Campus nº 448, ano 49

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NÚMERO 448, ANO 49

BRASÍLIA, MAIO DE 2019

Campus Mulheres também choram Grupos femininos de Brasília, como o Choro Delas, ocupam espaço no cenário musical


CAMPUS, ABRIL DE 2019 CAMPUS, MAIO 2019

CARTA AO LEITOR

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história não nega: a luta por igualdade é uma realidade crescente no século XXI. Em Brasília, seguindo essa linha temática, o espaço destinado para as mulheres na música vem crescendo, com artistas se destacando no choro, um dos gêneros mais populares do Brasil. Na primeira edição de 2019, o Campus foi em busca de instrumentistas da cidade que representam a classe artística feminina e vêm ganhando espaço no cenário musical. Tema recorrente nas discussões políticas e sociais do começo de cada ano, a educação é um dos destaques presentes no jornal. Na capital federal, hospitais começam a disponibilizar aulas para crianças e adolescentes que estão internados. Os imigrantes que residem em

EXPEDIENTE Brasília também desfrutam de um projeto educacional com aulas gratuitas, realizadas por professores voluntários. Os assuntos são explicados com detalhes e clareza nas reportagens do Campus. A atualidade também entra em pauta com dados numéricos acerca da automação de aeronaves, assunto bem atual com a recente queda de aviões pelo mundo. E, após uma lei distrital que proíbe a distribuição de canudos de plástico e copos descartáveis, a população do Distrito Federal ganhou Alternativas sustentáveis para se adaptar ao novo estilo de vida. Boa leitura.

OMBUDSKVINNA*

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PROFESSORES Sérgio de Sá Solano Nascimento JORNALISTA José Luis Silva EDITOR CHEFE Vinícius Veloso EDITORES Andressa Reis João Romariz Luis Philippe Tassy REPORTAGEM Jamile Vasconcelos Juliana Ferreira Sarah Paes Thais Umbelino Úrsula Barbosa Rodrigues

*A “provedora de justiça”, profissional que discute a produção dos jornalistas pela perspectiva do leitor.

Campus 447, a última edição de 2018, chegou com uma capa dinâmica, humanizada e que instiga a curiosidade do leitor para conhecer cada uma das Histórias ali contadas. O jornal chega com um volume maior de matérias e com a novidade do suplemento esportivo produzido com matérias de alunos da disciplina de Jornalismo Esportivo, e isso é positivo pela integração do jornal com mais alunos. A matéria Todas as cores da fé dá voz a duas coisas que pareciam improváveis de se unir: fé e homossexualidade. Nesse aspecto, ela é uma novidade para refletir sobre religião, homossexualidade, aceitação, preconceito e é um assunto que dialoga diretamente com o público da UnB, que se mostra a cada ano mais diverso. A matéria aborda um tema polêmico pelo prisma do personagem e expõe o desafio de quebrar os preconceitos em um contexto político contrário à diversidade de gênero. O texto é descrito, a trajetória do personagem também, mas ele assume quase que uma só voz, quando poderia contar com a fala do padre Ramon Cigoña, sobre essa nova postura da igreja, e de outros personagens. Com o jornal sempre atento ao cenário político, a primeira edição do Campus após os resultados das eleições não poderia deixar de lado a pauta política. O jornal retoma o assunto com mais uma matéria sobre direitos e luta da comunidade

CAMPUS Jornal-laboratório Faculdade de Comunicação Universidade de Brasília (UnB)

LGBT, com Representatividade importa, que conta a eleição de Fábio Felix, o primeiro gay assumido a se tornar deputado distrital na Câmara Legislativa do DF. O assunto já era conhecido com os resultados da eleição em outubro, mas o enquadramento abordado e a proximidade do deputado com a UnB deram maior relevância à pauta. Colocando a mão na massa é uma grande história marcada pela empatia, compromisso social por parte das arquitetas que se empenharam voluntariamente para um trabalho de cunho social. O assunto é relevante, tanto que desperta o interesse para saber mais sobre os moradores, em que estágio estão as obras e a previsão de entrega. O assunto poderia ter sido melhor explorado, contando a história de algum dos moradores com descrição ou mais imagens e o cenário da obra descrito com elementos gráficos, como uma linha do tempo com o início das invasões, a conquista dos lotes e o desenrolar das obras. A matéria Instituto Amigos do Bem e o poder do voluntariado é rica em descrição, traz à tona a realidade dos jovens que vivem nas cidadessatélites do DF e do impacto que o esporte, assim como as artes, gera para a formação do caráter e disciplina de adolescentes e jovens. O voluntariado está presente entre os membros do Isabem e poderia ter sido demonstrado no relacionamento com os alunos por meio de mais imagens. E enriquecido com o testemunho de pais e alunos.

