos e sequelas (páginas 4 e 5), até buscar o porquê dos desaparecimentos das memórias físicas das mortes de ciclistas no trânsito (15). A curiosidade sobre o óbvio reflete o quão instigantes se apresentam as histórias, que seriam ignoradas pelo olhar conformado. O jornalista é o historiador do hoje. Independente da matéria, ele medita o evidente. Mesmo ao narrar a vida de alguém que precisa embelezar umas pessoas de dia e se enfeitar para satisfazer outras à noite (16). Ou as eleições de um condomínio que, conferindo poder ao indivíduo, cospem os conflitos

What the foca? morais que se escondem por meio de sorrisos, folhetos e adesivos de carro (8 e 9). Qualquer semelhança com o período pelo qual passamos é mera coincidência. Mentira. Tão mentira quanto as promessas feitas para os prazos do Mané Garrincha, que até hoje não foram concretizadas (12 e 13). Expectativas falsas de prazo também foram feitas para a Companhia Ballet de Brasília, que se perde na cidade sem local apropriado para o desenvolvimento de bailarinos profissionais (14). E isso salta aos olhos, assim como coisas boas: a inclusão social na história motivadora de um jovem que irá expor na Itália obras as quais é incentivado a pincelar desde a infância, apesar da descrença comum em pessoas que nascem com maiores dificuldades cognitivas (7). É bom buscar, é bom fazer e, garanto, é ótimo de ler.

Marília Nestor editora-chefe

Memória Na edição 173 do jornal Campus, publicada em abril de 1993, a reportagem Legislação eleitoral vai mudar, escrita por Gustavo Arnizaut, trazia como segunda retranca Legalização do aborto volta a ser discutida, escrita por Adriana Rocha. Naquele ano, uma nova legislação eleitoral

surgia e, com ela, a polêmica sobre a legalização do aborto acalorava os debates sobre direitos da mulher. 21 anos depois, o jornal Campus, aborda as alternativas clandestinas que muitas mulheres encontram para realização do aborto, visto que a prática ainda é considerada crime contra a vida humana, de acordo com o Código Penal Brasileiro.

Campus

Bruna Lima

Fotógrafa Bruna Lima e repórter Mayara Subtil em selfie durante exposição do artista Lúcio Piantino

Ombudskvinna Ao analisar a edição 415 do Campus, não pude deixar de considerar que a capa começa a traçar a identidade dos alunos envolvidos na realização do jornal, mas que geraram comentários e muita discussão dos leitores quanto à forma que foram colocadas as matérias. Gosto muito da reinvenção e ousadia, mas no primeiro olhar concordei com os leitores, a capa é confusa. O Campus é um processo de crescimento e aproximação do aluno de jornalismo à realidade profissional. Ele permite que o aluno desenvolva a observação

*Termo sueco que significa "provedor da justiça", discute a produção dos jornalistas sob a perspectiva do leitor.

do mundo, compreenda que velocidade está no contexto, mas não é o cerne deste momento. Experimentem, tentem mudar a ideia do para hoje e pensem em algo mais investigativo e desafiador. Não cumpram tabela e evitem frases clichês para explicar ou justificar as ações de vocês na construção deste jornal. Ainda bem que as matérias construíram um jornal sem desculpas e concordando com a proposta do Campus. Os destaques deste jornal foram às matérias Se essa rua fosse minha e Símbolo de humanização, que mostram uma denúncia

de forma humanizada e um novo comportamento entre as mulheres. É perceptível que o processo de apuração, curiosidade e escrita dos alunos são completos. Neste momento, estamos vivenciando um processo político que exige cuidado para não recairmos em tópicos já discutidos. Os alunos conseguiram desenvolver textos explicativos e interessantes para os leitores nas matérias Dias de folga e Poucos votos, muita vontade .

Karla Beatriz aluna do 7° semestre de Jornalismo da UnB

Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília

Editora-chefe: Marília Nestor Secretário de redação: Eduardo Carvalho Editores: Breno Damascena, Carolyna Paiva, Glaúcia Machado, Juliana Perissê, Luiza Garonce, Nara Menezes Repórteres: Beatriz Pataro, Breno Damascena, Bruna Lima, Carolyne Cardoso, Gustavo Schuabb, Ivana Carolina, Julia Lugon, Lucas Ludgero, Luisa Marini, Mayara Subtil, Rudá Moreira, Tamara Montijo, Vitor Sales, Tainá Andrade

Diretor de arte e foto: Melina Fleury Fotógrafos: Bruna Lima, Isabella Campedelli, Mariana Machado, Walter Carlos Diagramadores: Breno Damascena, Carolyna Paiva, Glaúcia Machado, Juliana Perissê, Luiza Garonce, Nara Menezes Projeto Gráfico: Breno Damascena, Bruna Lima, Isabella Campedelli, Lucas Ludgero e Rudá Moreira Professores: Sérgio de Sá e Ana Carolina Kalume

Jornalista: José Luiz da Silva Monitores: Isabela Resende e Jéssica Martins Gráfica: Color Print Tiragem: 4 mil exemplares Contato: 61 3107-6498 / 6501 Endereço: Universidade de Brasília, campus universitário Darcy Ribeiro, s/n, Asa Norte, Brasília/DF. Faculdade de Comunicação, Instituto Central de Ciências - Ala Norte CEP: 70 910-900

Acesse o Campus Online pelo leitor de QR Code do seu smartphone ou tablet

www.campus.fac.unb.br


Campus

Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

TRANSPORTE

Sinal vermelho para as clínicas

3

Walter Carlos

Condutores questionam a validade dos exames médicos exigidos pelo Detran Carolyne Cardoso Júlia Lugon No subsolo de um shopping, funciona uma das 80 empresas credenciadas pelo Departamento de Trânwsito do Distrito Federal (Detran-DF) para a realização de exames médicos. O local é uma das 23 novas clínicas que surgiram nos últimos dois anos. Na pequena sala de espera não há qualquer decoração. O lugar aparenta única finalidade: avaliar o estado físico e mental de atuais e futuros condutores. Ao chegar, o candidato preenche um formulário com perguntas sobre saúde, histórico no trânsito, uso de drogas e álcool. A veracidade de todas as informações depende exclusivamente do candidato, pois na avaliação, o médico faz questionamentos, mas não tem o apoio de exames adicionais que comprovem as respostas. Em caso de desconfiança, o profissional pode exigir novos documentos. Nas clínicas, os exames geralmente não demoram mais que dez minutos. Para o presidente da Associação de Clínicas Credenciadas (Ascred), Romualdo Santos, “não é exame. É uma avaliação”. Segundo ele, existe grande diferença entre comparecer a uma consulta médica e atestar a capacidade de um indivíduo no volante. No Distrito Federal, para tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) pela primeira vez, o futuro con-

dutor paga três tarifas: avaliação física (R$ 87,50), teste psicotécnico (R$ 133,29) e taxa do Detran (R$ 161,35). A renovação acontece a cada cinco anos e a quantia paga é de R$ 79,63 para o Detran e R$ 87,90 para a clínica credenciada. O exame é padronizado em todo o território brasileiro, mas o preço varia de acordo com cada estado e o DF é a quinta região mais cara do país.

R$ 14 mi é a quantia arrecadada pelo Detran-DF com as taxas de renovação e obtenção de CNHs no 1º semestre de 2014.

Apesar da posição no ranking de preços, o presidente da Ascred afirma que a tarifa é justa. “O exame é barato, considerando os altíssimos custos que você tem com médico, psicólogo e com a própria empresa” afirma. OS ERROS DAS CLÍNICAS A eficiência do exame é frequentemente questionada. Atualmente existem 1.529.920 condutores no DF. O estudante Wesley Queiroz é um dos que achou o teste rápido.

“O exame é muito falho, não valeu nada. Só pediram para que eu lesse algumas letras.” No caso de Queiroz, o médico não seguiu as orientações do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e não percebeu que o candidato era míope, então não sinalizou o distúrbio visual em sua CNH. O universitário Rodrigo Mariano teve o mesmo problema: não registraram a miopia e o astigmatismo. Além disso, não foram feitas avaliações necessárias, como medir a pressão arterial, escuta cardíaca, pulmonar e o teste de força. Apesar de não constar observação na carteira, Mariano utiliza os óculos na hora de dirigir. Ao constatar que o candidato tem algum problema mas está apto a dirigir, o médico deve colocar na CNH uma observação feita em código alfabético. Cada letra representa uma restrição diferente. A letra “A”, por exemplo, indica o uso obrigatório de lentes corretivas. A primeira CNH do advogado Bernardo Lombardi possuía uma observação com a letra “A". O curioso é que ele nunca teve distúrbios de visão. Na época, o examinador entendeu que o rapaz precisava de lentes corretivas. A confusão o obrigou a comprar óculos. O erro só foi consertado com a renovação da carteira e o segundo médico comentou

não ter entendido o porquê da restrição. Os erros nas clínicas podem resultar em três tipos de punições determinadas pelo Denatran: advertência; suspensão das atividades por até 30 dias e cassação do credenciamento. A fiscalização é feita pelo órgão executor, o Detran. Apesar das falhas, desde o ano passado, das 80 clínicas credenciadas no DF, apenas uma foi punida com a suspensão das atividades e o processo ainda está em fase de recurso. A legislação de trânsito prevê fiscalizações diárias. Procurado pela redação do Campus, o Detran não se pronunciou. Segundo o presidente da Ascred, a fiscalização só é feita após denúncias. A população pode fazer reclamações na ouvidoria do Detran, ligar 162 ou registrar a queixa no site do órgão.

