Comunidade-Universidade - Inconsciente coletivo sagrado social

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A relação Comunidade-Universidade

1.Introdução

Pode-se, de imediato, associar o tema proposto a um relacionamento interativo entre Universidade e Comunidade local. Em outras palavras, ao pensarmos em relação Comunidade Universidade, logo pensamos em atividades humanitárias que abranjam e beneficiam a sociedade que a circunda através de pesquisas que visam a transformação do seu meio. Fato é que tal pensamento é óbvio, isto é, existe um centro acadêmico de produção de conhecimento e mão de obra que objetiva sanar as demandas de uma determinada comunidade. Desejo, entretanto, abranger essa relação para um campo não tão óbvio. Alguém, por exemplo, presta o vestibular, entra na Universidade, recebe o diploma, para quê? Para ter um bom emprego, um melhor salário. Sim, este é o pensamento consciente e óbvio. Uma Universidade tem vários cursos oferecidos, para quê? Para oferecer transformação social, uma melhoria na sociedade. Sim, este é um pensamento consciente e óbvio. Temos, portanto, respostas conscientes para o “para quê?”. A não obviedade está, talvez, no “por quê?”, no lado inconsciente, naquilo que move o óbvio, na parte inferior do iceberg. De onde vem a ideia de que uma Universidade tem o papel de transformação e de mediadora para um melhor emprego e uma vida melhor? Esta ideia está num inconsciente coletivo? Desta forma, visando desbravar outras formas de pensar a Universidade e Comunidade, buscando o caminho do não óbvio e do “não dito claramente”, analisando e sondando o inconsciente, proponho alguns questionamentos como: Qual o caminho percorrido pela Universidade? Qual conhecimento produziu em seu início? Qual seu contexto de surgimento? Como podemos compreender comunidade? Que tipo de diálogo se estabeleceu entre Universidade e Comunidade no inconsciente coletivo?

PENSAMENTO CONSCIENTE COLETIVO

PENSAMENTO INCONSCIENTE COLETIVO

– para quê?

– por quê?

-Universidade é um meio de transformação social -Promove projetos e pesquisas de conhecimento em benefício da comunidade a sua volta - Para ter uma melhor condição social, financeira.

Motivo oculto Caminho histórico ???????????


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2. O Conceito de Comunidade

De princípio, cabe destacar que o conceito de comunidade é muito amplo e múltiplo. No entanto, trago alguns conceitos etimológicos que podem nos ajudar na compreensão da proposta oferecida. Assim sendo, no grego encontramos algumas palavras utilizadas para comunidade, dentre elas estão: Plethos πληθος, da raiz pletho πληθω, cujo significado é “preencher, ser completo”; politeia πολιτεια, no sentido de “administração de afazeres civil” e ekklesia εκκλησια, uma junçao de ek (de dentro) e kaleo (chamado), portanto, “chamado de dentro para fora”, desta palavra temos a transliteração “Igreja”, e ainda, na linha hebraica, uma das palavras usadas para comunidade é qahal ‫קהל‬, no sentido de “juntar e reunir”. Temos, assim, uma junção de pessoas que objetivam preencher lacunas existenciais físicas, imateriais ou espirituais, munidas de um código legal — afazeres civis com direitos e deveres — e chamadas do interior de outra, ou seja, cada comunidade é uma junção de pessoas que saíram de outra.

2.1 Universidade – Comunidade central

Sob este aspecto, há muitas comunidades dentro da grande Comunidade da humanidade, cada qual com sua demanda de preenchimento. Existe a comunidade dos comerciantes, dos acadêmicos, dos músicos, dos eclesiásticos, assim por diante. Todas de alguma forma interligadas e interdependentes, com algum código legal identitário — leis e ordens que afirmam a identidade do grupo, como um credo que propõem uma convivência ideal num mundo ideal. A Universidade é uma dessas comunidades em que se reúnem indivíduos — de diversas comunidades — dentro de um código legal com o objetivo de preencher espaços internos (pessoais) e no âmbito social. A Universidade, porém, parece ser uma comunidade diferenciada, central e superior no contexto de uma sociedade, ainda que não seja concretamente, faz-se central e superior no inconsciente coletivo — mente social —, visto ser detentora — teoricamente — de um Ensino Superior, e os que não participam de tal ensino acabam por serem inferiores — teoricamente.


