Revista hc ed 2

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EDIÇÃO JUNHO, N° 02 ANO 01

hiperativo CULTURAL

Hermano da natureza


CAPA

música

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Tulipa Ruiz faz turnê pelo Brasil para lançamento do novo álbum dia 11 de julho em João Pessoa e fala do seu novo projeto

Sanfona ultrapassa barreiras do regional e ganha o mundo. Mas há aqueles que acreditam que a arte está em crise

Entre memórias e homenagens, a vida e obra daquele que foi um dos paraibanos mais importantes para a pintura moderna no país

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Lançamento do novo EP da banda e nova turnê pelo Brasil e exterior

UnirVersos Novo EP de Atômico MC e resultado de sete anos de carreira: o tempo não pode parar

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LEIA+

Banda-Fôrra apresenta seu som em eventos gratuitos para a cidade

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Tríplice coincidência

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Jornalista retrata como a vida dá sinais de que tudo tem seu tempo

Arte Exposição Paixão Plástica reúne fotos do fotógrafo e cineasta pernambucano Breno César

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Uma parceria que dá certo: sustentabilidade e moda

Biografia

Bailarina paraibana com 40 anos de dança conta sua trajetória como artista

Crítica

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Moda

Novo som, novo rock Augustine A zul vem inovar o cenário progressivo e instrumental da cidade

Um olhar socio-político no cinema: debates e mostras sobre o tema são mais recorrentes

Música para comunidade

Forrobodó Parahyba

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Tradicional e moderna

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CINEMA

SUMÁRIO

Uma leitura vespertina e encantadora: o ensaio A escultura grotesco-fantástica de Mestre Galdino

Colaborações Contos, crônicas, prosa, poesia dos nossos leitores já tem seu lugar garantido

Ensaio

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Max Brito revela, através de imagens fantásticas, o seu olhar sobre as paisagens


EDITORIAL

O

ciclo da vida se completa para o maior artista plástico, ícone e referência para várias gerações de pintores paraibanos. Mas a sensação não pode ser de tristeza, mas sim de luta. Hermano José amou a natureza e cada pedaço de verde desta João Pessoa cada vez mais urbana e a melhor forma de lembrá-lo não é apenas com memórias, lágrimas e causos, mas também fazer a nossa parte na preservação do meio ambiente. A natureza deu vida às telas de Hermano e também foi guia para os passos e estilo de vida que adotou para si. Para quem teve a oportunidade de conhecer a casa dele, sabe que ela era rodeada de árvores e outras plantas. A varanda tinha a visão direta para a falésia do Cabo Branco. Sim, Hermano foi da natureza. Irmão da natureza. Poderíamos dizer que seu nome e sobrenome foi Hermano da Natureza. A prova disto é a obra que ele deixou. Cada retrato de Gramame, dos efeitos da erosão da falésia ou até mesmo aqueles quadros sob influência da natureza morta, são declarações de amor pelo meio ambiente e mensagens de indignação às agressões do homem ao que é vital. Esta edição pretende mostrar um pouquinho da figura humana de Hermano sob a ótica de Seu Manoel, caseiro do pintor. Ele foi a pessoa mais próxima de Hermano nos últimos dez anos e emoção é o que não falta em seu relato. O artista plástico Dyogenes Chaves e o jornalista William Costa também ressaltam a importância de Hermano, de seu trabalho, de sua técnica. Walter Galvão, em A União, publica artigo sobre a morte de Hermano e expõe como a vida dá sinais de que tudo tem seu começo, meio e fim. E que o fim também pode ser anunciado por coincidências. E nós do Hiperativo Cultural, decidimos resgatar nesta edição relato tão emocionante. Estamos em junho, mês atípico e mais festeiro do ano. Trazemos também uma reportagem sobre o poder da sanfona, como é difundida entre gerações e cada vez mais evolui e encanta multidões. Mas a segunda edição é especial não apenas pela luz de Hermano. Aqui temos as primeiras colaborações poéticas de nossos leitores. Nos surpreendemos com a quantidade de material enviado à nossa redação. Foi difícil a escolha, mas temos poesia, crônica e contos de uma galera inspirada e talentosa. O tempo não para. Boa leitura! Edilane Ferreira Editora Geral

EXPEDIENTE EDIÇÃO JUNHO, N° 02 ANO 01

hiperativo CULTURAL

Hermano da natureza

CAPA: Pintura de Hermano José, 2013. Foto: Leonardo Accioly

O HIPERATIVO CULTURAL É: DIRETOR PRESIDENTE Emanuel Limeira DIRETOR ADMINISTRATIVO Leonardo Accioly DIRETORA FINANCEIRA E MARKETING Thatiuska Lima EDITORA GERAL Edilane Ferreira EDITOR ADJUNTO Sandro Alves de França EDITORES SETORIAIS Carol Caldas, Carina Queiroz, Mateus Fonseca e Samara Mello FOTOGRAFIA Delosmar Magalhães Leonardo Accioly PROJETO GRÁFICO DIAGRAMAÇÃO Carol Caldas Edilane Ferreira JORNALISTA RESPONSÁVEL Edilane Ferreira DRT/PB: 2730 CONSELHO EDITORIAL Edilane Ferreira, Carol Caldas, Delosmar Magalhães, Sandro Alves de França, André Luiz Maia, Leonardo Accioly e Emanuel Limeira COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Ana Pereira, Clara Luna, Diego de Oliveira, Elisa Damante, Graça Damante, Walter Galvão, Max Britto e Wellington Pereira SITE http://pb.hiperativocultural.com/ CONTATO redacao@hiperativocultural.com


EQUIPE 2 4 6

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1.

Emanuel Limeira é programador, graduando em

2.

Leonardo Accioly é fotógrafo profissional,

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ra financeira e marketing.

4.

Edilane Ferreira é radialista, jornalista, graduanda em Letras e editora geral.

5.

Carol Caldas é graduanda em Mídias Digitais,

6.

Thatiuska Lima é graduada em História e direto-

designer, diagramadora e editora da seção de Artes. Delosmar Magalhães é radialista, cinegrafista e

editor de vídeo.

7.

Sandro Alves de França é licenciado em Let-

8.

Carina Queiroz é graduanda em Design de

ras, graduando em Jornalismo e editor adjunto.

Moda e editora da seção de Moda. Samara Mello é bailarina, graduanda em Jornal-

ismo e editora da seção de Dança.

é graduando em Jornalismo e 10. editor da seção de Literatura. Mateus Fonseca

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graduando em Comunicação em Mídias Digitais e diretor administrativo.

3.

9.

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Comunicação em Mídias Digitais e diretor presidente do Hiperativo Cultural.

San Vilela é graduanda em Jornalismo e diretora

de programação e eventos.


Nada de passado. A sanfona é um instrumento que encanta não apenas no forró, mas em concertos musicais de estilos nunca antes imaginados. A prova de que ela se reinventa é a quebra de tabus. O pensamento de que sanfona é só pra cabra macho tocar é um equívoco que a paraibana Lucy Alves mostra em suas performances mundo afora, sem reclamar do peso do acordeão. Sobre o futuro, o sanfoneiro Cezzinha acredita que o momento é de crise poética e musical ANDRÉ LUIZ MAIA

tradição cruzando as barreiras do tempo e espaço


Fotos: Divulgação

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uiz Gonzaga, Sivuca e Dominguinhos, incontestavelmente, foram responsáveis pela popularização da sanfona (ou acordeão) em todo o Brasil e pela mítica ao redor do instrumento. Eles também foram responsáveis por abrir caminho para que outros músicos pudessem trilhar por essa vereda. Atualmente, a paraibana Lucy Alves e o pernambucano Cezzinha são duas figuras proeminentes neste cenário. Pouca gente sabe, mas o instrumento, celebrado como um dos símbolos da cultura nordestina, têm vínculos com o Oriente. No caso, a sua origem. O protótipo de “sanfona”, chamada de cheng, surgiu há cinco mil anos, na China, constituído por um canudo de sopro e tubos de bambu. Sua forma era semelhante a Fênix, a ave mítica que renasce das cinzas. Assim como sua inspiração, a sanfona

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vem renascendo e se reinventando, resistindo à passagem do tempo. A forma do instrumento como conhecemos hoje em dia foi forjada na Europa, por várias mãos, dando origem também à gaita. No Brasil, ela chega entre 1837 e 1851, trazido por imigrantes alemães e italianos. Na família por parte de pai, o bisavô de Lucy Alves já tinha o hábito de tocar. Depois, foi a vez de um de seus filhos, tio dela, apresentar aquela sonoridade à menina curiosa que tinha a música correndo por suas veias desde pequena, sob o centenário pé de cajarana da casa de sua família, em Itaporanga. Contudo, o interesse pelo instrumento veio bem “tardiamente” – considerando que Lucy era apenas uma adolescente quando começou a tocar o acordeão. “Por incrível que pareça, a sanfona foi o último instrumento que eu aprendi, quando tinha 15, 16 anos. O Clã Brasil já estava constituído e precisávamos de