MORTES SILENCIOSAS Em 1978, o médico Roberto Douglas era residente em cardiologia e notou que muitos dos corpos utilizados nas aulas de medicina vinham de acidentes de trânsito. Essa percepção o motivou a participar da fundação da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet). Atualmente, Roberto Douglas é presidente da instituição e acredita que a sociedade ainda não entende a relevância dos exames clínicos realizados pelas empresas credenciadas pelo Detran para a prevenção de acidentes. Segundo Douglas, cerca de 45 mil pessoas morrem por ano no Brasil vítimas de acidentes de trânsito. “Isso equivale à queda de um Boeing por dia.” De acordo com o especialista, “todos os dias cai um Boeing no nosso asfalto”.


4

Campus

Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

SAÚDE DA MULHER

O PREÇO DO ABORTO

Há 30 anos no Brasil e com quase uma década de ilegalidade, Cytotec continua um dos métodos abortivos mais populares Beatriz Patarro Jamile Racanicci

A

presença latente de um feto e de um futuro indesejado causa desespero o bastante para mulheres aceitarem um acordo perigoso. De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto, realizada pela Universidade de Brasília (UnB), 48% das mulheres que abortam no Brasil usam remédios para interromper a gravidez, sem dosagem, instruções de uso ou certificado de autenticidade. O Cytotec é um dos mais procurados por mulheres dispostas a pagar qualquer preço para adiar a maternidade – ou o segundo, terceiro, quarto filho. Lançado no Brasil em 1984 como um amenizador de úlceras e dores no estômago, o Cytotec teve seu efeito abortivo descoberto e posto em prática indiscriminadamente. No boca a boca, mulheres como Sofia*, 45 anos, aprenderam que, caso as pílulas brancas em formato de hexágono fossem inseridas no fim do canal vaginal, o colo do útero se dilataria de forma tão severa que expulsaria o feto. Aos 20 anos, no final da década de 1980, Sofia* comprou Cytotec na farmácia para fazer um aborto sozinha, em casa. Ela inseriu a primeira pílula à noite, quando começou o sangramento, que seguiu até de manhã. Sem recursos financeiros para custear eventual emergência em hospital, Sofia* torcia para sobreviver. “Foi longo e dolorido, mas dei conta. É impossível dormir, os sentimentos são muito confusos”, relata. Devido aos riscos à saúde da mulher, o registro do Cytotec foi cancelado pela Agência

Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2005 e seu uso foi proibido mesmo em hospitais. O único remédio com registro autorizado pela Anvisa à base do princípio ativo causador do aborto, o misoprostol, é o Prostokos. Armazenado sob dispositivo de segurança em hospitais credenciados e usado somente com o acompanhamento de profissionais da saúde, o Prostokos é utilizado para induzir o parto ou realizar abortos nos casos de estupro, fetos anencéfalos e risco de morte da mãe, permitidos pela legislação brasileira. Mesmo com o cancelamento do registro por parte da Anvisa, as mulheres não desistiram de usar o Cytotec. A mudança foi que, ao invés de ser vendido nas farmácias, o remédio passou a ser acessível por meio de contrabando, a troco de valores elevados, riscos para a saúde e desgaste emocional. COMÉRCIO ILEGAL A fim de atender à demanda de mulheres que anseiam por um aborto, muitos se engajam no comércio ilegal de Cytotec em busca de uma oportunidade de negócio. Tais “empreendedores” trazem o remédio para o Brasil das mais diversas maneiras, desconhecidas pelas clientes. Segundo a Anvisa, a venda de produtos sem registro é considerada infração sanitária gravíssima e crime hediondo, enquadrado no Código Penal, artigo 273. As mulheres não sabem de onde ele vem, se a encomenda vai chegar, quando terão o remédio em mãos, se são autênticos

Bruna Lima

O Prostokos é o único medicamento autorizado pela Anvisa para realizar abortos legais em hospitais credenciados

ou feitos apenas de farinha. As dúvidas em relação à saúde também permanecem. Instruções sobre como usar o medicamento, qual a dosagem necessária e o que fazer caso o sangramento saia de controle são dadas pelos próprios comerciantes ou encontradas na internet, sem credibilidade alguma. Segundo a Polícia Federal, um dos pontos de venda de Cytotec no DF é a Feira dos Importados. Em visita à Feira, a equipe de reportagem do Campus demorou algumas horas para encontrar qualquer evidência do comércio ilegal de remédios. Para quem procura artigos legalmente comercializados, as vias de se obter o medicamento estão mimetizadas entre eletrônicos baratos, bugigangas luminosas e suplementos para malhação. O estabelecimento menos disposto a mostrar o caminho das pedras é o mais óbvio: farmácia. Donos e funcionários dizem que não sabem de nada e, se

soubessem, não informariam. As mulheres – ou os homens – que procuram o Cytotec não teriam muito mais sorte em lojas de relógios, roupas, capinhas de celular: ninguém está disposto a falar. Quem tem alguma informação pode revelar caso for sensibilizado por uma história de desespero – ou por uma nota mais alta. O boato que corre é que alguns comerciantes fazem viagens frequentes ao Paraguai e trazem para Brasília encomendas especiais, inclusive produtos abortivos, usados em situações descritas como “mais desagradáveis”. SITES PIRATAS O mercado ilegal de Cytotec também se estabeleceu via internet. Por meio de sites de busca, instruções são encontradas facilmente para induzir aborto com o remédio. A equipe de reportagem do Campus comparou seis sites com instruções para realização do aborto inseguro, elaboradas

por supostos profissionais de saúde. Embora reservem contradições quanto ao uso sublingual ou vaginal do remédio, os seis sites instruem as mulheres a esperar dor e sangramento excessivos como sinal de sucesso. Segundo a ginecologista Fernanda Cardoso, o sangramento excessivo não é uma etapa comum do procedimento, nem significa que o aborto foi bemsucedido. “É uma complicação, não é o esperado. Como o remédio induz a dilatação do colo uterino de maneira muito rápida, que não é o normal do nosso corpo, pode ser que sangre e cause muita dor”, explica. De acordo com Fernanda, os médicos analisam as gestações caso a caso, a fim de receitar a dosagem adequada do medicamento e estabelecer o intervalo correto entre a inserção de uma pílula e outra. Os sites, além de ensinar de forma irresponsável como usar o Cytotec para fins abortivos, conectam vendedores a possíveis compradores. Alguns oferecem contato com supostos médicos para avaliar contraindicações e outros apenas ofertam os remédios. Tem site que esconde o preço cobrado pelas pílulas, mas a reportagem encontrou um portal que cobra 90 euros (aproximadamente R$ 280) pelo Cytotec e ainda aceita doações para custear a encomenda a mulheres de baixa renda. Em todos os casos, os sites operam ilegalmente. Desde a proibição do remédio, em 2005, a Anvisa determinou a suspensão de 75 páginas na internet que comercializam


Campus

Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

ou divulgam o Cytotec, como em sites de relacionamento. Atualmente, outros 45 portais estão sob análise da agência. De acordo com o delegado titular da Delegacia do Consumidor, Wisllei Salomão, a maioria dos remédios ilegais apreendidos vem do Paraguai. Além disso, segundo ele, a polícia não pode prender portadores de Cytotec, mas os comerciantes. “É muito

difícil fazer apreensão desses medicamentos ilegais, porque os fornecedores e vendedores tentam ludibriar a Justiça. Como a polícia tem que pegar no ato da venda, é mais difícil ainda”, explica. De acordo com ele, operações bem-sucedidas dependem de denúncias e investigações mais longas, até mesmo com interceptações telefônicas. Em 2013, a polícia prendeu Melina Fleury

o dono de uma farmácia no Taguacenter e apreendeu o lote de Cytotec no estabelecimento. Por sorte, o fornecedor chegou ao ponto de venda no momento da apreensão e também foi preso. No carro e na casa dele, a polícia encontrou ainda mais caixas de Cytotec, todas trazidas do Paraguai. A DECISÃO DE ABORTAR Virgínia*, 27 anos, estava grávida do segundo filho aos 26 quando decidiu interromper a gravidez. A partir de conselhos de amigas, resolveu procurar fornecedores de misoprostol na internet e apostou em um site em que nada estava escrito, apenas um endereço de e-mail. Ela entrou em contato e recebeu uma tabela que mostrava o número de comprimidos necessários para abortar de acordo com o estágio da gravidez. Gestante de seis semanas, Virgínia* encomendou quatro pílulas pelo valor de R$ 500, pagos em transferência bancária. Sem a menor possibilidade de comprovar que o remédio chegaria a tempo de interromper a gravidez com eficácia e em dúvida mesmo se o medicamento estaria em suas mãos, Virgínia* checou a caixa de correio diariamente por uma semana. Quando à dosagem encomendada estava a sete dias de se tornar insuficiente, Virgínia* encontrou um pacote inesperado na correspondência. Abriu o embrulho e viu uma camiseta. Curiosa, a jovem mãe desenrolou a peça e encontrou um recorte de papelão, no qual estavam colados com durex pequenos maços improvisados de papel alumínio que continham os comprimidos abortivos. “Coloquei o primeiro comprimido e não senti nada. Na hora fiquei nervosa e pensei: ‘e se for de farinha?’. Uma hora depois, coloquei o segundo e a cólica começou. Eu estava totalmente

