EDIÇÃO MAIO, N° 01, ANO 01
hiperativo CULTURAL
CARNE LATINA
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Macumbia lança segundo álbum, intitulado “Carne Latina”, que conta com oito canções, dentre elas o hit Por que yo?
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“Memórias de um cão” revela a proximidade entre realidades econômica, social e política entre séculos
Artes
paixão de cristo
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Emoção e tradição marcam enredo de Divina Luz, da Galharufas Cia de Teatro
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LEIA+
Mostra Nordeste de Artes Visuais continua em cartaz na Estação Ciência
conto
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Jornalista faz tributo sobre as obras mais relevantes de Eduardo Galeano e Günter Grass
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Dôra Limeira lança novo livro, que aborda passagens de sua vida, com nostalgia e ficção
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hildeberto
música Lira se apresenta o show da turnê de O labirinto e o desmantelo, em João Pessoa
“A História da Eternidade” trata de sonho, desejo, repressão e religiosidade. Filme conta com atrizes paraibanas no elenco
lançamento
psicodelia Gauche e Banda-Fôrra apresentam seus mais recentes trabalhos
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Literatura e política
dança Jam de dança e música, da Paralelo Cia de Dança, acontece no início de junho
CINEMA
CAPA
TEATRO
SUMÁRIO
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Série que aborda os 30 anos de carreira do poeta e crítico literário tem seu último episódio
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Diego de Oliveira apresenta revolta com atos corriqueiros e acidentais em produção literária poesia Atriz Nyka Barros mostra seu lado poético em homenagem à Suzy Lopes o bosque Ensaio fotográfico realizado por Leonardo Accioly impacta e encanta com abordagem moda Padrões estéticos x necessidade é tema do editorial de moda
EDITORIAL
G
lauber Rocha afirmou lá pelos idos de 1970 que basta uma câmera na mão e uma ideia na cabeça para criação de longas do Cinema Novo. Para a idealização do site Hiperativo Cultural, bastou a ideia na cabeça e um coração cheio de sonhos por se cumprir de alguém que tem uma das maiores capacidades criativas e disposição perene de desbravar novos caminhos. Emanuel Limeira acalentou por meses sua vontade de por em prática sua inquietação e provocar um novo capítulo na relato de histórias do cenário cultural paraibano. E conseguiu. Mas ninguém faz sucesso sozinho, como bem diz o jornalista Antonio Augusto Amaral de Carvalho, dono da rádio Jovem Pan, em sua autobiografia. Para isso, Emanuel reuniu talentos para tirar o HC do campo das fantasias e querências e fosse de fato uma realidade. Nestes cinco meses de existência, incontáveis nomes integraram o projeto. Com algumas despedidas, poderíamos dizer que os que integram a atual equipe são guerreiros. Tudo para ter um melhor padrão estético em suas narrativas, produção audiovisual arrojada em nosso Estado tão carente de uma produção jornalística com maior espaço para a Cultura. Delosmar e Leonardo, com suas câmeras nas mãos, realizam mágica. Tornam o simples, em um detalhe ou uma representação bela. Rafael e toda sua inventividade, é um dos responsáveis pela estética do site. E o que dizer da garra, destreza e dedicação dos editores Carina, Samara, Mateus e Sandro? Palavras não conseguem definir. Ah! Não podemos esquecer de Thatiusca e seu empenho em auxiliar no desenvolvimento do projeto. O HC evoluiu e tivemos também uma outra ideia na cabeça e coragem de fazer acontecer e tornar possível uma revista digital gratuita, com material jornalístico e literário, de periodicidade mensal. Este foi um desafio proposto pela brilhante Carol, que deu forma a todo projeto gráfico desta revista. O que se pode dizer de tamanho empenho e amor por uma causa? Loucura? Não. É a realização de planos e sonhos de cada um. Cada página do site e desta revista tem um pouco de cada integrante. Agora queremos ter também a cara de nossos leitores. É por isso que abrimos espaço para produção literária de novos escritores. É uma forma de estimular uma das vertentes culturais mais fortes de nossa Parahyba. Pois, afinal, o que seríamos de nós se não fossem nossos anseios, sonhos, desejos e esperanças? Até a próxima! Edilane Ferreira Editora Geral
EXPEDIENTE
ARTE DA CAPA: Ilustração da capa do álbum “Carne Latina”, da banda Macumbia, por Thiago Trappo
O HIPERATIVO CULTURAL É: DIRETOR PRESIDENTE Emanuel Limeira COMERCIAL E MARKETING Thatiuska Lima EDITORA GERAL Edilane Ferreira EDITORES SETORIAIS Carol Caldas Carina Queiroz Mateus Fonseca Samara Mello Sandro Alves de França FOTOGRAFIA Delosmar Magalhães Leonardo Accioly ARTE Emanuel Limeira Rafael de Figueiredo PROJETO GRÁFICO DIAGRAMAÇÃO Carol Caldas Delosmar Magalhães JORNALISTA RESPONSÁVEL Edilane Ferreira DRT/PB: 2730 COLABORADORES DESTA EDIÇÃO André Luiz Maia Diego de Oliveira Lau Siqueira Nyka Barros Rodrigo Rodrigues Walter Galvão SITE http://pb.hiperativocultural.com/ CONTATO redacao@hiperativocultural.com
EQUIPE 2 4 6
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2.
Rafael de Figueiredo é designer, graduando
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em Comunicação em Mídias Digitais e editor de vídeo. Leonardo Accioly é fotógrafo profissional e graduando em Comunicação em Mídias Digitais.
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Thatiuska Lima é graduanda em História e dire-
tora comercial e marketing.
5.
Edilane Ferreira é radialista, jornalista, graduanda em Letras e editora geral.
6.
Carol Caldas é graduanda em Mídias Digitais,
designer, diagramadora e editora da seção de Artes. Delosmar Magalhães é radialista, cinegrafista e
editor de vídeo.
8.
Sandro Alves de França é licenciado em Let-
9.
Carina Queiroz é graduanda em Design de
ras, graduando em Jornalismo e editor das seções de Cinema e Teatro. Moda e editora da seção de Moda.
é bailarina, graduanda em Jornal10. ismo e editora da seção de Dança. Samara Mello
11.
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Comunicação em Mídias Digitais e diretor presidente do Hiperativo Cultural.
3.
7.
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1.
Emanuel Limeira é programador, graduando em
Mateus Fonseca é graduando em Jornalismo e
editor da seção de Literatura.