DIAGRAMAÇÃO Lorena Costa IMPRESSÃO Gráfica Coronário TIRAGEM 3.000 CONTATO nascimento@unb.br AGRADECIMENTOS Isabela Paes

CAPA

FOTO: Sarah Paes

MEMÓRIA Em novembro de 1980, no décimo ano do jornal Campus, uma matéria se destacou por discorrer sobre a entrada de mais mulheres no jornalismo, apesar do preconceito existente. Dados da época mostravam que o ingresso na profissão era predominantemente feminino, e 60% dos alunos do curso na UnB eram mulheres. Apesar da conquista feminina, estudos afirmavam que a discriminação salarial e de funções entre mulheres e homens existia nas sucursais de São Paulo e Rio de Janeiro. Apenas 5,9% das jornalistas empregadas ocupavam cargos de chefia nas redações, enquanto a porcentagem masculina era de 15,8%. Comentários machistas acerca da liderança feminina sempre surgiam como explicação para o alcance da conquista. A reportagem lembra que a dificuldade das mulheres esteve presente até nos ambientes. Anos antes, banheiros femininos quase não existiam nas redações, pois eram raras as mulheres repórteres. Nesta edição, as mulheres são protagonistas no meio musical.

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Aviação

Automação nos ares

Dados mostram que o uso do piloto automático em aeronaves foi um dos maiores responsáveis pela redução no número de acidentes JAMILE VASCONCELOS Crédito: Thomas Hanser/Boeing

Treinamento com uso de piloto automático em avião da Boeing

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pós 149 passageiros e oito tripulantes morrerem na queda do voo ET302 da Ethiopian Airlines no dia 10 de março, uma série de investigações se iniciou para descobrir o motivo do acidente. As similaridades com o voo 610 da Lion Air, que caiu na Indonésia causando a morte de 189 pessoas no dia 29 de outubro de 2018, logo foram identificadas. Os dois acidentes não só ocorreram com o mesmo modelo de aeronave, o Boeing 737 MAX 8, como também foram detectadas as mesmas falhas no sistema responsável por corrigir a altitude do avião automaticamente. Diante dessa situação, começaram a surgir dúvidas quanto à eficiência da automação na prevenção de acidentes aéreos. Por um lado, é possível dizer que a automação dos voos diminuiu o número de acidentes ao depender menos dos pilotos, passíveis de erros. Entretanto, na eventual falta de um sistema confiável, seria melhor que os pilotos voltassem a controlar todas as etapas do voo? “Hoje, se você quiser, você decola e pousa sem piloto. Mas, e se houver uma falha, não é bom ter um piloto pra corrigir o problema? Eu fico mais seguro tendo um piloto ali do que não tendo ninguém”, diz o coronel aviador Roberto Alves, vice-chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), órgão da Força Aérea Brasileira. “Hoje eu entendo que as pessoas estão preocupadas por conta desses dois acidentes graves da Boeing, mas a gente tem que ter precaução, a gente não pode préjulgar. É importante fazer um trabalho de investigação.” Dados da Aviation Safety Network, que mantém um banco de dados com todos os registros de acidentes aéreos do mundo, mostram que nos últimos 50 anos a quantidade de acidentes caiu em 81,82%, apesar de o tráfego aéreo ter aumentado em 13 vezes. No Brasil não foi diferente. Relatórios do Cenipa e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) mostram que, nos últimos 10 anos, as fatalidades diminuíram 79,63%, apesar do aumento de 22,11% no número de voos no mesmo período. Além disso, o número de ocorrências, isto é, das situações

de anormalidade entre o momento que uma pessoa embarca em uma aeronave com a intenção de realizar um voo até o momento que todas as pessoas desembarcam, teve redução significativa. A cada cem mil voos que decolam no Brasil, são relatadas sete ocorrências. Em 1990, esse número era 58. Segundo o vice-chefe do Cenipa, as novas tecnologias foram um dos fatores primordiais para a redução de acidentes, principalmente o sistema de automação de voo, que permite que a aeronave voe sozinha em determinadas etapas da viagem. Estudos da Embry-Riddle Aeronautical University, nos Estados Unidos, mostram que não apenas os números, mas a severidade dos acidentes diminuiu em função da automação. ORIGEM DO PILOTO AUTOMÁTICO A automação de voo, mais conhecida por piloto automático, foi criada pelo inventor estadunidense Lawrence Sperry em 1912. Utilizando quatro giroscópios, instrumentos similares à bússola que os pilotos utilizavam para saber qual direção seguir quando a visibilidade era baixa, Sperry concebeu um sistema de estabilização rudimentar, capaz de manter a aeronave em uma determinada rota sem que o piloto precisasse controlá-la pelo manche. O sistema continuou sendo desenvolvido e aprimorado, existindo hoje três tipos de automação: a automação de controle, que se refere ao manejo da trajetória da aeronave; a automação da informação, responsável por apresentar dados relevantes à tripulação durante o voo; e a automação de gerenciamento, que permite o controle estratégico da operação. Além disso, há dez níveis de automação, sendo o nível um o controle manual da aeronave e o nível dez onde todas as decisões são tomadas por um computador. Entretanto, pelos pilotos se encontrarem em situação mais acomodada com o uso do piloto automático, novos tipos de ocorrência são detectadas. “A automação vem sempre pra tornar os voos mais seguros, mas ao mesmo tempo é preciso designar ao piloto um novo tipo de treinamento para

