Atmosferas em "Feliz Aniversário" - uma proposta de Direção de Arte pra o conto de Clarice Lispector

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CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES PÓS GRADUÇÃO EM CENOGRAFIA E FIGURINO

Carla Vezzuli

Atmosferas em Feliz Aniversário – uma proposta de Direção de Arte para o conto de Clarice Lispector

São Paulo Dezembro/2012


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CARLA VEZZULI

Atmosferas em Feliz Aniversário – uma proposta de Direção de Arte para o conto de Clarice Lispector

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Pós Graduação em Cenografia e Figurino. Centro Universitário Belas Artes. Orientadora: Prof. Me. Carolina Bassi de Moura

São Paulo Dezembro/2012


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CARLA VEZZULI

Atmosferas em Feliz Aniversário – uma proposta de Direção de Arte para o conto de Clarice Lispector

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Pós Graduação em Cenografia e Figurino. Centro Universitário Belas Artes Orientadora: Prof. Me. Carolina Bassi de Moura

COMISSÃO EXAMINADORA: Prof: ____________________________________ Orientadora: Prof. Me. Carolina Bassi de Moura São Paulo __, de ____________________ de 2012


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AGRADECIME TOS

Agradeço à minha família, principalmente aos meus pais, presentes durante todo este curso de Pós Graduação.

Agradeço ainda aos meus amigos pacientes e ainda ao meu namorado sempre interessado no desenvolvimento desta pesquisa, me apoiou e incentivou em todos os momentos.

E agradeço especialmente à Carolina Bassi de Moura, que além de orientadora deste trabalho, foi a grande responsável por despertar meu interesse pela Direção de Arte e pelo Cinema através de conversas e aulas incríveis.


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“ um filme o que importa não é a realidade, mas o que dela possa extrair a imaginação” Charles Chaplin


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RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo conceituar a proposta de Direção de Arte para um curta metragem baseado no conto Feliz Aniversário da escritora Clarice Lispector. Para isso fez-se um estudo sobre alguns aspectos do cinema, de onde se distinguiram tipos de narrativa e de personagem a fim de buscar o Signo desejado para se aplicar na cenografia e no figurino como construção dos personagens. Posteriormente se analisou o longa metragem Feliz atal (2007), dirigido por Selton Mello, de onde foram retirados conceitos de arte para adaptação ao projeto.

Palavras-chave: Direção de Arte, Cinema, Cenografia, Figurino, Personagens, Feliz Aniversário, Clarice Lispector, Feliz Natal, Selton Mello.


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ABSTRACT

This research has as an aim to conceptualize the Art Direction proposal for a short film based on the story Feliz Aniversรกrio written by Clarice Lispector. For that reason a study of some aspects of the cinema has been made where types of narrative and character were distinguished. This was done in order to obtain the desired sign to be applied in the set design and costume as the characters construction. Afterwards the feature film Feliz atal (2007), which was directed by Selton Mello, was analyzed where art concepts for adaptation to my project were drawn.

Keywords: Art Direction, Film, Set Design, Costumes, Characters, Feliz Aniversรกrio, Clarice Lispector, Feliz atal, Selton Mello