Foto: Rafael Passos
Não há segredo nem revolução nesta versão da Paixão de Cristo, escrita e dirigida pelo dramaturgo paraibano Paulo Vieira. Talvez seja o fato de ser ateu ou apenas montar uma história sacra que remetesse diretamente aos ritos da igreja. Disvina Luz estreou no dia do seu ensaio geral, numa quinta-feira de início de abril, vazada de expectativas. Mas emocionou espectadores presentes naquela praça situada no coração da cidade. EDILANE FERREIRA
A NÓS DESCEI
DIVINA LUZ 5
“JOÃO É UM EVANGELHO MUITO DISCURSIVO E ISSO POSSIBILITOU QUE DESSE ESPAÇO PARA UM JESUS MAIS PALAVROSO”.
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Emoção é o que buscava Paulo nesta peça. Trazer os personagens santos a um status de humano e criar uma atmosfera em que as pessoas se identificassem. “Eu gosto de um teatro que me emocione e eu quis fazer um teatro que toque a emoção das pessoas”, destacou. Dizem que a oralidade envolve as pessoas e foi através desse viés que Paulo encontrou o norte para o espetáculo. Desde sua concepção, a música Divina Luz ecoava na cabeça do autor. “A nós descei, divina luz… A nós descei, divina luz”. Daí a escolha de canções religiosas que já estão no imaginário popular, principalmente de quem frequenta regularmente a igreja católica. Esse foi o tom que ele
afinou com o maestro Carlos Anísio, que montou um repertório de 31 músicas e regeu 21 músicos e cantores, dentre eles Mira Maya e Xisto Medeiros. Não existe Paixão sem obstáculos. Diante de tantos que a Galharufas Cia de Teatro encontrou no caminho entre o edital e a estreia, a coragem e o amor pelo teatro foram atributos que se sobressaíram. O elenco de 40 atores e sete bailarinos teve apenas 24 ensaios neste caminho e apenas no dia da primeira apresentação é que puderam “ensaiar” com a música produzida pelo Carlos Anísio. Foi questão de tempo/espaço. Dizem também que o tempo de um não é igual do outro. E foi assim que a Fun-
jope, sem querer, não possibilitou a preparação ideal para a galera do Divina Luz. Som, iluminação, espaço. Tudo novo. Mas talento é o que não faltou para a equipe que Paulo reuniu. Foi bela, encantadora a Divina Luz. Outro elemento da oralidade neste espetáculo foi a escolha do Evangelho de São João. “É um evangelho muito discursivo e isso possibilitou que se retirasse muitos diálogos e desse espaço para um Jesus mais palavroso, discursivo mesmo. Além disso, João é o evangelista das frases imagéticas”, explicou Paulo. E o Jesus falou, falou e envolveu as pessoas. O ator Gladson Galego, que interpreta pela segunda vez o personagem, relata que essa discursividade não soou re-
dundante. “A cada cena o personagem emenda um discurso, uma mensagem diferente. A construção tem muito essa pegada de um Jesus mais humano”, disse. E Paulo ousou, ousou muito ao criar uma representação de uma divindade em um personagem simplesmente… humano. “A grande dificuldade, na verdade, foi fazer com que o elenco entendesse o Cristo também nesta dimensão. São todos humanos, o Cristo inclusive, e vamos buscar uma representação que seja mais próximo do humano do que do divino. Até porque o humano, nós conhecemos. O divino é um mistério”, explicou. Para quem um dia já interpretou o demônio e Maria Madalena, Suzy Lopes se saiu
bem na pele de Maria. “Nas outras paixões eu trabalhei em outra energia e o fator sedução era muito presente nas outras personagens. Neste, estou fazendo Maria e essa mudança está me encantando muito”. “A tentativa está sendo construir uma Maria materna, fraterna, mas também uma mulher muito forte. Ela viu o filho ser crucificado… é uma mulher que viveu uma dor muito grande”, explicou Suzy. O espetáculo é dedicado a mãe de Paulo, MariaVieria, de 96 anos. Ele escreveu o texto como uma forma de dar resposta as cobranças assíduas da mãe por uma nova produção e também como um modo de homenageá-la, tendo vista a religiosidade dela. De um filho para uma mãe,
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com todo amor e inspiração, Divina Luz transborda em verdade artística e emoção genuína. Envolve por abordar uma história milenar que é forte referência na tradição cultural do Ocidente e por transmitir, através da performance visceral dos atores em cena e dos elementos cênicos e visuais que os auxiliam, a imersão no universo sensorial da Fé, do sacríficio, da Esperança. A tônica de Divina Luz é a junção dos seus fatores: texto bem trabalhado, elenco afinado e um enredo que transcende por retratar tanto uma história da narrativa religiosa como um drama de recorte humanista. É teatro e é representação de Fé ao mesmo tempo,
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sem divisões marcadas. A Semana Santa dos pessoenses foi iluminada pela força que a Arte e a Fé congregam e pode proprocionar momentos marcantes que são ilustrativas dessa sinergia. O espetáculo Divina Luiz cumpriu seu papel apesar da complexidade inerente a realização de grandes produções cênicas. A arena montada aproximou o público da ação e foi o palco do transbordamento das emoções na simbiose entre atores em cena e o público. A Luz se fez presente e habitou entre os que a vislumbraram; Arte e Fé, afinal, são orindas da susbstância maior que permeia a mente e os coraçãos humanos.
“EU GOSTO DE UM TEATRO QUE ME EMOCIONE E EU QUIS FAZER UM TEATRO QUE TOCASSE A EMOÇÃO DAS PESSOAS”
Foto: Rafael Passos
Música, dança e...
... improVISA-ÇÃO!
Evento que já reuniu os principais nomes da dança pessoensse apresenta sua décima primeira edição no início de junho. O ImprovisA-ÇÃO é organizado pela Paralelo Cia de Dança SAMARA MELLO
I
mprovisar dança e música, nos mais variados estilos e ritmos. Essa é a principal característica do ImprovisA-ÇÃO, que terá sua décima primeira edição no próximo dia 03, no Espaço Paralelo, em João Pessoa. A ideia de promover esses encontros partiu da bailarina e diretora artística da Paralelo Cia de Dança, Joyce Barbosa.
“Era uma necessidade minha de fomentar uma rede de compartilhamento de artes e por isso é uma Jam aberta para todas as áreas da arte e apreciadores dela”, explicou. Além de bailarinos, músicos como Burgo, Lucas Dourado e Gustavo Limeira já apareceram no encontro para improvisar o som. “A cada edição o público aumenta.