“É um instrumento difícil de manejar, mas eu sempre fui teimosa. o desafio me motiva ainda mais” Lucy alves


uma sanfona, por isso pensei em aprender. Já tocava violino, bandolim e piano, mas não me dava conta do quanto eu viria a gostar do instrumento. Só depois de virar a sanfoneira do grupo foi que eu me apaixonei. Começou cedo e tarde ao mesmo tempo”, explicou. No caso de Cezzinha, a música veio pela necessidade. “A sanfona ‘salvou a lavoura’ lá em casa, como costumo dizer. Saí de casa aos doze anos para sustentar a minha família tocando”, conta. Apesar de não ter sido um início romântico, a paixão desabrochou, assim como as flores de cacto que surgem em meio às paisagens mais secas. “Acho que a sanfona tem uma ligação comigo de vidas passadas que continua nesse novo mundo, me ajudando e resolvendo a minha vida. Me entrego completamente a ela com muito coração e com muito respeito às raízes”, afirma o músico. Ambos, além de instrumentistas, são vocalistas que defendem o acordeão. Se, para Lucy, a sanfona veio primeiro, para Cezzinha, ela foi sua primeira voz. “Eu era músico de vários artistas e, por conselho de artistas como Dominguinhos e Terezinha do Acordeon, eu passei a cantar. Foi quando eu descobri um novo mundo que é justamente o do sanfoneiro que canta”, relata.

sim, elas podem Gonzagão, Sivuca, Dominguinhos. Grandes músicos, talentos inquestionáveis. Porém, todos homens. Figuras como Terezinha do Acordeon desenvolveram um trabalho com o instrumento, mas jamais conseguiram visibilidade e reconhecimento como os citados anteriormente. Para Lucy Alves, isso vem mudando. “A sanfona vem ficando popular entre as mulheres. Vejo nós, tanto aqui, na Europa, nos Estados Unidos, tocando cada vez mais, se apropriando de um instrumento considerado do universo masculino. São instrumentistas que tocam bem pra caramba, continuando uma tradição que vem desde Chiquinha Gonzaga”, pontua.

Além do machismo, infiltrado em todos os espaços da sociedade e que se reflete no ambiente da música, um fator técnico afastava as mulheres da sanfona: seu peso. “É um instrumento difícil de manejar. Os homens já reclamavam de dor na coluna, mas eu sempre fui teimosa. Gostava de instrumentos pouco convencionais e o desafio me motiva ainda mais. Hoje, temos um cuidado bacana com o corpo e com a postura da coluna, o que facilidade o surgimento de mais sanfoneiros, homens e mulheres”, explica. “SOFREMOS UMA CRISE POÉTICA E MUSICAL” No imaginário popular, a sanfona é ligada intrinsecamente à tradição. Mas, tanto para Cezzinha como para Lucy, não se trata de um instrumento fadado ao passado. “Hoje em dia a gente vê instrumentistas jovens tocando muito bem. Os grandes mestres criaram uma escola muito sólida e a tendência é que a gente veja cada vez mais gente talentosa entrando para o mercado”, relata Lucy. Um pouco menos otimista, Cezzinha admite que às vezes se preocupa com o cenário. “Sofremos uma crise poética e musical. O comércio está engolindo toda

a essência, o coração e a poesia, mas tenho fé de que a sanfona seja um instrumento do futuro, como Luiz Gonzaga desde sempre disse”, pontua. “Eu não vejo a sanfona sendo esquecida, de jeito nenhum, pelo contrário”, rebate Lucy Alves. “Ela está sendo descoberta e redescoberta a cada dia, com novas combinações. Na Europa, a gente vê sanfona sendo usada em concertos. É um instrumento que te dá possibilidades infinitas, podendo tocar tango, forró ou uma peça de Vivaldi”. Cezzinha acredita que a missão é dar prosseguimento a essa estrada. “É preciso ser parceiro, para que não deixemos a cultura morrer. Por mais que haja comércio, sempre haverá uma sanfona bem tocada, com o coração, preocupada com nossas origens”, completa Cezzinha. Foto: Divulgação

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Fotos: Edilane Ferreira

anacronia de son que propagam o forrobodó

Buscando influências antigas e seguindo novos horizontes, Os Fulano lança o EP Forrobodó Parahyba e se prepara para turnê pelo Brasil e no exterior EDILANE FERREIRA SANDRO ALVES DE FRANÇA

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á seis anos na estrada levando forró de raiz – e de alta qualidade – aos palcos e fazendo o público cair no arrasta-pé, a banda Os Fulano comemora a trajetória lançando seu primeiro EP, Forrobodó Parahyba. Com cinco canções inéditas, o álbum foi disponibilizado para download na internet. Jader Finamore, cavaquinista

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e arranjador da banda, explica sobre a proposta e o processo de construção desse primeiro álbum de Os Fulano. Último a fazer parte do grupo – entrou há um ano e meio – ele também destaca a importância de produzir canções novas como uma forma de dar seguimento ao legado deixado pelos grandes ícones do gênero.

“Nossa proposta é mostrar o nosso trabalho de músicas autorais. Como o forró é muito forte e muito marcante na cultura (local), é muito difícil de desvencilhar de cantar os grandes mestres: Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Jackson do Pandeiro. Além de cantá-los, ouvi-los e admirá-los queremos continuar com isso. Então, temos essa proposta de


ns

sempre compor, de sempre escrever músicas novas, arranjos novos e essa é a proposta do disco”, enfatiza. “É um disco com cinco músicas inéditas e que a gente quer continuar com os passos que os mestres deram lá atrás”, reforça ele. Após o lançamento oficial, realizado num show na Usina Cultural Energisa, que contou com a participação da banda Os Gonzagas, Os Fulano se preparam para promover o repertório de Forrobodó Parahyba. O EP pode ser ouvido e adquirido via Soundcloud, ITunes, Google Play, Deezer, Spoti-

fy, Amazon e outras plataformas digitais. “O disco está disponível nas redes e nossa ideia é tentar divulgá-lo, tentar fazer com que rompa as fronteiras regionais e ganhe o mundo”, ressalta Jader. Ele revela ainda que o primeiro álbum tem como principais influências o grupo Três do Nordeste, que participa da última faixa do EP, do Trio Nordestino, com a participação especial de Genaro, um dos integrantes, além dos ícones Marinez, Abdias e os já citados Dominguinhos e Jackson do Pandeiro.

artistas importantes sendo preparado. A agenda de shows até o final do ano segue cheia. Em setembro eles fazem turnê pelo Sudeste brasileiro, com shows em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro depois voltam a Paraíba e em dezembro fazem turnê internacional pela Europa, onde participam do Festival Baião em Lisboa. Depois se Turnê internacional apresentam em Paris, na França e em A banda Já tem seu primeiro um clipe Londres, Inglaterra para, em seguida, lançado no youtube, da canção Do Jeiretornar para casa, em terras paraibato Que o Forró Gosta, a faixa gravada nas. com o Três do Nordeste, e um novo clipe sendo com participação de outros

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Fotos: Divulgação

Baião da jamaica

na positividade do ragga de ‘unir versos’ Atômico MC lança Unir Versos, com influências do ragga ao reggae e resultado de sete anos de carreira. Mas para ele, o tempo não pode parar e por isso, o músico revela ao Hiperativo Cultural que já está em fase de produção seu próximo EP, com previsão para setembro EDILANE FERREIRA SANDRO ALVES DE FRANÇA

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ançando o primeiro EP da carreira, o músico Atômico MC se prepara para galgar novos horizontes através do seu trabalho musical. Unir Versos, título do álbum, reúne o resultado de mais de sete anos de atividade promovendo a cultura do ragga e do dance howl, variantes

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da cultura hip hop que vem ganhando destaque no circuito local. “Já venho durante todo esse tempo massificando essa cultura, que tem uma levada num ritmo que se assemelha muito com o forró e com o baião, mas com uma linguagem meio underground, meio rap. É uma coisa world

music mesmo. Tem muita coisa reggae também, porque o dance howl e o ragga são uma espécie de reggae eletrônico”, explica. Com um nome que é trocadilho poético, Unir Versos traz uma proposta musical arejada, que busca atingir uma vibração positiva e envolvente através


do ritmo e da cadência do ragga e do dance howl, fazendo com que o público seja envolvido e entre nessa sintonia. música para transformar mundos “Unir Versos trata de positividade, de estar bem, independente de qualquer coisa. É como se fosse agregar vários sentimentos, várias coisas positivas”, destaca. “Se não transmitirmos isso a violência vai cada vez mais dominar a situação. É uma forma de mostrar que existe solução para as coisas e que nem tudo está perdido”, reforçou o artista, ao falar do caráter transformador e instigante da música e do que

motiva a sua produção musical. Além da canção da canção homônima, o álbum conta com os singles Verdadeiro Rasta e Espera Aí. O EP tem mais 7 músicas, totalizando 10 faixas inéditas. A mistura de ritmos, que inclui elementos da música regional, dá o tom do disco, que revela uma sonoridade híbrida e intrinsecamente ligada aos elementos culturais do território e dos símbolos que ele enseja. ragga das moléculas Ainda lançando seu primeiro disco, Atômico revela que já está cuidando da produção de um novo álbum. “Estou fazendo um outro EP que deve ser lançando em setem-

bro, que é o Ragga das Moléculas, que tem uma conotação mais feminina, mais dançante, menos dance howl, uma levada mais jamaicana”. Sobre a mistura de ritmos presente em seu trabalho, ele é espirituoso. “Digo sempre que meu estilo de som é o baião da Jamaica”, afirma com bom humor.

