O Homem Cordial

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Interpretação sobre o capítulo 5 - O Homem Cordial do livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, de 1936.

O HOMEM CORDIAL Arquitetura e Urbanismo no Brasil Colônia e Império Prof. Reinaldo Guedes Machado Autora: Carmen Jimenez Castro Matrícula: 15/0121261 2º/2017


Em 1946, quando fez o discurso de recepção a Peregrino Júnior na Academia Brasileira de Letras, Manuel Bandeira destacou, entre as virtudes do empossado, a cordialidade. Dizia ele: “Ribeiro Couto inventou de uma feita a teoria do ‘homem cordial’. Segundo o nosso amigo, a cordialidade seria a contribuição brasileira à obra da civilização.” “O verdadeiro americanismo repele a idéia de um indianismo, de um purismo étnico local, de um primitivismo, mas chama a contribuição das raças primitivas ao homem ibérico; de modo que o homem ibérico puro seria um erro (classicismo) tão grande como o primitivismo puro (incultura, desconhecimento da marcha do espírito humano em outras idades e outros continentes). É da fusão do homem ibérico com a terra nova e as raças primitivas, que deve sair o ‘sentido americano’ (latino), a raça nova produto de uma cultura e de uma intuição virgem – o Homem Cordial. Nossa América, a meu ver, está dando ao mundo isto: o Homem Cordial. O egoísmo europeu, batido de perseguições religiosas e de catástrofes econômicas, tocado pela intolerância e pela fome, atravessou os mares e fundou ali, no leito das mulheres primitivas e em toda a vastidão generosa daquela terra, a Família dos Homens Cordiais, esses que se distinguem do resto da humanidade por duas características essencialmente americanas: o espírito hospitaleiro e a tendência à credulidade. Numa palavra, o Homem Cordial. (Atitude oposta do europeu: a suspicácia e o egoísmo do lar fechado a quem passa). (Como é bom, nos pueblos e aldeias da nossa América, no seu México como no meu Brasil, mandar entrar o caixeiro-viajante francês que vende peças de linho, ou o engenheiro alemão que está estudando a geologia local, e convidá-lo para almoçar! A gente grita logo lá para dentro: – Ó fulana, manda matar uma galinha!)...” - Ribeiro Couto


Estado brasileiro



Como o próprio título do livro indica, “Raízes do Brasil”, é uma obra que tem por objetivo investigar o que fundamenta a história do Brasil, de seu povo e de suas instituições mais peculiares, como a família patriarcal, formada durante o período da Colônia. No início do capítulo 5, Sérgio Buarque de Holanda diz que o Estado não é uma ampliação da família, que entre eles existe até mesmo uma oposição por pertencerem a ordens diferentes, que não entender isso gera crises que podem afetar a sociedade. Diz também que a vida no Estado burocrático é caracterizada pela ordenação impessoal.


A transição do trabalho das velhas corporações para o trabalho industrial pode exemplificar as dificuldades em abolir a velha ordem familiar por outra, em que as instituições e as relações sociais tendem a subtituir-se aos laços de afeto e de sangue. Ainda existem, até mesmo nas grandes cidades, famílias “retardatárias”, concentradas em si mesmas e obedientes ao velho ideal que mandava educarem-se os filhos apenas para o círculo doméstico.

Porém, a sociedade moderna têm certas exigências quanto às mudanças de costumes: a educação familiar não deve ser mais concentrada em si mesma, mas deve ser apenas uma introdução da vida na sociedade. Assim, as teorias modernas tendem cada vez mais a separar o indivíduo da comunidade doméstica, e essa separação representa as condições obrigatórias de qualquer adaptação à “vida prática”.


O costume da educação brasileira doméstica, carregado pela tradição do Brasil Colônia, ainda não está completamente de acordo com as exigências que a vida moderna tem. A obediência, um dos princípios básicos da velha educação, só deve ser estimulada na medida em que possa permitir uma adoção de opiniões e regras que a própria criança reconheça como formuladas por adultos que tenham experiência. E muitas vezes, hoje, a criança brasileira se depara com uma educação com resquícios de obrigações e obediências do passado, que não a fazem se libertar da comunidade doméstica e que não a permitem se adaptar à vida prática.