Bailarinos, músicos, artistas das mais diversas áreas e apreciadores que vem para dançar ou apenas assistir e relatar suas opiniões. Inclusive há pessoas que tiveram o primeiro contato na Jam e já estão articulando trabalhos fora do evento. Isso mostra que os encontros dão resultados, às vezes, maiores do que o esperado.”, afirmou.
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Foto: Rafael Passos
Eles gritam em grave, agudo, mesclam influências do universo musical de cada integrante e o resultado é o fortalecimento da cena musical psicodélica em João Pessoa. Um exemplo disto é o plural Gustavo Limeira, que além de integrar o A Troça Harmônica, que trabalha com samba, ainda consegue fôlego para dar voz à melódica Banda-Fôrra. Já a Gauche se mantêm cada vez mais fortalecido em sua primeira década de carreira SANDRO ALVES DE FRANÇA
MELÓDICOS TR
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RANSGRESSORES
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S “ACHAMOS UM ENCAIXE ENTRE OS PERFIS, UMA JUNÇÃO DE ELEMENTOS QUE CADA UM TRAZ”.
Foto: Rafael Passos
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om estridente, guitarras elétricas, melodias cantadas em graves e agudo, mas que ecoam na onda do psicodelismo. É nesta vibe que as bandas paraibanas Gauche e Banda-Fôrra mostram seus trabalhos para um público que acompanha tudo, completamente envolvido em casa. Os cinco componentes da Banda-Fôrra vêm de formações distintas (música clássica, literatura, teatro, samba). O grupo é composto por Ernani Sá (guitarra e sintetizador), Lue Maia (bateria), Gustavo Limeira (vocal), Matteo Ciacchi (baixo) e Hugo Limeira (guitarra). “Achamos um encaixe entre os perfis”, explica Gustavo Limeira. Sobre a psicodelia musical ele ressalta que decorre de “uma junção de elementos que cada um trouxe individualmente e chegou até aqui. Tem muita de canção e ao mesmo tempo tem muito de Rock And Roll, a psicodelia acaba acontecendo”, concluiu.
A Gauche trouxe repertório de canções-ícone da banda e do primeiro álbum, “Teatro de Serafins”, que comemora os 10 anos de existência da banda. Composto por Bruno Guimarães (vocal), Luís Venceslau (guitarra), Paulo Alves (bateria) e Berg Ferreira (contrabaixo) o grupo tem como influência mais forte do rock britânico, mas a psicodelia sempre esteve no centro das referências musicais. A lógica psicodélica pode ser observada até mesmo no nome da banda: Gauche, traduzido do francês remete a esquerda política, desajuste, rebeldia, transgressão. “Estava lendo uma resenha e achei que (o nome Gauche) tinha muito a ver com a história da banda, com a personalidade dos integrantes (da banda). Apresentei aos demais e todo mundo gostou”, explicou Bruno Guimarães. O álbum lançado pelo grupo tem esse perfil e carrega também o elemento do misticismo da psicodelia.
Foto: Delosmar Magalhães
O DESMANTELO DOS LABIRINTOS DE LIRA
Após desbravar o Cordel do Fogo Encantado, o multiartista pernambucano segue em novos caminhos musicais, agora em carreira solo SANDRO ALVES DE FRANÇA
J
osé Paes de Lira Neto, natural de Arcoverde, Sertão de Pernambuco, conquistou e encantou as plateias com seu trabalho visceral e performático, que reúne música, poesia e teatro. Herdou de seu avô a tradição do Cordel e do repente e agregou esses elementos ao seu trabalho artístico. Primeiro, no grupo Cordel do Fogo Encantado e depois, na sua incursão solo, iniciada em 2011, com o álbum homônimo. Em seu segundo álbum solo, O Labirinto e o Desmantelo, lançado este ano, ele aprofunda a busca por uma verdade artística mais íntima e autoral, que o motivou a seguir a carreira independente. Com mais experimentalismos e menos performances teatrais, ele traz um disco esssencialmente melódico e cantado, sem abrir mão da sua marca de dialogar com
outros gêneros através da música. “Sempre fiz da minha existência o material dos meus trabalhos”, afirma. “Desde o meu primeiro trabalho solo comecei aplicar uma narrativa em primeira pessoa e isso também se reflete nos meus sonhos e nas minhas ideias do mundo”, destaca. Ao falar sobre o novo álbum que, assim como primeiro, também foi disponibilizado gratuito na internet, Lira enfatiza a liberdade de criação e o apelo que uma produção artística deve ter sobre as outras pessoas. “Tem de ter liberdade total para criar, sem barreiras. Eu procuro aplicar isso: corpo e mente dilatados, integridade no fazer. Só se completa um trabalho artístico quando ele chega para para as pessoas. O meu objetivo é para o outro: faço música e poesia para chega na outra
pessoa”, ressalta. “Sinto que é um disco que entrei mais na canção. Estou num momento mais de composições do cancioreiro: melodia e letra. Isso exigiu de mim uma nova interpretação. Esse disco me fez refez como intérprete, estou cantando mais agora”, revela . Sobre o título do álbum, O Labirinto e o Desmantelo, Lira explica a inspiração que o levou a essa escolha. “Todas as músicas (do disco) falam de uma trajetória numa casa labiríntica em busca de um grande amor”, conclui. A turnê do novo álbum já passou por São Paulo (SP), Fortaleza (CE), Recife (PE) e João Pessoa (PB). Segue agora para outras cidades Brasil afora. O disco conta com a produção de Pupilo, do Nação Zumbi e tem participação especial do pianista Vítor Araújo e da cantora Céu.