Foto: Sávio Sarmento

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Foto: Roberto Carvalho

rock psicodélico EM TONS AZUIS

Power trio pessoense vem inovar o cenário instrumental e progressivo da capital, acrescentando influências reggae, afrobeat, stoner metal, indie e muito rock CAROL CALDAS

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ada se começa sem um primeiro passo. E foi unindo influências, amigos, força e muita vontade de tirar um som que o trio João Yor, Jonathan Beltrão e Edgard Moreira descobriram o mais novo projeto que já está compondo o cenário alternativo e cultural da cidade: Augustine Azul. A proposta, segundo a banda, é produzir som instrumental e autoral com características de rock progressivo, inspirando-se em estilos diversificados, como reggae, por exemplo.

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O fundador e guitarrista do grupo musical, João Yor, revela que o trio decidiu concretizar a ideia a partir de uma necessidade pessoal de se fazer um som para sua própria satisfação. E foi assim, chegando a um denominador comum entre esse power trio, que a banda e seu sonho de produzir algo para alimentar a alma surgiram. Tudo começou após uma jam session na casa de um dos amigos e ex-integrante da banda, Ernani. Assim, de forma espontânea e inesperada, nasceria a química necessária para ser o

pontapé desse novo projeto de rock progressivo e instrumental que vem incorporando o cenário alternativo na capital. A banda recém-formada em João Pessoa está atualmente em estúdio produzindo o seu primeiro EP, com músicas próprias e influências que vão do reggae ao metal. O lançamento acontecerá dia 04 de julho, no Centro Cultural Espaço Mundo, e contará também com o lançamento do primeiro single da banda e um documentário.


ocupar espaços para ir além da canção A Banda-Fôrra está em pleno vapor e apresenta, também, seu som em eventos gratuitos como forma de estar mais perto da comunidade e dizer “o que não pode dizer na música” EDILANE FERREIRA SANDRO ALVES DE FRANÇA A Banda-Fôrra vem ganhando projeção no circuito alternativo de música na Paraíba ao trazer uma identidade musical com elementos de rock psicodélico, batidas eletrônicas e melódicas além de singles dançantes. Dessa mistura surge um som que congrega públicos diversos. O grupo lançou, recentemente, seu primeiro álbum, com título homônimo, na internet, para download gratuito. Eles pretendem agora se dedicar a promover o disco, reforçando seu repertório, que conta com seis faixas inéditas. O single de trabalho é Momento e Movimento, canção que fala sobre dançar. Nas últimas semanas a banda fez uma série de shows gratuitos: na UFPB, dentro da Semana de Luta Antimanicomial e no II Ocupa Pavilhão, movimento que reuniu vários artistas de diversas modalidades para dar visibilidade a bandeira da ocupação sustentável do espaço urbano.

“São shows que tem caráter parecido, de comunidade, de agregar, são shows gratuitos e está todo mundo somando. Pra gente é uma alegria danada somar com tanta gente de tantas áreas diferentes, ocupando a praça viva, cheia de gente, é lindo!”, ressaltou o vocalista Gustavo Limeira sobre a participação da Banda-Fôrra nos eventos citados. Perguntado sobre a importância de interagir com a comunidade e seus espaços participando de eventos voltados a questões sociais e políticas, Gustavo foi mais enfático. “Pra gente é importante. Nem sempre a gente tem chance de colocar tudo aquilo que a gente acredita na letra da música. Então, a gente vai lá e ocupa os espaços. É uma forma de complementar o que a gente não pode dizer na canção. Ocupar a praça, ocupar a universidade, ocupar os espaços, é algo que está dentro da gente enquanto artista e enquanto pessoa”, reforçou ele.

harmonizando estilos Conciliando a participação em duas bandas, a Banda-Fôrra e A Troça Harmônica, Gustavo revela as peculiaridades de atuar, paralelamente, em dois projetos musicais. “Esses dois trabalhos têm muita coisa em comum porque são uma oportunidade de trabalhar meu lado compositor. Na minha cabeça eles nunca entram em conflito justamente pelo que eles têm de diferente. Pra mim, eles se complementam”, afirma. “A Troça é um trabalho eminentemente vocal, tem muita voz, a palavra está na frente. E a Banda-Fôrra não. É muito mais textura, tem muitos outros instrumentos cantando comigo”, conclui ele, que revela uma novidade que deve causar alvoroço entre os fãs das duas bandas. “Não existe conflito (entre a Banda-Fôrra e A Troça Harmônica). Inclusive, brevemente a gente pretende juntar os dois no palco”, adianta Gustavo.

Foto: Delosmar Magalhães

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Fotos: Divulgação

flerte com a Bossa nova Em Dancê, Tulipa Ruiz traz elementos da disco music e o groove dos anos 1970 em um trabalho despretensioso e conciso. Entre as parcerias, João Donato, um dos grandes músicos da bossa nova. Show da turnê do CD acontece em João Pessoa no dia 11 de julho ANDRÉ LUIZ MAIA

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ancê. A proposta? Explorar a geografia do corpo, fazendo com que os sons despertem uma reação física imediata. O terceiro disco da cantora e compositora paulista Tulipa

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Ruiz, que chega às lojas em formato físico, digital e que pode ser ouvido gratuitamente em seu site, é o mais dançante de sua discografia. Mas não espere um amontoado de batidas alucinantes e a sonoridade

de uma pista de dança, pura e simplesmente. Mas, deixemos para que a própria explique. “O Dancê foi pensado como um álbum que, em uma primeira audição, você celebrasse com o corpo, pensando nas infinitas


possibilidades que uma dança pode ter. Em grupo, coletivo, numa pista ou simplesmente aquela dança em que você fecha o olho e curte sozinho em casa”, pontua Ruiz. E, adentrando no repertório, é possível sentir isso. Para quem quiser um bom resumo do que há em Dancê, talvez a melhor recomendação seja começar pelo fim, com a apoteótica “Algo Maior”, com participação da banda Metá Metá. Mas, para os menos apressados, vale a pena acompanhar a transição de humores e colorações sonoras que o CD proporciona. Começando com “Prumo”, onde a linha de baixo guia o suingue, as pitadas de metais suaves preparam terreno para “Proporcional”, música de trabalho do álbum. Com uma pegada de disco music nacional, a canção fala sobre a pluralidade de formatos de casais, com seu inescapável refrão “visto GG, você P”. A música, por sinal, surgiu quase que por acaso. Em uma reunião de elaboração do repertório na casa de seu irmão, Gustavo Ruiz (produtor do disco e parceiro da irmã desde o primeiro CD), veio o clique. “Fomos gravando algumas coisas e, no meio disso, Gustavo fez um beat. Logo, veio o refrão na cabeça. Daí, foi só entender o que esse refrão estava dizendo para mim para a

música vir completa”, relata a cantora e compositora. Do lado mais introspectivo, uma participação com João Donato, um dos medalhões da bossa nova, em “Tafetá”. “Ele é o menino mais lindo da música brasileira”, se derrete Tulipa, orgulhosa com a parceria. No campo das parcerias, também há “Virou”, um encontro de gerações. Tulipa e seu pai, Luiz Chagas, convidaram os paraenses Felipe Cordeiro e Manoel Cordeiro para a faixa, que incorpora a rítmica característica paraense, em mais uma variação das nuances de dança do álbum. “Eu diria que, pensando em universo de dança, o Dancê iria de Sarajane a Pina Bausch”, afirma Tulipa, caindo na gargalhada. Dancê é a malemolência e a atitude despojada do axé oitentista de Sarajane e a coreografia aliada à contação de histórias da coreógrafa alemã. Não por acaso, letras como “Prumo” (início da independência e da vida adulta), “Proporcional” (amor que supera diferenças físicas) e “Expirou” (sobre resiliên-

cia) mostram essa outra camada. “É um disco que você pode escolher qual camada você quer seguir, pois ele te dá várias possibilidades diferentes. Eu gosto muito quando você se relaciona com o disco, escuta várias vezes e as leituras vão se transformando, interpretando o CD de várias maneiras. Se eu conseguir fazer isso acontecer com quem me escuta, vou ficar muito feliz, meu objetivo foi alcançado”, afirma Tulipa Ruiz. A turnê, que começa no fim deste mês em São Paulo, deveria começar por Salvador, mas um problema de agendamento frustrou seus planos. No entanto, ela deve fazer sua primeira parada no Nordeste em 9 de julho, na capital baiana. Na Paraíba, Tulipa esteve duas vezes: em 2010, com a turnê de Efêmera, em uma apresentação no Teatro de Arena do Espaço Cultural, e em 2012, no Festival de Artes de Areia, com músicas de Tudo Tanto, seu segundo CD. Ela pretende trazer o show de Dancê para João Pessoa, da qual guarda boas lembranças. “Eu adorei, é uma cidade ‘baixinha’, sabe? Não tem prédios altos à beira-mar, dá pra entender direito a geografia da cidade. É uma cidade muito charmosa e uma plateia com energia diferente. Quero muito voltar”, conta Tulipa.