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COMUNIDADE HUMANA

Nível Superior

Médicos Psicólogos Engenheiros

UNIVERSIDADE Advogados

Comunidade central

Juízes

Gari Músicos Pescadores

Nível Inferior

3. Caminho histórico-inconsciente da produção do saber

Em se tratando da análise do inconsciente coletivo social, cabe a investigação sobre como ele se constituiu e que herança histórica o formou. O que fez com que, na mente social, a Universidade fosse visualizada como uma comunidade sobre as outras, sob a posse de um ensino superior e elevado? Muitas são as possibilidades de visão. Uma delas está no caminho histórico, na compreensão de que somos seres com uma história e de que nossa forma de pensar, psicanaliticamente, recebe um inconsciente coletivo, o qual se estabelece por meio das vivências sociais como, por exemplo, a formação de arquétipos do bem e do mal, representados pela figura do vilão e do herói, do diabo e de Deus, dentre outros modelos mentais que percorrem na psique humana. Neste ponto de vista, a Universidade é um modelo construído no inconsciente coletivo social. Que tipo de modelo? Um modelo do ensino sagrado-superior que conduz a um paraíso? Possível.


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3.1 O culto estabelece a produção cultural

Vejamos que, ao observarmos a Universidade, quando ainda não era chamada como tal, seu começo acontece num contexto sagrado. Imaginemos que a produção científica e de conhecimento, bem como a escrita e as obras literárias foram iniciadas numa humanidade dentro de uma íntima ligação com o sagrado e espiritual, cuja vida era essencialmente regida por rituais e cerimônias aos deuses, ídolos e poderes ocultos. Este Homem cultua seu Sagrado, e desse CULTO forma-se uma CULTURA. Perceba que a própria palavra cultura provém da raiz de culto, isto é, a cultura de um povo se estabelece através do seu culto ao sagrado. O Sagrado, por sua vez, pode ser entendido como o objeto (material ou imaterial) para o qual se oferece sacrifícios. Essa é a essência humana, ainda que os nomes dos deuses e ídolos mudem na história, a essência da busca por algo superior permanece. Enfim, esta humanidade inicial elaborou livros e pensamentos sobre a sua cultura, seu mundo, seus deuses, suas leis e os colocou na posição de sagrados, com o objetivo de estabelecer uma identidade e propagar ou cultivar1 seus ideais. Estes conhecimentos foram colocados sob a tutela de sacerdotes — mediadores entre o homem comum e a visão divina e sagrada. Esta visão pode ser testificada nas culturas antigas como Suméria, Babilônia, Egito, Israel, as quais, em torno de seus rituais e panteões, produziram literatura, conhecimento e fundaram bibliotecas, a base da Universidade (como atualmente é chamada). A compilação do Tanach judaico (Séc. VI a.C.) e a descoberta mais recente no séc. XIX da biblioteca de Assurbanipal na Mesopotâmia (Séc. VII a.C.), contendo a Epopéia de Gilgamesh2 1

Outra palavra proveniente da raiz culto.

2

É um ciclo de poemas épicos com versões sumárias, babilônicas e assírias sobre Gilgamesh, o quinto monarca da

primeira dinastia suméria pós-diluviana em Uruk (Erech da Bíblia Gn 10.10), ele viveu por volta de 2.700 a.C. Transcorre sobre rituais, deuses, vida eterna... Um achado importante para a literatura mundial. Foi encontrado na região da Mesopotâmia (Nínive) no séc XIX. O inglês Austen Henry Layard, em 1839, escavou a região e achou uma biblioteca soterrada com uma literatura perdida em caracteres cuneiformes. Começou ali uma grande descoberta. Em 1853, Rassam, companheiro de Layard, escavou parte da biblioteca onde estavam as tábuas com o cotejo assírio da Epopeia de Gilgamesh. “Em dezembro de 1872, num encontro da recém-fundada Sociedade de Arqueologia Bíblica, George Smith anunciou: ‘Pouco tempo atrás, descobri entre as tábuas assírias no Museu Britânico um relato do dilúvio.’ Era a décima primeira tábua da recensão assíria da Epopeia de Gilgamesh. [...] Estamos falando da civilização suméria arcaica. Os sumários foram os primeiros habitantes da Mesopotâmia a conhecer a escrita, e é na língua deles que foram escritas as mais antigas tábuas de Nippur relacionadas a Gilgamesh. [...] Temos boas razões para crer que a maior parte dos poemas de Gilgamesh já haviam sido escritos nos primeiros séculos do segundo milênio a.C. e que provavelmente