que ele não se acomode”, diz o coronel Roberto Alves. Segundo Fauze Abib Tobias, professor em segurança de voo da Universidade Anhembi-Morumbi e comandante da Latam Airlines, devido à complexidade existente entre os diversos tipos de automação, assim como os inúmeros procedimentos de transição entre os modos manual e automático da aeronave, os pilotos podem acabar desenvolvendo modelos mentais errados ou muito simplistas, que contribuem com os novos tipos de ocorrência. “ A automação alterou profundamente as tarefas, os papéis e as responsabilidades da tripulação dentro da aeronave”, explica o comandante. “O piloto não só deve saber pilotar um avião manualmente, como também deve saber pilotar em todos os níveis de automação existentes.” O comandante Fauze Tobias defende o recurso, afirmando que os resultados positivos são evidenciados pela redução da carga de trabalho, pela diminuição do erro humano e pela economia. “Apesar disso, o ser humano ainda é vital. A engenharia de sistemas deve automatizar até um determinado limite para poder balancear eficiência e segurança”, complementa. AS VÍTIMAS A Associação Brasileira de Parentes e Vítimas de Acidentes Aéreos (Abrapavaa) surgiu após o acidente do voo TAM 402 com a aeronave Fokker 100 em 31 de outubro de 1996 no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. A causa do acidente, assim como a dos recentes acidentes do Boeing 737 MAX 8, também estava relacionada a problemas na automação de voo. Durante o processo de decolagem, o reversor da turbina direita, espécie de freio aerodinâmico, foi acionado automaticamente. Por esse reversor ser um recurso responsável pela freagem da aeronave e, portanto, pelo pouso, sinais sonoros e visuais deveriam ter aparecido na cabine de comando. Entretanto, devido à falta de manutenção da aeronave, o piloto não percebeu o problema a tempo hábil de corrigi-lo manualmente. A advogada Sandra Assali, viúva após o acidente, exerceu papel de liderança frente aos familiares das vítimas, questionando a TAM em busca de indenizações para si e para os demais. Após participar de fóruns, debates e congressos sobre segurança de voo, Assali fundou a Abrapavaa, tornando-se presidente da instituição. “As notícias sobre o caso da Boeing me lembram bastante do acidente da TAM, com o Fokker 100”, diz Assali, enfatizando que não considera a automação de voo um problema, contanto que a empresa aérea realize as manutenções necessárias para garantir a segurança dos passageiros. “Conhecer a empresa aérea e a forma como ela trabalha é fundamental.” C

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Música

Espaço aberto para mulheres Grupos de choro no DF promovem o empoderamento feminino THAIS UMBELINO

O grupo Fulanitas é composto por Amanda Alves, Vani Veloso, Luísa Mancina e Lucila Morares

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flautista Gabriela Tunes, 43, guarda boas memórias das rodas de choro na capital. Em 2004, ela costumava frequentar o Tartaruga Lanches, local na Asa Norte com apresentações do gênero musical, e a Universidade de Brasília, em frente ao Instituto de Artes. “Era uma profusão na época”, relembra. A musicista percebeu que sempre era uma das poucas mulheres a frequentar os eventos: “Contava nos dedos”. Com isso, decidiu se reunir com mais três profissionais e montar o grupo Seresteiras, em 2016. Atualmente elas se reúnem para se apresentar em eventos. Com o propósito de mostrar que o choro é livre e também um espaço feminino, outras musicistas criaram mais grupos na capital formados apenas por mulheres. A partir de 2017, nasceram conjuntos como Fulanitas, Regional Segura Elas e Choro Delas. O estímulo veio para o Regional Segura Elas a partir da disciplina Prática de Conjunto ofertada pelo professor Lucas de Campos na Escola de Música de Brasília (EMB). A proposta era iniciar um regional, denominação que se dá ao grupo que toca o gênero choro – tradicionalmente composto por um violão de seis e um de sete cordas, bandolim, flauta, cavaquinho e pandeiro – , com uma formação composta apenas por mulheres. O grupo começou com oito integrantes, mas atualmente é formado por seis mulheres: Ana Rodrigues, 21, no violão de seis cordas; Any Lopes, 19, na flauta transversal; Iza, no cavaco, 22; Karoline Cassiano, 20, no violoncelo; Nathália Marques, 22, no pandeiro; e Patrícia Barcellos, 32, também no cavaco. “A presença de instrumentistas existe, mas a formação de regional em Brasília é mais difícil”, conta a violoncelista Karol. O professor Lucas de Campos sentia falta de um grupo técnico formado apenas por mulheres. Atuante na música há muito tempo, ele pôde vivenciar situações de dificuldade do gênero feminino neste meio, seja em ambientes de estudo ou de atuação profissional. “Precisamos encorajar novas estudantes para equilibrar essa balança. Penso que o Segura Elas poderá servir de inspiração para muitas jovens estudantes”, diz. O grupo surgiu em 2017, depois da primeira apresentação realizada na EMB. Com a recepção positiva do público, elas decidiram se profissionalizar. “Nós percebemos o impacto nas alunas da escola. Elas viram possibilidades de tocarem outros instrumentos”, analisa Karol. Mesmo assim, ainda é mais comum ver mulheres tocando instrumentos mais agudos, como piano, flauta e violino do que violão, bandolim e instrumentos percussivos. “Como professor da EMB, é bem fácil perceber que vivemos ainda alguns reflexos de uma certa ‘normatização vocacional’, parece que alguns instrumentos se-