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LISTA DE IMAGE S Figura 1: Caio em seu ferro-velho ......................................................................................................... 38 Figura 2: Casa sem revestimentos ......................................................................................................... 39 Figura 3: Ferro-velho ............................................................................................................................. 39 Figura 4: Apenas equipamentos essenciais e simples na casa .............................................................. 39 Figura 5: Sequência da transformação de sua mulher na moça que matou no acidente (1) ............... 40 Figura 6: Sequência da transformação de sua mulher na moça que matou no acidente (2) ............... 40 Figura 7: Sequência da transformação de sua mulher na moça que matou no acidente (3) ............... 41 Figura 8:Bruno recepciona o tio, Caio ................................................................................................... 42 Figura 9: Caio observa Bruno................................................................................................................. 42 Figura 10: Bruno recepcionava o tio, Caio, novamente. ....................................................................... 42 Figura 11: Caio entregando o presente que fez a Bruno ....................................................................... 43 Figura 12: Encontro de Miguel e Caio ................................................................................................... 43 Figura 13: Miguel despreza Caio ........................................................................................................... 44 Figura 14:Olhar de Mércia e as luzes de natal....................................................................................... 44 Figura 15: Encontro emocionado de Mércia e Caio .............................................................................. 45 Figura 16: Discussão de Mércia e Miguel e a parede de luzes de Natal................................................ 45 Figura 17: Fábia interrompendo o vexame de Mércia, as luzes e a árvore de Natal. ........................... 46 Figura 18: Membros da família sem laços e os elementos natalinos .................................................... 46 Figura 19: Fábia refletindo sobre sua situação triste, as luzes e a árvore de Natal .............................. 46 Figura 20: Théo e Fábia após o diálogo sobre a separação e a festiva Árvore de Natal ....................... 47 Figura 21: Bruno brincando de carrinho................................................................................................ 47 Figura 22: Miguel toma o comprimido de Viagra e o "Menino Jesus" ao fundo .................................. 48 Figura 23: Miguel não se olha no espelho ............................................................................................. 48 Figura 24: Miguel refletindo e fumando após manter relações sexuais com sua namorada mais jovem ............................................................................................................................................................... 49 Figura 25: Theo observa Caio de longe ................................................................................................. 49 Figura 26: Encontro de Theo e Caio e as cobranças .............................................................................. 50 Figura 27: Bairro da casa de Neto e Alex ............................................................................................... 51 Figura 28: Encontro emocionado de Neto e Alex .................................................................................. 52 Figura 29: As roupas despojadas de Neto ............................................................................................. 52 Figura 30: O figurino similar entre os três personagens ....................................................................... 52 Figura 31: A casa de Neto também sem acabamentos, como a de Caio .............................................. 53 Figura 32: O figurino e aspecto similar dos três amigos........................................................................ 53 Figura 33: A auréola de Neto ................................................................................................................. 54 Figura 34: A boate e as prostitutas........................................................................................................ 54 Figura 35: Dançarina de boate 1............................................................................................................ 55 Figura 36: Dançarina de boate 2............................................................................................................ 55 Figura 37: Figurino das prostitutas 1 ..................................................................................................... 55 Figura 38: Figurino das prostitutas 2 ..................................................................................................... 56 Figura 39: Alucinação de Caio (farol vermelho) .................................................................................... 56 Figura 40: Alucinação de Caio (carro que Caio dirigia) .......................................................................... 57 Figura 41: Alucinação de Caio................................................................................................................ 57


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Figura 42: Alucinação de Caio 2 ............................................................................................................. 57 Figura 43: Alucinação de Caio 3 ............................................................................................................. 58 Figura 44: A moça que Caio matou junto à uma imagem festiva, contraditória, de Papai Noel .......... 58 Figura 45: Caio deixa a água cair em sua cabeça................................................................................... 59 Figura 46: Caio deixa a água cair em sua cabeça 2 ................................................................................ 59 Figura 47: Caio refletindo enquanto olha o mar ................................................................................... 60 Figura 48: Fábia mergulha em sua piscina............................................................................................. 60 Figura 49: Fábia mergulha em sua piscina 2.......................................................................................... 61 Figura 50: Fábia bebe um copo de água ................................................................................................ 61 Figura 51: Caio e o quadro do barco e do mar ...................................................................................... 62 Figura 52: Neto bebe a água de Caio ..................................................................................................... 62 Figura 53: Theo visita Caio ..................................................................................................................... 64 Figura 54: O aspecto decadente de Caio ............................................................................................... 64 Figura 55: Neto esbarra em outro cliente do bar .................................................................................. 65 Figura 56: Neto, Caio e Theo no bar ...................................................................................................... 66 Figura 57: Todos correm para a rua ...................................................................................................... 66 Figura 58: Theo e Caio amparam Neto, atingido por um tiro de revólver ............................................ 66 Figura 59: Theo e Caio amparam Neto, atingido por um tiro de revólver 2 ......................................... 67 Figura 60: Mércia tomando remédios ................................................................................................... 68 Figura 61: Mércia tomando remédios 2 ................................................................................................ 68 Figura 62: Mércia se maquiando ........................................................................................................... 68 Figura 63: Mércia se maquiando 2 ........................................................................................................ 69 Figura 64: O quadro da dança Flamenca ............................................................................................... 69 Figura 65: Mércia dança usando as cortinas ......................................................................................... 70 Figura 66: Mércia dança com a ilusão de Caio ...................................................................................... 70 Figura 67: Mércia dançando .................................................................................................................. 70 Figura 68: Caio e Theo levam Neto ao hospital ..................................................................................... 71 Figura 69: Fábia se analisa nua .............................................................................................................. 71 Figura 70: Bruno dormindo ................................................................................................................... 71 Figura 71: Bruno e o pêndulo ................................................................................................................ 72 Figura 72: Caio toma café no bar........................................................................................................... 72 Figura 73: Caio observa a oficina de carros ........................................................................................... 73 Figura 74: O movimento da câmera revela a imagem da moça morta no acidente ............................. 73 Figura 75: Caio caminhando na rua ....................................................................................................... 74 Figura 76: A moça pára diante de Caio .................................................................................................. 74 Figura 77: A moça encara Caio .............................................................................................................. 74 Figura 78: O vento revela o rosto da moça ........................................................................................... 75 Figura 79: Caio sozinho na mesma rua .................................................................................................. 75 Figura 80: Caio enfrenta a cena do acidente ......................................................................................... 76 Figura 81: Caio encontra a moça ........................................................................................................... 76 Figura 82: Caio “vê” a si mesmo ............................................................................................................ 76 Figura 83: Caio tem um flashback do acidente ..................................................................................... 77 Figura 84: Caio deita na rua em posição fetal ....................................................................................... 77 Figura 85: Fábia, desconstruída, pede separação a Theo ..................................................................... 78 Figura 86: Fábia com figurino elegante e um copo de bebida na mão ................................................. 78