*As mulheres entrevistadas durante esta reportagem preferiram não ser identificadas. Os nomes, portanto, são fictícios.

no escuro”, descreve Virgínia*. Apesar de possibilitada pelo comércio ilegal, a compra de Cytotec pode falhar. É o caso de Joana*, que pagou R$ 280 por comprimidos que nunca chegaram. A encomenda feita pela internet foi barrada pela Anvisa e a equipe do site avisou Joana da apreensão quando ela já estava com onze semanas de gestação. Então, Joana* decidiu manter a gravidez. “Eu não ia conseguir lidar com a culpa de olhar pra um bebê e saber que eu prejudiquei ele, além de eu não ter condição nenhuma nem de criar uma criança, que dirá uma que precise de cuidados especiais”, conta.

Walter Carlos

5


6

Campus

Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

COMPORTAMENTO

MODA RÁPIDA

Redes de fast fashion, conhecidas como lojas de departamento, transformam forma de produção e consumo na capital Tamara Montijo

R

oupas que seguem as últimas tendências da moda, novidades toda semana e preços acessíveis. Unir essas três características em um único produto pode parecer impossível, no entanto, isso está ao nosso alcance com as chamadas fast fashion. Conhecida no Brasil como loja de departamento, a “moda rápida” surgiu na Europa, na década de 1950, e se espalhou rapidamente pelo resto do mundo por meio da política de produção veloz e contínua de suas peças. Com mais de dez redes do segmento em Brasília, as marcas estrangeiras tomam conta do mercado na capital, que promete aquecer com a abertura da gigante americana Forever 21. Segundo a pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), em agosto deste ano, a projeção é que, em 2020, o Brasil importe cerca de 20% do que é consumido em vestuário e acessórios. Isso demonstra um provável aumento do número de lojas e produtos no ramo. A pesquisa da Abras ainda relata que “as grandes redes internacionais passaram a trazer cada vez mais produtos, tendências e inovações, com destaque para fast fashion”.

A Forever 21 será inaugurada, em Brasília, no dia 18 deste mês. É o quinto endereço da rede americana no Brasil, tendo sede também em São Paulo, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro e Porto Alegre.

Mariana Machado

Ana Cecília, estudante de Psicologia da Universidade de Brasília, se declara apaixonada por moda e é compradora assídua em lojas de departamento. Para ela, uma grande vantagem são as possibilidades e diversidade de produtos. “O que eu mais gosto nas redes de lojas de departamento são as várias opções. Cada semana tem novidade. Em uma loja normal, você passa três, quatro meses com as mesmas peças. As lojas de fast fashion estão em constante renovação.” Segundo a estilista Luisa Peleja, a variedade de temáticas contribui para a constante troca de coleções e quantidade de alternativas. Enquanto uma marca comum escolhe um único guia para trabalhar Mariana Alves, blogueira que escreve sobre moda acessível, afirma: “O mercado suas coleções, a moda rápida fast fashion promete aquecer com a abertura da Forever 21 em Brasília” trabalha em cima de diversos temas. “Se sai um estudo de duzidas apenas aquelas peças responsável pela democratiza- mente e outras vantagens tendências apontando que as com grande possibilidade de ção do consumo. Segundo ela, podem ser observadas. A próximas estampas da moda serem emplacadas. com a globalização e o avanço blogueira Mariana Alves, do vão ser o étnico, o floral e o Já nas lojas de departamento, das tecnologias, as pessoas têm blog “Moda ou Estilo”, vê na animal print, por exemplo, a o consumidor escolhe o que vai mais acesso a informação e, fast fashion uma possibilidade marca vai escolher uma das virar estoque. Ronnie Petter- por isso, não é preciso um de as pessoas terem acesso a vertentes e trabalhar em cima son, supervisor geral da loja alto poder aquisitivo para ter coleções de estilistas renodela. Enquanto a fast fashion Riachuelo do Shopping Boule- uma identidade de moda, mados, sem precisar investir vai produzir peças utilizando- vard, explica a diferença: “na acompanhar blogs sobre o valores absurdos. se de todas as tendências”, moda rápida, o processo é assunto e ficar por dentro das “Isso acontece em decordeclara Peleja. invertido. O consumidor dita últimas tendências. rência de parcerias entre as O processo de Assim, as lojas lojas e os grandes nomes do produção é outro de departamento setor que chegam a fazer fator responsável atendem a um pú- coleções exclusivas, para as por agilizar a cheblico preocupado lojas de departamento, que gada das peças ao em usar peças são vendidas a preços muito Ronnie Petterson, supervisor geral da unidade atuais, contudo, mais acessíveis”, declara Maguarda-roupa do consumidor. Na não pertencentes, riana Alves. A blogueira, tamRiachuelo do shopping Boulevard moda convencionecessariamente, bém consumidora, deixa sua nal, é feito um estudo para as regras. O que já é tendência é às classes A ou AA, que, em grande dica: as fast fashion o desenvolvimento de uma produzido e nem se perde tem- maioria, adquire roupas de são alternativas para manter coleção, em que se avaliam po com o que não emplacou”. estilistas reconhecidos. um look da moda, comprando estampas, modelos, tecidos, Cleia Teixeira, gerente geCom a inauguração da tendências que logo serão esaplicações e modelagem. Após ral da rede Zara, acredita Forever 21 em Brasília, o quecidas, sem gastar valores o processo de criação, são pro- que o segmento também é segmento entra em alta nova- absurdos por isso.

"Na fast fashion, o consumidor dita as regras"


Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

DÁ LICENÇA?

Campus

7

Jovem com síndrome de Down barra preconceitos e torna-se artista plástico reconhecido no Distrito Federal Mayara Subtil

P

ara Voltaire, escritor e filósofo francês, a pintura é a poesia sem palavras. Os artistas são capazes de expor suas vontades, glórias e verdades em um único formato, cor e técnica. Assim funciona a mente de Lucio Piantino. A arte do menino é repleta delinhas expressionistas de texturas únicas, que retratam seus 19 anos de vida em quadros exuberantes. O jovem é filho e neto de artistas plásticos. Sua vida sempre girou em torno de papéis, pincéis e tinta. Aos 11 meses, Lucio criou seu primeiro rabisco e caminho para as artes. Entretanto, a esperança de reconhecimento desenhou sua trajetória quando precisou sair da escola aos 12 anos, vítima do preconceito

Lucio posa com seu quadro Maria no 3º Salão de Negócios da Acessibilidade, Reabilitação e Inclusão Social

de professores e colegas por ter Síndrome de Down. “Fui no diretor e pedi para sair da escola. Minha mãe me levou para o trabalho dela e comecei a pintar”, relata o menino, que se dirige aos quadros como filhos e às tintas como seu alimento. No ateliê com pincéis dos mais variados, espátulas e tintas, Lucio transforma-se. Sua concentração começa quando coloca o fone de ouvido, que toca funk, hip hop e rap. No embalo da música, o jovem faz com que as criações nasçam sem economizar espaço, como se o ritmo musical determinasse cada traço na tela. Naquele recinto, Lucio é livre. “Ninguém me ajuda, nem mesmo minha mãe. Coloco meus sentimentos nos quadros, como um pai ensinando o filho”, afirma o menino.