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CAPA

Hermano era um cara pacato, porém genioso. Mas além disso, foi sensível em sua arte e em suas relações sociais. O pintor, que morreu no último mês com 92 anos, dedicou mais de sete décadas ao que fazia de melhor: retratar suas inquietações sobre o meio ambiente e as agressões do homem à natureza em suas telas, que transitavam em várias vertentes das artes plásticas. Hermano também era considerado um pai. Pai daqueles que seguiram seus passos nas pinturas e gravuras produzidas na Paraíba. Pai de quem compartilhou de sua presença, de seu respeito e afeto SANDRO ALVES DE FRANÇA

memórias afetiva

sobre um artista moderno e provocati

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Foto: Rafael Passos

as

ivo

Fotos: Leonardo Accioly

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Ele dizia que eu era o anjo da guarda dele”, relembra Manoel José Paulino sobre o artista plástico Hermano José. É ele quem nos recebe e que nos revela, já de cara, a relação de proximidade com o artista cuja a casa pertenceu e que parece estar presente em cada recanto, em cada objeto. Uma casa antiga, com aspecto relativamente envelhecido e cercada de árvores e plantas. Escadas de madeira, vitral na janela, centenas de livros, esculturas quadros e imagens sacras. A aparência é de um velho sobrado à beira mar, que revela um relicário de uma vida inteira dedicada as artes. É esse o ambiente da casa do artista plástico Hermano José, situada no bairro do Bessa, em João Pessoa. Uma das poucas na região com a estrutura original preservada. Foi lá que o artista paraibano viveu por mais de meio século, até sua morte, em maio desse ano, decorrente de complicações renais. Completaria, no próximo mês, 93 anos. Foram mais de sete décadas imersas no universo das artes

plásticas e um legado singular para o circuito artístico paraibano e nacional. A casa, hoje sob responsabilidade da Universidade Federal da Paraíba, preserva o estilo e as peculiaridades da personalidade do artista. É possível sentir a presença de Hermano na sala, com sua poltrona ladeada de livros, esculturas de arte e imagens sacras, no quarto onde ainda permanecem algumas de suas telas. Objetos antigos: telefone, relógios, CDs, móveis coloniais, cartazes de filmes. O moderno e o tradicional coexistindo numa harmonia nem sempre aparente. Seu acervo e sua residência hoje são mantidos pela UFPB. O próprio artista procurou a instituição em 2014, sugerindo a preservação das suas obras. Foi criada uma sala dedicada a obra de Hermano José e a universidade contratou como funcionário terceirizado Manoel, que abriu as portas da casa para reportagem da revista Hiperativo Cultural. Ele seguirá cuidando da casa de Hermano, onde deverá ser inaugurado um memorial. Seu Manoel conta que conheceu Her-

Seu Manoel foi cuidador da casa de Hermano por uma década, em que ambos desenvolveram uma relação familiar. Para ele, o pintor era um segundo pai

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mano através de um amigo e que passou a trabalhar na casa dele em 2005. Conviveu, portanto, por uma década com o artista. Ele revela detalhes da rotina do pintor consagrado. “Seu Hermano era um homem que andava pra todo canto, era muito ativo, sempre estava fazendo alguma coisa, pintando, escrevendo. Depois que ele começou a sofrer com os problemas de saúde, aos 92 anos, é que ele ficou mais parado, passou 4 meses doente e

nessa doença ele se foi”, relata. Outro traço identificado pelo funcionário, era a generosidade de Hermano em ajudar e acolher as pessoas. “Pra mim seu Hermano foi como um segundo pai. Ele não marcava distância pra nada, estava sendo ajudando as pessoas que precisavam dele. Ele era um batalhador para ajudar o próximo. Não gostava de deixar ninguém desamparado”, destaca Seu Manoel. Com semblante sereno, ele se mostra

tocado quando perguntado sobre ausência de Hermano e sobre sentir a presença dele nos espaços da casa. “Seu Hermano a todo momento sempre está perto de mim. Eu sinto (a presença dele) porque quando se convive com uma pessoa durante dez anos é como se fosse um pedaço de nós, pois quando a gente se apega a uma pessoa nunca vai esquecer, ela sempre vai estar por perto da gente”, revela com serenidade e emoção.har que transmite serenidade e emoção. A partida recente do amigo, que A19


A partida recente do amigo, que ele via como um segundo pai sedimentou em Seu Manoel a admiração e afeto que nutria por Hermano. Ele cuida da casa, dos objetos, das plantas e dos animais com uma dedicação e uma resignação que comovem. Ele fala do maior aprendizado deixado pelo artista. “O que de mais importante eu aprendi com seu Hermano foi a bondade com as pessoas, a amar os bichos, a cuidar”, concluiu. vida e obra Nascido em 1922, portanto, no ano da Semana de Arte Moderna, evento histórico realizado na cidade de São Paulo e que exerceu forte impacto na cultura e na arte brasileiras - na pintura especialmente – Hermano José viria a se transformar num dos pintores modernistas mais proeminentes do país. Interessou-se pelo universo da pintura ainda criança. Na adolescência, pode desenvolver a técnica e no início da fase adulta, com pouco mais de 20 anos, produziu seus primeiros quadros profissionais. Tendo passado parte da infância no Engenho BaixaVerde, propriedade agrícola da família e no município de Caiçara, cidade pequena do interior paraibano, Hermano veio em 1936 morar na capital, João Pessoa. Fez o ginásio (hoje equivalente ao fundamental maior) na Escola Normal, onde teve contato com aulas de desenho, depois ingressou no que viria a ser conhecido como Colégio Lyceu Paraibano. Lá Hermano pode estudar com fotógrafos pintores como Olívio Álvares Pinto e o sueco Eduard Stuckert, com quem aprendeu a técnica da aquarela e aprofundou seus estudos em desenho. Aos 23 anos foi convidado a integrar o conselho diretor do Centro de Artes Plásticas da Paraíba, entidade que dava apoio e incentivo aos artistas locais. Já nessa época teve telas destacadas, caso de “Vencida”, de 1948, pela qual venceu seu primeiro prêmio e foi capa do Jornal Diário de Pernambuco, periódico de grande abrangência na região. Sua obra também foi destaque no Correio das Artes, suplemento de cultural do Jornal A União lançado à época em que seu trabalho começava a ganhar evidência. Entre 1949 e 1950, Hermano fez viajem a Europa, onde

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visitou os grandes museus do Ocidente, tomou contato com a pintura clássica e também com o que de havia mais novo nas vanguardas europeias. Voltou ao Brasil com novo ânimo para produzir sua arte. São desse período – início dos anos 1950 - as suas pinturas que registram a falésia de Cabo Branco. As paisagens naturais sempre foram o tema preferencial de Hermano. “Minha vida sempre foi a arte e a natureza; só a elas ficarei fiel toda a minha vida” dizia ele. E foi esse sentimento de lealdade que o instigou a se tornar não apenas um artista, mas um ativista cultural e ecológico. Através das suas pinturas da falésia, Hermano se tornou uma voz importante contra o desgaste ambiental que esse trecho da Praia de Cabo Branco sofre, um processo de erosão que ele denunciou no início e que hoje é uma das principais preocupações das autoridades públicas. Além de pintor, ele foi poeta e dirigiu teatro. Em seu poema Duas Vezes Não Se Faz, os versos discorrem sobre a necessidade de preservação da natureza, pois “Não se faz o mundo duas vezes: / Duas vezes a lua / Duas vezes o mar / Duas vezes não se fará: / O rumor das ondas / Por cima dos caranguejos translúcidos/ Chuvas tropicais / Resvalando em rios caudolosos / Pororocas noturnas / Resolvendo assombrações”, lêse em uma das estrofes. O cineasta Marcos Vilar lançou, em 2008, um curta-metragem de documentário que leva o título desse poema. “O poema foi o mote principal (para o filme). Descobri que Hermano José foi o primeiro artista plástico que pintou a Ponta do Cabo Branco. Dedico esse filme a ele e a Walfredo Rodrigues (primeiro cineasta a filmar a Ponta do Cabo Branco)”, revelou Marcus. Em uma cena do filme, Hermano aparece recitando Duas Vezes Não Se Faz. O último verso do poema é simbólico do nível de engajamento político de Hermano a causa ambiental. “Negras espumas de óleo subterrâneo / Nuvens asfixiantes em horas improváveis / Mortos mares naufragados em detritos / Desertos de verdes calcinados / Terra desfigurada de polo a polo / Terra inútil / Túmulo rejeitado / Do fracasso humano”.

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H

ermano José alcançou reconhecimento nacional e internacional ao ir para o Rio de Janeiro. Tendo chegado em terras cariocas em 1956, tomou contato com o pintor Ivan Serpa e o paisagista Burle Marx, que exerceram forte influência na sua obra artística. Frequentou as aulas de pintura de Ivan no Museu de Arte Moderna – MAM e foi um dos artistas que integraram o Atelier Gravura, inaugurado em 1959, onde estudou e desenvolveu, junto com outros pares, técnicas de gravura em metal. Abraçando a estética do neoconcretismo, movimento cuja linguagem visual era baseada no uso de linhas e cores, dando sensação de movimento ou de uma abstração geométrica, Hermano teve seu trabalho exposto em ateliers e exposições do Brasil e do exterior. Em 1967, o The Museum of Modern Art (Museu de Arte Moderna, em tradução livre) de Nova York, um dos maios importantes do mundo, selecionou um de seus trabalhos para integrar o acervo do espaço.

hoje consagrados, como Flávio Tavares e Dyógenes Chaves, Hermano foi ícone para uma geração de pintores que tiveram sua obra como fonte de referência artística. Dyógenes Chaves relata que ele “foi um artista que viveu cada momento da arte brasileira. Nos anos 40 e 50 ele foi o principal artista de um grupo aqui em João Pessoa que registrava a paisagem urbana e principalmente a marinha. Depois no Rio de Janeiro, ele também se tornou uma referência na técnica da gravura. Quando ele volta para Paraíba, já era consagrado e passa a não só orientar os jovens artistas, mas a dar aulas de gravura na UFPB. Foi ele quem organizou a pinacoteca da instituição. Ele pretendia orum artista que viveu cada ganizar o Museu de Arte da Paraímomento da arte bra- ba, que não chegou a se concresileira tizar”, explica Dyógenes. Mestre de artistas paraibanos Segundo ele, com a volta à Paraí-

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Natureza Morta - 1953 - Óleo sobre tela

ba, em 1975, já como um grande nome das artes, Hermano passou a atuar como defensor ferrenho de questões relacionadas ao patrimônio artístico e a as pautas ambientais, utilizando seu prestígio adquirido para dar ênfase a essas bandeiras.

