TORÁ E A LEGISLAÇÃO JUDAICA

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_______________________________________________________________________Por Carlos Coléct

Torá e a legislação judaica


2 1. Torá e a legislação judaica _____________________________________________________________________________________ Iremos agora entrar um pouco na história da legislação judaica e suas modificações. Neste texto faremos uma comparação entre a Torá - a qual nós já vimos que corresponde a instrução do Senhor - e a legislação judaica adquirida durante gerações . Esta comparação pode nos ajudar muito a tirarmos alguns sofismas e medo daquilo que as nossas traduções chamam de Lei, e até mesmo acabar com algumas confusões que hoje são geradas a respeito dos escritos de Paulo. Sabemos então que a Torá foi revelada a Moisés no monte Sinai como descrito em Ex 34.29 Êx 34:29

Quando desceu Moisés do monte Sinai, tendo nas mãos as duas tábuas do Testemunho, sim, quando desceu do monte, não sabia Moisés que a pele do seu rosto resplandecia, depois de haver Elohim falado com ele.

E outra coisa que precisamos ter em mente é que não há na Torá detalhes de algumas instruções dadas pelo Senhor, por exemplo, o Senhor nos fala para santificarmos o sábado, mas como fazer isto? Então era natural surgirem dúvidas no meio do povo. “Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. 9 Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. 10 Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR, teu Elohim; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro; 11 porque, em seis dias, fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansoud; por isso, o SENHOR abençoou o dia de sábado e o santificou.e” (Ex 20.8-11) No texto acima nos mostra que não deve haver trabalho, mas não fala como celebrar o sábado, e não especifica algumas situações que poderiam ser normais e cotidianas, tais como um exemplo que ouvi, o qual diz respeito a circuncisão ao oitavo dia , mas se esse oitavo dia cai em um sábado, o que deve ser feito? Outro exemplo, se o dia da festa do Sucot, cai em um sábado, pode –se armar as tendas? Então, estas eram algumas das questões que poderiam surgir no meio do povo. 1.1 Beit Din – casa de julgamentos _____________________________________________________________________________________ Então, para solucionar algumas estas questões e auxiliar no trabalho de Moisés, D’us mandou ajuntar setenta homens anciões de Israel. Núm 11:16

Disse o Senhor a Moisés: Ajunta-me setenta homens dos anciãos de Israel, que sabes serem anciãos e superintendentes do povo; e os trarás perante a tenda da congregação, para que assistam ali contigo.

Esses homens ensinavam o povo a como andar de acordo com os preceitos da Tora e seus princípios.Pois como uma constituição necessita de orientações assim também a Torá. Havia também questões de julgamento entre o povo, e esse concilio de anciãos julgava causas do povo segundo a Torá. Este tribunal recebe o nome de Beit Din ou casa de julgamento.Segue uma referência a estes tribunais. Ex 18.21-23 - Procura dentre o povo homens capazes, tementes a Elohim, homens de verdade, que aborreçam a avareza; põe-nos sobre eles por chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinqüenta e chefes de dez; 22 para que julguem este povo em todo tempo. Toda causa grave trarão a ti, mas toda causa pequena d e

20.11 Gn 2.1-3 20.8-11 Êx 16.23-30; 23.12; 31.12-17; 34.21; 35.2-3; Lv 23.3


3 eles mesmos julgarão; será assim mais fácil para ti, e eles levarão a carga contigo. 23 Se isto fizeres, e assim Elohim to mandar, poderás, então, suportar; e assim também todo este povo tornará em paz ao seu lugar. Deut 16:18

Juízes e oficiais constituirás em todas as tuas cidades que o Senhor, teu Elohim, te der entre as tuas tribos, para que julguem o povo com reto juízo.

Deut 17:8

Quando alguma coisa te for difícil demais em juízo, entre caso e caso de homicídio, e de demanda e demanda, e de violência e violência, e outras questões de litígio, então, te levantarás e subirás ao lugar que o Senhor, teu Elohim, escolher.