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(2.700 a.C), são alguns dos exemplos da sacralização da produção do saber. Podemos, ainda, citar os ensinos das tribos indígenas ou povos isolados, cujo teor é extremamente sagrado, recheado de mitos, com a intenção de fortalecer a identidade do povo e firmar os interesses (crenças) desse grupo. Há, portanto, na disseminação do ensino, um sistema de interesse em propagar uma crença. Seria esta é a essência sagrada que vem caminhando na mente humana dentro de sua história “educacional”? A Grécia é outro modelo de produção científica e de pensamento, influenciadora do mundo ocidental. Do seu ventre nasce a Academia de Platão (Escola de Atenas 384-383 a. C.), localizada nos jardins de Academos3, consagrada ao culto às musas de Apolo, com o objetivo de construir uma República ideal (mundo ideal platônico). Intrinsicamente percebe-se a sacralização e o interesse em propagar uma crença que, no caso, é a República Ideal. Um pouco depois, no séc III a.C, no período helenístico

(falar

grego),

considerado

a

primeira

globalização,

onde

havia

o

interesse de globalizar a cultura grega, nasce a Biblioteca de Alexandria, no Egito, um dos maiores centros de saber da era clássica,

localizado

junto

ao

Museum – Templo das Musas.

3.2 O sagrado, crenças e o mundo ideal - flexíveis

Nota-se, basicamente, nesta relação do Homem e o Ensino: a existência de um sagrado e o interesse de um sistema de crença, ou seja, há a ideia de algo superior ou divino que revela o conhecimento e há um interesse vocacional em propagar este conhecimento sagrado (crenças, dogmas). Cabe, neste ponto, lembrar que a busca inicial do Ser Humano por um Sagrado ou Poder já existiam numa forma bastante semelhante muitos séculos antes disso, ao passo que o texto definitivo e a edição mais completa da epopeia vêm do século VII, da biblioteca de Assurbanipal, antiquário e último dos grandes reis do Império Assírio. (SANDARS, N. K. A epopéia de Gilgamesh. São Paulo: Martins Fontes, 1992) 3

De onde surge a palavra Academia.


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Superior, objetiva reestabelecer uma ordem ou reconstruir um estado de bem estar, como o Gêneses (Bereshit hb.) na Bíblia judaico-cristã, onde havia uma terra sem forma e vazia e a voz de Deus trouxe ordem e formou um Jardim — o Paraíso do Éden —, do qual o Homem foi expulso, entrando num caos e vivendo em busca do retorno ao Jardim. Sendo assim, o Sagrado está associado a reconstrução de um mundo ideal, de um Jardim. Pois bem, é perceptível que o sagrado e o interesse (crenças) são flexíveis, modificam-se em cada época ou localidade da história. O Império Babilônio tinha um sagrado e crenças específicos, assim como a Suméria, Egito, Israel ou a Grécia. A Academia de Platão tinha uma linguagem sobre o seu sagrado ou crenças diferentes do conhecimento Assírio de séculos anteriores, entretanto, a essência do sagrado e conjunto de crenças (interesse) no inconsciente coletivo humano é o mesmo. Ou seja, as formas e nomes mudam, mas um sagrado e interesses (crenças) continuam existindo. Mudando-se o sagrado e o interesse da crença, muda-se a linguagem e a abordagem. O imperador romano Justiniano, por exemplo, no séc. VI d.C. interrompe as atividades da Academia de Platão porque entendia se tratar de algo pagão, ou seja, o seu sagrado e crença (interesse) eram outros. Por este motivo, o imperador romano não permitia outro tipo de ensino no seu império, isto era considerado uma ameaça a integridade de seu sagrado e crenças (interesses).