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Figura 87: Fábia com figurino elegante ................................................................................................. 79 Figura 88: Unha “francesinha” de Fábia e maquiagem borrada de Mércia .......................................... 79 Figura 89: Figurino de Mércia ................................................................................................................ 79 Figura 90: Identificação de Theo e Miguel ............................................................................................ 80 Figura 91: Identificação de Theo e Miguel (“flertando” com a sobrinha, uma mulher mais jovem) .... 81 Figura 92: Identificação de Theo e Miguel ............................................................................................ 81 Figura 93: Imagem de um carro do ferro velho de Caio........................................................................ 82 Figura 94: Plano de fundo de Caio composto por carros ...................................................................... 82 Figura 95: A cortina da casa de Caio sendo fechada ............................................................................. 83 Figura 96: Bruno brinca com seu carrinho ............................................................................................ 83 Figura 97: Bruno brinca com seu carrinho 2 ......................................................................................... 84 Figura 98: Bruno observa a cortina balançando .................................................................................... 85 Figura 99: Bruno toma os comprimidos da avó..................................................................................... 85 Figura 100: Bruno começa a sentar-se .................................................................................................. 85 Figura 101: Bruno já sob o efeito dos remédios .................................................................................... 86 Figura 102: Bruno desaparece do quadro ............................................................................................. 86 Figura 103: Croqui de Layout................................................................................................................. 95 Figura 104: Croqui de Layout 2 .............................................................................................................. 95 Figura 105: Localização de personagens: 1 Dona Anita; 2 Cordélia; 3 Nora de Olaria; 4 Filhos de Nora de Olaria; 5 Nora de Ipanema; 6 Babá dos filhos de Nora de Ipanema ................................................ 96 Figura 106: Posicionamento de Câmeras .............................................................................................. 96 Figura 107: Croqui Elevação 1 ............................................................................................................... 98 Figura 108: Elevação 1 ........................................................................................................................... 98 Figura 109: Imagem Elevação 1 ............................................................................................................. 98 Figura 110: Croqui Câmera 1 ................................................................................................................. 99 Figura 111: Imagem Câmera 1 ............................................................................................................... 99 Figura 112: Estudo do "arranjo" de flores ........................................................................................... 100 Figura 114: Croqui Elevação 2 ............................................................................................................. 101 Figura 115: Elevação 2 ......................................................................................................................... 101 Figura 116: Imagem Elevação 2 ........................................................................................................... 102 Figura 117: Croqui Câmera 2 ............................................................................................................... 102 Figura 118: Imagem Câmera 2 ............................................................................................................. 102 Figura 119: Croqui Câmera 3 ............................................................................................................... 104 Figura 120: Imagem Câmera 3 ............................................................................................................. 104 Figura 121: Primeiro estudo de cores.................................................................................................. 105 Figura 122: Segundo estudo de cores ................................................................................................. 105 Figura 123: Paleta de cores definitiva ................................................................................................. 105 Figura 124: Projeção de luz sobre D. Anita .......................................................................................... 106 Figura 125: Dona Anita ........................................................................................................................ 110 Figura 126: Cordélia ............................................................................................................................. 111 Figura 127: Nora de Olaria................................................................................................................... 112 Figura 128: Nora e Ipanema ................................................................................................................ 114 Figura 129: José ................................................................................................................................... 115 Figura 130: Manoel .............................................................................................................................. 116 Figura 131: Zilda .................................................................................................................................. 117