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riam mais apropriados para as mulheres do que outros. Talvez uma herança de uma antiga ideia de formação educacional excludente”, percebe Lucas. PRECONCEITOS AINDA PRESENTES Os tipos de mulheres que participam do choro são: “A prestativa, que ao chegar logo oferece ajuda na cozinha; a sonolenta, que dorme horas a fio no sofá da sala enquanto a roda acontece no quintal; a participante, que torce pelo bom desempenho do marido, mas desconhece profundamente o choro; e, por último, aquela que ameaça cantar ou sacudir um chocalhinho”. A afirmação foi dita no livro Choro: de quintal ao Municipal, em 1998, por Henrique Cazes. A obra é considerada uma das mais completas sobre o gênero musical. O trecho representa o bloqueio à presença de mulheres no choro. Resistente a essa realidade, Chiquinha Gonzaga- foi uma representação forte de emancipação feminina nesse espaço. Primeira mulher a atuar no choro e a reger uma orquestra no Brasil, Chiquinha sofreu preconceito quando decidiu fazer da música uma profissão. Oito décadas depois de sua morte, o espaço das mulheres no choro ainda é visto de maneira subestimada. Para Karol, se a musicista comete algum tipo de erro, o fato é por ser mulher. Já para o música, é por falta de estudo. Outra atitude comum é o público se surpreender quando percebe a boa qualidade da música tocada. Para Patrícia, não deveria ser um espanto, mas algo natural para alunas que estudam o gênero.

“Mulheres tocando juntas eram consideradas lésbicas. As portas se fechavam” Lucila Moraes. Para Gabriela Tunes, a tendência é o destaque cada vez maior das mulheres no ritmo, por existir maior pressão sobre elas: “O esforço é muito maior, pois estudamos mais para ter que nos destacarmos e assim conquistarmos nosso espaço”. Apesar disso, o incentivo feminino entre os coletivos é maior do que a competição entre elas. “A gente se identifica nas dificuldades”, conta a flautista Larrisa Zaine, do Choro Delas. O conjunto se uniu para uma apresentação de final de ano na Escola de Choro em 2017 e desde então não se desgrudou mais. “Cada uma tocava individualmente, e a gente se juntou para essa proposta das mulheres no choro”, resume Jéssica Carvalho, cavaquinista do Regional Segura Elas. Apesar de uma boa aceitação do público, o grupo


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Crédito: Thais Umbelino

Crédito: Thais Umbelino

Em pé, Iza e Nathália. Sentadas, Ana Flávia, Patrícia e Karoline: Regional Segura Elas

percebe um olhar de julgamento maior do que de apreciação: “Já tem essa barreira no começo. Não vemos muitas portas abertas e é incomum vermos mulheres nas rodas”, diz a violonista do conjunto, Beatriz Luz, ao afirmar que ela e uma colega de turma são minoria em uma sala de 10 alunos. Aluna de pandeiro do Escola de Choro, Vani Veloso, 38, frequenta rodas do estilo musical desde 2017 e sempre desejou montar um grupo de mulheres, mas as musicistas se sentiam mais inseguras que os homens para tocar em público. Mesmo assim, tomou coragem e convidou as estudantes Amanda Alves, 23, no cavaquinho; Lucila Moraes, 57, na flauta; e Luísa Mancina, 23, no violão. Assim surgiu o regional Fulanitas. Para Vani, quando mulheres começam a frequentar espaços de maioria masculina, os homens desconstroem seus discursos: “A missão de estar presente nesses locais é maior ainda porque você precisa mostrar que aquele lugar também é da mulher”, afirma. Há mais de 12 anos, quando começou no choro, o preconceito era monstruoso. “Mulheres tocando juntas eram consideradas lésbicas. As portas se fechavam”, relembra Lucila. Atualmente ela percebe que os homens estão respeitando mais. CAMINHO A COMPOR O jornalista Henrique Lima, conhecido como Reco do Bandolim, presidente do Clube do Choro e fundador da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello – a primeira do gênero musical no país – acha natural que o fenômeno esteja acontecendo.“É um espaço justo, merecido e que faltava

CHIQUINHA GONZAGA A carioca Francisca Edwiges Neves Gonzaga, mais conhecida como Chiquinha Gonzaga, nasceu em 17 de outubro de 1847 e casou-se pela primeira vez aos 16 anos. Chiquinha largou o matrimônio aos 18 anos após o marido proibí-la de seguir carreira musical. Viveu brevemente com outro homem, do qual anos depois viria a se separar também. A partir de 1877, passou a fazer sucesso como musicista no Brasil, condição ainda inédita para a mulher brasileira no século XIX. Sua época foi marcada por um Rio de Janeiro de forte urbanização nacional, de sociedade patriarcal e de luta abolicionista. Entre suas obras mais conhecidas está a marcha carnavalesca Ó Abre Alas, composta em 1899. Em 28 de fevereiro de 1935, aos 87 anos, Francisca Edwiges morreu em seu apartamento no Rio de Janeiro em 1899.