Povos antigos - Rituais - Cerimónias sagradas -Cultos

Produção de conhecimento - científico - cultural

TRANSMISSÃO ORAL ESCRITOS BIBLIOTECAS

ENSINO SAGRADO - Crenças, dogmas, leis, interesses

RECONSTRUÇÃO DE UM MUNDO IDEAL

4. A Universidade – Universitas magistrorum et scholarium

FLEXÍVEIS -mudam-se nas épocas e locais


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O mundo ocidental, no I séc, entra na era cristã, fazendo com que o sagrado e os interesses (crenças, dogmas) comecem a mudar, ifluenciando a produção do saber. Séculos depois, o imperador Constantino, em 325 d.C, unifica o Império Romano e estabelece o Cristianismo como religião oficial do Império, sendo esse Cristianismo um sincretismo de crenças regionais como o Mitraísmo. Nasce a Igreja Cristã Romana, sob a autoridade e interesses do Império Romano, cujo nome recebe, pela boca de Inácio de Antioquia4, a referência de Católica (katholiks gr.), um termo que significa Universal - Todo. Neste contexto imperial, produziu-se muito conhecimento e saber, obviamente com o intuito de propagar e fortalecer a identidade e interesses (crenças) imperiais. No século VIII, Carlos Magno resolveu organizar o ensino por todo o seu império e fundar escolas ligadas às instituições católicas. A cultura greco-romana, guardada nos mosteiros até então, voltou a ser divulgada, passando a ter uma influência mais marcante nas reflexões da época. Era a renascença carolíngia [dinastia franca que sucedeu os merovígios].

O Império de Carlos Magno, também conhecido como o Império Carolíngio, , foi o momento de maior esplendor do Reino Franco (ocupava a região central da Europa). Este período ocorreu durante 768 – 814.

4.1 Renascimento da literatura e das artes liberais

O sistema educacional dos mosteiros começa a receber o nome de Universitas magistrorum et scholarium (comunidade de mestres e estudiosos). Desta expressão surge a palavra Universidade que hoje conhecemos. É possivel pensar que a Universidade (universitas), proveniente do termo Universal (totalidade), também se refira a Igreja Universal, citada por Inácio. Visto que a Igreja, sob as ordens do Império, era organizadora do ensino.

4

Carta de Inácio de Antioquia à Igreja de Esmirna, ao ser levado para o Martírio em Roma: “Onde comparecer o Bispo

aí está também a multidão. Da mesma forma que, onde estiver Cristo Jesus í está também a Igreja católica”


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Tendo a educação romana como modelo, começaram a serem ensinadas as seguintes matérias: gramática, retórica e dialética (o trivium) e geometria, aritmética, astronomia e música (o quadrivium). Todas elas estavam, no entanto, submetidas à teologia. Estas matérias, chamadas de artes liberais, era o préquesito para entrar nos cursos de Medicina, Direito e Teologia, considerados osmais elevados. A

fundação

dessas

escolas

e

das

primeiras

universidades do século XI5 fez surgir uma produção filosófico-teológica denominada escolástica (de escola). Escolástica (Séc. IXI – XVI) – Anselmo de Cantebury, Alberto Magno, Tomás de Aquino, Roger Bacon, Duns Scott, Guilherme de Occam > Apesar de suas divergências, os escolásticos eram religiosos que pretendiam explicar o cristianismo de maneira racional, a partir da filosofia de Aristóteles. Primeira fase - (do século IX ao fim do século XII): caracterizada pela confiança na perfeita harmonia entre fé e razão. Segunda fase - (do século XIII ao princípio do século XIV): caracterizada pela elaboração de grandes sistemas filosóficos, merecendo destaques nas obras de Tomás de Aquino. Nesta fase, considera-se que a harmonização entre fé e razão pode ser parcialmente obtida. Terceira fase - (do século XIV até o século XVI): decadência da escolástica, caracterizada pela afirmação das diferenças fundamentais entre fé e razão. O mundo inicia um pensamento materialista.