Fotos Bruna Lima

Sua mãe, mais conhecida por Lurdinha Danezy pelos amigos, viu nos quadros do rapaz um talento indescritível, que vai além do olhar maternal. “Sou exigente com qualquer trabalho artístico e com Lucio não seria diferente. Suas características são próprias sem sofrer influências. Ele é talentoso”, afirma. Ao ver o potencial do filho, Lurdinha começou a investir na carreira artística do menino. A partir da saída da escola, em 2008, o rapaz fez duas exposições e exibiu cerca de 60 quadros em cada evento. Com 15 anos, obteve registro de artista plástico profissional e, Apaixonado pela arte de pintar, Lucio manifestou habilidades atualmente, possui nove exposições individuais artísticas desde a infância em seu currículo. Seus quadros são avaliados de Negócios da Acessibilidade, Reabilitação em R$ 1,1 mil, o metro quadrado. Na loja de Lurdinha na Torre de TV, as e Inclusão Social, ocorrido entre 19 e 21 de habilidades de Lucio conquistaram os olhos setembro, no shopping Pátio Brasil, onde o de um artista italiano. O encantamento do público viu de perto os quadros do artista. Durante o Salão, Lucio rifou um de seus olheiro pelas expressões artísticas quadros a fim de arrecadar fundos para a viagem do menino fez com que o à Itália. Com um sorriso no rosto, conquistou convidasse para expor suas a confiança de todos que se aproximavam, obras na Galeria Nacional principalmente de um senhor surdo que também da Úmbria, localizada em é pintor, que comprou uma rifa para contribuir Perúrgia, na Itália. No evento, com a primeira exposição internacional do que ocorrerá em dezembro garoto. de 2014, Lucio irá ministrar No mesmo um workshop para 20 evento, o jovem mostrou pessoas que tenham suas técnicas teatrais alguma deficiência. durante a peça O “Nós sempre improvável amor de Luh apoiamos o Lucio em Malagueta e MC Limonada, tudo o que ele quis segundo trabalho que o fazer”, relata Lurdinha. consagra profissionalmente como ator Além de pintor, o principal. Com a parceira Luiza Martins, o menino desenvolveu menino dançou, fez mágica, interpretou e habilidades no teatro, conseguiu cativar as pessoas que passaram na música e na Língua pelo Salão. Brasileira de Sinais Sua especialidade nas artes plásticas, (Libras). Sua irmã, na dança e na interpretação superam a Joana, confirma que o lembrança de um jovem que sofreu com rapaz não tem medo de a falta de recurso e preparo escolar. Na aprender. “Comecei a fala, no sorriso e no traçado da tinta, fazer bateria por causa Lucio surpreende. “A Síndrome de Down do Lucio. Ele também é uma diferenciação genética e não uma sabe um pouco. Só deficiência”, conclui a mãe de Lucio. não continuou pelo fato de que sempre quer Lucio veste-se de mágico durante apresentação da peça aprender de tudo”, contou O improvável amor de Luh Malagueta e MC Limonada a jovem durante o 3º Salão


8

Campus

Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

UM PEQUENO RET

POLÍTICA

Na capital do país, uma disputa para síndico gera intrigas, denú Rudá Moreira

P

essoas vestidas iguais, com bandeiras, pedindo voto aos motoristas que por eles passam. Panfletos sendo distribuídos, amassados, jogados ao chão. Adesivos grudados em carros. Placas afixadas em muros. Até bonecos no formato de um candidato, em tamanho real. Tudo isso poderia ilustrar o cenário de qualquer cidade, no mês passado. Mas esta campanha não é para presidente, nem para governador, tampouco para senador ou deputado. É uma eleição para síndico em um dos condomínios mais populosos do Distrito Federal, o RK, ocorrida em 28 de setembro. Com uma arrecadação anual calculada em R$ 6,8 milhões, o conjunto de classe média mais parece um município com cerca de dez mil habitantes, muros em volta e cancelas na portaria. Surgiu e permanece de forma irregular, como muitos dos 1.200 condomínios residenciais ca-

Sérgio Romero mandou fazer boneco para campanha a síndico

Orçamento

A efeito de comparação, o município de Angical do Piauí (PI), com 6.672 habitantes (dados de 2012), é mantido com um orçamento de R$ 2,5 milhões anuais. O condomínio RK arrecada quase o triplo.

dastrados no sindicato responsável no DF. A falta de apoio estrutural do Estado, sobretudo em sua origem, fez cair sobre a administração local responsabilidades como pavimentação e saneamento nos mais de dois mil lotes. As reclamações de moradores e, consequentemente, as promessas das quatro chapas, envolviam questões sobre transporte, saúde, segurança, educação e até mesmo lazer, esporte e cultura. Envolvendo desde a construção de pista de skate até creches comunitárias, os discursos e embates políticos dos sindicáveis não se diferenciavam muito dos presidenciáveis. HORÁRIO ELEITORAL Vestindo bermudas e uma camisa aberta no peito, José Camelo percorria uma das ruas do RK, de chinelos. Nas mãos, panfletos que eram depositados, um a um, nas caixinhas de correio. No papel, via-se um retrato dele, entre outros 13 condôminos, também candidatos pela chapa 3. Liam-se propostas como redução de custos, construção de quadra poliesportiva e ciclovia. “Quando analisamos a prestação de contas, nós vimos que está havendo um excesso de gastos, e é tudo feito de forma ditatorial”, criticou. Um segurança motorizado

interrompe a entrevista e pergunta sobre o quê se trata. “Ele é da UnB e está conversando comigo. Eu sou de uma das chapas e estou panfletando”, argumentou o candidato. Além dos panfletos, as chapas fizeram bandeiras, camisetas, adesivos e santinhos. “Carro de som não pode”, destacou Camelo, ao explicar como ocorre o processo eleitoral. Todos os partidos gastaram entre R$ 8 mil e R$ 10 mil, rateados entre membros e alguns apoiadores, na campanha que começou 30 dias antes da eleição. Alguns inovaram na forma de apresentar projetos. A chapa 4 instalou um verdadeiro comitê eleitoral, além de uma televisão com vídeos, logo na entrada do RK. Os integrantes se comunicavam com moradores por WhatsApp e um boneco do candidato a síndico, Sérgio Romero, foi confeccionado em tamanho real. Ao lado da imagem sorridente, ele defende como proposta de mandato a diminuição do pró-labore que receberia, atualmente fixado em dez salários mínimos (R$ 7.240). “Uma forma de começar a enxugar a máquina administrativa.” Caso eleito, ele também prometia a redução em 24% do valor pago mensalmente ao condômino. Propostas de redução da taxa ganhavam apoio de alguns eleitores. Geraldo Eugênio é um dos moradores que reclamaram do valor. “A culpa não é só da administração, é também dos muitos moradores que não participam nas assembleias. A classe média adora ficar em

No dia 28 de setembro, 836 moradores foram às urnas escolher uma chapa para adm

casa falando mal das coisas, mas não faz nada.” O delegado Cristiomário Medeiros, candidato a subsíndico pela chapa 4 defende a revisão dos contratos atuais, de forma a diminuir o custo administrativo e, consequentemente, a taxa aos condôminos. Defende que funções de alto escalão poderiam ser exercidas pelos membros da chapa. “Isso está virando um cabide de emprego. É muita gente contratada desnecessariamente.” DEBATE Com promessas similares às eleições tradicionais, os imbróglios políticos e jurídicos não ficam para trás. A então síndica, Vera Barbieri, embargou os bonecos do candidato Sérgio Romero, sob acusação de atrapalharem as vias públicas, alegando

cumprir o regimento interno. Após discussões com a comissão eleitoral, a publicidade foi liberada, desde que o totem permanecesse em cima de algum veículo. De acordo com a candidata a subsíndica da chapa 4, Brenda Boeschenstein, “a nossa criatividade incomodou a administração, pois eles precisam de gente lá, bandeirando,

L

R


Campus

Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

TRATO DO BRASIL

9

úncias e ataques eleitorais: reflexo da política nacional Fotos: Mariana Machado

ministrar o Condomínio RK pelos próximos dois anos

O PROCESSO Proprietários escolhem, de dois em dois anos, uma chapa com candidatos a síndico, subsíndicos e conselheiros, eleita por voto direto, em maioria simples. O voto não é obrigatório e limitado a um por terreno em dia com a taxa mensal: Residencial: R$ 270 Comercial: R$ 388

2.074

Lotes residenciais e comerciais

R$ 7.240

Pró-labore pago ao síndico

R$ 6.835.719 Receita anual ordinária do RK

e a gente tem publicidade 24 horas com o boneco e a TV”, provocou, saindo para cuidar do filho pequeno. As ditas bandeiradas aconteciam a todo cair da noite. Integrantes e apoiadores da chapa 2, aliada à última gestão, vestiam camisetas da campanha e empunhavam sua-s bandeiras. Aos gritos de “chapa dois, vizinho!”, motoristas devolviam buzinadas. O cenário na entrada do condomínio virava um caos tipicamente eleitoral. Na semana da eleição, surgiu um pedido de impugnação da chapa 2. Um documento necessário para inscrição da chapa foi solicitado pela então síndica após a data limite fixada pela comissão eleitoral, segundo um integrante da

oposição que preferiu não se identificar, temendo represálias. Vera confirmou a existência do processo, mas disse que a denúncia era equivocada. Entre tanta confusão, o que leva alguém a querer assumir essa briga? “A perspectiva de poder”, responde Flávio Britto, cientista político e especialista em direito eleitoral. “O RK, ao ter essa receita, que é maior do que várias cidades do interior, é certo que tem problemas comparáveis aos dessas cidades.” Britto, que já atuou como síndico, conhece bem os problemas relacionados à tarefa. “Você acaba criando inimizades, mas tem que ter postura. E, nesse caso, uma quase de prefeito. É um cargo que pode trazer grande visibilidade política”, observa.