apenas ser ocupado”, opina. Para Reco, o movimento tende a crescer e é um ganho ter mulheres se dedicando ao choro. “É uma área difícil, choro é algo que tem que ter talento e disposição para estudar”, explica. Mas ainda há um caminho a ser conquistado. O corpo docente da Escola de Choro, por exemplo, é composto por 23 professores. Apenas duas são mulheres. Juçara Dantas, 26, é professora de teoria musical e violão de seis cordas. Diz já ter sofrido preconceito de alunos homens que não queriam ter aula com uma mulher. Apesar disso, a musicista percebe um público feminino cada vez maior na escola: “Apenas neste semestre já são duas turmas com 10 alunas cada. Está bem equilibrado”, comemora. “As mulheres estão querendo participar da cena. Isso me encanta e me motiva.” Esta é uma das inspirações da organizadora da 1ª Roda de Choro em Sobradinho, Carol Senna. A cantora convidou o grupo Fulanitas para inaugurar o evento. O objetivo é trazer o choro para a região administrativa e manter rodas femininas nas outras edições. Mesmo com as dificuldades de achar musicistas em Brasília, Carol traz a iniciativa como uma oportunidade e um estímulo para as mulheres atuarem cada vez mais no choro. C HISTÓRIA DO CLUBE DO CHORO Criação – O espaço foi fundado por músicos e inaugurado em 9 de setembro de 1977. À época, o governador do Distrito Federal Elmo Serejo cedeu o vestiário do do Centro de Convenções de Brasília para que os músicos ensaiassem. O primeiro presidente eleito foi o músico Avena de Castro. Decadência – O local ficou abandonado devido a problemas de instalações, roubos de equipamentos de som, falta de infraestrutura, além do palco e espaço para platéia estarem precários. Ameaçado de despejo, o Clube ficou abandonado por quase uma década. Novo presidente – O jornalista Henrique Lima Santos Filho, o Reco do Bandolim assumiu em 1993 a presidência do Clube, interrompeu o processo de despejo e regularizou a sede do espaço de música. À época, artistas se apresentaram na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional com objetivo de obter verbas para obras de revitalização do Clube. Reestruturação – Projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, a reforma foi concluída em 1997. Ao seu lado, foi criada a primeira escola dedicada ao ensino do choro no Brasil, a Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello, em 29 de abril de 1998. O Espaço Cultural do Choro foi inaugurado em 2012.

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Educação

Português para todos Aulas particulares ajudam na integração de imigrantes de baixa renda no Brasil SARAH PAES

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s 17h do dia 1º de abril, uma segunda-feira, uma kombi branca enfeitada com bandeiras de seis países estacionou numa esquina da quadra 40 do Guará. Aos poucos, haitianos do projeto Português de Acolhimento vão chegando e se acomodando no automóvel. “Vamos logo, Fricky”, grita o motorista Ulisses Daniel, voluntário de 35 anos encarregado de buscar o grupo, para um homem de baixa estatura que atravessa a rua. O automóvel pertence a uma igreja evangélica que alguns dos alunos frequentam e que além de ajudar com o transporte – que dura cerca de 10 minutos – também oferece uma sala para que aulas de português aconteçam. Os hatianos, todos de uma mesma família, se encontram com a professora Amanda Fontes, 21 anos, às segundasfeiras. No segundo andar do prédio em que funciona a igreja, em uma pequena sala, o grupo participa das aulas descontraídas. Durante as duas horas de aula por semana, francês, crioulo – língua natural falada no Haiti – e português se misturam a risadas e aprendizado não só da língua falada no Brasil, como também de questões cotidianas e culturais do novo país dos imigrantes. O projeto Português de Acolhimento oferece desde 2017 aulas gratuitas para os estrangeiros recém-chegados em situação de vulnerabilidade social, muitos deles refugiados. Idealizado por Ana Luíza Gabatteli, 29 anos, professora de português para estrangeiros, a iniciativa ensina os imigrantes a falar e a escrever para que consigam se inserir na sociedade brasileira de forma mais fácil e rápida. Seu objetivo é fazer com que as aulas ocorram em um local de melhor acesso tanto para o aluno quanto para o professor, sem a obrigatoriedade de vínculo a uma instituição de grande porte. A alegre e expansiva Mimose Mathurin, 36 anos, foi a segunda da família a chegar ao Brasil após o forte terremoto que ocorreu no Haiti em 2010 e deixou 316 mil mortos. Veio em 2014, dois anos após o irmão mais velho, que chegou em busca de oportunidade de estudo e trabalho. Ela foi a responsável por mandar dinheiro para que outros membros da família também pudessem ter oportunidade de vir. Atualmente está desempregada e conta com a renda do marido, Dunel Mathurin, 29 anos. Ele é formado em Direito no Haiti, mas trabalha como garçom em um restaurante. A família mora no Guará e tem sete integrantes. Alguns possuem graduação mas “trabalham com o que aparece”, conta o irmão de Mimose, Munique Myrtil, 28 anos. O grupo começou a ter aulas na igreja que frequentam após um convite do pastor. “Não moramos todos na mesma casa e aqui na igreja podemos ter a aula juntos”, conta Mimose. De acordo com os dados mais re-