4.2 Mudanças de Sagrado e crenças

No séc XVI aumenta a produção do saber fora das portas da Igreja, como o Iluminismo e o avanço da ciência, favorecendo uma nova forma de pensar o Mundo para além do sagrado e interesses (crenças) da Igreja Imperial. Além disso, acontece a Reforma, cujo auge se estabelece na coragem do professor Martinho Lutero, da Universidade de Wittenberg, Alemanha. Ele propõe uma 5

Uma das mais antigas é a Universidade de Bolonha, Itália, 1088.


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disputa acadêmica, em 1517, colocando suas 95 teses na porta da Igreja de Wittemberg. Teses estas que tratavam do poder e eficácia das indulgências, pondo em prova a autoridade do Papa e da Igreja. A produção do conhecimento da Universidade trilha outros rumos. A sociedade adentra a Idade moderna, a Igreja perde força, o Império muda sua face e outras formas de visão nascem. O Sagrado e os interesses (crenças), como anteriormente dito, trocam de roupa, mas a essência permanece. O inconsciente coletivo percorre na história na mente humana. Há a necessidade de nossas profissões. Lembrando que profissão vem de professar, ou seja, relaciona-se com crença e fé. O mundo pede novas formas de crenças (interesses), pois há um novo sagrado, o Capital. O Capitalismo passa a constituir um novo Sagrado e a determinar as novas crenças e interesses. A Universidade, assim, tem o seu ensino moldado a este novo período, entretanto, permanece com o princípio de ser detentora do Ensino Sagrado-Superior. Ela continua sendo o meio para o paraíso e reconstrução do Mundo Ideal, porém, sob nova direção.

IMPÉRIO ROMANO (Séc IV) Constantino -Igreja Católica (UNIVERSAL)

IMPÉRIO CAROLÍNGIO (Séc VIII) Carlos Magno -Renascimento da literatura e das artes liberais

ERA CRISTÃ (Séc I) -Produção do saber

UNIVERSIDADES (Séc XI) - Universitas magistrorum et escholarium -Renascimento da literatura e das artes liberais ESCOLÁSTICA (Séc. XI – XIV) -Produção do pensamento crítico Filosófico-teológico

CRISE (Séc. XVI) - Reforma - Mudanças na forma de pensar o mundo - A Igreja perde força

ERA CAPITALISTA (atual) - Novo Sagrado - Novas crenças -Novos ensinos -Pensamento materialista


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5. Evidências do Inconsciente Coletivo Social

Na teoria psicanalítica, o inconsciente, por vezes, manifesta-se no consciente. É possível detectá-lo nos comportamentos, atos falhos, palavras, ... Aquilo que se constituiu na história mental ou psíquica vem à luz nas heranças comportamentais. A relação Universidade-Comunidade carrega essas heranças. Percebe-se, já pelo nome, que o ensino Superior tem algo de celestial. — Celestial, ensino sagrado, paraíso - Quem entra na Universidade tem a ideia interior de entrar num céu, uma conquista de um lugar social melhor. O pai se orgulha ao entregar o filho ao sacerdote da instituição sagrada, como ocorria nos tempos primórdios. Há um endeusamento universitário, e o endeusamento torna a Universidade distante do Homem comum “pecador”. O curriculum tem valor elevado com o curso superior. O diploma da direito a cela especial, ou seja, afasta do total inferno. No início do séc XIV (idade média) Dante Aleghieri, na Divina Comédia, retrata, segundo a crença grega-cristã, o Inferno, Purgatório e o Paraíso. Esta obra literária reforçou o inconsciente coletivo social sobre a Instituição eclesiástica, a qual também está interligada com a Universidade, como vimos. Sobre o Paraíso, Dante imaginou nove esferas, sendo que na Primeira Esfera estão aqueles que quebraram os votos sagrados, na Oitava estão os fiéis ao Sistema Divino e na Nona esfera está Deus. Em outras palavras, podemos compreender que quem entrou na Universidade, mas quebrou o voto — trancou ou desistiu —, está no paraíso, ainda que no lugar mais distante de Deus, por outro lado, os que permaneceram fiéis aproximam-se mais de Deus. — Sensação de inferno social – Ao oposto do Paraíso, há um Inferno. Seguindo a linha de pensamento de Dante, na sua obra, o inferno se divide em vários patamares ou círculos, e nesses patamares se encontram pessoas que cometeram os 7 pecados capitais, assim catalogados pela


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"Igreja"

Universal

Católica.

