Por Carlos Coléct -Cept | SOBRE ORAÇÃO (Mateus 6.5-8)
Lembro-me de muitos momentos em que vivenciei e vivencio dentro das igrejas. Não generalizo, mas presenciei muitas situações em que a oração parecia ser uma competição de quem falava mais com Deus (sagrado), como se fosse um aval para uma grande espiritualidade e intimidade. Quanto mais assuntos e palavras em muitas horas, mais espiritualidade se tinha. Acredito que ainda há muitos grupos que pensam assim. Participei de grupos de orações em que o silêncio era quase proibido, e se alguém ficasse em silêncio era considerada uma pessoa de pouca oração ou que estava precisando de oração, pois estava com problema e não conseguia orar. Mas como pensar o texto (da fala do Cristo) que diz: “E, quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. 6 Tu, porém, quando orares, ENTRA NO TEU QUARTO e, FECHADA A PORTA, orarás a teu Pai (consciência maior), QUE ESTÁ NO SECRETO; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
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E,
orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque PRESUMEM QUE PELO MUITO FALAR SERÃO OUVIDOS. 8 Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais” (Mt 6.5-8). Este texto assemelha-se com a fala de Davi “Ainda a palavra me não chegou à língua, e tu, SENHOR, já a conheces toda (sl 139.4). É interessante fazer algumas considerações sobre as palavras “vãs repetições”, “hipócritas” e “secreto”: - “Vãs repetições” vem do grego “battologe” (battus + logos), segundo o dicionário Strong, alguns consideram a palavra derivada de Battus, um rei de Cirene, que tinha gagueira; outros, de Battus, um autor de poemas tediosos e prolixos; e a palavra “logos” pode significar “palavra verbalizada”. Portanto, “vãs repetições” pode ser “verbalizar palavras sem propósito, tediosas”. – “Hipócritas” é transliterada do grego “hupokrites”, um ator, intérprete. – “Secreto”, do grego “kruptos”, pode ser comparada a “cripta, catacumba”, ou seja, um local de silêncio, com ausência de palavra e som. Desta forma, estaria o rabino Yeshua nos convidando a entrar no quarto — nosso interior —, fechar a porta e orar ao Pai — que está dentro do quarto — como se estivéssemos mortos em uma catacumba, sem fala, imóvel, em um sono profundo? E nesta reclusão, em que não há muito falar, ouviremos algo? Em um mundo ensurdecedor, de histeria coletiva, onde poucos conseguem ficar a sós consigo mesmos, isto acaba sendo inconcebível, “coisa impossível e de outro mundo” — infelizmente. Poucos conseguem romper essa barreira do som e os que rompem se tornam como uma Madre Tereza, um Gandhi, um Buda, um Yeshua, entre outros (não no sentido ascético de renúncia, mas no aspecto de percepção de si mesmos e do mundo a sua volta; no sentido de conseguirem se FECHAR para os sons externos). Pessoas que encontraram vida na catacumba; pessoas que conseguiram ouvir uma voz no silêncio da cripta; pessoas que usufruíram da intimidade que dispensa o uso das palavras.