“a gravura de hermano é um capítulo importante da história da gravura no brasil” william costa


O jornalista William Costa, atual editor do Correio das Artes e que acompanhou de perto a trajetória de Hermano, destaca a personalidade forte e muito peculiar do artista. “Adorava entrevistá-lo. Aprendia muito com ele. Era muito crítico, às vezes até intransigente, mas tinha posicionamentos claros, corajosos, e não perdia a compostura. Era educado e não alterava o tom de sua voz, sempre baixa e pausada. Hermano era um grande pintor. Um paisagista clássico que dialogava com várias correntes artísticas. Eu o situaria numa fronteira entre o impressionismo e as vanguardas Cabo Branco - 1955 - Óleo sobre tela das primeiras décadas do século vinte, avançando e indo além desta segunda vertente como gravador. A gravura de Hermano é um capítulo importante da história da gravura no Brasil”, enfatizou William. O artista seguiu produzindo telas até meados de 2013, quando a saúde estava frágil e começaram a surgir novos problemas que o debilitaram, impedindo-o de exercer o ofício que foi até o fim da sua vida dele a sua maior paixão. Seus últimos trabalhos remetem as formas e cores geométricas abstratas, reforçando o tom modernista e arrojado que acompanhou sua obra artística. Gramame - 1972 - Óleo sobre tela

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Fotos: Divulgação

hermano:

um marco entre nós

Os limites do corpo são apenas o corpo, mas não barreiras para a memória. O jornalista retrata como a vida dá sinais de que tudo tem seu tempo. Neste caso, uma “tríplice coincidência” anunciou a morte de Hermano naquele 21 de maio WALTER GALVÃO

A

notícia da morte do artista plástico Hermano José Guedes me fisgou num espasmo de tríplice coincidência. Explico: eu havia assistido no dia anterior ao documentário de Wim Wenders, “O sal da Terra”, sobre a atuação do fotógrafo Sebastião Salgado. Devastação ambiental, destrutividade político-econômica do modo capitalista de organizar o espaço socioeconômico para a produção de bens, incríveis e adversas condições de sobrevivência de seres humanos em situações-limite são eixos condutores de uma narrativa ancorada pela incrível obra do fotógrafo documentarista considerado por muitos o mais importante em atividade no mundo.

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E esta obra, de beleza lancinante por força de uma capacidade ímpar do fotógrafo de extrair do cenário humano, com sutileza alquímica, um jogo de luz e sombra que dá a grandeza estética ao ser, mesmo degradado, nos impõe uma reflexão sobre o quanto obscena é a desigualdade e por quanto tempo ainda perdurarão situações em que homens, mulheres e crianças não conseguem sequer o status de bicho a ser preservado. No mesmo dia, mas ao nascer do Sol do fatídico 21 de maio, eu havia dado continuidade à leitura de um guia ilustrado sobre a obra do pensador que é considerado o Elvis Presley da filosofia contemporânea, o esloveno Slavoj Zizek, e de-


mearam o meu dia tinham a ver com tudo o que ele havia vivenciado. A paixão pela terra que o levou a idealizar no coração do seu projeto artístico a ponta do Cabo Branco como a expressão de um ideal de equilíbrio das forças naturais pactuava com as imagens do documentário sobre Sebastião Salgado repletas de uma aspiração por uma harmonia entre cultura e natureza. Hermano foi um artista paraibano que encontrou na política um meio de confirmar sua predileção estética pela ética. E nesta ética havia a estética do movimento convergente entre formas sensíveis e representação, a beleza do processo artístico como contraideologia frente à hegemonia do discurso liberal, e a harmonia flamejante da sensibilidade crítica. Sua ética, que eu diria realizada numa obra plural, densa e ideologicamente relevante, compatibilizava o dissenso da consciência crítica frente à tradição burguesa r cionalista, rentista, com a necessidade de um novo pacto simbólico capaz de definir uma centralidade do ser na perspectiva de um humanismo renovado, energizado por socialismo não dogmático, para além de qualquer antropocentrismo utilitarista, meramente instrumental. parei com trechos de um manifesto ecológico em que ele Estive ao seu lado como tantos outros cidadãos imantados reivindica, entre outras coisas, “a imposição de normas mundiais de consumo de energia e emissão de dióxido de pela urgência da preservação de alguns nacos da natureza encarbono per capita; as nações desenvolvidas não devem ser tre nós já tão depredada. Marchamos em defesa do meio amautorizadas a envenenar o ambiente na taxa atual, culpando biente, contra a pesca da baleia em nosso Estado, pela vida. os países em desenvolvimento, do Brasil à China, de destr ir Para Hermano José, cuja compreensão holística e sistêmica do processo social era plataforma de modelagem de prátio ambiente com seu desenvolvimento acelerado”. O terceiro elo coincidente foi um convite que recebi por cas transformadoras objetivas do cotidiano, a exemplo de e-mail para produzir um texto sobre a origem da educação sua militância para manter a orla marítima em João Pessoa ambiental no Brasil, que acredito ter no exemplo de Maurício impermeável aos espigões que simbolizavam para ele o esde Nassau, que proibiu que se lançasse a cauda dos engenhos magamento das praias, cada dia era dia de índio, de planta, de bicho, dia de ser gente. Que o seu exemplo frutifique. nos rios de Recife, um marco pedagógico fundador. Então, eis que chega a mensagem pelo WhatsApp sobre a Que o seu legado de coerência e de irresignação permaneça morte de Hermano José. Estremeci. Pensava nele naquele um marco entre nós. exato instante, sobre o agravamento do seu estado de saúde e de como os fatos relacionados ao meio ambiente que per- *Originalmente publicado no jornal A União, edição de 26/5/2015

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ARTES

Foto: Hugo Sá

Paixão plástica REPRESENTADAS EM ARTE ABSTRATA

A exposição que reúne fotos do fotógrafo e cineasta pernambucano Breno César está em cartaz até 18 de julho, na sede da Aliança Francesa, em João Pessoa. A entrada é gratuita SANDRO ALVES DE FRANÇA

A

rte abstrata em fotos que revelam simbologias e subjetividades, narrativa visual construída com primor e detalhismo. Paixão Plástica, trabalho do pernambucano Breno César, fotógrafo e cineasta formado em Arte e Mídia pela UFCG e que há anos atua no circuito paraibano de produção audiovisual, é marcada pela minúcia na composição das imagens. Selecionado por curadores locais, o projeto fotográfico integra as ações de incentivo à cultura paraibana. “A Alian-

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ça Francesa tem, há cinco anos, um programa chamado Jovens Talentos da Paraíba. Todo ano realizamos de quatro a seis exposições. Temos um grupo de curadoria composto por Bertrand Lira (cineasta), Dyógones Chaves (artista plástico) e outros, que organizam esse ciclo”, explicou Carole Scipion, diretora da Aliança Francesa de João Pessoa. “Para nós é muito importante, porque a Aliança Francesa sempre promove intercâmbio entre a cultura francesa e cultura do lugar onde ela está, no caso

a cultura paraibana”, destacou Carole sobre a importância e o objetivo das exposições promovidas. Sobre o fato do fotógrafo em questão ser pernambucano ela justifica a escolha. “Ele (Breno César) foi destacado devido ao trabalho que desenvolve no cinema paraibano. Ele entrou nesse espaço como jovem talento da Paraíba porque ele se reconhece assim também”, concluiu. Confundidas muitas vezes com pinturas, as fotos de Paixão Plástica provocam curiosidade. As imagens foram


feitas sem manipulação de photoshop. Foram captadas através da intervenção direta no material fotografado: plástico derretido, ampliado, justaposto a outros, dentre várias combinações. O objetivo, segundo o fotógrafo Breno César, era produzir um material que despertasse questionamentos em que o observa. “Consegui trabalhar na fotografia com abstrações, recriando texturas, confundindo as pessoas se era tinta, se era objeto, se era pintura ou se era fotografia. Sempre gostei de confundir nesse aspecto. A fotografia não é um objeto que se encerra nele mesmo, mas uma porta que abre para várias significações. A abstração me dá a possibilidade de trabalhar com isso”, explica Breno. “Eu utilizei vários objetos de plástico e fui descontruindo para construir as fotografias. E nessa manipulação, as criaturas iam aparecendo à medida em que eu ia manipulando: no fogo, com

águia, colocando para secar, misturando vários tipos de plástico. Essas interferências que eu ia experimentando iam criando esses objetos. Como são esculturas abstratas, o nosso inconsciente vai aparecendo nessas formas”, destacou Breno sobre o processo de composição do ensaio. Presente entre o público que foi conferir a abertura da exposição, a atriz Ra-

quel Ferreira se disse encantada com o material exposto. “Belíssimo e surpreendente o trabalho. Pra mim o mais incrível é saber que não tem nenhuma manipulação de computador, mas sim manipulação de plásticos, cores, posições de foco da câmera. Achei de uma criatividade e riqueza de detalhes muito grande. Me surpreendeu muito”, ressaltou ela.

