Relado sobre a primeira experiência com cerâmica

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Escola de Belas Artes-UFRJ Graduação: Artes Visuais/Escultura Professora: Kátia Correia Gorin Oficina de Cerâmica 1 Aluno: Carlos Augusto T. B.


Texto exploratório da prática de escrita de artista, caminhando pelo processo de documentação do aprendizado alcançado nas aulas de cerâmica 1, ministrada pela Dra Kátia, no primeiro semestre de 2018.

RelatoSim, devo escrever e me preparar para escrever todas as camadas do processo da feitura do aprendizado. Devo amassar o pensar como se estivesse com as mãos grudadas no pensamento ainda muito úmido. Devo mesmo amasar e esfregar; enfrentá-lo e batê-lo contra a mesa de pedra. Sová-lo assim como um pão; configurá-lo com as minhas mãos, mantendo o corpo firme e os braços esticados contra este pensamento lama-ação, sovando, socando, batendo, sovando... O pensamento é atravessado por uma lebrança. Um pedido se esvai na forma de um ultilitário. Tento reconduzir o pensamento e começo sabendo que devo anotar e anotar, a começar a notar como um cientista todo o processo, tudo que é meu. Eu faço. Então começo a bater: bato com as mãos em concha; bato a cabeça oca contrar o pensamento, tentando tranformá-lo em um todo racional, a fim de poder conduzir o aprendizado em grandes temperaturas: 800° C, 1200° C. “Se tiver bolhas de ar, ele não aguenta, explode tudo lá dentro; e como uma reação em cadeia, se estilhaça”. Passam-se alguns dias, descubro o cordelado tornando o pensamento assimétrico, molengo.Tempo passado, já transforma-se: um pouco mais firme, em ponto de couro. Faço máscaras dos rostos deles. Invento, como os sumérios, letras organoniosas que fixo no plano. E pinto estes pensamentos enquando cordelo o potecaminhante.

Processo de descoberta do cordelado. Dela surgiu um pote.


– O antropólogo me mostrou. Foi a artista quem disse. Ao sair, esqueço o nome da índia suriní, que através dos meus sonhos – como num barco vagando na correnteza de um rio – me apareceu no amazonas. Em cobras sobrepostas, uma após a outra, ouço o canto anscestral que pintava e me mostrava, coletanto todos os tipos de pensamentos. 1) Uns mais amarelados, diz que é ocre. 2) saindo da li, para o nordeste, ela me mostra a terracota: um tipo de pensamento ultilitário de 2 metros. 3) com a faiança bem clara, mais resistente ao toque, mais firme, faço jóias. As quintas-feiras me trazia uma grande ansiedade. Parecia que os meus pensamentos iam todos explodir a 1200 graus, mas me controlava e fazia como a índia suriní me aconselhara: enrolava e fazia deles uma grande cobra, assim como as culturas ancestrais sumérias, mexicas, olmecas – esta potência imaginária que atravessou oceanos antigos. Cordelando este relato, faço o pensamento, e tenho a impressão que ele será um ultilitário. Faço dele um relevo e o coloco na parede, com pigmentos de óxidos de ferro. Sem dúvida devo vitrificá-lo.

Acima, à esquerda o cilindro de argila com sulcos e relevos, feito na aula de cerâmica 1. Esta técnica foi utilizada para fazer relevos no plano de argila (vide a foto à esquerda, logo abaixo). Despois de modelada a peça, uma pintura com engobe foi feita em sua superfície. A imagem à direita mostra o resultado das placas depois da queima de biscoito.


Peso os minerais à medida de um para um, ou 30 a cada 100 – a depender da intensidade de cor que se deseja. Sempre vai ficar meio alaranjado. Vou prensar, pensar, separar, anotar, tranformar em cabeça de touro; planar, fazer um cilindro e nele desenhar, escarificar com sucos e relevos, rolar em cima de planos; transformar os planos em unidades autônomas sem nenhuma contaminação.