Fonte: http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2011/02/educacao-no-brasil-imperio.html

“Não obstante ao fato de a educação ter se tornado elitista, as leis de D. Pedro I tiveram como objetivo formar um sistema educacional popular e gratuito. A ideia era estimular o desenvolvimento de uma cultural nova, fomentando o sentimento de Nação. A intenção fracassou não por falta de vontade política, mas pela falta de recursos, pela pobreza do país. Falta de interesse pelo estudo, gerado por anos de descaso para com a educação, além da tradição mantida entre a elite de mandar os filhos estudarem na Europa, surgida depois das reformas pombalinas.”


Assim, onde quer que prospere bases muito sólidas da ideia de família tende a ser contrária à formação e à evolução da sociedade segundo conceitos atuais, tornando-se uma instituição obsoleta. O indivíduo que não tem o espírito de inciativa pessoal e que depende da família para tomar decisões em sua vida passa por uma crise de adaptação ao mecanismo social.

Fonte: http://odiarioimperial.blogspot.com.br/2015/11/a-educacao-no-imperio.html


Já no Brasil Império, tinham-se limitado os vínculos familiares demasiado estreitos, o que contribuiu largamente para a formação de homens públicos capazes: a criação de concursos públicos, para juízes, por exemplo, arrancou adolescentes de suas famílias e seus meios provinciais e rurais, os libertando dos velhos laços caseiros, que os impediam de viver por si.

“...Em nossa política e em nossa sociedade, são os órfãos, os abandonados que vencem a luta, sobem e governam” - Joaquim Nabuco

Assim, escolas brasileiras viram-se obrigadas a se ajustarem às novas relações sociais, que envolviam interesses, atividades, valores, sentimentos, atitudes e crenças adquiridos no convívio da família. Nem sempre essa reforma na educação bastava para apagar nos jovens a mentalidade criada em um meio doméstico patriarcal, tão oposta às exigências de uma sociedade de homens e mulheres livres e de inclinação cada vez mais igualitária.


Até hoje, no Brasil, crianças são educadas a base de castigos e comparações entre irmãos e irmãs, tradição da colonização dos portugueses. E, segundo Boswell, a vara tem um efeito que terminar em si, ao passo que se forem incentivadas as comparações de superioridade, serão criadas raízes de um mal permanente, fazendo com que irmãos e irmãs se detestem uns aos outros. Por isso, ainda hoje perduram ideais de querer sempre se sair melhor que o outro no Brasil.


PĂşblico x Privado



Não era fácil aos detentores dos cargos públicos compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim, eles se caracterizavam pelo que separa o funcionário “patrimonial” do puro burocrata, conforme a definição de Max Weber:

Funcionário Patrimonial Política com interesse particular; Funções, empregos e benefícios são direitos pessoais.

Puro burocrata Especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos; Escolha de homens que vão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança dos candidatos; Ordenação impessoal.

No Brasil, há o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Assim como é visto nos laços antigos da família brasileira.


Até hoje podemos encontrar exemplos dessa distinção de domínios na política brasileira:

Política de governo São aquelas que o Executivo decide num processo bem mais elementar de formulação e implementação de determinadas medidas para responder às demandas colocadas na própria agenda política interna – pela dinâmica econômica ou política-parlamentar, por exemplo – ou vindos de fora, como resultado de eventos internacionais com impacto doméstico. Elas podem até envolver escolhas complexas, mas pode-se dizer que o caminho entre a apresentação do problema e a definição de uma política determinada (de governo) é bem mais curto e simples, ficando geralmente no plano administrativo, ou na competência dos próprios ministérios setoriais.

Política de Estado São aquelas que envolvem as burocracias de mais de uma agência do Estado, justamente, e acabam passando pelo Parlamento ou por instâncias diversas de discussão, depois que sua tramitação dentro de uma esfera (ou mais de uma) da máquina do Estado envolveu estudos técnicos, simulações, análises de impacto horizontal e vertical, efeitos econômicos ou orçamentários, quando não um cálculo de custo-benefício levando em conta a trajetória completa da política que se pretende implementar. O trabalho da burocracia pode levar meses, bem como o eventual exame e discussão no Parlamento, pois políticas de Estado, que respondem efetivamente a essa designação, geralmente envolvem mudanças de outras normas ou disposições pré-existentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade.


O homem cordial



Não é de hoje que o brasileiro é visto pelos estrangeiros como uma pessoa muito calorosa, com trato, hospitalidade e generosidade. E não se pode negar que essa é uma caracterísitca ancestral do brasileiro, originados do meio rural, do campo.