Foto: Kennel Rógis

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moda

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versatilidade

POR LEONARDO ACCIOLY

U

ltimamente, o mundo abriu os olhos para questões mais básicas, começou a pensar no mal que se faz para o planeta e no que isso pode nos causar futuramente. Sabemos que a indústria da moda polui e produz exacerbadamente, e influencia o seu consumidor a compra descontrolada. Pensando nisso, começou-se a refletir sobre maneiras diferentes de encarar esse mercado. Começando por uma peça de roupa que se transforma em várias outras, em dez outras, pra ser mais específica. Uma parceria que dá certo, sustentabilidade e moda. Quando o mundo resolve abrir os olhos para essa questão buscando melhorar o meio ambiente, educar e conscientizar através de projetos de sustentabilidade, ficamos atento às novidades que podem fazer a diferença. Essa parceria pode revelar grandes ideias que devem ser melhoradas para criar um leque maior de opções na construção de roupas. que sejam versáteis, acarretando um maior tempo de consumo sem cair na rotina. Sua criação e modelagem foram pensadas para se adaptar as formas do corpo na medida que forem sendo desmontadas. A peça é confortável, traz estilo e é versátil, acarretando em um maior tempo de uso sem cair na rotina, já que pode se transformar a cada dia da semana. A partir de um casaco longo com mangas longas, podemos ter um casaco longo com mangas curtas, um colete longo, uma saia, um cropped de mangas longas, um cropped de mangas curtas, um cropped sem mangas, um casaco de mangas longas, casaco de mangas curtas ou um colete sem mangas. Ufa! Podemos então dizer que essas estudantes trouxeram o “customizar pronto” para o mercado da moda. Essa peça foi desenvolvida pelas alunas Carina Queiroz e Rosangela Elisa, sob orientação de professores, a partir de um trabalho requisitado para o 3º período do curso de Design de Moda, do Unipê. O objetivo do projeto foi a reformulação do Visual Merchandising e criação de uma proposta de fardamento para uma loja do segmento de moda. Pensando no conforto, praticidade e versatilidade, chegou-se na peça apresentada nesse editorial. CARINA QUEIROZ

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Créditos: Produção: Carina Queiroz Fotográfia: Leonardo Accioly Make e Hair: Bruna Carlos Roupa: Carina Queiroz e Rosangela Elisa Acessórios: Carina Queiroz Modelo Raiana Ferreira

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Foto: Leonardo Accioly

hist贸ria da dan莽a paraibana em uma s贸 face


SAMARA MELLO

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ílian Cristine Farias Alves Barbosa. Escrever sobre essa mulher é muito mais que escrever sobre uma pessoa, é escrever sobre a história da dança paraibana e sobre o amor a arte. Lílian, já trazia a arte consigo desde o berço, só faltava descobrir em qual área da arte essa paixão ia florescer . Filha de Zett Farias, cantora da Rádio Tabajara nos tempos dourados do rádio, Lílian foi uma criança tímida que teve a infância cercada de arte. Já na adolescência, em 1975, com a ida de sua mãe para a administração do Teatro Santa Rosa, foi levada pela mãe para as primeiras aulas de dança e viu que era na dança onde sua paixão pela arte ia florescer. “Foi uma paixão imediata” me contou com os olhos brilhando. E daí em diante grandes nomes da dança começaram a molda-la e a ajuda-la nesse florescer. Sem dúvida nenhuma, seu maior professor-jardineiro foi o argentino Alberto Ribas. Vindo do Teatro Municipal de São Paulo, o professor , coreógrafo e bailarino chegou em João Pessoa dois anos depois do florescer da bailarina paraibana. Vindo pra formar um grupo de dança moderna para o Santa Rosa, o bailarino exigente escolheu a jovem bailarina para fazer parte do seu grupo. Em alguns anos a pequena Lílian cresceu na vida e na dança. Em 1980 já era bailarina, professora e corógrafa da escola de dança do Teatro Santa Rosa e do grupo Dança Livre, também deste teatro. “Nunca decidi ser bailarina. A vida decidiu por mim e eu fui indo sempre guiada por essa paixão.” E foi essa paixão que a fez coreografar e dançar o primeiro

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espetáculo do Dança Livre, o Aruandê e Maria, com apenas 17 anos e em uma época onde não se esperavam grandes coisas da dança paraibana. Este espetáculo marcou o Festival de Areia e a vida dos bailarinos que o dançaram. Depois deste, vieram os espetáculos Raça, Ficção, O Sexto Sentido e Loucos. Com sua vinda para a escola de dança do Espaço Cultural, na sua abertura em 1984, as coisas começaram a mudar. Novas pessoas e novas ideias de dança chegaram para compor essa nova escola, “Eram ideias diferentes da que aprendi e das que acreditava que faziam parte da dança”, afirmou. O espetáculo resultado dessa fase foi o Caldo de Cana, dançado pelo grupo Dança Livre. Depois desse projeto, devido a diversas questões e em evidência a falta de harmonia entre esses dois pensamentos que coexistiam em um mesmo espaço, Lílian decide largar a dança. Ela fechou os olhos para todo o universo da dança durante 18 anos. Fechou os olhos, mas sua alma nunca se desligou da dança.

Em 2001, essa ligação voltou a ser como era antes, o corpo e os olhos voltaram a brilhar com a dança. Nesse ano ela assumiu a direção da Escola de Dança do Espaço Cultural e começou a guiar os passos dessa escola e de alunos na dança contemporânea. Seguiu nesse caminho até 2014 e nesse tempo retomou, apenas como coreógrafa, as atividades do Dança Livre com o espetáculo Colapso e começou a nutrir ainda com mais vontade a ideia de não sair mais da dança. Devido a problemas estruturais nas instalações da escola de dança do Espaço Cultural, em 2014 ela decidiu abrir sua escola de dança, a Maison de Danse. Uma escola direcionada também para a formação de profissionais da área. Hoje, com 40 anos de dança já trilhados, o que permanece e a faz seguir é gratidão por cada momento que já se passou e a ânsia de ver e fazer um futuro e um presente cada vez mais bonito pra dança paraibana. Lílian com certeza é uma bela flor que ficará para sempre no jardim da história da dança paraibana.

Foto: Arquivo pessoal


Resenha

um ensaísta paraibano no morro de Montaigne

Uma leitura vespertina e encantadora: o ensaio A escultura grotesco-fantástica de Mestre Galdino - configurações do imaginário na cerâmica popular pernambucana -Emmanuel Ponceleon de Leon Júnior, Editora Ideia, João Pessoa (PB), 2015. WELLINGTON PEREIRA

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ontaigne marcou definitivamente a entrada do ensaio como gênero investigativo-narrativo no cânone da Cultura Ocidental. Mas, de certa forma, nas universidades brasileiras o ensaio ainda é considerado um gênero aventureiro do ponto de vista linguística em relação a seriedade obtusa das teses acadêmicas. Ora, o ensaio não é tese, é métis, conhecimento que se adéqua às estruturas dos contornos cognitivos e geométricos das espirais da vida. Os gregos bem sabiam disso, por isso passaram a olhar as competições de suas bigas ‘automobilísticas’ com a sabedoria da métis e não da ‘thésis’. O ensaio é um gênero difícil, posto que não é conclusivo, e significa uma viagem sem final programado pelas delícias da semântica, uma tentativa, à la Bergson, de provar os prazeres da duração ad-gnosco (tempo da fermentação do conhecimento). Essa é a sensação que me traz o ensaio do escritor paraibano Emmanuel Ponce de Leon Júnior sobre a escultura grotesco-fantástica do Mestre Galdino(1928-1996) - artista popular pernambucano que faz um contraponto ao imaginário de outro grande , o Mestre Vitalino. Por quê ler o ensaio de Ponce De Leon? Em primeiro lugar, para entender a aura e o vestígio que aproximam e distancia a obra do Mestre Galdino do grotesco enquanto categoria estética. Em segundo lugar, verificar como o fantástica na arte popular brasileira guarda aproximações profundas com a cultura erudita europeia, sobretudo se verificarmos essa relação a partir do que nos ensina John Huiziga em seu belo livro O outono da Idade Média. Em terceiro lugar, De Leon demonstra as nuanças teóricas existentes entre Wolfgang Kayser e Mikhail Bakhitin nas abordagens sobre o grotesco na idade média. É claro que, de acordo com uma tradição herdada da estética marxista, estamos mais familiarizados com o estudo de Bakhitin sobre a Cultura Popular na Idade Média através dos escritos de Rabelais. Mas o ensaio do escritor paraibano não se limita a diatribes bibliográficas. Ele segue uma trajetória original que provoca uma pequena parada no cruzamento entre a modernidade e a pós-modernidade enquanto campos conflitantes na conceituação da arte popular. Esse é um ponto essencial do ensaio, pois para a modernidade a arte popular e a erudita se enfrentam a partir de

arquétipos estabelecidos pelos imaginários de cada cultura. Nisso, De Leon nos faz a gentileza de evitar as comparações e ‘classificações axiológicas’ inerentes aos críticos modernos. Ele nos oferece caminhos mais promissores para a viagem ensaística sobre a obra de um artista popular como o Mestre Galdino: a aglutinação do heterogêneo (à página 29). Particularmente, como leitor, me encantou ver o meu orientador de Doutorado. Michel Maffesoli citado à página 34 junto com Gilbert Durand como principais expoentes da discussão sobre o imaginário no mundo contemporâneo. De Durand, nos veio o pensamento de que todo artista mergulha em uma bacia semântica da qual retira as formas contínuas da existência. De Maffesoli, a concepção de que a pós-modernidade significa a união do arcaico e do moderno, o que teríamos uma cultura do oxímoro ou uma hibridização das culturas populares no Novo Mundo das Américas, como demonstra Ponce De Leon ao citar Canclini. Mas, a erudição do ensaísta não empobrece ou esconde a obra do Mestre Galdino - seu objeto de viagem ensaística - ao contrário, convida-nos a subir o Alto do Moura junto com Montaigne, é claro. Os escritores paraibanos que não leem escritores paraibanos não deveriam procurar ler este livro. Por quê? Ele pode causar estranhos prazeres estético-didáticos que ferem personas midiáticas.