Acima nas fotografias da esquerda e direita, imagens do vaso caminhante logo após sua feitura. Abaixo, um registro dele queimado, com coloração modificada pelo processo da queima. À esquerda, registro fotográfico de um dos exercícios propostos na aula de Cerâmica de 2018.1, que consistiu em criar uma forma autônoma a partir de um plano. Foram utilizados o corte e a torção de algumas partes para criar a forma. Observe que nas fotografias da esquerda há uma figura humana de argila, a fim de indicar


Paro de pensar. Houve um grande feriado e fui visitar a minha família. O sítio onde minha companheira viveu. Lá revi pessoas amadas e senti mais uma vez o ar puro, leve e refrescante. Leves caminhadas pelos pastos... a terra que piso me fez lembrar esses pensamentos. Comecei a perceber, enquando os devaneios me traziam a vontade de continuar, que dessa vez ansiava por um pensamento novo. Então atravesei o pasto com ela, queria que ela soubesse. Juntos entramos na floresta do desconhecido. As cores terrosas, aos poucos mudavam de cor pelos raios de sol. O verde aquecido já não era mais verde e se transmutava em laranja; o cinza em branco; o ocre em amarelo. Ao atravesar esta floresta de linhas sinuosas, onduladas horas se emaranhavam à orgânica paisagem, criando formas, delineando cheios e vazios. Ao descobrir dos passos, demos de encontro com um riacho. Nele havia água limpa. Com a mão cavadeira, comecei a coletar. Pegamos deste rio uma massa muito plástica. Comecei na caminhada um novo pensamento, porém não o contei de início: o desfarelava com as mãos e despedaçava friccionando um dedo no outro. Ainda havia muita areia... Queria que fosse mais fino: um pensamento com o tato plástico. Deixamos este pensamento numa bacia no fundo da cabeça. Ficou lá debaixo d’agua até ele amolecer.

Registro da ida até a mata siliar localizada nos arredores do distrito de Carmo-Rj, lugarejo rural para pegar barro da beira do riacho. 2018. Foto: Isabela Olinda


Mas insisti no racional, onde eu podia moldar cada parte, cada saliência, cada porosidade da metodologia transformada em pó em minhas mãos. Dentro da caixa 13 x 13 cm, continuei ralando, esmagando este raciocinio formal –os Norte Americanos e os Europeus tem isso, que vem do ensino deles –, este pensamento cartesiano, iluminista, RAZÃOPURA. Separei cada coisa numa caixa. Bem simétrico branco>preto. Raciocínio superior sistemático. Ali no nosso, cada elasticidade de pigmento, cada textura, cada mudança de temperatura, havia poesia, pedra, ar. Não. Neles as escalas são monumentais, a materialidade está configurada na industria em série. Sobretudo, quem não se comporta como americano e nem tem essa europeidade vive na precaridade, na incerteza, na fabulação do pensamento e faz com o pó que sobra. Organicidade, sim, tornada em caos. Queria ver se ficava caro comprar tudo o que precisase para abrir uma empresa, flutuar no capital... sim, queria sim o nosso proprio forno, sim. Talvez muito ansioso. Insisti, mas dormi. Deixei descansar este pensamento arenoso no fundo da cabeça. No outro dia conversei sobre este pensamento com ela, então ela disse: “Vamos pensar assim com mais calma. Vamos pegar baldes vazios e um pano com furos para ser nossa peneira, então vamos poder filtrar nossos pensamentos juntos”. Isso me acalmou um pouco e comecei a pensar. Lamacento e muito fino, facilmente separava no fundo da água cristalina. Sosegado naquelas paisagens, os sons dos passaros, as erozões das enconstas a passear pelo tempo ...

vento...

Fotografias do momento que Carlos e Isabela separavam o barro recém colhido da areia com o auxílio de um tecido.


“Aplicar, não pintar. É esse o movimento”. Cores nas florestas. Que liberdade com a qual o pensamento atravessa a forma e a matéria! E a autonomia desmorona no ar.

Registro da escultura pensamento. Na foto acima à direita, estão o suporte, a prensa de madeira e a matéria formadora da escultura: o pó da argila obtido de outros trabalhos que fiz. Na foto seguinte, o resultado do pó conformado; e abaixo, a escultura instalada na mostra ateliê aberto da EBA, em 2018.


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