Porém, a crítica realizada por Sérgio Buarque, é que essa cordialidade exagerada do brasileiro não são boas maneiras, mas sim expressões legítimas de um fundo emotivo transbordante. É a incapacidade de o brasileiro se ver só, viver só, que está intrinsecamente ligada ao fato de, desde seus ancestrais, a família ser algo que o prende, que não o liberta para se adaptar à vida moderna. É o passado que ainda está no cotidiano do brasileiro.


Uma comparação realizada por Sérgio Buarque é a cultura japonesa com a brasileira: enquanto os japoneses mantém tradições milenares de respeito à religião, a ponto de esse respeito ser cultivado, também, no âmbito do convívio social, o brasileiro tem uma concepção ordinária de respeito aos rituais religiosos, que também é vista nas suas relações pessoais.

Ritual religioso budista, Japão.

Dessa forma, pode-se dizer que a forma que uma cultura se refere ao seu Deus será a mesma forma que ela se referirá aos seus próximos. O brasileiro abraça, conversa, fala no diminutivo, usa linguagem informal com os outros e, ao mesmo tempo, com os santos. O brasileiro se manifesta a partir de ações espontâneas do “homem cordial”.


Assim, Sérgio Buarque afirma que a polidez encontrada na cultura japonesa não se encontra na cultura brasileira, pois a polidez é, de certo modo, uma defesa que certos povos têm contra o desconhecido, um disfarce, uma máscara, para preservar e privatizar para si mesmos suas emoções. “O omotenashi é um estado de espírito voltado para a vontade de oferecer o melhor para o consumidor, cliente ou mesmo para o próximo de uma forma geral. Enfim, uma manifestação de respeito máximo para com o outro.

Fonte: https://hashitag.com.br/o-que-e-omotenashi/

No Japão, a prática do omotenashi é uma norma implantada em praticamente todos os estabelecimentos, especialmente em hotéis, restaurantes e até lanchonetes. Mesmo nos serviços públicos, aqueles em que a burocracia vira escudo para esconder as imperfeições do sistema, foi implantado uma norma de conduta proativa de bom atendimento, que resolva com eficiência os problemas apresentados pelos consumidores.”

Já o brasileiro quer justamente transbordar suas emoções, devido as consequências de seu um passado colonial, que o impedia de crescer, de se desenvolver. Assim, a escapatória para o brasileiro não é se isolar, guardar seus sentimentos para si próprio e se defender, mas sim se abrir para o outro, ter relações calorosas e estar sempre próximo às pessoas, para se libertar de seu passado.


“Vosso mau amor de vós mesmos vos faz do isolamento um cativeiro.”

- Nietzsche

ASsim, o povo brasileiro quer justamente sair desse cativeiro em que ele esteve por tantos anos durante a colonização de seu país.


Religiosidade



Toda a polidez usada em outras culturas para se enaltecer uma religião, significa, para o brasileiro, criar intimidade com ela. Assim, o brasilieiro familiariza seu Deus. Isso não ocorre apenas quanto à religião, mas quanto a tudo que faz parte do cotidiano brasileiro: os diminutivos, muito falados por todo no Brasil, tem como objetivo principal dar relevo às palavras e aproximá-las ao coração. E essa é uma das diversas diferenças que existem entre brasileiros e portugueses, que surgiram, consequentemente, dos seus passados opostos.

“cafézinho”

“desculpinha” “amiguinho” “probleminha”

“um minutinho” “rapazinho”

“rapidinho”

Além dos diminutivos, existe a tradição de chamamento entre pessoas apenas pelo primeiro nome, o que corresponde à atitude natural aos povos humanos. O contrário do que ocorre na tradição europeia, que, em locais mais formais, são usados apenas sobrenomes.


Esses laços muito emotivos não se bastam apenas para relações próximas, mas aparece até mesmo em relações de concorrência: um negociante da Filadélfia manisfestou certa vez seu espanto ao verificar que, no Brasil como na Argentina, para conquistar um freguês tinha necessidade de fazer dele um amigo.

Festa do Senhor Bom Jesus de Pirapora, São Paulo, 2013.

Assim, essa intimidade que chega a ser quase desrespeitosa, também é vista, como já mencionado anteriormente, na religião. Não apenas pelo fato de o brasileiro abraçar a figura de uma santa ou por chamá-la pelo nome no diminutivo, mas pelas próprias formas ritualísticas, que se diferem muito das da Europa. Um exemplo, citado no livro, é a festa do Senhor Bom Jesus de Pirapora, em São Paulo, em que o Cristo desce do altar para sambar com o povo.