Aqui podemos perceber um conceito de hierarquia, não no sentido de pessoas autoritárias, mas sim no entendimento de que há alguém que tem mais conhecimento e entendimento, e assim pode me aconselhar e me instruir, mas compreendendo que essa pessoa não é infalível e passiva de erros. E outro ponto é que a hierarquia não é no sentido de domínio sobre o outro. E lembremos que naquela época não haviam cópias da Torá em cada casa, por isso havia mais a necessidade de se buscar instrução com outros homens assim estabelecidos pelo Eterno, de modo que não se podia haver interpretações isoladas da Torá. Também podemos ver que parece haver divisões da Beit Din, como que regionais, e uma Beit Din Central, para as causas mais difíceis, um lugar determinado pelo Eterno. Entendo que hoje, pelo fato de se haver cópias da Torá, e as pessoas terem acesso a Ela, creio que não exclui o princípio de instrução e de haver homens estabelecidos pelo Eterno para guiarem no estudo da Torá.Eu posso ter a Torá em casa, ler, estudar, vivê-la, mas em casos de dúvidas há sempre alguém estabelecido pelo Eterno para que possa me ajudar e me instruir. E prestemos atenção que o Eterno diz que esta halachá , esta instrução sai do lugar que Ele escolher, a qual é Jerusalém, portanto , esta pessoa estabelecida pelo Eterno para fazer halachá, é alguém que está em Jerusalém e não fora de Jerusalém, é de Israel e não de fora de Israel. Deut 17:10

TORÁ Instruções

E farás segundo o mandado da palavra que te anunciarem do lugar que o Senhor escolher (Jerusalém); e terás cuidado de fazer consoante tudo o que te ensinarem.

Questionamentos dúvidas

Casa de julgamento tribunais

1.2 Halachá _____________________________________________________________________________________ Surge então a “halachá” termo hebraico que significa “caminhada”, ou seja, como caminhar dentro dos preceitos e mandamentos do Senhor revelados na Tora. Alguns estudiosos entendem que a Halachá é mutável, flexível, e não tem peso de Lei, ela se adéqua ao tempo, ao contexto histórico. A halachá está ligada a interpretação do povo, por isso alguns dizem que algumas observações da Torá podem ser mudadas do tempo de Moisés para os nossos dias.Os sábios sabiam que a violação da Halachá não tinha o mesmo peso de pecado quanto a violação da Tora em si. Podemos associar a questão da Halachá ou “caminhada” com a passagem de Ex 18.14-26, mais especificamente o versículo 20 que nos fala assim: Êx 18:20

ensina-lhes os estatutos e as leis e faze-lhes saber o caminho em que devem andar e a obra que devem fazer.

Vemos que o conselho dos sábios faziam saber o povo o caminho em que deviam andar, ou seja, a “halachá”. Portanto a Halachá veio da Beit Din, supervisionada por Moisés, e esta autoridade passa também para o Rei que se assentaria sobre a nação. Deut 17:18

Também, quando se assentar no trono do seu reino, escreverá para si um traslado desta lei num


4 livro, do que está diante dos levitas sacerdotes.

Então o sentido de assentar em um trono e julgar, não é de simplesmente julgar uma causa e estabelecer uma sentença, mas também inclui a instrução na Torah e instruir no caminho, em outras palavras fazer Halachá..Vejamos Salomão pedindo ao Senhor um coração obediente aos mandamentos do Senhor para legislar sobre o Povo e cumprindo esta palavra de Dt 17.18. Dá, pois, ao teu servo coração compreensivo para julgar a teu povo, para que prudentemente discirna entre o bem e o mal; pois quem poderia julgar a este grande povo? ( 1Rs 3:9) Salomão(Shlomo) pede um coração obediente.Um coração compreensivo para julgar.No hebraico é “ Lev shomea lisheppot ‫לב שמע לשפט‬

” , o que seria “coração ou mente que ouve e obedece para

legislar”. Salomão(shlomo) sabia o que o Senhor disse em Dt 17.18: “Também, quando se assentar no trono do seu reino, escreverá para si um traslado desta lei(Torah) num livro, do que está diante dos levitas sacerdotes“. O legislar está ligado ao ensino da Torah promovendo um juízo, assim como Moisés(moshe) fez legislando ensinando a Torah ao Povo(Ex 18.15,16) ,porque a Torah é a constituição, é a legislação, então Moisés legislou ensinando a Torah na Beit Din(casa de julgamento) juntamente com os anciãos, e isto também foi passado como dever para o Rei que fosse levantado. Ex 18.15,16 - Respondeu Moisés a seu sogro: ...É porque o povo me vem a mim para consultar ao Eterno; 16 quando tem alguma questão, vem a mim, para que eu JULGUE entre um e outro e lhes declare os estatutos do Eterno e as suas leis(Torah). Yeshua diz: João 12:48 - Quem me rejeita e não recebe as minhas palavras tem quem o JULGUE; a própria palavra que tenho proferido, essa o julgará no último dia .