Adesivo foi colado no carro da reportagem sem autorização. Chapa 2 negou autoria e atribuiu aos opositores o que chamou de “ato de vandalismo”

A poderosa prefeita

V

era Barbieri, 63, é designer de interiores. Mãe de cinco e avó de seis, se afastou da profissão para atuar como síndica do RK nos últimos quatro anos. Ditadora para alguns, mas idolatrada por outros, construiu sua imagem como a de uma prefeita nos dez anos em que participou direta ou indiretamente da administração. Orgulha-se em atribuir à sua gestão a pavimentação da maior parte das ruas do RK, mas o síndico anterior garante ter concluído 70% das obras. Vera foi alertada pela secretária que “os dois que estão esperando para entrevistala foram vistos, mais cedo, conversando com as outras chapas”, antes de convidar a

nossa reportagem a entrar. Eleita em 2010 e reeleita em 2012, agora Vera resolveu lançar um de seus subsíndicos candidato, mas permanece como presidente do conselho e aparece em todo material da chapa, ao lado do candidato principal, sob os dizeres “Vera indica e participa”. “Não é transferência de votos. Eu só quero assegurar para o condômino que a minha postura administrativa vai continuar na próxima gestão”, assegurou. Marcelo Corrêa, candidato a síndico pela chapa 1, questionou a forma de Vera gerenciar. “Depois de trabalhar com a atual gestão, observei que perseguiam os que não se afinavam ideologicamente com a síndica, eles eram

Síndica desde 2010, Vera Barbieri diz ter realizado obras como a pavimentação de ruas, mas oposição alega ter feito a maior parte

ridicularizados. Então decidi ter liberdade para colocar as minhas ideias”, declarou Corrêa, que foi advogado do condomínio. Áspera, Vera Barbieri devolveu: “ele quer as comissões, imagina quanto um advogado ganha em cada processo do condomínio”. Dois dias antes do pleito a chapa 1 retirou a candidatura. O mandato de Vera agora acabou. Do elevado prólabore, criticado pela oposição, parece que não sentirá falta. “Eu ganho mais que isso com um projeto meu.” De projeções políticas, diz querer distância, apesar de ter dado como certa

a vitória nas urnas do RK. “Nunca vou sair candidata a nada fora disso aqui. E agora eu quero mais é viajar”, confidenciou à reportagem, às vésperas de entregar o cargo. Semelhanças e diferenças com a política tradicional no Brasil à parte, as eleições no RK são movimentadas há anos e assim vão continuar, segundo o cientista político Flávio Britto. “Aquilo é uma pequena parcela da sociedade como um todo. Tende a se configurar da mesma forma.” Em tempo: a chapa de Vera Barbieri (2) venceu a disputa com 68% dos 836 votos.


10

Campus

Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

SAÚDE

QUAL CAMINHO SEGUIR

Dependentes químicos buscam tratamento em clínicas de internação, centros de atenção psicossocial e casas de recuperação religiosa Lucas Ludgero Vitor Sales

I

nternação voluntária ou compulsória, terapias alternativas, ou mesmo a espiritualidade são algumas das possibilidades de tratamento para dependentes químicos, que dividem opiniões de especialistas, familiares e dos próprios pacientes. Com 34 anos de vício em álcool, o aposentado José Joaquim, 51, conta seu percurso de vida gasto em clínicas de internação para dependentes químicos. Após passar por centros de tratamento em que os pacientes não possuem contato com o mundo exterior, como o sanatório de Anápolis, o Hospital São Vicente de Paulo e a Clínica Planalto, ambos em Brasília, ele encontrou, no Centro de Atenção Psicossocial (Caps), uma oportunidade de recomeçar a vida. “Estou há 4 anos aqui e agora estou saindo do vício”, diz ele. A internação de José Joaquim no Caps foi voluntária, com a inserção do paciente na sociedade desde o início do tratamento. No DF, existem atualmente nove unidades do Caps AD, voltadas para tratamento de pessoas com vício em álcool e drogas. “Aqui posso trabalhar, fazer cursos ou só vir para as terapias. E minha família ainda pode me acompanhar durante esse processo”, conta o aposentado, que, desde 2012, está livre do álcool e faz parte dos 11 mil atendimentos mensais realizados nos centros localizados em Santa Maria, Guará, Plano Piloto, Taguatinga, Ceilândia, Itapoã e Sobradinho. Apesar de iniciativas para a não internação de dependen-

Isabella Campedelli

tes em drogas terem ganhado fôlego na última década, a realidade é outra. Integrante da Associação de Juízes para a Democracia (AJD), o juiz João Batista Damasceno, em entrevista à Agência Senado, afirmou que muitos dependentes químicos estão sendo internados por seus tutores legais. Esse tipo de internação é entendida como voluntária, no entanto, o que prevalece é a vontade do tutor, e não a do internado. A decisão de sair da clínica e parar o tratamento cabe ao paciente, no caso das internações voluntárias. Não foi o que ocorreu com um dos pacientes atendidos pela Clínica de Recuperação Mansão Vida, localizada em Santo Antônio do Descoberto (GO). Segundo o rapaz de 21 anos, que preferiu não ser identificado, “antes de ir para lá, eles fazem o resgate. Eles te buscam na sua casa a pedido dos familiares, dão uma injeção para te dopar e te levam para a clínica”. Ele descreve os quartos como celas de prisão e afirma que o tratamento dado é o mesmo oferecido a um animal. Procurada pela reportagem do Campus, a dona do estabelecimento, Ester Giraldi Dias, foi enfática: “não acreditem muito em pacientes, eles aumentam muito as histórias. Normalmente são drogados ou pacientes com transtorno bipolar que não se julgam doentes. Culpam a instituição por coisas que não aconteceram”. Apesar de sentir os traumas da internação, o entrevistado acredita que o tratamento foi bom para ele, “eu

José Joaquim passou por três clínicas psiquiátricas e está há quatro anos em tratamento no Caps AD de Santa Maria

recomendaria o tratamento para todos”. Ester Giraldi explica que, na clínica, a dependência química é tratada como doença e, por isso, o uso de remédios e substâncias dopantes é justificável. Outra alternativa à internação involuntária de depen-

dentes químicos são as clínicas que se utilizam da religião como cura. A Casa de Recuperação Nova Esperança (CRNE) acredita na reclusão, mas entende que isso deve partir da vontade do paciente. O proprietário do local e pastor, Arantes Pacheco Carva-

TIPOS DE INTERNAÇÕES PARA DEPENDENTES QUÍMICOS Internação involuntária: tratamento psiquiátrico em que o paciente é submetido à reclusão e ao uso de medicamentos contra a sua vontade. Internação compulsória: caso em que o paciente oferece risco a sua própria vida ou à sociedade. A internação é determinada pela Justiça. Internação voluntária: quando há o consentimento do paciente. Ocorre, por exemplo, nos Caps AD e na Casa de Recuperação Nova Esperança.

lho, 44, ex-usuário de crack, reconhece outras possibilidades de recuperação, porém ressalta que, em determinados casos, somente a internação pode curá-los. “Acho que o Caps é uma boa iniciativa, porém não funciona, por exemplo, para moradores de rua”, disse o pastor. O religioso não crê na internação compulsória, quando o paciente é obrigado à reclusão. Segundo ele, só por vontade própria é que os dependentes conseguirão a cura. Um dos internos da casa de recuperação Nova Esperança, Edgar da Silva Lopes, enxerga o pastor como um pai que o acolhe e lhe oferece a palavra de Deus. “Eu venho, passo um ano e pouco, aí volto para as ruas. Quando estou bem


Campus

Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

debilitado, volto para a casa de recuperação”, conta o senhor de 44 anos. Na Casa de Recuperação Nova Esperança, o paciente que possui família precisa pagar uma taxa de R$ 350 para ser atendido, entretanto, isso não exclui quem procura ajuda na casa e não tem como pagar o soldo cobrado. Edgar Lopes explica que para manter a instituição e pagar sua estadia, vende tranças de mel em ônibus da capital: “Vendo o melzinho e eles me ajudam”. A terapeuta ocupacional Larissa Renata de Oli-

veira Mazépas, que atende no Caps AD III Ceilândia, explica que as internações a longo prazo ou compulsórias são adotadas, muitas vezes, como solução mais imediata para afastar os usuários de substâncias psicoativas. Porém, está longe de ser a

maneira mais adequada ou mesmo a saída para o problema. Para ela, essa internação, por vezes, só representa isolamento e exclusão para as pessoas submetidas ao tratamento. Segundo a terapeuta, as principais dificuldades de tra-

tamento dos pacientes são o preconceito em torno do público dependente; a falta de inclusão de métodos que não se pautem pela abstinência total da droga; a escassez de recursos para a compra de medicamentos, material para oficinas ocupacio-

"Após a aprovação da Lei Antimanicomial, os hospitais psiquiátricos brasileiros começaram a ser esvaziados e passaram a receber cada vez mais dependentes químicos"

Juiz João Batista Damasceno

11

nais e profissionais que queiram atuar na área. Outro ponto importante é que grande parte dos pacientes vive em situação de rua, o que torna descontinuado o acompanhamento devido à falta de amparo familiar e até mesmo de documentação. “Os serviços de saúde deveriam ser ambientes livres de estigmas e preconceitos, há falta de humanização do cuidado e os nossos pacientes ainda relatam muitas dificuldades de acesso a alguns serviços”, conclui Larissa de Oliveira.