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SUMÁRIO

1.

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11

2.

HISTÓRICO DO CINEMA .......................................................................................... 13

3.

O CINEMA................................................................................................................... 14

4.

O CINEMA DE ACONTECIMENTO E O CINEMA DE PERSONAGEM .................. 16

5.

A CONSTRUÇÃO DO PERSONAGEM ...................................................................... 18

6.

PARTES FORMADORAS DO CINEMA ..................................................................... 24

7.

DIREÇÃO DE ARTE ................................................................................................... 25

8.

CENOGRAFIA ............................................................................................................. 29

9.

FIGURINO ................................................................................................................... 33

10.

ANÁLISE GERAL DO FILME FELIZ ATAL (2007), DE SELTON MELLO ......... 37

10.1 Considerações sobre o filme ..................................................................................................... 87

11.

ANÁLISE DO CONTO FELIZ A IVERSÁRIO, DE CLARICE LISPECTOR ........... 88

12.1 Cenografia.................................................................................................................................. 94 12.2 Proposta Estética ..................................................................................................................... 104 12.3 Construção dos Personagens................................................................................................... 108 12.3.1 Personagem - D. Anita ...................................................................................................... 109 12.3.2 Personagem - Cordélia ..................................................................................................... 111 12.3.3 Personagem - Nora de Olaria ........................................................................................... 112 12.3.4 Personagem - Nora de Ipanema ....................................................................................... 113 12.3.5 Personagem - José ............................................................................................................ 114 12.3.6 Personagem - Manoel....................................................................................................... 116 12.3.7 Personagem - Zilda ........................................................................................................... 117

13.

CONCLUSÃO ........................................................................................................ 118

14.

ANEXO 1- CONTO FELIZ ANIVERSÁRIO, DE CLARICE LISPECTOR ............ 120

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 130


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1. I TRODUÇÃO A importância de se atingir um Signo único na criação cinematográfica conduzirá não só a narrativa do filme, mas determinará tudo o que ele comporta. Este Signo é produto de um trabalho conjunto das diversas áreas do cinema, entre elas, a Direção de Arte, que é a área de interesse desta pesquisa. As constatações feitas neste estudo foram aplicadas na proposta de realização de um curta metragem baseado no conto Feliz Aniversário de Clarice Lispector, cujo tema consiste nas difíceis relações familiares presentes na atual sociedade individualista, demonstrada por meio de personagens complexos e bem construídos. Neste conto, o âmbito psicológico dos personagens complexos é o que determina o desenrolar das ações, portanto, procurou-se iniciar a pesquisa por meio do assunto equivalente no cinema: as diferenças entre o cinema de acontecimento e o cinema de personagem, sendo este último, o estilo adotado para o projeto. Em seguida, foi feito um aprofundamento sobre a construção do personagem e foram expostas as diversas classificações feitas por escritores, críticos e cineastas, das quais destaco a classificação feita por Forster (1969), que define os personagens em planos ou redondos, dependendo do grau de complexidade psicológica e domínio sobre a história. Como estudo de caso, foi analisado o longa metragem Feliz atal (2007) por se assemelhar em diversos aspectos com o conto e a proposta desejada deste projeto, a começar pelo adjetivo “Feliz” utilizado ironicamente no nome de ambos os materiais. O assunto principal deste filme é a família desestruturada e a falta de comunicação entre os membros da mesma, demonstradas por diálogos carregados de culpa e angústia. Em relação à Direção de Arte do filme, assinada por Renata Pinheiro, observou-se o uso de elementos festivos como plano de fundo para tais diálogos e situações difíceis, atingindo assim, contradições. Inspirei-me neste conceito, adaptando-o aos contrapontos trazidos pelo conto Feliz Aniversário, em relação à morte e vida. Isto fez com que fossem agregados elementos simbólicos à linguagem realista previamente determinada, atingindo assim, um resultado mais interessante. A Direção de Arte utiliza elementos como cor, luz, som, cenários, figurinos para se atingir uma atmosfera e imagem coerente com o Signo pré-determinado para o filme e busca provocar emoções no espectador através desta imagem. Assim, além do conceito de