Aqui Yeshua não sai do padrão do julgamento.Por que? Ele declara que aquele que rejeita a Ele e a sua palavra será julgado pela própria palavra que foi rejeitada.E qual é a Palavra proferida por Yeshua? A Torah, a Instrução do Eterno, a qual é Ele mesmo, e esta promoverá o ensino a legislação e a separação (juízo) no último dia. Ap 19.13;15- Está vestido com um manto tinto de sangue, e o seu nome se chama a Palavra(Torah) do Eterno; 15 Sai da sua boca uma espada afiada, para com ela ferir as nações; e ele mesmo as regerá com cetro de ferro e, pessoalmente, pisa o lagar do vinhoi do furor da ira do Eterno Todo-Poderoso.

E assim então Tiago declara pelo Espírito a respeito daqueles que hão de serem ensinados e separados pela Torah da Liberdade: Tiago 2:12 - Falai de tal maneira e de tal maneira procedei como aqueles que hão de ser julgados(ensinados e separados) pela Torah(lei/instrução) da LIBERDADE.

Bom, voltando ao legislar transmito ao rei, Salomão pediu um coração para ouvir e obedecer a Torah(lei) do Senhor e assim legislar, ou seja, ensinar a Torah ao Povo. E o Senhor então diz a Salomão: “Se andares nos meus caminhos e guardares os meus estatutos e os meus mandamentos, como andou Davi, teu pai, prolongarei os teus dias”(1 Rs 3.14 ).Isto é, enquanto Salomão permanecer com o coração obediente aos mandamentos , à Torah do Senhor, ele estaria capacitado a legislar sobre o Povo, caso contrário, aconteceu o que aconteceu, Salomão andou após os ídolos de suas mulheres,o Povo se desviou após falsos ídolos e Israel foi dividido.Mas no final da vida reconheceu que: De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Elohim e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem (Ec 12.13)


5 E este coração obediente aos mandamentos do Senhor está ligado ao coração sábio , pois como sabemos sabedoria é “ chochmá”, que é habilidade para fazer, para praticar, é o saber viver, é algo relacionado a prática, é o conhecimento que se pratica, diferente da sabedoria da filosofia grega , que está relacionada a apenas ao conhecimento no plano das idéia sem necessariamente haver a pratica.Nisto Salomão alcançaria a sabedoria, vivendo e praticando os mandamentos do Senhor. E após Salomão ter tido este sonho, onde ocorre esta conversa com o Eterno, ele se depara com a situação das duas prostitutas e o filho, então, ele julga com equidade a causa de acordo com a Lei do Senhor . 1Reis 3:16

Então, vieram duas prostitutas ao rei e se puseram perante ele.

Há uma expressão idiomática semita, referente a Beit Din e esta autoridade sobre esta Casa de julgamentos, a qual é “ligar e desligar/ abrir e fechar”. Notemos em Is 22.22, quando fala daquele que se assenta sobre o trono de Davi, e tem a Chave de Davi para abrir e fechar.Sabemos que este é Yeshua. Is 22:22

Porei sobre o seu ombro a chave da casa de Davi; ele abrirá, e ninguém fechará, fechará, e ninguém abrirá

Yeshua tem a autoridade da Beit Din, para fazer e instruir o povo dentro de uma halachá perfeita. Até vemos ele fazendo isto em Mt 5, quando ele da a interpretação da Lei e sua halachá. Mat 5:27 Mat 5:28

Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela.

Também, temos esta expressão, na conversa de Yeshua com Kefas(Pedro). Mat 16:19

Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus.

Aqui, se relacionarmos a Congregação do Senhor, podemos ter a idéia, de que a Igreja, tem autoridade para estabelecer a halachá do Senhor na Terra, em outras palavras, a Igreja tem a autoridade para estabelecer como se deve viver de acordo com a Torah aqui na Terra. Para concluir, a Halachá constitui na interpretação da Torah, a qual é transmitida pelo povo através da Beit Din. Esta Halachá pode ser de caráter obrigatório quando está ligado aos estatutos e ordenanças, ou pode ser de caráter não obrigatório, quando se trata de uma situação adversa, e não se inclui na Lei em si, mas é um questionamento a respeito de uma situação específica adversa. Por exemplo: o Mandamento é ir pra São Paulo, mas a ponte da Br 116 quebrou, como eu faço agora para cumprir o mandamento, então me é dado uma halachá a respeito desta situação, não é caráter obrigatório, mas se eu aceitar me será para o bem e valerá para outra pessoa somente se ela viver a mesma situação. Vemos nas escrituras que Paulo (Shaul) como um RABINO, fazia tratados rabínicos(halachá/ gezeirá), porém esses tratados são relacionados ao contexto ao qual se encontra e não deve ter o mesmo peso Da Lei.vejamos o que Paulo fala. 1Cor 7:12