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CONTO

mOSCA-MORTA DIEGO DE OLIVEIRA Os problemas quando levados muito a sério tomam gosto pela coisa e ganham espaço.

Virar-se de um lado a outro na cama era meio chato. Incômodo. As dores musculares e a recorrente dormência o obrigavam a alternar a transferência do peso de tempos em tempos. Era impossível ficar parado. Com a manhã já avançada, fechava a janela para expulsar a claridade e deitava-se novamente, sentindo o peso de mil homens empurrando-lhe para baixo. Ainda assim, não conseguia mais dormir. A movimentação havia despertado sua mente o suficiente para que ele lembrasse das coisas que tinha para fazer naquele dia. Um monte de coisas chatas que não podiam ser mais adiadas. Ainda tentou fechar os olhos, mas as coisas haviam grudado, fixas em seu pensamento. Tinha de acordar. Era impossível ficar parado. Levantou-se, mijou, bebeu água, fumou um cigarro e sentiu-se cansado. Largou seu corpo no sofá e lá ficou até o fim da tarde. Sua caixa de mensagens explodia em afazeres. Encontros, cobranças, reuniões, cobranças e críticas. Problemas. Não deu cabimento às mensagens, assim como nunca em sua vida havia dado cabimento aos problemas. Os problemas quando levados muito a sério tomam gosto pela coisa e ganham espaço. Ele sabia disso. À noite, o cigarro acabou. Tomou um banho e saiu de casa para comprar mais. Era o vício sendo o único forte o suficiente para aleijar a indisposição. No caminho, um colega, alguns minutos de conversa e um convite para beber. Ainda indisposto, mosca-morta-nas calças no meio da rua, relutou em ir. Mas foi. Afinal de contas, era impossível ficar parado. No início da manhã seguinte ele chegou bêbado em casa e sua primeira ação foi a de fechar as janelas. Livre deste contratempo, cedeu à cama para dormir. O peso que o empurrava ao sono desta vez era leve, agradável. Sentia o peso de um homem só. 36


CONTO

Um soco na real-idade Jennifer A. Trajano Seu Sabido era taxado de doido porque todos os dias, à meianoite, cantarolava: Vento frio, muro sem graffiti /telhado sem gato, rua sem piso /calçada sem asfalto: o tempo anda frio /e as esquinas sem cigarros /Eita, vida fumada! /Sou um velho de utopias inalcançadas /Sou um velho de utopias inacabadas... Por ironia do destino, o velho nordestino faleceu às uma da manhã, no horário de verão. Uns dizem que foi magia negra, outros: “oxe, isso foi de amor não correspondido”. Aos dez anos, quando ouvia seu Sabido, não entendia um pingo da saliva que ele cuspia ao cantar ou falar qualquer coisa. Chego a pensar que me tornei louca, como ele. Hoje, depois de muito apanhar dos outros, apanhei as metáforas de autoria do velho e comecei minha vida novela (ou novela vida). O capítulo que recordo tratase das minhas dúvidas amorosas. O sábio sempre me fazia pensar nas percas de tempo que acumulei em meus pensamentos apaixonados, e eu sempre o buscava para ter certeza do que talvez eu já sabia. Perguntei, duvidosa, certa vez: – Os “talvezes” estão repletos de certezas ou estas são enganos repletos de “talvezes”, seu Sabido? – Ah, minha filha, algumas sensibilidades exibidas

mascaram mentiras! Às vezes o “talvez” é indício de esperança. Uma infeliz e anciã esperança. – Então seria o amor uma fantasia, quiçá fantasma? Pergunto porque ele puxa meu peito todas as noites e também nas horas vagas, quando escrevo... O senhor, conhecendoo como o conhece, crê que nem as lágrimas de Otto foram reais? – Como eu disse, há sensibilidades revestidas de mentiras. – Então nunca foi amor. – O amor é um incidente excêntrico, minha jovem. – E eu continuo amando aquele desgraçado. – Mas pense no que escreve, pense na ficção! – É a minha necessidade, já que apenas dessa forma posso têlo em verdade como poucos conseguem.

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Conto

Sobre á sonhos e

clara Enalide

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ensei num texto longo para falar sobre todos esses dias de inquietações sombreadas e dar corpo ao que sinto, mas o whisky tem me deixado incapacitada de paciência para explanar sobre meus sentimentos. Logo o whisky, que é a bebida que mais detesto… deve ser um algum tipo de autopenitencia cada dose engolida, porém bebo para estar mais perto “do amor que tive e vi pelo espelho, na distância se perder”, como bem cantou Roberto Carlos em “As curvas da estrada de Santos”, nos anos 60. Hoje pensei em tantas coisas e o choro estava entalado na garganta e em minhas pálpebras. Forço o pranto e ele continua em mim. O drama de minha vida se entranhou em meu espírito e creio que só irá embora quando eu também for. Eu poderia lamentar a morte do amor mais lindo que conheci, daquele que me deu atenção, que me entendeu, me estendeu a mão e, principalmente, daquele que compreendeu o que meu corpo ansiava. A saudade, dia-a-dia, olha incrédula para a lápide daquele afeto interdito e se revolta por tamanha lindeza ter fugido as-

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sim, pela burrice e impulsividade imbecil de quem vos escreve. A saudade que sinto é forte e tão, tão física... Há dias que o tenho em meus sonhos. Ao despertar, vislumbro uma espécie de sensação tátil e auditiva. Sonhos... devem ser um recado do meu inconsciente sobre as minhas urgências carnais. Em um deles, ele estava ali, dentro de mim, num vai e vem descompassado por minha ansiedade, esta megera que me devora. Eu admirava cada movimento. Sim, como nas experiências reais, era expectadora de um show que não poderia acabar. Eu vi a gota de suor escorrendo pelo seu rosto, pescoço, até aquele tórax desenhado com aquelas marcas de um tempo de experiências positivas (ou não), em que amava deslizar minha mão ali. Nesse vai e vem, pude recriar a fricção entre seu peito peludo junto ao meu. Saliva, boca, pernas e coxas. Aguardei o momento que mais esperava. Seu gozo era o ápice do show. Confesso: é a coisa mais linda que já vivi. Seu êxtase, entre gritos sufocados e agonia,


álcool, e vontades

a Sil luna e va

seu ser tremendo entre minhas coxas… Só um sonho pode me dar novamente essa visão, algo que não conseguia recriar com tamanha exatidão em meus monólogos. Outro sonho saudoso foi uma explosão daquilo que mais sinto falta. Ele estava ao meu lado, acariciando meu rosto, ombros, coxa e joelho até se desaguar num abraço. Não vou falar sobre tal, renderia uma tese. Ele me encarava com olhos curiosos por entender quem era a criatura que estava ali. Olhos que nunca consegui chegar a um consenso sobre sua cor… Ora eram verdes, ora castanhos claros. A certeza é que procurava prender aquele olhar porque mais me pareciam um mar. Não sei nadar, porém mergulhava cada vez mais fundo para sentir a dor e alegria da realidade que nos rodeava, de duras certezas (e entendimentos) e vontades mil. Ao se afastar ternamente de mim, prendia meu rosto entre suas mãos e me beijava. Acordei. Me recordo que não houve palavra, apenas presença. A minha sau-

dade se expandiu mais e mais durante o dia e intensificou minhas noites insones. Carrego em mim uma culpa enorme por tudo. Por perder o som da voz mais encantadora, conversas, aprendizado e sensações. Eu não me perdoo por isso e são patéticas as tentativas de reaver tudo, seja de forma positiva ou provocativa. Ele me disse “me deixe em paz”, e acredite, luto para seguir a norma, mas vontades são incontroláveis. Ouvi que ainda dá tempo de reduzir a velocidade dos abismos e estava certa, dá para reduzir sim. Não são as convenções sociais que me atraem ou são o norte para minhas querências. Para mim, basta aquele cantinho por tempo determinado… Hoje, ao menos a sua voz basta. É dolorido morrer todos os dias de aflição e ressuscitar enquanto durmo e estou livre para voltar a senti-lo... ao menos nos sonhos. Freud ou Jung devem explicar tudo isso. É tão ruim querer visitar o paraíso novamente? 39