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CAPA
Carne Latina, sucessor de Chuta que é Macumbia, é lançado no projeto MusiSesc, neste mês. Eric Martinez, Bruno Braz, Thales Pessoa, Rafael Faria, Pedro Regada, Xyco Vasconcelos, Dave Ken, Rodrigo Marques, Alesson Rays, Priscila Fernandes, Katiusca Lamara contagiaram a plateia lotada com as oito canções do álbum. Mas não parou por aí. A noite que contou com participações de outros artistas locais, teve a apresentação de três novas músicas que devem compor repertório do terceiro disco
EDILANE FERREIRA
SANGUE, SUOR 14
E CARNE LATINA
Foto: Rafael Passos
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E
la é quente, macia, mas aguenta porrada. É forte e só possui esses atributos porque ela é uma mistura de vários sons e estilos musicais. Carne Latina, segundo disco da banda Macumbia, assim nasceu e se desenvolveu em meio aos shows de divulgação do primeiro disco. Mais do que isso. Foi o público quem ditou o tom, faixa a faixa, do novo álbum, pois era nos shows que os 11 integrantes arriscavam as novas composições e assim foram escolhidas as oito músicas. O disco ‘inédito’ foi lançado no dia (15), com participação de Seu Pereira, Atômico e Tiago Moura, da Caburé Carimbó Clube. Mas não se enganem. A máxima de Cazuza, que diz que o tempo não para, se aplica direitinho ao Macumbia e, acreditem: no lançamento do segundo disco, já testaram três canções que devem entrar no terceiro. A primeira canção do Carne Latina já reflete sobre o que, de fato, influencia a
“AS NOVAS MÚSICAS EsTÃO MAIS INCORPADAS. OS MENINOS DA BANDA ESTÃO MAIS MADUROS E POÉTICOS” 16
Arte: Thiago Trapo
obra, que é o cotidiano de João Pessoa e de toda a América Latina. Independente de que estejamos em Peru, México, Venezuela ou Brasil, todos nós temos nossas inquietações e provocações. A canção Por que yo? é aquele questionamento atordoado que em algum momento nos fazemos diante de uma situação de desespero ou de satisfação. “Ay, que cielo, por que yo?”. Assim como em várias músicas do Macumbia, ela gravita levemente entre o português e o espanhol, mas esta especialmente carrega um ufanismo à Paraíba, descrevendo o jeito paraibano de conquistar através das aparências, porque “todos en el barrio sabe que yo soy decente” e “hay muchachos muy inocentes, muy inocentes”. Mas o título do álbum não tem nada a ver com sensualidade. “Por incrível que pareça, não tem nada a ver com a questão libidinosa. Muito pelo contrário. Carne Latina é miscigenada, misturada, como esse disco, que tem salsa, bolero, reggaeton, carimbó, pitada de brega, tudo que for música popular latina. Deu a ca-
sualidade que estávamos bolando nomes e quando começamos a ouvir o disco, a gente começou a pensar que o ideal seria Carne Latina. Porque ela é quente e o disco tá quente. Em algum tempo, a carne é macia, porém aguenta porrada com força. Ela é dura, forte”, explicou um dos vocalistas da banda, Eric Martinez. O álbum foi produzido na Mardito Discos durante quatro meses, em que fizeram do estúdio, seu lar. E olha que estamos falando de uma banda com 11 integrantes. “Eu agradeço a eles por terem nos suportado muito. A sensação foi de estar em casa. Demoramos quatro meses na preparação do álbum, porque somos meticulosos e queríamos lançar um trabalho muito bem lançado e muito bem feito. Foram quatro meses de muito aprendizado, preciosos e que jamais esqueceremos.”, relembrou. As oito canções foram compostas pelo Martinez, Thales Pessoa (vocal e guitarra), Bruno Braz (guitarra) e Rafael Faria (vocal e contrabaixo). Para que as ideias confluam e se tornem homegêneas e dialéticas,
que além destes quatro letristas, os demais da banda também participem da composição das melodias. “A gente sempre interage. Quando um está com uma letra nova, todo mundo se reúne para ver. A gente teve que aprender a organizar isso, porque somos 11, então a gente não tem egos exarcebados. Acho que o grande segredo da banda é isso.Não tem uma fórmula mágica para criar uma música, mas os meninos da banda são inteligentes pra c*****. Todo mundo cria, todo mundo sabe o que faz e é muito mais fácil trabalhar assim. Thales escreve mais sobre cotidiano. Já eu puxo mais para um lado latinoamericano hispano. Braz é um poeta. Ele tem um jogo de palavras absurdas, tem umas flexões de verbos que a gente se espanta. E o Rafael já leva mais pro lado da MPB, mais sentimental e romântico”, explicou Martinez. A arte do álbum é assinada pelo artista
visual Thiago Trapo, que confessou que para criá-la, o trabalho fugiu do que faz parte de sua rotina. “Primeiramente foi uma experiência que me exigiu uma pesquisa diferente do que ja estou acostumado. Isso que me animou muito e me deu um grande banco de imagens novas, idéias novas. Recebi o convite junto com um brainstorm, e percebi que o que eles queriam era algo que fugisse das primeiras imagens acústicas que se formam na nossa cabeça quando ouvimos o termo “Carne Latina”. Notei que eles buscavam algo mais pra dentro, mais profundo do que o que tal termo sugere de primeira”, revelou. “Optei por manter tudo que fosse sugestivo, diante o título do disco, de forma subliminar, a idéia da “Carne Latina” me soou como uma mulher forte, uma mulher de luta que carrega em seu rosto, seu corpo toda a diversidade, alegrias e sofrimentos de um povo. Optei
por “abrir” pedaços dessa figura para remeter a carne fatiada e dentro pus o recheio, o caldo grosso: todos nós latino-americanos”, explanou Trapo. NOVAS CANÇÕES E na noite do Carne Latina, três novas músicas foram apresentadas ao público: Para el mar, Tan Solo e Calango. De acordo com Martinez, a receptividade foi positiva e elas devem integrar o terceiro disco, que já está em fase de maturação. “As novas músicas estão mais incorpadas mesmo. Eu também to trabalhando diferente nas minhas composições, indo mais pro lado do imigrante, para mostrar o sofrimento de ter de sair de seu local de origem para outro continente. Os meninos estão mais maduros e poéticos. É muito engraçado, a gente acabou de lançar um disco e já estamos falando do terceiro”, revelou.