Aos mais digo eu, não o Senhor: se algum irmão tem mulher incrédula, e esta consente em morar com ele, não a abandone;

Neste exemplo vemos Paulo falando que é ele quem dá o mandamento(halachá/gezeirá) e não o Senhor, ele deixa bem claro isto, para que não haja confusão e tomem como sendo Lei.Ele dá este tratado devido ao contexto de Corinto. Temos outro exemplo, mas agora de caráter obrigatória, pois a halachá esta dentro de um contexto de ordenança do Senhor. Vejamos o que Paulo fala a Congregação de Corinto:


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1Cor 14:37

Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser ordenança do Senhor o que vos escrevo.

Neste episódio, Paulo está lidando com a questão da oeração dos dons de profecia no meio do ajuntamento do povo, e ele dá instruções como proceder de acordo com esta questão. Esta instrução é uma ordenança, e também é um modo como eles deveriam caminhar nestas situações, portanto, é uma halachá também. Mas ele diz que é ordenança do Senhor. Mas ordenança a respeito de qual mandamento? Penso eu que ele estava se referindo ao Mandamento de “amor ao próximo”, pois no capítulo anterior, Paulo está falando sobre o Amor e como o Amor deve operar os dons. Modelo Original da organização jurídica A seguir quero colocar um gráfico elaborado por Sha’ul Bentsion do ministério Torah Viva. Este gráfico mostra como era a organização jurídica no modelo original, digamos assim, nos tempos de Moisés veremos mais a frente que se modificou muito este modelo nos nossos dias.

1.3 O modelo jurídico se modifica após exílio _____________________________________________________________________________________ Este modelo que vimos acima começa a ser modificado com o exílio* babilônico no séc VI a.C, mais precisamente entre 597 e 587 a. C . Mas por que modificado? Bem, a vida religiosa de Israel girava em torno do tabernáculo de Moisés e posteriormente do Templo em Jerusalém, e neste exílio o Templo foi destruído por Nabucodonosor como descrito em 2 Rs 25.8,9. No sétimo dia do quinto mês, do ano décimonono de Nabucodonosor, rei da Babilônia, Nebuzaradã, chefe da guarda e servidor do rei da Babilônia, veio a Jerusalém. 9 E queimou a Casa do SENHOR e a casa do rei, como também todas as casas de Jerusalém; também entregou às chamas todos os edifícios importantes. “ (2Rs 25.8,9)

1.4 Surgimento das Beit Hakenesset – Sinagogas _____________________________________________________________________________________ Com a destruição do Templo e a habitação fora da terra de Israel houve a necessidade de preservação e redefinição do “centro religioso”, já que não havia mais o Templo e nem a Terra. Começaram então haver reuniões nos dias de shabat para orações, discussões sobre a comunidade e como conseqüência surgiram as sinagogas ou a Beit Haknesset - expressão que em hebraico significa literalmente “casa de assembléia” - como centros para se prestarem os serviços religiosos e juntamente com as sinagogas surgem também a figura do Rabino, isto é, mestres no que diz respeito a Torá , mas também o que diz respeito aos costumes do povo, e com esta situação , a lei começa a fundir-se com os costumes. Antes com o Templo havia a figura do Levita para a instruir o povo, mas com o exílio , onde não há templo, surge, então, a figura do Rabino. No período pós exílio, surge então a Grande Assembléia, com um conselho de 120 homens convocados por Esdras e os escribas, para tratarem dos problemas dos judeus que retornavam da Babilônia. Esta Grande assembléia desapereceu no incio do séc II a.C.Ela é responsável por grande parte dos rituais e liturgia judaica, bem como as leis orais que tiverem seu auge no I séc d.C e se extende ao período talmúdico (séc IV / V).


7 1.5 Leis orais _____________________________________________________________________________________ E na volta do exílio, os tribunais ( beit din) passaram a ter autoridade para fazerem acréscimos a Torá, devido aos costumes que foram passadas de geração a geração e as pessoas iam consultar os tribunais para saberem o que podia e o que não podia e acabou –se desta forma gerando assim as chamadas Leis Orais.Mas o Senhor nos diz em Dt 12.32 para não acrescentar e nem diminuir nada ao que Ele ordenou. Deut 4:2

Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do Senhor, vosso Elohim, que eu vos mando.

Deut 12:32

Tudo o que eu te ordeno observarás; nada lhe acrescentarás, nem diminuirás.