CUIDADOS COM A SAÚDE MENTAL Luisa Marini

O

s transtornos mentais podem ser causados por fatores biológicos, ambientais e físicos - que derivam de trauma, crise ou uso de drogas. Para o cuidado destes transtornos, clínicas tradicionais no Distrito Federal, como o Hospital São Vicente de Paulo, utilizam métodos como internação e o uso de medicamentos. O hospital oferece acolhimento no Pronto Socorro, ambulatórios de psiquiatria e psicologia, oficinas terapêuticas e grupos de acompanhamento. A clínica também fornece medicamentos gratuitos para o caso de pessoas que tomam remédios controlados. Já a ONG Inverso - Instituto de Convivência e Recriação do Espaço Social em Saúde Mental tem uma proposta diferente. A ONG acredita que o convívio é o caminho para incluir pessoas com transtorno mental no meio social e procura criar um ambiente criativo e acolhedor. “Na rua e até em casa, estas pessoas são olhadas de forma diferente. Aqui é o espaço que tenta contrapor este preconceito”, explica Thiago Petra, psicólogo voluntário e um dos

coordenadores da ONG. Localizada na Asa Norte e com 13 anos de funcionamento, a Inverso promove oficinas de artesanato, mosaico, informática, dança e música, além de ser um espaço de socialização. O instituto funciona de maneira livre e os frequentadores, que não são chamados de pacientes, ficam à vontade para comparecer a qualquer momento e possuem a chave do espaço. Sem a chancela de clínica de tratamento, a Inverso é um espaço que promove convivência e cultura em saúde mental. Quando os frequentadores ficam nervosos ou entram em crise, os coordenadores utilizam a conversa ou música para acalmá-los. Eles não trabalham com medicamentos ou equipamentos de controle. “Aqui é pra extravasar, se expressar”, diz Thiago Petra. Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) têm uma abordagem semelhante. O Caps II de Taguatinga atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes. A Casa de tratamento conta com uma equipe interdisciplinar e realiza diversas ofi-

cinas e terapias em grupo para reinserir os pacientes na sociedade. “A maioria das pessoas tem uma visão biomédica, de que é a medicação que cura tudo. Mas é preciso levar outros fatores em consideração, como o contexto familiar e social em que a

pessoa vive”, explica Gustavo Murici, psicólogo do Caps de Taguatinga. Além disso, o centro realiza trabalhos com a família, por considerar fundamental o apoio dos parentes no tratamento. O Caps possui medicamentos de depósito e uma equipe de enfermeiros,

mas o ambiente não é um hospital. Em caso de crises, o centro também utiliza o método da conversa para acalmar os pacientes, mas os ca sos mais graves são encaminhados para o Hospital São Vicente de Paulo, em que há a intervenção médica. Bruna Lima

Na ONG Inverso, mestre de bateria dá oficina de percussão aos frequentadores


12

Campus

Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

INFRAESTRUTURA

UM ELEFANTE INCOMODA MUITA GENTE Falta de gestão administrativa no Estádio Mané Garrincha causa incertezas sobre o funcionamento da arena Breno Damascena Bruna Lima

T

rês meses após a Copa do Mundo, o futuro do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha ainda não está definido. A carência de informações sobre o plano administrativo e o valor do investimento no local geram incertezas em relação aos benefícios da arena, prejudicam a consolidação da marca da cidade e provocam a dúvida: será o Mané Garrincha um elefante branco? Desde o dia 1º de setembro, a administração do estádio é feita pelo Governo do Distrito Federal (GDF) por meio da Secretaria de Turismo e Projetos Especiais, juntamente com a Novacap e a Terracap. O órgão assumiu novas atribuições referentes à promoção de Brasília como polo turístico e capital dos grandes eventos, sendo responsável pela programação e operação do espaço. No entanto, esse processo não é permanente. Paulo Henrique Azevêdo, líder do Grupo de Pesquisa Gestão e Marketing da Educação Física, Saúde, Esporte e Lazer da Universidade de Brasília (UnB) é um dos especialistas na área e visualiza um cenário nebuloso para o Estádio. Ele acredita, entretanto, no potencial da arena em trazer grandes retornos e aposta na iniciativa com participação governamental como solução. “O espaço é rentável e os dividendos podem ser bené-

Fotos: Bruna Lima

ficos para o povo, mas é necessário que seja administrado por pessoas qualificadas”, sugere Azevêdo. E aponta o governo como uma alternativa para mantê-lo: “a própria Universidade de Brasília, especializada em gestão de esporte, poderia contribuir”. Segundo o secretário de Turismo e Projetos Especiais do GDF, Cláudio Monteiro, há um modelo de gestão em fase de estudos técnicos na Terracap, proprietária do local. Uma das possibilidades é a profissionalização da gestão por meio da união entre o governo e o setor privado. Essa parceria seria responsável, por exemplo, pela captação de eventos e venda de ingressos. Todavia, o professor e especialista em administração pública da UnB José MatiasPereira considera a gestão privada a única alternativa para reduzir perdas e manter o espaço em funcionamento. Ainda assim, ele acredita não haver demanda suficiente de eventos e ser inevitável um aumento nos gastos públicos. “Provavelmente, o GDF vai continuar no comando e, para garantir que não vire um elefante branco, torna-se necessário alocar monumentais recursos públicos para a manutenção do espaço.” DIVERGÊNCIAS De acordo com a Secretaria de Turismo e Projetos Especiais do GDF, foram gastos R$ 1,4

ção brasiliense. “Todos queriam um estádio melhor do que o antigo, mas não a esse custo e com toda esta pompa, para uma cidade que não tem tradição no futebol e é carente em várias outras áreas.” Por outro lado, o secretário Cláudio Monteiro garante que, desde a inauguração, o espaço arrecadou cerca de R$ 3,2 milhões graças aos eventos realizados no estádio. Segundo ele, esse valor é maior que o dobro gasto em manutenção no mesmo período. “O Mané Garrincha colocou Brasília na rota dos grandes eventos nacionais e internacionais, gera visibilidade, atrai turistas, cria oportunidades de emprego em diversos setores e, consequentemente, renda.”

Sem eventos durante a semana, o Estádio Nacional Mané Garrincha funciona normalmente. Para isso, é necessário investir em limpeza e segurança, gastos que são utilizados por ninguém

bilhão na construção do Mané Garrincha, valor que diverge em R$ 200 milhões dos cálculos do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). O TCDF aponta um possível superfaturamento de R$ 431 milhões e esta é apenas uma das polêmicas que envolvem a obra do campo esportivo mais caro da Copa do Mundo de 2014. Segundo o especialista nas áreas de esporte e turismo e

consultor legislativo do Senado Federal, Alexandre Guimarães, o custo anual para manter um estádio varia entre 8% a 10% do valor da construção. Assim, os gastos por ano estariam entre R$ 100 milhões e R$ 150 milhões, aproximadamente R$ 10 milhões por mês. Guimarães acredita ser incoerente a grandiosidade da arena e as despesas mensais com a necessidade da popula-

PARA QUEM? Desde a inauguração, em 18 de maio de 2013, o Estádio Nacional de Brasília recebeu 57 iniciativas, sendo 40 partidas de futebol, seis shows e 11 eventos, assistidos, segundo dados da Secretaria de Turismo e Projetos Especiais, por mais de 1,5 milhão de pessoas. O número é quatro vezes a quantidade de público que recebeu o antigo Mané Garrincha em 36 anos de funcionamento. Porém, sem times nas primeiras três divisões do futebol nacional, alguns especialistas duvidam que a arena, com capacidade para 72 mil pessoas, seja utilizada de maneira suficiente a fim de não cair em desuso.