Foto: Delosmar Magalhães
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Foto: Carol Caldas e Edilane Ferreira
FRAGMENTOS COTIDIANOS E CONTRASTES SOCIAIS EM MOSTRA NORDESTE Como expressar sentimentos que são fruto da velocidade de um cotidiano cada vez mais fragmentado e automático? É isso que a Mostra Coletiva de Artes Visuais busca ao aproximar visões de artistas de todo o Nordeste que possuem essa temática em comum CAROL CALDAS
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stá chegando ao fim a temporada da exposição itinerante Mostra Nordeste de Artes Visuais, que segue em cartaz na Estação das Artes Luciano Agra, da Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Arte, no Altiplano. As visitações acontecem de terça a sexta-feira, das 9h às 21h, e aos sábados, domingo e feriados, das 10h às 21h. A entrada é gratuita e aberta ao público de todas as idades. A Mostra Nordeste de Artes Vi-
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suais reúne obras de artistas que têm em comum o fato de serem nordestinos que estão iniciando sua carreira artística na arte contemporânea. A primeira delas é esta instalação, que já recebe o visitante provocando sensações corriqueiras em nosso dia a dia, como descaso, abandono, sensacionalismo. A obra é de autoria do trio piauiense Jacob Alves, Bebel Frota e Cesar Costa. Outra obra de destaque da ex-
posição é da paraibana Íris Helena, que consiste em uma impressão a jato de tinta de diversos fragmentos de uma mesma situação, no centro da cidade de João Pessoa. Para a curadora educativa da Estação Ciência, Juliana Alves, a artista “faz um recorte de tempo de toda uma situação para poder montar uma cena. E aí entra a questão, o que é um momento? Um momento é só um momento? Ou ele é feito de vários momentos?”, questiona a curadora.
A obra “Sinto Muito”, da baiana Ieda Oliveira, também é uma das mais comentadas da mostra coletiva. Seguindo a linha de instalações conceituais, a obra busca, através de um trocadilho, provocar o visitante a pensar sobre essa frase tão pronunciada em diversas ocasiões das nossas vidas. Será que realmente sentimos tanto assim? Ou é só automatismo? Um olhar sobre o corpo humano, 2013
OUTRAS EXPOSIÇÕES Nísia Floresta – Resgate da história de vida e de luta dessa figura tão importante e significativa para a história do feminismo no Brasil.
Sinto Muito, 2013
Diário de Bandeja, Juliana Notari - 2010
Pernambuco, Bruno Vilela - 2012
Elas – Memórias e conquistas – Trata-se também de um resgate histórico feito através de fotografias e reportagens jornalísticas sobre diversas personagens femininas brasileiras em suas diferentes conquistas, seja ela na política, na música, na literatura ou nas artes. Um olhar sobre Brennand – Exposição coletiva fruto de uma ação voltada para a fanpage do Facebook e o perfil do Instagram do espaço Brennand, em Recife, onde as pessoas teriam que usar hashtags para identificar sua obra na ação. As dez melhores fotografias foram selecionadas para a mostra. Esporte para a vida – Exposição de fotografias do italiano Fabiano Avancini que retrata as atividades do Vietnam Veterans of America Foundation, em Angola, instituição que busca recuperar as vítimas das minas terrestres através do futebol.
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CRÍTICA
a loucura
que revela a lucidez
ANDRÉ LUIZ MAIA
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m mais um espetáculo do Coletivo de Teatro Alfenim, a sociedade e o consumismo continuam sendo seus alvos prediletos. Se em Milagre Brasileiro o pano de fundo eram os porões repletos de esqueletos (no sentido figurado e literal) do regime militar que obscureceu o Brasil por mais de duas décadas, em Memórias de Um Cão, a viagem no tempo nos leva até um pouco mais atrás: o Brasil de Machado de Assis. A peça de Márcio Marciano é, em linhas gerais, resultado da combinação de elementos de duas obras do Bruxo do 20
Cosme Velho: Quincas Borba e Memórias Póstumas de Brás Cubas, sendo o enredo do primeiro mais proeminente. O mestre-escola Rubião, interpretado por Adriano Cabral, vai da glória à lama, experimentando na pele as delícias do poder que o dinheiro traz e o sabor amargo da crueldade humana que esse mesmo dinheiro desperta. Confidente do filósofo Quincas Borba, Rubião se torna o único herdeiro de sua fortuna, sob uma condição: cuidar de seu cãozinho, também chamado Quincas (Paula Coelho,
um dos destaques da montagem). Saindo da realidade interiorana de Barbacena, Minas Gerais, parte para o Rio de Janeiro, deslumbrando-se com a opulência da Corte. E logo surge seu algoz, Cristiano de Almeida e Palha ( Vitor Blam), capitalista que cresce o olho em cima da fortuna de Rubião, subtraindo-a através de sua isca particular: a mulher Sofia (Lara Torrezan). Mais do que a narrativa de ascensão e queda, a história lança um olhar a respeito do sistema econômico, social e filosófico em vigência
naquela época – que encontra paralelos surpreendentes com a realidade de hoje. A filosofia fictícia do Humanitismo é apresentada através de rápidas intervenções, como espécie de esquetes, embebidas com o humor cáustico inerente às obras do Alfenim. A música também é um elemento que se repete, botando até mesmo os músicos Nuriey Castro e Mayra Ferreira para contracenarem com os atores - participações rápidas, porém boas e inesperadas. A cenografia ajuda a reforçar a crítica corrosiva do texto. Sob os pés dos ricos senhores, que discutem sobre propriedade e prosperidade, os rostos de escravos, evidenciando a hipocrisia de uma sociedade que se espelhava em ideais
de liberdade de pensamento e se encantava com as teses progressistas de pensadores europeus ao mesmo tempo em que permanecia atrelada a uma de suas mais terríveis crueldades. Se Rubião é consumido pela loucura, fazendo-se acreditar ser o próprio Napoleão Bonaparte, Cristiano se torna uma sombra de si mesmo, utilizando até mesmo sua mulher como isca para atingir seus objetivos. Na sociedade doente, o único personagem são, que nos dá uma visão mais sóbria dos fatos, está o cão. Aqui, evidencio o trabalho da atriz Paula Coelho, que consegue traduzir através de seu olhar o semblante de um cão, que observa incrédulo a bestialidade humana ao seu redor.