1.6 Syag L’Torá – As leis de cerca _____________________________________________________________________________________ As leis de cerca33 foram outra conseqüência da ação dos tribunais e da super valorização da Torá pelo medo de se voltar ao exílio, já que havia o entendimento de que o povo foi levado cativo devido a desobediência ao Senhor. 34

O Pirkei Avot nos fala que "Os Homens da Grande Assembléia disseram três coisas `Seja deliberado em seu julgamento, forme muitos talmidim (discípulos), e faça uma cerca para a Torá."

Esta cerca era dada além da lei da torá para proteger a torá em si. Um exemplo de nosso dia a dia é que a lei de Trânsito proíbe velocidade acima de 40 Km/h em determinadas vias, uma cerca nesta lei seria alguém me falar que é proibido ultrapassar 30 Km/h pelo medo de que eu ultrapasse os 40 Km/h essa pessoa me transmite a lei como se fosse 30 Km/h. Esta cerca me dá uma margem de segurança. Só que o problema está quando esta cerca acaba tendo o mesmo peso como se fosse a própria lei, e isto é o que passou a acontecer com a “syag l’torá”. Outro exemplo de cerca é que, para que uma pessoa não cometesse adultério, os sábios fizeram uma cerca, dizendo que um homem não deveria ficar sozinho com uma mulher que não fosse sua esposa, para que não caísse na tentação do adultério, isto aparentemente é bom, mas não pode oprimir ou se tornar um fardo pesado como sendo a Lei. Vejamos a maneira que Neemias reage em Ne 13, ele se preocupa em reestabelecer a Lei. Citarei somente dos versos 15 ao 19. “Naqueles dias, vi em Judá os que pisavam lagares ao sábado e traziam trigo que carregavam sobre jumentos; como também vinho, uvas e figos e toda sorte de cargas, que traziam a Jerusalém no dia de sábado; e protestei contra eles por venderem mantimentos neste dia. 16 Também habitavam em Jerusalém tírios que traziam peixes e toda sorte de mercadorias, que no sábado vendiam aos filhos de Judá e em Jerusalém. 17 Contendi com os nobres de Judá e lhes disse: Que mal é este que fazeis, profanando o dia de sábado? 18 Acaso, não fizeram vossos pais assim, e não trouxe o nosso Elohim todo este mal sobre nós e sobre esta cidade? E vós ainda trazeis ira maior sobre Israel, profanando o sábado. 19 Dando já sombra as portas de Jerusalém antes do sábado, ordenei que se fechassem; e determinei que não se abrissem, senão após o sábado; às portas coloquei alguns dos meus moços, para que nenhuma carga entrasse no dia de sábado”.(Ne 13.15-19) 33

um exemplo de cerca é quando D’us disse para Adão não comer do fruto da arvore do conhecimento do bem e do mal(Gn2.17), mas ele passou para Eva de forma oral a orientação para que ela nem ao menos tocasse no fruto(Gn 3.3).Porém o mandamento de D’us era apenas o não comer.Há cercas boas, mas como já vimos o problema é quando a cerca se torna como tendo o mesmo peso do mandamento do Eterno 1Sociedade Bíblica do Brasil: Almeida Revista E Atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil, 1993; 2005, S. Ne 13:25 34 livro de ética dos pais


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Observemos no verso 18 a “preocupação” de Neemias em lembrar do motivo em que o povo foi levado cativo para Babilônia e o zelo por não profanar o sábado, visto no verso seguinte. Vemos outro exemplo deste zelo excessivo em Ne 13.23-25. “23

Vi também, naqueles dias, que judeus haviam casado com mulheres asdoditas, amonitas e moabitas. 24 Seus filhos falavam meio asdodita e não sabiam falar judaico, mas a língua de seu respectivo povo. 25 Contendi com eles, e os amaldiçoei, e espanquei alguns deles, e lhes arranquei os cabelos, e os conjurei por Elohim, dizendo: Não dareis mais vossas filhas a seus filhos e não tomareis mais suas filhas, nem para vossos filhos nem para vós mesmos “(Ne 13.23-25) No texto acima Neemias amaldiçoa e espanca alguns, e isto mostra muito zelo pela Torá. Em Esdras35 10.10-13, livro que está no mesmo contexto do pós-exílio de Neemias, observamos um pouco deste peso que a palavra do Beit Din(tribunal) tinha sobre o Povo e como o zelo era grande para com a Tora, o que infelizmente ocasiona as CERCAS em volta dela(tora). Então, se levantou Esdras, o sacerdote, e lhes disse: Vós transgredistes casando-vos com mulheres estrangeiras, aumentando a culpa de Israel. 11 Agora, pois, fazei confissão ao SENHOR, Elohim de vossos pais, e fazei o que é do seu agrado; separai-vos dos povos de outras terras e das mulheres estrangeiras. 12 Respondeu toda a congregação e disse em altas vozes: Assim seja; segundo as tuas palavras, assim nos convém fazer.”(Ed 10.10-12) Quero chamar a atenção no texto acima para a resposta da congregação. Ela tem como Lei as palavras de Esdras (“segundo as tuas palavras assim nos convém fazer”). Realmente D’us fala na Torá a respeito de não se casar com estrangeiros ou povo estranho a aliança de D’us, pois haveria o risco das mulheres dos povos estranhos corromperem os maridos a adorarem os deuses de suas nações. Vejamos: 3

