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SHAUL (PAULO) O emissário (apóstolo) fundamentalista
Paulo, sem dúvida, é um dos grandes ícones do Cristianismo. Sendo judeu, praticante do judaísmo por toda a sua vida, constituiu-se como o grande apóstolo cristão, autor da maioria das cartas do cânon do Novo Testamento, segundo a tradição cristã. Imitado e idolatrado por muitos. Exemplo e referência de fidelidade ao chamado divino. Ao contrário do que alguns cristãos pensam, o seu nome nunca foi mudado de Saulo para Paulo. A visão corrente entre muitos é que, ao se converter, após a visão na estrada de Damasco (Atos 9), Saulo alterou seu nome. Nada, no entanto, foi mudado, ele apenas tinha duas cidadanias: judaica e romana. Nasceu de um seio judeu, em Tarso, capital da Cilícia (Atos 21.39), território sob o domínio de Roma. Adquiriu, desta forma, dupla cidadania, dois nomes: Shaul (Saulo), judaico, e Paulo, romano; como assim declara o verso do livro de Atos: Todavia, Saulo, também chamado Paulo... (Atos 13.9). Sua importância para o avanço da nova crença messiânica é inegável. Sua intrepidez e ousadia foram e são indispensáveis para a propagação da mensagem das Boas Novas. Shaul, o emissário judeu, circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israela, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu b,... (Filipenses 3.5) teve sua fama exaltada até aos dias atuais graças a Marcião de Sinope, um bispo gnóstico do cristianismo do 2º séc.. Ao que consta na história, Marcião foi o primeiro a criar o cânon do Novo Testamento, acrescentando em maior número os textos de Paulo, porque acreditava que era o mais confiável dentre os apóstolos (emissários). Existiram muitas outras cartas de outros autores, entretanto, Paulo (Shaul) foi o que mais agradou Marcião. Embora, por motivos que por hora não interessam, o bispo gnóstico tenha sido considerado herege pela Igreja de Roma, o pensamento do seu cânone permaneceu no Cristianismo. Não desmerecendo a relevância dos escritos de Shaul (Paulo), proponho cautela na leitura de seus textos, não só pelas interpolações cristãs, adulterações ou pela dificuldade de entendimento, como Pedro (Kefa) fala em sua segunda epístola: igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, 16 ao falar acerca destes assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras, para a própria destruição deles. (2 Pedro 3.15,16), e sim pela compreensão de sua personalidade extrema e fundamentalista. a b
3.5 Rm 11.1 3.5 At 23.6; 26.5
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Pouco, ou praticamente nada, sabe-se sobre a infância desse emissário nascido em Tarso, o que sabe-se é o que da sua boca se declara: eu sou judeu, nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade [Jerusalém] e aqui fui instruído aos pés de Gamaliela, segundo a exatidão da lei de nossos antepassados, sendo zeloso para com Deus, assim como todos vós o sois no dia de hoje (Atos 22.3). É notável o seu alto nível de instrução por aqueles que com ele se encontravam, a ponto de enfatizarem que por causa do muito estudo, estaria ele delirando. Em certa ocasião em que Paulo (Shaul) discursava em sua defesa, assim ouviu: Estás louco, Paulo! As muitas letras te fazem delirar! (Atos 26.24). Abro, aqui, um parêntese para um breve comentário. Rabban Gamaliel, seu discipulador, era membro do sinédrio (tribunal judaico), fariseu, rabino, mestre da Torah, neto do rabino Hillel (30a.C a 10d.C) , um dos grandes instrutores da Torah, célebre em Israel, fundador da Beit (casa) Hillel1, uma escola farisaica que competia com a Beit Shammai. Respectivamente, a primeira, preocupava-se mais com o princípio, o sentido, o objetivo da Lei e focava no que se chama de “Espírito da Tora”; não se apegava a observância ao pé da letra das Escrituras, ao contrário da segunda que, em uma observância legalista e detalhada das Escrituras, focava na “Letra da Tora”. Com estas informações sobre o seu discipulado, podemos compreender alguns posicionamentos de Paulo acerca da Torah, principalmente sobre aqueles em que parece falar negativamente a respeito da Torah (Romanos 3.20;28 ; Gálatas 2.16; 3.2;5;10), entretanto, segundo o ensino que por ele foi recebido do neto de Hillel, ele está se referindo a Letra — observância legalista da Torah —, focando no princípio nela contido. Fecho parênteses. Ainda que Shaul (Paulo) agisse e pregasse contra o legalismo e as maassei hatorah (obras da lei tradições rabínicas que tinham peso de lei) que acarretam peso sobre os ombros dos homens — assim como o próprio Yeshua exorta os fariseus de Shammai: Atam fardos pesados [e difíceis de carregar] e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los.