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centes da Polícia Federal, em 2017 o Brasil recebeu 33.866 pedidos de reconhecimento de situação de refugiado. Venezuelanos, cubanos e haitianos lideraram os pedidos. Do total, 53% das solicitações foram feitas por venezuelanos e 7% por haitianos. “Uma rede do bem.” É dessa forma que Ana Luíza, fundadora das aulas particulares itinerantes e também dona de uma escola particular especializada no ensino de português para estrangeiros descreve as aulas. “O diferencial desse projeto é que disponibilizamos aulas em domicílio ou em locais que os alunos julguem ser de melhor acesso tanto para eles quanto para os professores”, conta. Para criar o projeto, ela observou outros cursos gratuitos de ensino de português para imigrantes. Em contato com redes de apoio para essas pessoas, notou que com o tempo os alunos paravam de frequentar as aulas por motivos como a longa duração do curso, a distância entre a casa e a escola e a falta de recursos para o deslocamento. Uma vez por semana, em uma mesa do pequeno restaurante árabe na quadra 413 da Asa Sul, o sírio Elias Alnemeh, 17 anos, tem compromisso marcado com a professora Mariana Muniz, 25 anos. A dupla também faz parte do projeto voluntário. Alnemeh desembarcou no Brasil em outubro do ano passado, fugindo da guerra civil que ocorre na Síria desde 2011. “Meu primo chegou primeiro e chamou meu irmão para vir para o Brasil. Depois meu irmão falou para mim: ‘vem para cá porque aqui é melhor’”, conta o jovem barbeiro que, apesar do pouco tempo no país, já entende e se expressa bem em português. Entre 2007 e 2017, segundo dados do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), órgão do Ministério da Justiça, 39% dos refugiados reconhecidos no Brasil foram sírios. ORGANIZAÇÃO DO CURSO As aulas para os imigrantes têm o apoio do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e do órgão da igreja católica Cáritas, também responsáveis por encaminhar grande parte dos alunos para o aprendizado do português. Materiais como cadernos, papéis e canetas são obtidos por meio de doações de pessoas e até mesmo embaixadas. “No momento, o que mais precisamos são doações de materiais escolares básicos, cadernos e canetas, além de alguém que nos ajude a produzir cópias das apostilas”, expõe a criadora Ana Luíza. A coordenação é feita por meio de uma plataforma digital que auxilia no gerenciamento da equipe com a inserção dos planos de aula e relatórios pós-aula. Eliani de Moraes, 38 anos, é a coordenadora das aulas itinerantes e responsável pela logística do encontro

entre professores e alunos. Todos são voluntários. Desde que Eliani entrou na coordenação, em agosto do último ano, 38 pessoas já fizeram o curso. “Durante o mês de abril conseguiremos atender mais 39 alunos”, conta a coordenadora orgulhosa. Para Eliani, “língua é poder” e o ensino do português gratuito para imigrantes pode proporcionar uma nova realidade a essas pessoas. “Ao aprenderem o português, essas pessoas podem ser menos exploradas. Acredito que é o primeiro passo para que elas tenham dignidade no Brasil”, analisa. Ana Carolina Andrade, 21 anos, moradora de Santa Maria, é uma das voluntárias e está dando aula para seu segundo aluno. Ana é estudante do curso de Letras Português do Brasil como Segunda Língua na Universidade de Brasília (UnB) e começou a trabalhar efetivamente como voluntária em dezembro do ano passado. “Sempre quis fazer parte de algo do tipo, mas os locais e horários eram contramão e muitas vezes à noite”, conta a voluntária, que dá aulas aos sábados pela manhã. O curso é realizado por meio de ciclos de 30 horas. Ao final, tanto alunos como professores recebem certificados de conclusão. A grande maioria dos professores voluntários são alunos do curso de Letras da UnB. Por isso as aulas ocorrem com mais frequência durante o semestre letivo da Universidade. C Contato Português de Acolhimento: (61) 3044-1766 e (61) 99188-7833 contato@cursovilabrasil.com.br

Crédito: Sarah Paes

Jean e Maudelert, alunos haitianos, fazem exercício durante a aula de português para imigrantes


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Saúde

Educação como terapia

Para não atrasar o ano letivo e manter o processo de aprendizagem, pacientes recebem apoio pedagógico individual ÚRSULA BARBOSA RODRIGUES Crédito: Giullia Vênus

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Além da formação, os pacientes do HMIB recebem auxilio para enfrentar os desafios do tratamento

ito hospitais públicos do Distrito Federal oferecem serviços educacionais a crianças e adolescentes que, por motivo de internação, não podem frequentar a escola. Os alunos têm acesso a um ambiente aberto com balanços, pula- pula e uma sala de aula composta por mesas, livros, brinquedos, bonecas, carrinhos, videogames, mural de desenhos e quadro negro. O espaço bem cuidado e colorido atrai a atenção dos pacientes, que esperam ansiosos todos os dias pelo horário de início da aula. O Projeto Classe Hospitalar existe por convênio estabelecido entre as secretarias de Educação e Saúde do Distrito Federal. Como determina a Política Nacional de Educação Especial, reconhecida em 1994 pelo Ministério da Educação (MEC), as classes hospitalares garantem atendimento a pacientes internados independentemente da idade ou período escolar. Os internados seguem as normas para alunos com necessidades especiais pela circunstância, não por terem qualquer tipo de deficiência. Segundo Amaralina Miranda de Souza, professora da disciplina de Introdução à Classe Hospitalar da Universidade de Brasília (UnB), a atividade escolar desenvolvida por eles é uma forma de distração e entretenimento para aqueles que estão hospitalizados. “É um oásis no hospital”, ressalta. A “escolinha”, como a aula é chamada pelos pacientes atendidos, ocorre no Instituto Hospital de Base (IHB) e Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB). É oferecida também nos hospitais regionais da Asa Norte, Ceilândia, Santa Maria, Paranoá e Sobradinho. O projeto também existe no Hospital Universitário de Brasília (HUB), mas ali se encontra suspenso porque a responsável está em licença-maternidade.