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contraponto retirado de Feliz atal (2007), a composição deste projeto foi feita por meio de poucos elementos, porém indispensáveis à compreensão geral. Quanto ao projeto de cenário, a decisão mais importante foi o posicionamento das câmeras que conduziu todo o desenvolvimento do mesmo, por torná-las parte da narrativa. O figurino, tão importante na caracterização física e definitiva do personagem, foi desenvolvido na maioria das vezes em pares, ou seja, entre dois personagens afins ou com características opostas, como a diferença entre as classes sociais existentes, outro tema importante abordado na história.


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2. HISTÓRICO DO CI EMA No início do século XX “Os meio de comunicação ganharam espaço no cotidiano. A imprensa, o cartaz e o cinema modificaram a percepção de mundo das pessoas” (URSSI, 2006, p. 49). Ao irem ao cinema, as pessoas acostumadas com a arte teatral, assustavam-se com as realistas cenas de locomotivas e ondas indo em direção à câmera (RAMOS, 2010, p.6), pois o cinema passou a levar o espectador a “locais reais, com mobilidade e multiplicidade de ângulos” (BULCÃO, 2010, p. 1), portanto poderia substituir o caráter de representação encontrado no teatro pela linguagem realista. Esta linguagem realista não deve ser entendida como cópia e sim como opção de “criação, por comportar a percepção, a interpretação e a reconstrução do objeto e a expressão do sujeito que a formula” (BARBOSA, 2000, apud BULCÃO, 2010, p. 6). Segundo Carolina Bassi de Moura (2010), um dos mais conhecidos movimentos cinematográficos aconteceu na Itália após a Segunda Guerra Mundial e durou até por volta de 1953. Denominado neo-realismo italiano, este movimento buscava atingir o máximo de realismo possível. O filme de Rossellini, Roma Città Aperta (1945) foi o que marcou este estilo, o diretor entrevistava pessoas envolvidas num determinado acontecimento que relatasse o ocorrido e, “Para aumentar o grau de realidade, as cenas se passavam nos próprios locais da ação, descritos nestes relatos (...) não havia atores, nem figurinos ou cenários concebidos” (2010, p. 27). O diretor Federico Fellini foi colaborador deste filme, porém após suas experiências com Rosselini direcionou-se para uma linguagem mais simbólica e poética culminando em seu filme La Strada (1954), quando rompe com “as preocupações neo-realistas e declara sua preferência por uma interpretação mais histórica da condição humana” (2010, p. 29). Na verdade, com o surgimento e aperfeiçoamento dos recursos fotográficos no fim do século XIX e início do século XX, não só na pintura, mas também no cinema, a representação realista começou a ser questionada: "As vanguardas artísticas libertaram-se da obrigação de representar o mundo exatamente como nossos olhos o veem, para poder se dedicar a representar algo mais – algo invisível aos olhos, mas tocante ao espírito” (2010, p. 24). A partir de então, o cinema passa a aceitar as duas possibilidades de expressão, cabendo ao diretor geral ou até diretor de arte, decidir por uma linha ou outra, de acordo com o que se que necessita e deseja representar.