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Praticam, porém, todas as suas obrasa com o fim de serem vistos dos homens; pois alargam os seus filactériosb e alongam as suas franjasc. (Mateus 23.4) —, ele tinha um comportamento que se sobressai e se evidencia muito fortemente na sua biografia antes e pós-entrada na seita dos Nazarenos (Atos 24.5) ou do Caminho (Atos 24.14). Muitas passagens revelam um Paulo (Shaul) fundamentalista extremista. Antes de entrar na seita dos Nazarenos (ramificação do judaísmo que crê em Yeshua como Messias de Israel, movimento diferente dos cristãos), ele já demonstrava o seu psicológico extremo. Zeloso para com Deus – o Eterno a 1
a b
22.3 At 5.34-39 Ao que tudo indica, por algumas evidências em sua fala, Yeshua era favorável aos ensinos da Beit Hillel.
23.5 Mt 6.1
23.5 Dt 6.8 c 23.5 Nm 15.38
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e para com o seu farisaísmo, perseguiu, violentou e matou aqueles que ameaçavam a integridade do seu judaísmo. Assim ele fala de si mesmo ao contar sobre a sua visão na estrada de Damasco: [...] segundo a exatidão da lei de nossos antepassados, sendo zeloso para com Deus, assim como todos vós o sois no dia de hoje. 4 Persegui este Caminho até à morte, prendendo e metendo em cárceres homens e mulheres, 5 de que são testemunhas o sumo sacerdote e todos os anciãos. Destes, recebi cartas para os irmãos; e ia para Damasco, no propósito de trazer manietados para Jerusalém os que também lá estivessem, para serem punidos. (Atos 22.3-5). Numa análise comportamental, tal condição psíquica de zelo extremo, geralmente é adquirida por consequência de uma rejeição paterna sofrida. Levando em consideração a falta de conhecimento sobre a infância de Paulo (Shaul), torna-se difícil afirmar algo, todavia, é visível o seu comportamento zeloso, extremo e fundamentalista. Esta forma de ser da mente permanece em qualquer contexto, mesmo quando se muda de contexto, como assim se percebe no caminhar do emissário judeu Nazareno. Ele, zeloso ao extremo, defensor do seu judaísmo farisaico, perseguia os crentes em Yeshua, e, ao mudar de lado, continuou sendo zeloso ao extremo — principal defensor da seita judaica dos Nazarenos. No seu depoimento perante Féliz, Tértulo afirma: Porque, tendo nós verificado que este homem é uma peste e promove sedições entre os judeus esparsos por todo o mundo, sendo também o principal agitador da seita dos nazarenos [...] (Atos 24.5). Por mais que seja um testemunho de acusação, é manifesto em suas cartas e viagens, um Paulo obstinado e fundamentalista. Pregador incansável do Messias Yeshua. Como de início disse, penso que é sobre este comportamento psíquico específico que se deve ter cautela ao absorver os textos de Paulo (Shaul). É importante discernir onde se encontra o seu psicológico. Compreender o tempo de amadurecimento das suas palavras, é necessário. Todo conhecimento que se tem por revelação passa por um tempo de amadurecimento dentro daquele que o recebe. Com Paulo (Shaul), homem como todos, dotado de uma psique e de uma mente sofrida, não é diferente. Agora, é importante entender que fundamentalismo pode não ser o mesmo que ímpeto e desejo por realizar algo. Fundamentalismo está dentro de um pensamento violento, enquanto o ímpeto, não necessariamente. Por falta desse discernimento por parte de seus leitores, o famoso emissário é muitas vezes incompreendido, tornando-se inspiração para fundamentalistas extremistas, os quais promovem morte em nome do Messias e levantam bandeira de uma guerra santa; tiram as espadas da bainha e cortam a orelha do soldado, como Pedro (Kefa), em seu fundamentalismo inicial: Então, Simão Pedro puxou da espada que trazia e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita; e o nome do servo era Malco. 11 Mas Jesus disse a Pedro: Mete a espada na bainha; não beberei, porventura, o cálicea que o Pai me deu? (João 18.10). a
18.11 Mt 26.39; Mc 14.36; Lc 22.42
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Sobretudo, cabe perceber que tanto Pedro (Kefá) como Paulo (Shaul), após o tempo de amadurecimento, instrui a um comportamento sóbrio (equilibrado, moderado): Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições, faze o trabalho de um evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério. (Paulo, 2 Timóteo 4.5); Por isso, cingindo o vosso entendimento, sede sóbrios e esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Yeshua, o Ungido. (Pedro, 1 Pedro 1.13) Observando, portanto, que um texto deve ser analisando dentro de seus muitos contextos (geográfico, social, histórico, ...), o campo e a condição psicológica onde se encontra a mente do autor não deve ser deixado de lado, a sua análise é de suma importância para evitar distorções primárias e interpretações leigas, principalmente no que tange a escritos considerados sagrados e moldes de fé para muitos.