Cada

patamar

corresponde a um nível de pecado cometido, e curiosamente, o último patamar, onde se encontra a figura do Diabo ou Lúcifer, sendo a pior parte do inferno, estão aqueles que desobedeceram aos "superiores", os considerados traidores, rebeldes e revoltosos. Esse Nono e último Círculo , segundo Dante, é o lago Cocite, que está congelado, o lago das lamentações que fica no centro da Terra e é formado pelas lágrimas dos condenados e pelos rios do inferno que nele deságuam seu sangue. No Cocite estão imersos os traidores, representados por Lúcifer, o traidor de Deus, que aqui reside. Neste inconsciente coletivo, ouviremos um operário que exerce um trabalho braçal e que se considera num inferno social, ou seja, num baixo nível social, declarar, talvez em tom de brincadeira: “não ouvi minha mãe, não estudei... não fiz uma faculdade.. nisso que deu!”. Nestas declarações está refletido o lugar das lamentações retratado por Dante, além da sensação de estar congelado socialmente. Quanto mais distante e contrário a Universidade (seu sagrado e interesses – crenças e dogmas regidos pela autoridade do Capitalismo) mais perto de Lúcifer e seus tormentos. — Indulgência - Para desfrutar do paraíso é preciso pagar indulgência. Quanto mais se paga, mais perto se está do Céu. Não seria este um reflexo nos cursos de Medicina e Direito? Os cursos superiores da Idade Média? Hoje é fácil conhecer pessoas que iniciaram cursos como o de Direito, mas sem dinheiro tiveram que optar por cursos reconhecidos como inferiores. — Controle do ensino – A chamada Idade das Trevas, ao contrário do que pensam alguns, foi uma época de muita produção de pensamento e conhecimento por parte da Igreja. Ela proibiu o pensar, queimou livros e pessoas em fogueiras que ousaram pensar? Sim. No entanto, o pensamento proibido, o qual também fez surgir bibliotecas proibidas, não acessíveis a todos, foi a produção científica fora dos dogmas eclesiásticos. A Universidade medieval, por exemplo, ensinava Medicina, porém, a Medicina ensinada fora de suas portas era considerada heresia. Os curandeiros que conheciam a medicina das ervas eram bruxos para a Instituição. Da mesma forma outros saberes eram heresias. Nos tempos atuais,


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parece que tal forma de pensar, ou seja, o comportamento inconsciente ainda percorre nos âmbitos sociais que correspondem a Universidade. Para a maioria das pessoas, um remédio produzido por um farmacêutico formado numa Universidade tem mais confiabilidade que um remédio criado por um “não formado”. O conhecimento empírico, não universitário, não é muito confiável para muitos, pelo menos nos grandes centros sociais ocidentais. Os povos primitivos conservam outro Sagrado, o qual não é o Capitalismo do lucro e, talvez, por isso, ainda preservam os meios de conhecimento empíricos e geracionais. Portanto, há conhecimentos e saberes que a Universidade atual mantém não acessível a todos para preservar a ideologia (crenças) do Sagrado. Quando falo Universidade, falo de um Sistema Educacional que contêm uma ideologia, não falo de um grupo de pessoas. — Trote – O ritual de passagem que acontece na entrada da Universidade é outra herança Medieval. Segundo historiadores, os calouros não podiam participar do mesmo espaço que os veteranos, assistiam às aulas dos vestíbulos. Sua admissão era marcada por um trote, em que suas roupas eram rasgadas e os cabelos raspados, por uma questão de hiegienização e como um estigma de novato. Em todo caso, era uma purificação para a entrada num lugar sagrado. Além disso, a palavra “trote” vem do “trote” do cavalo. É a domesticação do animal selvagem. Figurando que, fora da Universidade, o Homem está numa condição primitiva — selvagem — e precisa ser domesticado pelo ensino sagrado-superior. Necessita de um andar (trote) elegante. — Reitor – Palavra latina “rector” que significa “governador, guia”. Usado inicialmente para os líderes das províncias do Império Romano e para Deus. Mais tarde passou a ser usado para religiosos e dirigentes da Universidade. Esta revela uma Universidade nos moldes sagrados, cuja autoridade recebe o título de Reitor, um termo para homens consagrados ou deuses.

