A disparidade regional e o mercado brasileiro de cartões Estudo da Boanerges & Cia. mostra que baixa renda ainda é obstáculo para expansão dos meios eletrônicos de pagamento no país Fim de exclusividades entre credenciadoras e bandeiras nacionais já afetou mercado e reduziu taxas para lojistas São Paulo, 31 de julho de 2017 – A Boanerges & Cia., consultoria especializada em varejo financeiro, elaborou um estudo que mostra como a baixa renda ainda é obstáculo para expansão dos meios eletrônicos de pagamento no país. Baseada nas estatísticas de pagamentos de varejo e cartões divulgadas pelo Banco Central do Brasil (BCB) em 10 de julho, a consultoria calculou a quantidade de POS’ (máquina de cartões, Point of Sale na sigla em inglês) e PDV´s (Pontos de Venda) a cada mil habitantes, relacionando-a à renda per capita de cada Unidade da Federação (UF). O número de maquininhas (soma da quantidade de POS’ e PDV’s) dividido pela população, afinal, é uma boa aproximação para medir a disparidade no nível de aceitação de cartões entre as unidades da federação – quanto maior o número de maquininhas por habitante, maior a aceitação – e, conforme é possível observar no gráfico, há uma relação forte e positiva entre renda e cobertura de aceitação – o coeficiente de correlação é de 0,95 e, de acordo com o resultado da regressão linear, que desconsidera o Distrito Federal, a renda per capita explica 91,1% da diferença no grau de aceitação entre os estados. POS e PDV por mil habitantes (y) versus Renda per capita mensal (x) - 2016
40,0
SP
RS
35,0 RJ 30,0
MT GO
25,0
RO
20,0
BA 15,0
AL
10,0 5,0
MA
TO
CE AC PB SE PA
AP RN
ES MG
PR
SC
MS
RR y = 0,0266x - 7,7836 R² = 0,9106
PI
0,0 500
700
900
1100
1300
1500
Fonte: BCB, IBGE. Cálculos: Boanerges & Cia.
1700
1900
A maior cobertura em 2016 foi registrada no Distrito Federal, onde há 37,9 maquininhas por mil habitantes, seguido por São Paulo (37,5) e Rio Grande do Sul (33,9). Tratam-se exatamente das três UF’s com maior renda per capita do país, de acordo com as estimativas do IBGE. No outro extremo encontra-se o Maranhão, estado mais pobre e com menor cobertura de aceitação de cartões (7,7 maquininhas por mil habitante). Tabela resumo com dados por estado – 2016 POS e PDV por mil habitantes
Renda per capita mensal (R$)
Rank Cobertura
Rank Renda
Distrito Federal
37,9
2.351
1
1
São Paulo
37,5
1.723
2
2
Rio Grande do Sul
33,9
1.554
3
3
Rio de Janeiro
31,4
1.429
4
5
Paraná
29,0
1.398
5
6
Espírito Santo
28,9
1.157
6
9
Santa Catarina
28,5
1.458
7
4
Mato Grosso
27,2
1.139
8
11
Mato Grosso do Sul
24,5
1.283
9
7
Goiás
23,4
1.140
10
10
Minas Gerais
22,7
1.168
11
8
Rondônia
20,5
901
12
14
Roraima
16,2
1.068
13
12
Bahia
15,7
773
14
20
Tocantins
15,3
863
15
18
Pernambuco
15,1
872
16
17
Amapá
14,1
881
17
15
Acre
14,0
761
18
21
Rio Grande do Norte
12,9
919
19
13
Ceará
12,8
751
20
22
Sergipe
12,7
878
21
16
Alagoas
11,9
662
22
26
Paraíba
11,4
790
23
19
Amazonas
11,3
739
24
24
Pará
9,8
708
25
25
Piauí
9,0
747
26
23
7,7
575
27
27
UF
Maranhão
Fonte: BCB, IBGE. Cálculos: Boanerges & Cia.
A explicação para a relação positiva entre cobertura de aceitação e renda é relativamente simples. Segundo Vitor França, consultor da Boanerges & Cia. responsável pelo estudo, a renda está relacionada diretamente ao consumo e à
bancarização. A população mais pobre, de maneira geral, tem menor acesso a produtos bancários, como cartões, por exemplo. Em regiões com menor renda, portanto, além de o consumo ser menor, menos consumidores utilizam cartão, o que desestimula o credenciamento de estabelecimentos. Isto porque, por um lado, as credenciadoras têm menor incentivo para credenciar estabelecimentos em regiões de menor renda, já que as receitas, diretamente relacionadas às vendas com cartão, podem não compensar os custos operacionais. Por outro lado, diante da menor frequência de pagamentos eletrônicos, os custos dos lojistas para aceitar cartões podem não compensar eventuais incrementos nas vendas com meios eletrônicos. Assim, explica o consultor, a baixa renda aparece como um dos principais obstáculos para a expansão da aceitação dos cartões, que trazem uma série de benefícios econômicos como maior praticidade e segurança para consumidores e lojistas, além de facilitar a fiscalização e a arrecadação de impostos por parte da Receita Federal. Ações que estimulem a competição e reduzam os custos para os lojistas, portanto, são fundamentais para a expansão da cobertura, especialmente em regiões de menor renda. Medidas como a recente mudança na cobrança do ISS (Imposto sobre Serviços), por sua vez, podem dificultar a expansão da cobertura em áreas mais pobres. Afinal, com a mudança, o ISS passa a ter alíquota mínima de 2% (credenciadoras sediadas em Barueri, por exemplo, pagam atualmente 1,5%). Além disso, a cobrança, que atualmente é feita no município onde a credenciadora está sediada, passará a ser feita no município onde o serviço é prestado. Isto pode significar alíquotas mais elevadas e maiores custos operacionais, sendo parte do aumento dos custos será inevitavelmente repassada aos lojistas, o que tende a desestimular a aceitação de cartão. Diminuiu a cobertura de cartões em 2016? O número de POS’ caiu pela primeira vez desde 2008, de 4,565 milhões em 2015 para 4,424 milhões em 2016. Com isso, a quantidade de POS’ e PDV’s por mil habitantes passou de 25,4 para 24,7 no mesmo período. Quer dizer, então, que diminui a aceitação de cartões no ano passado? Para Vitor França, da Boanerges & Cia., a resposta é não. Segundo o consultor, a redução do número de POS pode ser explicada pela maior competição e pelo fim de exclusividades entre credenciadoras e bandeiras que ainda existiam no mercado. “Com o fim das exclusividades, os estabelecimentos passam a precisar de menos maquininhas para realizar vendas no cartão, já que uma única, agora, aceita as principais bandeiras”, explica França.