nem te aparentarás com elas; não darás tuas filhas a seus filhos e não tomarás suas filhas para teus filhos; 4 pois elas fariam desviar teus filhos de mim, para que servissem a outros deuses; e a ira do SENHOR se acenderia contra vós e depressa vos consumiria. 5 Porém assim lhes fareis: derrubareis os seus altares, quebrareis as suas estátuas, cortareis os seus bosques e queimareis a fogo as suas imagens de escultura.(Dt 7.3-5) Vemos então, a instrução do Senhor aos seus filhos, a qual é repetida em Ed 9.12, porém vemos uma grande preocupação e medo de Esdras no verso 14. Ele tem em seu coração de que D’us os consumiria por causa dos casamentos estrangeiros.Mas neste caso, podemos observar nas citações acima de que o principio do qual D’us estava zelando era a aliança com os falsos deuses, e não o casamento em si, o casamento poderia ser um meio para o desvio do povo de D’us. Então aqui, parece ter sido colocada uma cerca para o povo, pois Esdras diz para o povo se separar das mulheres, porém na Torá não fala sobre a separação, mas pelo zelo excessivo de Esdras ele dá esta 35

Esdras está em um período de 30 anos antes de Neemias


9 ordem para evitar que o povo se desviasse com outros deuses, mas notemos que isto ainda não havia acontecido, ou seja, a separação das mulheres seria como uma cerca(syag l’torá) para evitar o pecado em si, isto é, o serviço a outros deuses. 1.7 Mtsvot d’rabanan – leis rabínicas ou leis orais x Mitsvot d’oraita – leis escritas _____________________________________________________________________________________ As mitsvot d’rabanan eram leis geralmente baseadas em interpretações dos tribunais , costumes e também em exemplos de vida ou hábitos de grandes rabinos, este exemplos também são chamados de “ ma’assei há torá” ou “obras da Lei. Antes de continuarmos na questão das mitsvot d’rabanan, quero aqui fazer uma citação muito interessante de um artigo do arqueólogo Jorge Fabbro36 sobre manuscritos achados nas cavernas de Qunran no Mar Morto . Entre 1947 e 1956, centenas de manuscritos antigos – incluindo cópias de quase todos os livros do Antigo Testamento – foram descobertos,dentro de grandes vasos de barro, escondidos em 11 cavernas, nas montanhas do lado oeste do Mar Morto. Ao analisar sua escrita esubmetê-los a testes radiométricos, os arqueólogos ficaram pasmos aoconstatar que esses documentos tinham cerca de 2 mil anos de idade! Alguns haviam sido escritos nos dias de Jesus e outros até dois séculos antes! Quem teria escrito os famosos Manuscritos do Mar Morto? Por que teriam sido escondidos nas cavernas do remoto e inóspito Deserto da Judéia? Que segredos eles escondem? Essas perguntas continuam sendo debatidas até hoje por arqueólogos, historiadores, filólogos e teólogos. Mas algumas respostas surpreendentes já foram encontradas. Uma dessas surpresas ocorre num manuscrito conhecido como MMT (abreviatura da expressão hebraica Miqsat Ma-ase ha-Torah = importantes obras da lei). Esse é o único escrito, fora da Bíblia, que usa a expressão “obras da lei”. Antes de sua descoberta, essa expressão só aparecia nos escritos do Apóstolo Paulo, onde severas críticas são feitas às “obras da lei”. Paulo ensina, por exemplo, que “o homem não é salvo pelas obras da lei” (Gálatas 2:16) e que “todos aqueles que são das obras da lei estão debaixo da maldição” (Gálatas 3:10). O que Paulo queria dizer por “obras da lei”? Alguns acharam que ele estava se referindo à obediência à Lei de D-us e concluíram, muito apressadamente, que os cristãos não precisavam mais obedecer aos Dez Mandamentos(além dos demais mandamentos). O MMT, contudo, aponta para um significado totalmente diferente. Seis cópias fragmentárias do MMT foram descobertas nas cavernas do Mar Morto, indicando que, provavelmente, muitas outras cópias foram feitas e distribuídas. O MMT é uma carta, com mais de 130 linhas, que tenta convencer seus leitores a praticar as “importantes obras da lei” e, para nossa grata surpresa, ele faz uma lista de cerca de 20 dessas práticas religiosas, consideradas extremamente importantes pelo autor do MMT.(negrito meu)