6. Consideração final – O inconsciente coletivo social

A presente proposta não consiste em oferecer uma visão absoluta, e sim uma reflexão sobre o caminho histórico que formou o inconsciente coletivo social sobre a Universidade. Por esta visão, a relação Universidade-Comunidade é uma relação dentro de um modelo Sagrado. No momento atual, o Sagrado que rege o ensino superior é a Instituição do Capitalismo. Isto não é ruim ou bom, apenas é assim na contemporaneidade. No entanto, proponho a seguinte reflexão final: “Este é um modelo infalível e absoluto? Quem não participa do Ensino Superior está condenado ao Nível inferior social? O diploma é o passaporte para a realização pessoal e profissional? Ele abre portas para o Paraíso? Que Paraíso – Mundo Ideal é esse?”


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PARAÍSO Pessoas que passaram pelo Ensino Sagrado-Superior

REITOR - DEUS CURSOS MAIS PRÓXIMOS DE DEUS O SAGRADO (atualmente – Capitalismo) -sistema de crenças e dogmas (crescer, empreender, acumular bens...) -autoridade sobre a Universidade

-são

os

mais

caros,

exigem

mais

indulgências UNIVERSIDADE -caminho, verdade e a vida que leva ao Céu

CURSOS MAIS DISTANTES DE DEUS -são os mais baratos, exigem menos indulgências INFERNO -Pessoas que estão fora do Ensino Sagrado-Superior

INCONSCIENTE COLETIVO SOCIAL


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Poema:

para a política da Companhia e do seu giro.

MENTE HUMANA – Produto que dá lucro!

Bem diz um texto da Bíblia sobre um Sistema que vidas comercializa, o qual desde a antiguidade busca sobreviver de forma lucrativa: BABILÔNIA, a Prostituta que engana e cujo maior lucro provém do Produto da Mente Humana!

Universidade? Seria um ambiente onde se ensina a DIVERSIDADE no Universo existente? Talvez fosse esta a intenção pela qual chamou-se UNIVERSIDADE. Universitas: muitas partes que se unem numa totalidade. Porém, houve uma modificação e, quem sabe, pela mudança de interesses, o que era para ser DIVERSO tornou-se a declamação de um ÚNIco Verso. A preparação para a Vida funde-se com a formatação e o encaixe na fôrma segundo o padrão como que moldando, rotulando um produto e visando o lucro para o Mercado de Trabalho, afinal de contas, é a lei da oferta e da procura que rege as contas! E o que precisa estar na prateleira de um Mercado? Não seria um produto bem rotulado? Infelizmente, mas talvez não por culpa da Universidade e sua gente, e sim de todo um Sistema envolvente. Estando abaixo desse Sistema, ela tornou-se em uma grande fábrica, em um bom negócio lucrativo, com a função de fabricar o Produto para a prateleira do Mercado do Lucro. Hoje, a matéria-prima essencial não é mais a mineral, é o Conhecimento. Por isso, o pensamento torna-se o alvo dos mercadores. Mercadores do conhecimento? Isso! Não de qualquer conhecimento, e sim daquele que não oferece risco

Isso é um tipo de Teologia. O próprio Homem que a si mesmo se desvaloriza entregando-se sem amor em prol do que acredita ser de valor, mas sem compromisso se prejudica e, por um momento, o prazer sacia, como uma prostituta que do desejo do outro se utiliza para fazer-se mais rica! E como antes eu dizia, segundo a minha perspectiva, Babilônia é um tipo de Teologia. Trata-se do Homem que come o Homem para lhe sugar a vida logo após ser vendido, pois todo Produto tem o seu tempo de utilidade, de validade. Quando para o consumo é produzido, todo Produto carrega em si a etiqueta do prazo de validade e, no tempo vencido, deixa de ser lucrativo. Para não ser descartado, necessário se faz adentrar às portas do Doutorado, pedir a benção do papado e constantemente ser atualizado, santificado. Carlos Coléct


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