“a história lança um olhar a respeito do sistema econômico, social e filosófico em vigência à epoca - que encontra paralelos surpreendentes com atualidade”
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A ARTE POLÍTICA Com emoção e análise crítica, jornalista tece suas impressões sobre legado dos escritores Eduardo Galeano e Günter Grass, que faleceram no mês passado WALTER GALVÃO
A
perda de um grande artista abala e comprime o mundo espiritual da cultura, da criação intelectual, processos que a nós favorecem sentir intuitivamente o gostinho libertador da transcendência. Eduardo Galeano, uruguaio, 74 anos; e Günter Grass, 87, alemão, Nobel de Literatura de 1999, foram as perdas que a grandeza artística nos impôs esta semana [entre 11 a 13 de abril]. Chamo atenção para o fato de que ambos fizeram da arte literária uma estratégia política contra o autoritarismo e uma reivindicação de liberdade. A leitura de “As veias abertas da América Latina”, a obra mundialmente conhecida e estudada de Galeano, foi uma espécie de rito de passagem para a minha geração, aquela que testemunhou e sentiu na pele o maçarico aceso das paixões políticas e existenciais exacerbadas nos anos 1960 do século XX. Socialismo e comunismo convidavam os jovens e os inconformistas não só ao debate conceitual, dialético e ideológico; mas à prática concreta da contestação, também armada, ao cer-
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co das ditaduras que se espalharam principalmente a partir de 1964 pela América do Sul. Vivíamos a euforia retórica dos projetos de esquerda que seriam, sob a idealista e muitas vezes equivocada ótica da juventude imantada pelo legado teórico marxista que alimentou as revoluções soviética e cubana. Para muitos, esses projetos seriam capazes de reverter o poder hegemônico dos EUA, fonte principal de exploração predatória econômica e cultural da “nuestra” alienação política e portanto histórica. Acredito que li “As veias abertas…” em 1975 ou 76. O período era o da emergência da Operação Condor. Militares do Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e do Uruguai tramaram uma das mais temerárias armas da Guerra Fria por essas bandas. A Condor não mediria recursos para desmobilizar organizações esquerdistas que lutavam contra as ditaduras no chamado Cone Sul. O livro teve o efeito de um holofote no meio da noite da nossa quase ignorância a respeito de uma possível contab-
“A Ratazana”, livro de Grass, escrito nos anos 80 e “As veias...”, de Galeano, de 1971
ilidade da exploração a que os povos contatados pelos espanhóis foram submetidos quando da chegada dos europeus. É claro que muitos de nós sabíamos de Bartolomé de Las Casas e como havia sido cruel e insano o morticínio de incas, maias, astecas, dos nossos índios e a destrutividade do comércio de escravos da África. Entretanto, o clássico de Galeano, com todas as imprecisões históricas que apresentava, hoje sabemos disso, fazia a contabilidade macabra da tonelagem não só das riquezas materiais suprimidas, mas dos cadáveres. Além disso, a fluidez e a claridade de uma escrita que articula o abismo épico em que civilizações pré-colombianas foram lançadas, que dimensiona a desumanidade do colonialismo, que articula fatos comuns aos povos e que ao mesmo tempo queima de indignidade diante das esperanças mutiladas de tanta gente, foram suficientes para atrair leitores no mundo inteiro. Em 2010, quando um grupo editorial brasileiro lançou uma nova edição do livro, Galeano indiciou a sua atualidade. Mas, há um ano, ao participar da Bienal do Livro de Brasília, o escritor rejeitou “As veias abertas…”, para ele um equívoco bem intencionado de sua juventude. GRASS Romancista e artista plástico, Gunter Grass [na foto abaixo] é uma voz es-
pecial da literatura contemporânea alemã que nos diz do modo ocidental de sentir o universal (das angústias da crise civilizatória) e o particular (das nossas complexas circunstâncias na construção do cotidiano individual no coletivo) que nos provocam no agora daqui e de outras fronteiras. Impactou-me especialmente a leitura do seu romance “A ratazana”. Na memória que tenho dessa leitura, vejo uma espécie de crônica histórica e política do mundo através da presença dos ratos e como o escritor faz um tipo de espelhamento do modo de ser desses bichos, universalmente repudiados e paradoxalmente tão queridos por nós, com as atitudes humanas. Ratos e homens em promiscuidade na constituição do espaço adequado para sobreviverem e se reproduzirem, interdependência numa teia de ironia e um humor pleno de perversidades caricatas. Há um clima de pesadelo sutil, como é a crescente poluição dos rios, que impregna esse romance, para mim memorável, com personagens que nos revelam o humano em meio ao repulsivo. Grass viveu o nazismo por dentro e por fora, integrou forças juvenis que marcharam a favor de Hitler e fez uma rigorosa crítica da ideologia totalitária que
“A leitura de ‘as veias abertas...’ foi uma espécie de rito de passagem para a minha geração, aquela que testemunhou e sentiu na pele o maçarico aceso das paixões políticas” até hoje infelicita o mundo. Lembro-me agora de Goya em seu despojamento de qualquer sublime explícito, e da provocação existencialista de Kafka, principalmente naquela história em que uma ratazana é a cantora, a nos confrontar com certas qualidades torpes das invenções humanas e vejo muito desses dois criadores na de Günter Grass. O episódio de sua morte deve ser encarado como uma provocação a pensarmos mais e melhor no que podemos escolher no presente o que nos dará um futuro melhor. *Publicado originalmente no jornal A União.