Campus

Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

13

Isabella Campedelli

E eu com isso?

"S

Ainda inacabada, a obra no Mané Garrincha gera dúvidas sobre seu futuro

Para José Matias-Pereira, especialista em administração pública, a construção do Mané Garrincha em Brasília demonstra irresponsabilidade das decisões políticas que não levaram em conta as prioridades da população. “Os discursos do GDF de que será utilizado em eventos culturais, lazer e visitas turísticas é uma forma de jogar fumaça nos olhos dos contribuintes para justificar esse monumental desperdício de recursos públicos”, argumenta. Cláudio Monteiro discorda e afirma ser um empreendimento consolidado que já oferece retorno financeiro e cumpre o papel de instrumento de desenvolvimento econômico e social para a cidade. “Além dos megaeventos já realizados, seremos sede das Olimpíadas de 2016 e, em 2019, teremos a Universíade, terceiro maior evento esportivo do mundo. Muitas oportunidades econômicas vão surgir a partir desses eventos e beneficiar o DF.” O presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), Júlio Miragaya, faz coro a Monteiro e justifica a construção com base na renda brasiliense. Ele cita o Campeonato Brasileiro de 2013 em que Brasília teve os melhores públicos do país e afirma

que a demanda produzida pelos times de fora, ao jogar na capital, pagam todas as despesas por si só. Por hora, apenas parte da população consegue usufruir do espaço inteiramente construído com dinheiro público. “Haverá, com certeza, sempre dinheiro do contribuinte para manter o local. Dinheiro que poderia ser usado em áreas mais relevantes como saúde, educação e segurança pública que vivem um caos no Distiro Federal”, declarou o especialista de esporte e turismo Alexandre Guimarães. ALTERNATIVA Com o objetivo de potencializar o uso do estádio e torná-lo

mais acessível, o Conselho de Turismo, formado por 19 entidades, juntamente com o setor público, trabalha em um projeto para fazer do local uma área de visita turística. A iniciativa conta com a participação da Associação Brasiliense de Turismo Receptivo (Abare), do Sindicato de Guias e da Secretaria de Turismo. A presidente da Abare, Beatriz Guimarães acredita ser essencial a gestão administrativa para a viabilidade desse projeto. “Precisamos transformar a arena em espaço multiuso de fato. Ela foi preparada com esse intuito. Falta cuidar de logística, organização, divulgação e captação para, assim, trazer grandes eventos turísticos à cidade.”

e a marca que a cidade deseja consolidar não é aceita pelos cidadãos, ela não vai funcionar”, disse o Secretário de Esportes de Barcelona, Eric Truñó, durante palestra sobre o legado dos Jogos Olímpicos de Barcelona 1992. Fica a dúvida, então, se o brasiliense considera positivos os legados da Copa a ponto de mostrar aos estrangeiros a satisfação com o espaço. Através da boa receptividade com que os cidadãos do DF acolheram os turistas, pode-se afirmar que sim. Pesquisas realizadas pela Secretaria do Turismo apontam, com um índice de 98%, que Brasília é a cidade onde os turistas mais pretendem voltar e parte significativa deste retorno se deve à boa receptividade. Porém, nem sempre foi assim. Cleber de Oliveira trabalhou na construção do o Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha como auxiliar administrativo e afirma que a arena é exagerada, porque a capital não tem grande expressividade no meio esportivo. Ele não considera o local um mau investimento, entretanto, percebe que o espaço precisa de uma boa gestão para efetivamente trazer o retorno à população. “Por enquanto, com a desorganização administrativa, o estádio é mais bonito para quem vê de fora.” Thiago Moura é um grande apreciador de futebol. Ele foi a todos os jogos em Brasília do mundial e, de início, pensava que a obra não seria bem sucedida e traria prejuízos à capital. “Hoje, minha visão é diferente. A arena pode ter sua devida utilização se houver um bom planejamento administrativo”. O brasiliense deixa, ainda, sua opinião a respeito da participação do cidadão em investimentos feito com o dinheiro público: “A população deveria ter sido melhor consultada desde o projeto e construção do Mané Garrincha. O estádio é magnífico e algo muito gratificante de se ver. Mas, realmente espero que daqui para frente possamos intervir mais. Afinal, vivemos uma democracia e o poder é do povo.” (B.L.) Eduardo Carvalho

Seminário Internacional de Oportunidades discute as próximas ações para o estádio


14

Campus

Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

CULTURA

ENTRE SALTOS E SALAS

Companhia Ballet de Brasília, que formou centenas de bailarinos profissionais, tem dificuldades para ministrar suas aulas

Gustavo Schuabb Fotos: Mariana Machado

E

m outubro de 2012, um pedaço do teto do Centro de Dança do Distrito Federal cedeu, evidenciando a precária estrutura do local para seus alunos. A Secretaria de Cultura, então, decidiu que os bailarinos seriam realocados para a sala de balé do Teatro Nacional, para que as aulas não parassem. Mas para que os alunos do Centro de Dança pudessem utilizar o local, outra turma precisou sair. E foi assim que a Companhia Ballet de Brasília, que forma bailarinos profissionais desde o começo dos anos 2000, ficou sem a estrutura adequada para as suas aulas. A Companhia Ballet de Brasília tem por fundadora Gisele Santoro, viúva do fundador do Departamento de Música da Universidade de Brasília e ex-regente titular da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, Claudio Santoro, que hoje dá nome ao teatro. Com o objetivo de formar bailarinos profissionais, a companhia se tornou uma das mais tradicionais da cidade, sendo responsável por mais de 280 bolsas de estudos estrangeiras para quem quer viver da dança. Hoje, porém, a estrutura que a companhia utiliza não é a mais adequada. Além do problema com os horários disponíveis às turmas que utilizavam o Centro de Dança, outro fator fez com que a Companhia Ballet de Brasília tivesse que procurar outro lugar. No Teatro Nacional, é necessário que se pague uma taxa para utilizar as salas de balé por hora, sendo que o aluguel para

Sem espaço para ensaiar, companhia de Gisele Santoro precisa alugar outras salas. Hoje, as turmas ocupam a da Orquestra Sinfônica

aula é mais caro que o cobrado para ensaios. Como a companhia não possui um estúdio próprio, Gisele sempre entrava com recurso ao Conselho da Secretaria de Cultura para que o preço praticado fosse o mais barato, R$ 1 a cada hora utilizada. Até o Centro de Dança ser fechado, a causa sempre era dada à companhia, e assim alunos bolsistas e pagantes podiam usufruir da sala. Quando houve a interdição do local, o

antigo preço voltou a ser praticado, e as turmas se viram obrigadas a utilizar a sala de ensaios da orquestra sinfônica para economizar dinheiro, o que só foi possível graças a um acordo entre as partes. “Precisei abrir mão de alguns direitos autorais do Claudio (Santoro), do pagamento de alguns materiais, quando a orquestra precisasse. Também tive que ceder a minha companhia, gratuitamente, para alguns es-

Com 14 anos de trabalho e fundada por Gisele Santoro, Companhia Ballet de Brasília é uma das mais conhecidas da cidade

petáculos”, conta Gisele. Além de abrir mão de tanta coisa, ela ainda precisou garantir que o local tivesse o mínimo possível para que a dança fosse praticada. “O espelho que está lá, o som, as barras, tudo é propriedade minha, que tive que instalar para que as aulas pudessem ocorrer, e se a orquestra precisar usar, eu tenho que recolher tudo, deixar em um canto. Afinal, eles têm a prioridade.” Por conta de toda essa dificuldade, a formação dos bailarinos também fica prejudicada. Segundo a própria Gisele, se houver uma temporada de ópera na cidade, aumentará a dificuldade em conseguir a sala. A bailarina Tamyrys Oliveira, 27 anos, profissional há dois, endossa o discurso a respeito da estrutura. Para ela, o cuidado com a limpeza da sala e a falta de ventilação no local prejudicam bastante a realização dos treinos. “Os responsáveis nunca se preocupam em limpar a sala, então ela está sempre suja. Com turma cheia, o calor passa a ser insuportável”, reclama. A situação se agravou quando a orquestra, que utilizava a Sala Villa-Lobos para ensaios, precisou voltar à sua sala original, apesar dos problemas com a acústica que o local apresenta, devido ao fato de o Teatro Nacional ter sido interditado pelos Bombeiros por falta de segurança, em fevereiro deste ano. Nessa ocasião, o Ballet de Brasília perdeu, momentaneamente, o único local para suas aulas, forçando Gisele e seus alunos a pagar aluguel de salas de outras companhias de dança. A situação só foi resolvida

no último 17 de setembro, quando a orquestra, após ter saído do Teatro Pedro Calmon, no Setor Militar Urbano, conseguiu um espaço na Escola de Música de Brasília, liberando mais uma vez sua sala de ensaio para a companhia de Gisele. Por conta de todas essas dificuldades, Gisele não enxerga possibilidades de soluções para o caso. “A Secretaria de Cultura nunca veio falar comigo sobre uma previsão de voltarmos à sala de balé”, relata.