A consultoria ressalta que o crescimento das subadquirentes (como a PagSeguro) no mundo físico, ocupando o espaço das credenciadoras convencionais, também pode estar por trás da redução do número de POS’ em 2016. De fato a participação dos cartões nos pagamentos das famílias continuou a crescer, apesar da crise e da redução do número de POS’. De acordo com cálculos da Boanerges & Cia., o volume de transações domésticas com cartões de crédito e débito atingiu 27,5% do consumo das famílias em 2016, ante 27,1% no ano anterior. Comparações internacionais a partir de dados do Banco de Compensações Internacionais (BIS da sigla em inglês) sugerem que ainda há espaço para expansão da cobertura de aceitação. Na Austrália, por exemplo, havia mais de 40 POS’ por mil habitantes em 2015. País Austrália Canadá Itália Singapura Suíça Reino Unido Turquia Holanda França Brasil Suécia China Bélgica Alemanha Rússia África do Sul Arábia Saudita México Índia
POS por mil habitantes 40,1 36,3 32,7 31,1 30,3 30,1 27,4 26,3 22,2 21,5 18,7 16,6 16,4 12,2 10,2 7,3 7,3 7,2 1,1
Fonte: BIS (2015), BCB (Brasil – 2016)
Número de POS e PDV (Milhões) - Brasil
0,601
0,623
0,658
4,434
4,565
4,424
2014
2015
2016
0,556 0,506 0,345
0,416
0,406
0,400
2,832
2,992
3,014
3,116
2008
2009
2010
2011
3,895
3,591
2012
POS
2013
PDV
Fonte: BCB
Número de POS e PDV por mil habitantes - Brasil
21,1
16,8
2008
17,8
17,9
18,3
2009
2010
2011
2012
24,8
25,4
2014
2015
24,7
22,1
2013
Fonte: BCB, IBGE. Cálculos: Boanerges & Cia.
2016
Representatividade dos pagamentos com cartão no consumo das famílias brasileiras
5,8%
6,2%
6,8%
7,4%
8,0%
27,1%
27,5%
9,0%
9,6%
10,2%
10,7%
14,2%
15,2%
16,2%
16,3%
16,9%
16,8%
12,7%
15,8%
11,9%
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
Cartões de crédito
Cartões de Débito
Fonte: BACEN, IBGE. Cálculos: Boanerges & Cia.
Fim de exclusividades entre credenciadoras e bandeiras nacionais já afetou mercado O fim da exclusividade entre credenciadoras e bandeiras nacionais também já teve efeito nas taxas cobradas dos lojistas nas vendas no cartão. A taxa média paga pelos estabelecimentos comercias nas vendas com cartão de crédito, por exemplo, que apresentava estabilidade desde 2011 – após a queda em 2010, quando teve fim da exclusividade entre as principais credenciadoras e bandeiras – caiu 0,12 ponto percentual em 2016. No débito, o recuo foi menor: -0,02 pp. Para o consultor da Boanerges & Cia., a queda no ano passado parece reflexo do fim de exclusividades que ainda existiam entre credenciadoras e bandeiras – entre Cielo e Elo, por exemplo – e do consequente aumento da competição no setor. O número de POS também caiu – pela primeira vez desde 2008: com maior competição e fim de exclusividade entre credenciadoras e bandeiras, os estabelecimentos passam a precisar de menos maquininhas para realizar vendas no cartão – já que uma única aceita todas as bandeiras –, o que também representa redução de custos para os lojistas.
Taxa de desconto média 3,50% 3,00%
2,94% 2,50%
2,95% 2,50%
2,90% 2,47%
2,50%
2,78%
2,77% 2,37%
2,38%
2,76% 2,34%
2,77%
2,77% 2,65%
2,32%
2,30% 2,21%
2,00% 1,59%
1,59%
1,58%
1,58% 1,57%
1,57%
1,56%
1,54%
1,52%
1,50% 1,00% 2008
2009
2010
Crédito
2011
2012
Débito
2013
2014
Crédito + Débito
Fonte: BCB. Cálculos: Boanerges & Cia.
2015
2016