A partir desses costumes, surge um sentimento religioso mais humano e singelo. Cada casa quer ter sua capela própria. Uma caractérisitca vista na arquitetura colonial do Brasil.

Planta da Fazenda Colubandê, em São Gonçalo, com uma capela anexada.

E foi justamente esse fato de o ritualismo invadir a conduta social que o brasileiro experimentou pela primeira vez a democracia.


A religiosidade, para o brasileiro, desde o início foi tão carnal em seu apego que ela por si só nunca conseguiu impor ordem em meio à sociedade. Por isso que, ao examinar nossa República, percebe-se que ela era toda composta por agnósticos e positivistas, e nossa Independência foi obra de maçons. O que justifica ainda mais que a religião, para o brasileiro, não tinha uma hierarquia, mas sim era vista de igual para igual.

José Bonifácio de Andrada de Silva, maçon, importante articulador da Independência do Brasil.


A aproximação do brasileiro com a religião foi tanta que chegou a ser banal e, muitas vezes, sem valor: o padre Fernão Cardim disse, a respeito das pernambucanas quinhentistas, que elas eram “muito senhoras e não muito devotas, nem frequentavam missas, pregações, confissões etc”.

Pernambucanas realizando ritual religioso.

Auguste de Saint-Hilaire, que visitou São Paulo pela semana santa de 1822, diz o quão impressionado ficou ao ver a pouca atenção dos fiéis durante os serviços religiosos: “ninguém se compenetra do espírito das solenidades. Os homens mais distintos delas participam apenas por hábito, e o povo comparece como se fosse a um folguedo”.


Outro visitante, de meados do século passado, manifesta dúvidas sobre a possibilidade de se implantarem algum dia, no Brasil, formas mais rigoristas de culto. Conta-se que os próprios protestantes logo degeneram aqui: “é que o clima não favorece a severidade das seitas nórdicas. O austero metodismo ou o puritanismo jamais florescerão nos trópicos”.

A diversidade das opções religiosas no Brasil.


Sério Buarque, então, conclui, afirmando que a aversão do brasileiro lismo é explicável, até certo ponto. Ele não nos é necessário. Nossa meio em que vivemos não é de defesa, como já exemplificado antes nesse a respeito dos japoneses e seus costumes religiosos, originados de uma que age na defensiva dentro de si mesma, para a sua sobrevivência.

ao rituareação ao trabalho, sociedade

“A vida íntima do brasileiro”, acrescenta Buarque, “nem é bastante coesa, nem bastante disciplinada, para envolver e dominar toda a sua personalidade, integrando-a, como peça consciente, no conjunto social. Ele é livre, pois, para se abandonar a todo o repertório de ideias, gestos e formas que encontre em seu caminho, assimilando-os frenquentemente sem maiores dificuldades.”. Isto é, a cultura brasileira absorve de tudo um pouco do mundo, desde que ele foi originado assim, da mistura de culturas.

Para concluir, digo que a explicação para a informalidade da ritualidade do brasileiro é consequência de uma colonização em que o povo foi obrigado a seguir tais passos em que estes não são identificados por nós. A religião africana, por exemplo, tem uma grande influência na representatividade do povo brasileiro, por ter uma certa conexão cultural. A América do Sul nunca será a Europa.


Bibliografia HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. ELLISON, Fred P.. Alfonso Reyes e o Brasil: Um Mexicano Entre os Cariocas. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002. BEZERRA, Elvia. Ribeiro Couto e o homem cordial. Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro, p. 123-130. set. 2017. CIMADON, Giordano. Independência do Brasil. Disponível em: <http://www.sgi.org.br/pt/iniciacao/a-influencia-da-maconaria-na-independencia-do-brasil/>. Acesso em: 30 out. 2017. BRASILEIRA, Navegando na História da Educação. A Educação no Período Colonial (1500-1822). Disponível em: <http://navegandohistedbr.comunidades.net/a-educacao-no-periodo-colonial-1500-1822>. Acesso em: 27 set. 2017. TAKAHASHI, Jo. O que é omotenashi? 2016. Disponível em: <https://hashitag.com.br/o-que-e-omotenashi/>. Acesso em: 30 out. 2017. IBGE. Recenseamento do Brasil em 1872. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo?id=225477&view=detalhes>. Acesso em: 30 out. 2017.



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