CRÔNICA

a CIDADE QUE nÃO É MAIS Elisa Damante

No feriado de 1 de maio fiz uma viagem ao sertão do meu Estado. Boa parte das minhas vivências foram passadas na cidade de Piancó, cidade onde estão fincadas minhas raízes paternas, mas visitei uma porção de outras cidades e vi que as coisas por lá são bem parecidas. Havia visitado Piancó ainda quando criança. Não guardei muito em minhas memórias, mas o suficiente para que meus olhos reconhecessem de imediato o hotel que me hospedou quando tinha ainda 6 anos. Conversando com meu pai, percebo que não foi apenas uma mera coincidência: ele revela que muito da cidade ainda se mantém igual. Menos o tempo. Fui ao cemitério levar flores aos avós já falecidos e uma porção de túmulos se posicionavam como obstáculos, obstruindo os caminhos que já eram por natureza bem estreitos. O cemitério está lotado de vidas que não são. Fui informada de que há muito, havia um túmulo do lado de fora do cemitério: a pessoa morreu de cólera, não poderia, portanto, se misturar aos demais. O tempo no sertão é preguiçoso. Um tempo preguiçoso que só conhecia dos poemas. As cadeiras não saem da calçada, seja segunda, seja sábado. Dar conta da vida alheia é costume do rico ao pobre. A inclusão se faz ausente na menina especial que chora copiosamente na calçada por ser excluída das rodas de brincadeira. O medo de almas e espíritos é corrente, vulgar. Em conversas informais me gerou inclusive boas risadas. Uma incultura imaculada. Não ouso criticar. Questiono aos mais velhos sobre a qualidade de vida da cidade. A resposta é sempre a mesma: “As pessoas progrediram, mas a cidade não”. Meu pai conta que na década de 70 foram instaladas em Piancó, agências do Bradesco, Caixa Econômica e Banco do Brasil, mas a má fé de poderosos conseguiu fechar as duas primeiras em poucos anos. Postos de gasolina, lojas, farmácias, restaurantes: nenhum destes aceita cartões de crédito. Esse (de)mérito não se restringe a Piancó: de Juazeirinho a Coremas encontrar maquinetas de cartão de crédito é mina de ouro. Sobre esse parágrafo não consigo emitir opinião precisa, “capitalizar” um interior é agressivo demais para mim; mantê-lo fora do alcance da

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globalização também. O atraso e o descaso revoltam. Coremas é a cidade com maior índice de cirrose hepática do estado: não há tratamento de água. Conheci Cidinha, uma menina esperta, mas que com 7 anos reconhece com dificuldade o alfabeto. Ensinei Cidinha a escrever o nome de sua mãe. Após 30 minutos, a menina consegue escrever sozinha. Cidinha ganhou o dia. Elisa, um sorriso. Em todas as cidades que visitei, predomina uma arquitetura bastante tradicional, como disse, pouco se mudou. Um fato curioso é que em todas elas, as igrejas são as construções mais vistosas, o que ao meu ver se tornou fantástico. Percebi que no domingo, a população coloca a melhor roupa e vai às 7h da manhã ouvir os sermões do padre. Diante de muitas dificuldades, a fé não se abala. Posso dizer que a fé do povo é invejável, e Deus me perdoe por misturar duas coisas tão opostas. Agradeço ao universo por ter separado geograficamente a cidade de Sapé. Agradeço porque os pensamentos pessimistas de Augusto dos Anjos nunca chegaram até lá. E faço cá minhas preces para que o ateísmo jamais visite o sertão. Deus é tudo que se tem. Com certo pesar, precisei dar adeus ao sertão. Na hora das despedidas, Cidinha me faz prometer que de uma próxima vez eu levaria minhas sapatilhas de ponta, aposentadas há alguns bons anos, para que ela pudesse me ver dançar, e me dá um pirulito. Cidinha conta feliz que comprou também um pirulito para “a moça da foto”. Não a conheço, e ela trata de me apresentar: “ela é uma santa, todo mundo diz que ela morreu, mas ela não morreu não”. Curiosa, dou continuidade a conversa, e pergunto onde ela está. “Ela tá no céu.” Segui os costumes, e aos mais velhos fiz questão de pedir “a benção”. A resposta me agradou e me encantou. Uma réplica mais bonita, mais profunda, mais plural: “Deus te faça feliz!”. Volto para capital encantada com tudo que vi, vivi e ouvi ao longo de três dias, mas ouço no caminho meu pai lamentar: “a cidade não é mais”.


POesia

Por Ana Pereira Alma saudosa A saudade é um lugar Onde só chega quem amou Tão quanto aquele cais abandonado Que só ancoram os barcos mais pretensiosos Saudosos A saudade é marinheira Entre lágrimas veleja Entre versos e estrofes Prega peças, ameaça a sorte É que a saudade me persegue Em mim ela faz morada Sou sua eterna amada Por que de mim não se vai? Ela grita Me faz chorar Usa versos do Drummond Para os meus inspirar Ela ama o Caetano Suas canções a ela pertencem As mais saudosas e tristonhas São seu vício eminente Ôh saudade, Por que me torturas assim...

Poema feminista Meu corpo não é praça pública Que você vem Aproveita os atrativos Deixa seu lixo E se vai Não Meu corpo é o que quiser que ele seja Ele não é um parque de diversões Só se eu quiser E eu não quero Não quero sua mão boba Nem seu assobio indiscreto De você, só peço respeito E se possível Passa Sem deixar lixo Já estou imunda - Por dentro -

Por GRAÇA BANDEIRA DEPOIS DO AMOR Depois do amor não vá embora. Não me leve para casa de madrugada. Não se despeça de mim. Espere o dia amanhecer o sol nascer iluminar as ruas a vida, nós.

e guardar em mim a cor dos seus olhos de sua pele morena e o sorriso no seu rosto gozando de prazer. Depois do amor deite em meus braços descanse seu cansaço adormeça no meu colo e espere...

Não vá embora não me leve para casa. Logo vamos acordar começar de novo vê a noite chegar as estrelas aparecerem a lua pratear e a madrugada fria vai enrolar em fantasias nossos corpos insaciados de amar

Para que eu possa acreditar me encher de alegria

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ENSAIO

por onde meu fusca andou

POR MAX BRITO

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ax Brito (1988), paulistano por nascimento, pessoense por adoção, tem como campo de trabalho e pesquisa a Fotografia. Sua concepção artística passeia por diversos segmentos, indo da Arquitetura à Moda, dos Shows e Eventos à Publicidade & Propaganda, porém tendo como foco principal Paisagens. Max busca captar os momentos mais lindos da natureza, são fotos que raramente ele fotografa, mas quando faz, é com muita vontade de captar um pouco da grandiosidade e perfeição que é a natureza. Texto: Divulgação

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CINEMA

cidadania audiovisual: cinema traz à luz temas de caráter sociopolítico

SANDRO ALVES DE FRANÇA

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uitas são as funções que a Sétima Arte exerce no meio social. Desde o mero entretenimento, capitalizado pela chamada indústria cultural, até a catarse – a reação emocional e transcendente – e a reflexão acerca dos temas e questões presentes na sociedade. Desde os primórdios da realização cinematográfica, temas políticos foram objeto de filmes, ainda que sob a forma de

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alegorias e metáforas. Com o passar dos anos o potencial da linguagem audiovisual foi sendo melhor explorado, com obras engajadas e/ou de cunho altamente crítico. Cineastas como o grego Costa-Gravas, o francês Jean-Luc Godart e brasileiro Glauber Rocha se destacaram nesse cenário. O apelo emocional, a simbologia do signo imagético e suas caraterísticas narrativas contribuem para que a linguagem audiovisual seja um extraor-

“Iniciativas como as mostras de cinemas e cineclubes são oportunidades de usar a narrativa audiovisual como eixo de discussão ”


dinário instrumento de crítica e de problematização social. O filme exerce um efeito imediato no espectador, é possível se inteirar e se identificar com a temática apresentada em pouco tempo. O cinema é dinâmico e envolvente. Iniciativas como as mostras de cinema, cineclubes, festivais e outras são oportunidades de utilizar a narrativa audiovisual como eixo de discussão, reflexão e tomada de consciência sobre questões tradicionalmente relegadas a obscuridade – devido a fatores diversos. A luz da projeção cinematográfica ajuda a elu-

cidar o que está envolto nas sombras da ignorância. Suscitar o diálogo e o questionamento sobre si e sobre o meio em que se vive é um dos papéis sociais da Arte. Complementado por outros gêneros artísticos, como a literatura e sendo originado diretamente da fotografia, o cinema é um espaço de livre expressão de ideias e, como tal, pode ser utilizado como instrumento de afirmação política e identitária. Com a democratização do acesso aos meios de produção e projeção de cinema, hoje temos anualmente centenas film-

es de curta e longa-metragem que colocam em evidência assuntos de caráter político e social. Um exemplo recente é o curta “Recife, Cidade Roubada”, do jornalista Scheneider Carpejane, sobre a ocupação predatória do espaço urbano do Recife ocasionada pela especulação imobiliária. Desde que foi lançado, o filme tem tido destaque expressivo e ajudado de forma substancial a fortalecer movimentos políticos pró-democratização do território nas grandes cidades, como o Ocupe Estelita. São tempos de cidadania audiovisual.

Fotos: Ocupe Estelita

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hiperativo

CULTURAL


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