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TRANSGRESSÃO E NOSTALGIA DE DÔRA
O Afetuoso Livro das Cartas é uma coletânea de correspondências com cara de fictícias, mas que são o reflexo da experiência de vida da autora ANDRÉ LUIZ MAIA
“
Transgredir, ao meu ver, seria pensar diferente, seria despojar-se de convenções e formalidades, o que acarretaria comportamentos não muito aceitos pelo comum das pessoas. Transgressão, para mim, é um ato de inconformismo, é a busca de espaços autênticos”. O trecho, extraído do livro O Afetuoso Livro das Cartas, pode explicar um pouco da força literária da paraibana. Em uma coletânea de cartas aparentemente fictícia, Dôra se emaranha na trama da realidade e imprime seu ponto de vista. “Algumas figuras do meu universo familiar, por suas peculiaridades, me chamaram a atenção, despertaram-me a curiosidade e fui guardando aquelas im-
agens. Bateu-me uma vontade compulsiva de juntar tudo em livro. Como fazer? Dei pseudônimos aos personagens, mantive nomes verdadeiros de lugares, praças, praias. A história foi ganhando cara de ficção. Como diz Ariano, só sei que foi assim”, esclarece. “Ao longo da vida, já me correspondi com muita gente. Poetas, loucos, adolescentes, pessoas idosas. Muitas cartas se perderam, a própria vida foi traçando rumos e tempos de validade para coisas”, pontua a escritora. “Até certo ponto considero-me transgressora, no sentido de que tento preservar meus espaços, minha integridade, ser eu mesma na sociedade e den-
tro de mim mesma. Sou capaz de chutar os paus de todas as barracas do mundo para defender meu lugar, minhas coisas, minhas crenças”, afirma. Foto: Bruno Vinelli
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POESIA VISCERAL E CRÍTICA EM MOVIMENTO Série de reportagens conta a trajetória poética e crítica, que completa este ano, 30 anos de carreira. Último episódio será exibido no próximo domingo (24) MATEUS FONSECA
O
Hiperativo Cultural produziu, neste mês de maio, a série “Hildeberto Barbosa Filho: poesia visceral e crítica em movimento”, que faz uma incursão na poesia e opinião de um dos maiores nomes da literatura paraibana. Neste domingo (24) será exibido a última parte, de três reportagens, em que Hildeberto faz uma análise do atual cenário literário, em que cita nomes como Astier Basílio. Hildeberto Barbosa Filho, que completa 30 anos de carreira e é também grande combativo da crítica literária do estado. Inspirado em Augusto dos Anjos e Manuel Bandeira, ele reflete em suas obras amores violentos, reflexões sobre à vida e referências à cidade natal, Aroeiras. No primeiro capitulo conhecemos
melhor a história do poeta, que se descobriu nos versos, e o peso de suas críticas logo no inicio da carreira. Também debatemos sobre seu primeiro livro A convivência crítica, seguido de A geometria da paixão, de 1986. No segundo episódio da série, ganham destaque nas falas de Hildeberto suas obras Livro da Agonia (1991), um grande poema disposto em tópicos e dividido entre páginas; Caligrafia das Léguas (1999), que é citado como a obra de teor mais erótico, com poemas que versam sobre o amor, o romantismo e o desejo sexual. Poeta em tempo integral, professor e crítico, Hildeberto reflete sobre a relevância de sua poesia, o que o impulsionou a criar versos que carregam tanto sentimentos particulares
como universais. Seus poemas dialogam com a vida e os sentimentos de muitas pessoas e seu estilo notável, que confere a sua produção poética uma identidade própria. A série contou com produção de Sandro Alves de França, reportagem e edição por Edilane Ferreira, imagens e edição por Delosmar Magalhães.
Assista!
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CONTO
O ASSALTO POR DIEGO DE OLIVEIRA Mais criminoso que o bandidinho que me levou os cigarros e os sapatos
[ ] Tendo a inesperada gentileza, incomum aos de sua farândola, de deixar-me um cigarro como gesto de agradecimento e os pés para que pudesse andar. Ah, e para o meu espanto, ainda teve a humildade em acender o surrado hollywood
o amanhecer surge pontual, todos os dias, me tirando sem qualquer aviso, todos os sonhos. Do que sonhei ontem à noite não me sobrou nada. Os abraços, os sorrisos, as pessoas inventadas pela minha vasta imaginação, exclusivamente para meu deleite, nada mais. Nem sequer um cigarro do sonho a alvorada me deixou. Carregou tudo com sua chegada trifunfal, apoteótica, e, ao contrário do bandidinho, não foi embora. Instalou-se sobre mim, cruzou as pernas e ficou. Todos os dias, a mesma violência, o mesmo peso irremediável dos dias, a perda eterna dos sonhos. Sonhar é correr em círculos. Tu atrás dos sonhos, o tempo atrás de tu. Rotação. Sinto as costas doloridas com o avançar do sol, instrumento maior da crueldade celeste, e do tempo, algoz maior. Sei que uma hora hão de ceder completamente, empurrando meu corpo ao chão, cansado, tal qual burro de carga. Talvez por isso não tenhamos olhos às costas, para não vermos os estragos que o tempo anda fazendo por ali. Em desespero, busco na rotina por pequenos prazeres, alegrias, confortos e alívios. Amigos, amores, vícios. Divertimentos. Todos eles acabam para sempre poucos segundos antes de os substituirmos por outros que também acabarão em breve. Tais alentos sequer existem essencialmente e eu sei bem disso. Os inventamos na tentativa pobre de reproduzirmos as grandezas que vivenciamos enquanto estamos sonhando, à noite. Quando o sol desponta no horizonte e nos impele à realidade, fazemos de conta que ainda estamos no comando e inventamos tudo isso apenas para fingirmos que acordar todos os dias não dói. Mas dói. (As pedras irregulares das calçadas estavam geladas e o contato delas com meus pés me passava uma agradável sensação. O cigarro estava perto do fim. Eram os dois últimos prazeres da noite, antes de deitar-me aos sonhos novamente. O bandidinho não foi de todo mal, no final das contas Amanhã é um novo dia e tudo isso já terá acabado para sempre). O tempo é foda.
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POESIA
POESIA
POR LAU SIQUEIRA
às vezes penso que mesmo quando estou por perto
POR NYKA BARROS Suzy e o pirulito Saí Sonhando Subindo a Serra Esperei passar os ventos Lambendo meu corpo magro E vi Sorrindo assustadoramente Suzy sorvendo um líquido Suave Que escorria pelos seus Grandes lábios E parecia ser feito De sugar esterilizado Com singelas bolinhas De várias cores ... Sentindo águas na boca Senti necessidade de sugar-lhe os beiços Mas, a sovina da Suzy Fechou o buraco Sem desconfiar que eu, Que quando quero cobiço,
Não desisto quando quero Lamber e saciar os vícios Arranquei o pwau do doce fora E abri a cratera egoísta Enfiando minha serpentina língua Dentro da gargantilha serena Suguei: papila por papila Chupei: até a última gota E antes que ela cuspisse Abri as amídalas tristes Para que gozássemos O delicioso pirulito 27
ENSAIO
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O BOSQUE POR LEONARDO ACCIOLY
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produção: naiara cavalcanti modelos: Moisés Morais e Priscila Sena
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AFINAL,
PADRÃO PARA QUÊ?