Creio que esta citação se encaixa com as “obras da lei” ou “ma’assei há torá” referidas acima, pois vemos algumas “obras da lei” aparecendo nos manuscritos do mar morto como tendo o mesmo peso da Torá. Provavelmente, essas obras, como vimos, foram hábitos ou costumes de rabinos que acabaram-se por se tornarem “leis”. As mitsvot d’oraita contituem-se nas leis escritas, ou os 613 mandamentos escritos na Torá recebida por Moisés, de acordo com a contagem de rabinos (esta contagem é relativa) Então, havia estas duas facetas da lei, ou seja, as aleis rabínicas ou orais e as leis escritas ou a Torá em si.

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Jorge Fabbro é arqueólogo e presidente da Associação de Amparo à Criança e ao Adolescente (Educriança)


10 1.8 Sistema jurídico modificado _____________________________________________________________________________________ Sistema Contemporâneo de Yeshua que se estende até os dias de hoje. Vejamos o que Mateus nos relata: Mat 23:3

Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem

Mat 23:4

Atam fardos pesados [e difíceis de carregar] e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los.

Mar 7:8

Negligenciando o mandamento de Elohim, guardais a tradição dos homens.

Nestes versículos acima, segundo estudiosos a palavra hebraica usada para “obras e tradição”, é a “ takanot”, a qual se refere as leis rabínicas.Portanto Yeshua estava dizendo que era para guardar a Torá em si, ou a lei de Moisés, a qual eles ensinavam, mas não era para seguir o exemplo de vida ou como vimos, “ as obras da lei ou ma’assei há torá”, pois estas obras eram pesadas de mais para serem carregadas. Yeshua também diz que a Torá, o principio da Torá estava sendo invalidado pelo costume e as leis rabínicas que estavam tendo o mesmo peso que a Torá. Podemos associar as palavras de Yeshua em Mt 23.3 com Dt 17.11, onde o Eterno dá mandato para que fosse feito tudo conforme os juízes e os sacerdotes ensinassem , ou seja, trouxessem como halachá, porém observemos que está escrito “ conforme o mandado da Torah”, e isto mostra que não deveria ser tudo feito de uma forma cega e inquestionável, mas era para ser feito aquilo que estivesse em conformidade com a Torah . Deut 17:11

Segundo o mandado da torah que te ensinarem e de acordo com o juízo que te disserem, farás; da sentença que te anunciarem não te desviarás, nem para a direita nem para a esquerda.

Assim então vemos que a sentença deve estar de acordo com a Torah, não pode fugir dos princípios da Torah. Mas, cabe aqui lembrar que nem toda tradição ou exemplo de vida é ruim de se seguir, há bons exemplos, mas a questão aqui é que as tradições não podem ter o mesmo peso que o MANDAMENTO DE D’US. Paulo mesmo aconselha a seguir algumas tradições ou modelos que ele deixou nas igrejas em que passou. 2Tes 2:15

Assim, pois, irmãos, permanecei firmes e guardai as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa.

1Cor 11:2

De fato, eu vos louvo porque, em tudo, vos lembrais de mim e retendes as tradições assim como vo-las entreguei.

Portanto há bons exemplos que podem ser imitados sim, mas como já foi falado, seguir exemplos de homens não são mandamentos de D’us e não podem ser considerados como tais. Uma outra evidência desse sistema no I séc, é o que Flávio Josefo, um historiador que viveu na época dos primeiros discípulos escreve. “ contentar-me-ei agora em dizer que os fariseus, que receberam estas constituições pela tradição de seus antepassados, as ensinaram ao povo. Os saduceus, porém, a rejeitavam, porque elas não estão compreendidas entre as leis dadas por Moisés, que estes afirmam serem as únicas que são obrigados a observar. Isso fez surgir entre ele uma grande divergência, que deu origem a diversos


11 partidos. As pessoas de classes mais elevadas abraçaram o dos saduceus, e o povo alinhou´se com os fariseus.”( Flavio Josefo. História do Hebreus.Decimo terceiro livro. Cap 18.Antiguidades judaicas)

Notamos neste texto as divergências quanto aos acréscimos que não estavam compreendidas nas leis escritas por Moisés.