Gislene Rodrigues Rosa está com o filho Samuel, de nove anos, internado no Hospital Regional da Ceilândia (HRC) para realizar uma cirurgia no joelho. Ela diz que foi uma surpresa receber apoio educacional para que o garoto pudesse acompanhar a escola enquanto estivesse em processo de recuperação. “A professora foi até o leito do quartinho dele, passou a saber seu nome, se ele estudava, o ano, e aí, como ele perdeu a semana de provas, ela se disponibilizou a nos ajudar”, relata Rosa. Mauricéia Lopes, pedagoga responsável pelo HRC, conta que o calendário letivo é igual ao das escolas públicas, pois as hospitalares também integram a rede pública de ensino. “A gente procura ter o contato com a escola de origem, pedir as atividades, para que os alunos possam se desenvolver o mais próximo possível de como fariam se estivessem lá”, diz Lopes. As aulas são vistas não só como medidas para impedir a evasão escolar, mas também como uma maneira lúdica para enfrentar qualquer tratamento. Esse tipo de projeto é oferecido quando psicólogos, psiquiatras, médicos e pedagogos trtabalham de forma conjunta. “Nós procuramos o contato com a escola de origem, pedindo as atividades para que os alunos possam se desenvolver como no ambiente escolar”, explica Denise Vogt Volkmer, pedagoga do HMIB. DIFERENTES IDADES Os pacientes não estão estão organizados em turmas de mesma faixa etária. Alguns tratamentos podem durar anos, outros meses e muitos duram semanas. Ao seguir o diagnóstico de cada paciente, é possível supor, por meio da experiência, o tempo de internação, mas cada caso precisa ser avaliado individualmente. Para que crianças e adolescentes possam se sentir confortáveis ao ocuparem o mesmo espaço, o hospital oferece mesas e cadeiras de diversos tamanhos, assim como brinquedos e

jogos para todas as fases da infância. “Acontece uma inclusão real, de todas as idades, de todos os tipos sociais, de gente rica, gente pobre, gente com condições, gente com pouca doença, gente com muita doença. Aqui tudo é de todos’’ , destaca a pedagoga. De acordo com Volkmer, a sala de aula abre pela manhã, mas durante o dia os horários variam porque há vezes em que é necessário o atendimento individual, realizado nos leitos, para aqueles pacientes sem condições de levantar da cama e também para atender a pedidos médicos de enfermos que demandam apoio pedagógico nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). ACOMPANHANTES Os profissionais que atendem os pacientes estão também disponíveis para os acompanhantes. Na sala de aula, os pais têm a oportunidade de expor suas problemáticas e de colocar dúvidas. Os pedagogos ouvem os problemas e oferecem espaços de diálogo para que familiares troquem histórias e vivências. Assim que dão entrada ao hospital, os acompanhantes são instruídos sobre como funciona o ensino. “A gente orienta a família, fala do direito de receber educação no hospital, para que não interrompam esse processo de aprendizagem, apesar do momento que estão vivenciando”, explica Lopes. É permitido ao paciente escolher músicas a seu gosto, de todas as religiões e ritmos. Após a seleção de cada um, a pedagoga escolhe mantras como forma de terapia auditiva. O respeito rege o ambiente, num comum acordo entre profissionais, pacientes, acompanhantes e o espaço permitindo que todas as crianças e adolescentes possam, independentemente de gênero, usufruir de qualquer brinquedo. C

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CAMPUS, MAIO ABRILDE 2019 CAMPUS, 2019

Alternativa sustentável Canudos reutilizáveis estão na moda e fazem o sucesso de vendedoras online JULIANA FERREIRA