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3. O CI EMA O cinema já foi definido como “teatro romanceado” ou “romance teatralizado” ambas as expressões têm o mesmo sentido, alterando apenas a ordem do raciocínio, ou seja, o cinema se assemelha ao teatro pois em ambos os meios artísticos tem-se atores interpretando personagens e se aproxima do romance devido à mobilidade dos mesmos, dada pelo tempo e espaço que podem ser mais facilmente dilatados ou comprimidos, diferente do teatro convencional, em que o desenvolvimento dos acontecimentos deve ser muito mais rápido (CÂNDIDO, 1972, p.103). Apesar de ter tais semelhanças com outros tipos de arte, o cinema tem a sua própria essência. Segundo o filósofo de cinema Hugo Munsterberg, é a arte que mais se aproxima do olhar humano, pensamento e funcionamento da mente, devido à composição de escolhas como os cortes, seleções de ângulos, cores (BASTOS, 2010, p.5), ou seja, é “o movimento da câmera, que pode ser comparado ao movimento do olhar que regula a visão do espaço” (BULCÃO, 2010, p. 6). Estas escolhas têm o propósito de narrar, de mostrar a mensagem, o Signo, os símbolos desejados por meio dos mais variados instrumentos (imagens, sons, luz e ritmo) e com a colaboração dos profissionais da equipe do diretor (cenógrafo, figurinista, diretor de arte, diretor de fotografia, etc.).

Quanto às escolhas da ordem da linguagem cinematográfica, (...) o diretor, junto com os profissionais responsáveis por cada código, deve definir as opções que melhor se integrarão e formarão uma unidade narrativa entre os diversos códigos, para que o filme não se torne uma colcha de retalhos com subcódigos que não comunicam entre si. Além disso, cada escolha estética e narratológica influenciará no modo como espectador perceberá a história, portanto cada plano, e, dentro de cada plano, cada opção estética, deve ser pensada em seu significado como parte da narrativa. (BASTOS, 2010, p.60)

Este código ou Signo formado é o que conduz a narrativa cinematográfica. Para Peirce, o Signo é o produto de nossa consciência quando ela percebe algum acontecimento relacionado a nós, ou seja, é o efeito que este acontecimento nos causa (SANTAELLA, 2002, apud URSSI, 2006, p. 84). A fenomenologia é o estudo deste processo e ela define três olhares para “a construção poética dos significados: o olhar contemplativo, o observacional e o abstrato” (URSSI, 2006, p. 84). Exemplos do olhar contemplativo são as imagens, desenhos, pinturas e formas. Este olhar “é o olhar puro que vê o que está diante dos olhos sem intermediações racionais ou reflexivas” (idem). O observacional “distingue, discrimina


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resolutamente diferenças e particularidades, ele apenas reage ao mundo e dá à experiência seu caráter factual, de luta e confronto (...) vai individualizar estes objetos dentro de nosso conhecimento particular” (idem), são os ruídos e cheiros, por exemplo, que antecedem um fato. O abstrato “tem a capacidade de generalizar as observações em classes ou categorias abrangentes (...) corresponde à camada de inteligibilidade (...) vai conectar-nos ao mundo em que vivemos socialmente” (SANTAELLA, 2002, apud URSSI, 2006, p. 84). Uma vez definido o Signo, é importante que se tenha o cuidado de elaborar uma narrativa que o espectador consiga contemplar, fazendo o menor número possível de referências com o exterior da obra para que se obtenha o prazer de apreciador e não deforme ou empobreça a apreensão da totalidade da história (CÂNDIDO, 1972, p. 33). Outra preocupação importante para tornar a narrativa cinematográfica interessante é de procurar manter o personagem em cena ou pelo menos não demorar muito a fazê-lo, pois é ele que concretiza a camada imaginária da ficção; além disto, segundo Cândido (1972), o homem só se interessa por assuntos relacionados ao homem. No caso do cinema, porém, esta presença do personagem não necessariamente deverá ser física e sim por meio de referências, ao contrário do teatro onde o palco exige a presença física de pelo menos um personagem.

(...) no cinema ou romance, a personagem pode permanecer calada durante bastante tempo, porque as palavras ou imagens do narrador ou da câmara narradora se encarregam de comunicar-nos os seus pensamentos, ou, simplesmente, os seus afazeres (CÂNDIDO, 1972, p. 23).

Esta citada comunicação dos pensamentos ou afazeres dos personagens quando não feita por eles próprios, é feita pelo ambiente, traduzido pela cenografia e é feita também pelos movimentos da câmera que podem focar, comentar, recortar, aproximar, expor e descrever, ou seja, a câmera assume a função de narrar, como mencionado anteriormente, selecionando o que for necessário para cada cena:

A narrativa visual nos coloca diante do mais fácil e imediato, do que seria dado a conhecer a todos. O narrador vocal sabe muito mais, na realidade sabe tudo, mas só nos fornece dados para o conhecimento dos fatos, de forma reticente e sutil (CÂNDIDO, 1972, p. 84).