Outra coisa importante que vemos no Talmuld é o quanto os rabinos colocam as obras da lei e as gezeirás acima da própria Torá.Um engano total! "Filho meu, ordena o Talmud, atende mais às palavras dos rabinos do que às da Lei" [Tratado Erubin, fls. 21 b]. Segue o modelo jurídico judaico modificado

1.9 Legislação judaica _____________________________________________________________________________________ Legislação Judaica: - Mitsvot d'oraita: As 613 leis escritas dadas por YHWH a Israel(Segundo contagem de rabinos) - Minhag: um costume que, por ter "significado religioso" ou ser tradicionalmente muito antigo, tornou-se lei para o povo judeu. Obs: Nem toda tradição é um minhag. Exemplo de minhag: vela de Shabat - Ma'assei haTorá: Literalmente "obras da lei". Termo que se refere a costumes e hábitos de grandes rabinos que eram usados para justificar os takanot, isto é, para justificar acréscimos à Tora - Mitsvot d'rabanan: Takanot: também conhecidos como "decretos rabínicos". São literalmente, leis feitas por rabinos. - Gezeirá: Decretos de Batei Din (tribunais) referentes à observância da Torá, que acabam ganhando status de lei. São a base fundamental para as leis de cerca - Syag L'Torá: Leis de cerca. Acréscimos feitos com o intuito de proteger a Torá. O objetivo é dar uma "margem de segurança" para que a pessoa não viole a Torá acidentalmente. Também procura preservar a Torá dos que são "indignos" dela - Halachá: Literalmente "caminhada". Halachá é todo o conjunto de leis e comentários das leis destinado a explicar como um judeu deve viver. Contém essencialmente todas as categorias acima,explanando-as detalhadamente. Assim se organiza a lei judaica em volumes: 1 – Tanach: Torá(5 primeiros livros) + Nevi'im (profetas)+ Ketuvim(demais escritos) 2 – Mishná: Comentários e tradições orais sobre a Torá 3 –Guemará: Elaborações e adições sobre a Mishná e a Torá 4 – Talmud: Essencialmente, Mishná + Guemará 5 – Comentários modernos: Elaborações de rabinos mais recentes sobre o Talmud Tabela elaborada por Shaul Bentsion ( Grupo Torah Viva)


12 1.9.1 As Obras da Lei não são a Lei _____________________________________________________________________________________ Após analisarmos um pouco a legislação judaica , fica mais fácil a compreensão dos acréscimos ocorridos na Torá durante os anos. Podemos ver mais claramente que a Torá em si não é pesada, mas sim o cumprimento das “obras da Lei”, “as cercas da Torá”, “as leis rabínicas”, como se estes acréscimos fossem a Lei. 11

Porque este mandamento que, hoje, te ordeno não é demasiado difícil, nem está longe de ti. 12 Não está nos céus, para dizeres: Quem subirá por nós aos céus, que no-lo traga e no-lo faça ouvir, para que o cumpramos? 13 Nem está além do mar, para dizeres: Quem passará por nós além do mar que nolo traga e no-lo faça ouvir, para que o cumpramos? 14 Pois esta palavra está mui perto de ti, na tua boca e no teu coração, para a cumprires. (Dt 30.1114) Portanto os mandamentos do Senhor não estão além da capacidade de cumpri-los. Entendemos agora um pouco mais do que Paulo escreve em suas cartas sobre as “obras da Lei”, e como ele se relaciona com a Lei. Por isso vemos que as vezes ele parece estar confuso, dizendo uma hora que a Lei é boa, mas depois fala que as “obras da lei “ são más, sendo assim o que é “mal “ é o cumprimento legalista da Torá do Senhor com os acréscimos das cercas, das leis rabínicas, dos exemplos de vida rabínicos.O cumprimento de tudo isto tendo o mesmo peso como se fossem os mandamentos do Senhor não convém. Vejamos que, o que está em foco aqui é o peso igualitário de Lei entre os costumes, tradições e o mandamento do Senhor . Yeshua cumpria algumas tradições, mas não as cumpria com o mesmo peso da Torá. Que o Senhor tire de nossos ombros este peso que não provém Dele.

Shalom Carlos Coléct – www.centroteshuva.blogspot.com


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