SEM RESPOSTA Procurada pela equipe de reportagem, a Secretaria de Cultura, até o fechamento desta edição, não comentou o caso envolvendo a Companhia Ballet de Brasília, no que diz respeito ao preço cobrado pela sala de balé do Teatro Nacional e a conseqüente saída das turmas. A pasta limitou-se apenas a dizer que o Centro de Dança não tem previsão para o fim da reforma, sem se pronunciar também sobre um possível retorno da Companhia Ballet de Brasília às salas de balé do Teatro Nacional. Criado como espaço para ensaios, workshops e aulas, o Centro está localizado ao lado da Esplanada dos Ministérios. Em 27 de outubro de 2012, parte do teto de gesso cedeu, durante seleção para escola de dança de Nova York, sem deixar feridos. A entrega do prédio reformado foi prometida para março de 2014, o que não aconteceu. Em nota, a Secretaria de Cultura afirmou que serão gastos R$ 2,9 milhões na reforma


Campus

Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

SOCIEDADE

15

CADÊ AS GHOST BIKES ?

Bicicletas pintadas de branco, feitas em homenagem a ciclistas mortos, desaparecem no Distrito Federal Ivana Carolina

A

Isabella Campedelli foi roubada “porque não tinha s Ghost Bikes, ou bicicletas fantasmas, nenhuma utilidade, era a bike são monumentos feido acidente e nós deixamos tos para homenagear um ela inutilizável. Se tiraram foi ciclista morto em acidentes alguém que não queria que a de trânsito. Elas são bicicletas bicicleta estivesse ali", conclui. feitas de sucata, em que é As bicicletas que ainda retirado tudo o que possa permanecem são as que reser reutilizado, pintadas de cebem cuidados permanentes branco e fixadas nos locais da família da vítima, como é dos acidentes fatais. A ação é o caso da bicicleta do ciclista mundial. "As Ghost Bikes são Pedro Davison, 25 anos, uma extensão do velório, do instalada no Eixão Sul, após luto", afirma Ana Júlia Pinheiro sua morte em 19 de agosto membro da organização não de 2006. "Aquelas que ficam governamental Rodas da Paz. são as que as famílias cuidam. Não há registros de quanQuando tirar uma, coloca tas Ghost Bikes já foram fixadas outra, e acaba vencendo nos países que participam pelo cansaço", considera o da ação. A má notícia é que dono da loja que preparou a elas desaparecem na mesma Ghost Bike de José Ribamar, velocidade em que são Memória física em homenagem a Pedro Davison, morto em acidente no Eixão, é uma das poucas que não sumiu Guilherme Theófilo. implementadas. No Distrito Para o diretor presidente da Federal, não é diferente. atualmente o local conta com de restauração, preparou a desapareceu foi instalada União de Ciclistas do Brasil, A bicicleta branca em uma nova bicicleta sempre bicicleta branca. "Peguei uma em homenagem ao ciclista André Soares, a fixação de homenagem a Francisco Vidal enfeitada com flores. bicicleta que tinha e pintei de José Ribamar Neres, 25 uma Ghost Bike é uma ação de Lima, 42 anos, morto na O caso da estudante de branco para fazer homenagem anos, atropelado no dia 8 de protesto para tornar visível a Estrada Parque Taguatinga- Sociologia da Universidade de à Carol", conta Zerbinato. dezembro de 2013 por um inexistência de políticas públicas Guará (EPTG) no dia 22 de Brasília, Carolina Scartezini Segundo o ciclista não há como motorista embriagado na QI em infraestrutura, educação junho deste ano, foi colocada Battisti, 23 anos, é semelhante comprovar, porém ele acredita 23 do Guará. No dia 12 de e fiscalização de trânsito. "As no dia 28 de junho, em e também faz parte do grupo que "pode ter sido o governo, dezembro, uma loja de vendas Bicicletas Fantasmas envolum poste perto do local do de Ghost Bikes desaparecidas porque foi época de Copa, sem de bicicletas organizou um vem sentimentos de dor e acidente. E sumiu. no DF. No dia 17 de junho de dizer que no Plano Piloto há passeio ciclístico para fixar a de indignação e cada caso é "Testemunhas contaram que 2013, durante um protesto na muita visibilidade.Quem olhar Ghost Bike no local do acidente. particular. Nós desejamos que um carro de Esplanada dos a bicicleta branca vai ver que Daniel Aragão, um dos estes monumentos sejam raros passeio parou e Ministérios, um ciclista morreu". organizadores da ação, acredita e, por fim, desnecessários", dois homens de Scartezini vinha A Administração de que a bicicleta fantasma não pontua o diretor. paletó e gravata da Asa Norte Brasília alega não saber do ciclistas morreram quando sofreu desaparecimento da Ghost desceram e tiraPERIGO NO TRÂNSITO ram a Ghost Bike no DF de janeiro a junho um acidente na Bike. Segundo a assessoria do Francisco", altura da Torre de comunicação da Agência De acordo com o Departamento de Trânsito do Distrito Federal deste ano conta Ana Júlia de TV. A jovem de Fiscalização do Distrito (Detran-DF), os acidentes fatais são contabilizados a partir do cruzamento Pinheiro. Desde não resistiu. Federal (Agefis), não houve das informações provenientes das Delegacias de Polícia, do Instituto 1996, ela luta para que ciclistas Ativistas no combate a nenhuma ação para retirar Médico Legal (IML) e da Secretaria de Saúde. Apesar disso, há casos possam transitar sem perigo violência no trânsito fixaram as Ghost Bikes. Mas se o ato de acidentes não registrados, principalmente os que envolvem ciclistas. pelas pistas e acredita que o a Ghost Bike, na Torre de TV, não tiver autorização da Até junho deste ano, o Detran-DF registrou 11 mortes envolvendo sumiço pode ter várias razões fazendo uma homenagem administração regional, o ciclistas, sendo a maioria homem e de 20 a 29 anos. Já em 2013, foram 27 e responsáveis, mas: "Minha à estudante. Essa também monumento é passível de ser ciclistas mortos no DF. A colisão é o tipo de acidente que faz mais vítimas primeira suspeita do sumiço das não está mais no lugar. O tirado em caso de denúncia ou fatais. Nos últimos dez anos (2003 a 2013), houve uma reducação de Ghost Bikes são dos atropeladores". ciclista Renato Zerbinato, reclamação de algum cidadão. 15,6% no número de ciclistas mortos por acidentes de trânsito no DF. Apesar da primeira retirada, que hoje tem um ateliê Outra bicicleta branca que

11


16

Campus

Brasília, 7 a 20 de outubro de 2014

FOTORREPORTAGEM

PROGRAMA DAS CINCO

“Tive depressão por causa de um homem com quem me envolvi. Por isso resolvi fazer o curso de cabelereiro, há oito meses. Quando acabei, abri o salão na sala da minha amiga” “Jogo desde 2008 os mesmos números. Ganhei 18 vezes, uma na quina e o restante na quadra da Mega-Sena. Com os R$ 26 mil da Quina fui pra SP e botei os peitos”

“As travestis ficam no escuro por causa de um segredo: quando os caras param eles querem ver o “presentinho”. Negociamos por isso, a gente mostra e ali mesmo pode rolar o programa”

“O primeiro programa aconteceu quando fugi de casa pela segunda vez. Fiquei a noite inteira com um cara casado e ganhei R$ 1 mil. Achei muito fácil”

Tainá Andrade

À

s 7h20: caminhada no parque. 8h30: fazer a fezinha na loteria. 10h40: jornada no salão de beleza. Ao badalar das 16h começa a “montagem da maravilhosa”. Muita base e pó para esconder as imperfeições naturais. Batom vermelho nos lábios. Às 17h, caminha até o ponto, no local menos convidativo de Brasília, o Setor Comercial Sul. Espera os clientes, solitária, em seu “trono de rainha”. Acaba às 23h o segundo trabalho de Renata Maranhão, nome escolhido para a vida. Há 12 anos a rotina, que se repete de segunda a segunda, foi a despedida de Francisco Gonçalves, nome da identidade. Criada no Maranhão, ela chegou de carona com caminhoneiros à capital em 2003. Passada a fase de baladas e alcoolismo, há três anos ela busca realizar um sonho: ganhar na loteria para alavancar seu salão e comprar imóveis. Por enquanto precisa pagar as contas e investir no próprio negócio, mas quer sair da rua. Com fala ingênua e bom humor, Renata abre sua vida com um simples “a vida é bem difícil, né, gata?” “Com os peitos, aumentou a clientela. Eles adoram, pegam com carinho, menina. Isso não foi problema no ponto. É raro eu usar a força, só fui roubada uma vez”


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.