Qual é o tipo de corpo perfeito? Confira o editorial de moda, que também mostra outras publicações com essa mesma linha de pensamentoÉ isto que Elle propôs CARINA QUEIROZ
A
revista Elle está fazendo 27 anos agora em maio, chegando nesta segunda-feira (04) em todo Brasil. Para comemorar, ela coloca um novo e forte conceito para sua capa: a leitora. Através de uma capa espelhada – produzida artesanalmente, uma a uma – a leitora pode se ver, se sentir na capa. A ideia é das mulheres – e homens -, consumidoras desse produto se libertem dos padrões por anos impostos a elas – por vezes, através dessa própria revista.
leitoras a tirar suas fotos na capa e divulgarem nas redes sociais. As melhores selfies na capa irão para a edição de junho da revista. “Mais do que um case, trata-se de uma causa que estamos defendendo de que toda mulher tem sua beleza e que, portanto, merece estar na capa. A ideia é realmente homenagear quem está no centro da moda: as mulheres.”, afirma a editora de redação, Susana Barbosa. O editorial – também dessa edição – intutilado “Bonito é ser diferente”, mostra oito mulheres com belezas diverA chamada principal é a hashtag sas, reafirmando que a moda é #VocêNaCapa, que convida as democrática e que os padrões
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devem ser quebrados. Essa tendência de valorização da beleza natural das mulheres não é de agora, mas fico feliz que esteja finalmente alcançando de forma tão forte os meios que ditam a moda. Para provar isto, separamos abaixo outros editoriais e projetos que levam esse conceito. Projeto Beleza Real, de Negahamburguer O projeto busca por meio de grafite, intervenções urbanas, ilustrações, – e qualquer outra forma de se fazer ouvir – dar voz a mulheres que vivenciam o
preconceito, a diversidade e as pressões cotidianas da sociedade para se encaixarem nos padrões de beleza. Em 2014, foi publicado o livro Beleza Real, contendo 53 relatos ilustrados. De forma independente o projeto tem intenção de continuar visitando várias cidades do Brasil e América Latina recolhendo mais relatos dos desafios vividos pelas mulheres. Rediscovering the Goddess, da fotógrafa Jamie Beck Mostrando que existe sensualidade em mulheres curvilíneas, o editorial traz a modelo Jourdan Whitehead, norte-americana plus size, nua e sem filtros. Desconstruindo Eva, postos pela sociedade e pela da fotográfa Nih Fer- mídia. A exposição está no Usina Culturnandes al até 2 de junho. O local é aberTem a pretensão de retratar to ao público de segunda a sexta, a diversidade feminina, indo das 7:30h às 10:40h e das 13:30h de encontro aos padrões im- às 16:30h, e sábado, domingo e
feriados, das 14h as 16:30h. As exposições esno Usina Cultural até 2 de junho. O local é aberto ao público de segunda a sexta, das 7:30h às 10:40h e das 13:30h às 16:30h, e sábado, domingo e feriados, das 14h as 16:30h.
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CRÍTICA
o sertão
anacrônico e sensorial
SANDRO ALVES DE FRANÇA
O
Sertão isolado, anacrônico e sensorial, perdido num lugarejo de algum território do Nordeste brasileiro não-identificável com precisão geográfica – e nem precisa. O Sertão aqui é uma alegoria viva de sentimentos latentes: paixão, religiosidade, expectativa, melancolia, dor e esperança. O desejo liberta e une todos eles. Esse é o cenário de A História da Eternidade, primeiro longa do diretor Camilo Cavalcante. Trata-se de um elemento importante na narrativa do filme, praticamente uma personagem de fundo a interligar os dramas das figuras hu-
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manas que aparecem em cena. Aqui não se vê arquétipos fáceis, mas personagens complexas e ambivalentes. Suas falas, sua postura, os movimentos corporais, tudo é construído com uma sensibilidade ímpar. Até mesmo os silêncios são de uma eloquência verbal singular. Os gritos contidos nos silêncios denunciam a combustão interna das personagens, seu ponto de catarse prestes a eclodir – para felicidade e para a tragédia humana. Um filme marcado pela força e a cadência do olhar feminino. As protagonistas da História são três mulheres em diferentes fases
“É A PULSÃO DO DESEJO, DO AMOR REPRESADO, DO SONHO QUE ANSEIA PELO VOO LIVRE. A FORÇA DA TRADIÇÃO QUE SE CONFRONTA COM A ANARQUIA DO SONHO E DA VONTADE LATENTE”
da vida, que atravessam um momento decisivo. São interpretadas pelas paraibanas Zezita Matos e Marcélia Cartaxo e pela cearense Débora Ingrid. Zezita dá vida a Das Dores, uma idosa cuja família foi morar em São Paulo e o neto, que esconde um segredo, volta para revê-la, lhe dando um novo ânimo. Marcélia interpreta uma mulher na maturidade que sofre com a perda do filho pequeno e busca dar um sentido a sua vida. Junta-se a elas, Afonsina, uma adolescente cheia de expectativas que sonha conhecer o mar e viajar por outros lugares, interpretada por Débora. Esse é trio de protagonistas. A História vai desenvolvendo seu enredo em torno dessas mulheres e do universo subjetivo e emocional que as cerca. Nesse espaço cênico e dramático a figura do artista Joãozinho, interpretado magistralmente pelo grande Irandhir Santos, acrescenta uma dose de leveza e corrosão ao enredo, entrelaçando seu desfecho ao de uma das protagonistas, a jovem Afonsina. A cena da performance dele da canção Fala, de Secos e Molhados, é uma das sequencias mais esplêndidas do novo cinema brasileiro. A da “descoberta” do mar em meio ao Sertão idem.
O desejo de expandir-se, de mergulhar em outras águas, sentir novos ventos e respirar um novo ânimo permeia o interior e o enredo das personagens. Navegar é preciso. Viver sem tempos mortos mais ainda. O filme parte dessa premissa para apresentar o Sertão profundo: físico, geográfico, abstrato e emocional, de construção de símbolos e identidades que pulsam. É a pulsão do desejo, do amor represado, do sonho que anseia pelo voo livre. A força da tradição que se confronta com a anarquia do sonho e da vontade latente. A narrativa da película é consistente e fluida, relativamente convencional mas com alguns recursos mais arrojados. A linguagem preponderante é a dos olhares, das expressões dramáticas do elenco. Zezita, Marcélia e Débora, juntamente com Irandhir Santos e os demais Claudio Jaborandi, Maxwel Nascimento e Leonardo França formam o mosaico que justifica o filme, aliado a uma direção segura e hipersensível, que trabalha as sutilizas e nuances nos diálogos, sequências, enquadramentos e a performance dos atores, logicamente. A edição é eficaz, embora demonstre algumas inconsistências pontuais. Mas nada que comprometa essa que é uma das melhores e mais belas produções já realizadas no circuito audiovisual brasileiro. Alguns sentimentos são eternos, atemporais e atravessam fronteiras. A História da Eternidade é um filme sobre eles.
O filme é o primeiro longa do cineasta Camilo Cavalcante e conta com duas paraibanas em seu elenco: Zezita Matos e Marcélia Cartaxo
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hiperativo
CULTURAL