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gestora ambiental Diana Santana, 41 anos, é proprietária de uma marca de materiais reutilizáveis há um ano. Desde fevereiro, viu o seu negócio triplicar. “Eu ganhava entre R$ 500 e R$ 700 por mês. Agora são R$ 1,6 mil mensais. Neste momento, é a minha única fonte de renda.” O principal produto da Green Creation é o canudo de inox. “De dez pessoas que me procuram, nove compram. Algumas querem pela causa, outras por modismo”, diz a comerciante. Santana é uma das pessoas que tem uma renda maior após ser sancionada a lei distrital no 6.266, de 29 de janeiro de 2019, que obriga os estabelecimentos comerciais a utilizarem canudo e copo descartáveis fabricados com produtos biodegradáveis. Comprar o canudo reutilizável tem sido a opção escolhida por muitos brasilienses. A loja virtual de Santana está no Instagram. A maioria das fotos de divulgação é feita por ela com a câmera do próprio smartphone. Os objetos são sobrepostos em uma mesa de madeira que fica na varanda do apartamento onde mora. As fotos destacam as diferentes cores do canudo curvado: preto, dourado, azul, rose, cromado, roxo e furta-cor. Esses custam R$ 20. Em relação ao material de inox, Santana explica que a escolha se dá pela resistência. “Os clientes dizem que o de vidro quebra mais fácil e o de bambu apodrece com o tempo de uso”, esclarece. Quem se interessa pelo produto entra em contato pelo aplicativo ou via telefone. O próximo passo é encontrar o cliente para realizar a entrega e receber o pagamento, em dinheiro ou cartão. As entregas são somente no Distrito Federal. Segundo ela, os interessados nos canudos não têm um só perfil. “Por incrível que pareça, não é só coisa de jovem”, afirma. Além dos canudos de inox, os clientes possuem a opção de comprar copo de silicone, talher e escova de dente feitos do bambu, canudo de vidro e absorvente ecológico. Os produtos vêm de outros lugares, como São Paulo, Rio de Janeiro e até da China. Já Giovanna Borges, 23 anos, estudante de Medicina Veterinária, vende os canudos de inox desde fevereiro, quando percebeu que havia muita procura pelo objeto. Ela divulga os produtos por WhatsApp e Instagram pessoal. A universitária vende um kit que vem com dois canudos cromados: um curvado (água, suco e refrigerante), um reto (milkshake e vitamina), além de uma escova para higienização e capa de pano para guardar o material. O conjunto custa R$ 25. Borges compra os canudos em atacado em um site da China: 30 unidades custam R$ 210. Ao revender o material, ela ganha um complemento no seu salário de estagiária. “Ainda vendo pouco, cerca de quatro por semana, a maioria para outros alunos da UnB. Mas já me ajuda bastante porque tenho uma filha”, justifica. Ao vender os produtos reutilizáveis, os comerciantes buscam transmitir uma ideia. “O nosso objetivo principal é tornar o mundo um lugar ambientalmente sustentável. São pequenas atitudes, como trocar o canudo de plástico, que nos ajudam a fazer a diferença”, argumenta a dona da loja online EcoBom, Sabrina Bomtempo. Em janeiro deste ano, ela começou a vender canudos de inox e copos de silicone como um projeto pessoal de conscientização. Os canudos da loja são de cor prata e também nos modelos reto e curvado. Eles podem ser adquiridos individualmente ou em alguns modelos de kits. Os preços variam entre R$ 15 e R$ 37. As entregas são para todo o Brasil. O cliente que mora em Brasília possui a opção de fazer a retirada na quadra 911 da Asa Norte, o que exclui a taxa de entrega com o valor mínimo de R$ 10. A comerciante defende que todos os produtos da loja são sustentáveis: “O estojo para carregar o canudo é de pano com 100% de algodão e a embalagem é o mesmo saco de papel que as padarias usam”, explica. O

fornecedor da loja é brasileiro, para haver menos poluição com transportes. Bomtempo acredita que, após a lei ser sancionada, o debate sobre questões ambientais aumentou, daí o aumento na procura. CONSUMO CONSCIENTE Para Lívia Cunha, 22, estudante de Medicina Veterinária, comprar o canudo reutilizável foi a melhor das opções. “O biodegradável é menos pior que o de plástico, mas ainda tem o gasto de produção e a contaminação ambiental. Comprei o de inox porque pode ser para sempre e você usa em qualquer lugar”, argumenta. A popularização do canudo de plástico como vilão do meio ambiente começou nos Estados Unidos, após o vídeo de uma tartaruga com canudinho entalado nas narinas viralizar na internet. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, os outros tipos de materiais de plástico demoram cerca de 400 anos para se decompor. O canudo comum demora em média 500 anos, os biodegradáveis de plástico demoram mais ou menos cinco anos, enquanto os de papel se decompõem em cerca de 180 dias. Gilson Matos, 20, estudante de Arquitetura e Urbanismo, usa o canudo de metal desde o ano passado. “Comprei após ler sobre a substituição nos Estados Unidos. É uma modinha, tem gente que usa para ser descolado, mas acho que pode ser um primeiro passo para a redução de plástico no mundo”, diz. LEI DO MAIS FRACO De autoria do ex-deputado distrital Cristiano Araújo, a lei obriga os estabelecimentos comerciais a utilizar canudo e copo descartáveis fabricados com produtos biodegradáveis. O estabelecimento que não cumprir a ordem pode receber multa de R$ 1 mil a R$ 5 mil. A lei considera como biodegradáveis aqueles não derivados de polímeros sintéticos fabricados à base de petróleo, como fibras de origem vegetal. O prazo para substituição dos produtos passou de 90 dias para 18 meses, devido à aprovação do Projeto de Lei no 148/2019, da deputada Júlia Lucy. O PL altera a Lei no 6.266/2019. A justificativa para a mudança é a falta de fornecedores no Distrito Federal que possam suprir a demanda dos estabelecimentos. Enquanto a lei não entra em vigor, a rede Sky’s Burger optou por continuar a utilizar o canudo de plástico comum até o estoque acabar. A empresa realiza testes para escolher a melhor alternativa. “Já podemos dizer que o canudo de papel desagradou grande parte dos clientes. Agora estamos testando um ‘biocanudo’ que é de plástico, mas contém uma substância que acelera a decomposição”, diz o sócio-proprietário do Skys’s Burger Carlos Perez. Com lojas nas asas Sul e Norte, O Café e um Chêro já baniu o canudo de plástico usual e agora disponibiliza uma opção que é “oxibiodegradável”. A substituição gerou prejuízo financeiro. “Nas distribuidoras aqui de Brasília, três mil unidades de canudos comuns custam cerca de R$ 40, enquanto três mil de biodegradáveis chegam a R$ 77”, conta o dono da empresa, João Gabriel Amaral. A professora do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB Izabel Zaneti expõe a relevância da lei na causa ambiental. “É mais uma tentativa e está sendo amparada por legislação própria. Penso que, se (o canudo) não for ofertado no mercado, não haverá consumo e o meio ambiente agradece”, diz. “É uma campanha que deve ser estendida para as sacolas plásticas e outros utensílios.” C

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