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4. O CI EMA DE ACO TECIME TO E O CI EMA DE PERSO AGEM

Atualmente percebemos duas fortes correntes relacionadas ao cinema: o comercial, que é produto para a indústria do entretenimento (BULCÃO, 2010, p. 1) e o cinema de personagem, também conhecido como cinema de arte, popularmente chamado de “Cult” ou alternativo. Para Coleridge, o que diferencia estas duas correntes é o trabalho criativo (BARBOSA, 2000, p. 71 apud BULCÃO, 2010, p. 5). Apesar do cinema de personagem ser muito mais rico neste âmbito, é pouco procurado na sociedade atual, apaixonada por filmes de acontecimentos, filmes americanos, filmes “hollywoodianos”, ou simplesmente comerciais, que visam a fortuna artística e econômica e pouco se interessam pela “arte de narrar” (GARDIES, 2008, p.75 apud. BASTOS, 2010, p.5). Embora seja americano, Woody Allen faz parte do grupo de diretores voltados ao cinema de personagem: “vivemos em uma era psicanalítica – os conflitos se tornam internos, e não tão visualmente ativos e cinematográficos como anos atrás. O grau de conflito é bem mais sutil” (LAX, 2008, p. 29 apud BASTOS, 2010, p.20 e 21). Para ele, o cinema não americano é majoritariamente dramático e centrado no personagem enquanto o americano, comercial, se preocupa com a trama e contempla vários gêneros (BASTOS, 2010, p. 21). Outros diretores, escritores e estudiosos têm suas próprias definições sobre estas distintas correntes de cinema. Edwin Muit e Wolfgang Kayse, por exemplo, distinguem as narrativas com os nomes: romance de personagem e romance de ação ou de acontecimento (SILVA, 1976, apud BASTOS, 2010, p.36). No romance de personagem o autor apresenta um único protagonista depois de demorado estudo de criação. O objetivo deste tipo de filme é priorizar o personagem, exibi-lo e conhecê-lo a fundo. O personagem é mais complexo do que o desenvolvimento da trama: “enquanto no romance de ação os personagens são destinados a ajustar-se ao enredo, aqui o enredo é improvisado para elucidar os personagens” (MUIR, 1975, p.12, apud BASTOS, 2010, p.38). Enfim, os personagens não são criados para se adaptarem às ações, eles e seus conflitos é que são os principais elementos do filme.

Segundo Maciel (2003), a primeira diferenciação entre modos de construção de personagem se dá no momento em que se percebe se o personagem é o fundamento ou a trama é o fundamento da história. Se a trama for o ponto de partida, começa-se pelo desenvolvimento da história, de maneira que a construção do personagem se adapte a ela (MACIEL, 2003, p.72). Mas se o


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personagem é o fundamento da história, a sua construção deve ser complexa o bastante para que ela própria, em um processo de livre criação do roteirista, gere a trama (BASTOS, 2010, p.55).

Já no cinema de acontecimento, a preocupação no momento da criação é com o desenvolvimento das situações e não com a descrição psicológica dos personagens. Definido o tipo de situação a ser abordado, o personagem se adapta a ela. Segundo definições de Polti são trinta e seis as situações dramáticas que este tipo de cinema explora, entre elas rivalidade entre parentes, crimes de amor e adultério (MACIEL, 2003, p.81-83, apud BASTOS, 2010, p. 56). O conto escolhido para desenvolvimento do projeto prático deste trabalho é o Feliz Aniversário de Clarice Lispector. Uma vez que este conto é classificado na categoria “contos de atmosfera” (cuja prioridade é a exploração do íntimo dos personagens e suas reações em meio a acontecimentos sempre secundários) como veremos adiante, o estilo mais apropriado para proposta de curta metragem, é o “cinema de personagem”.


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5. A CO STRUÇÃO DO PERSO AGEM

Enquanto na literatura o escritor cria o personagem e o leitor o recria, uma vez que não tem a imagem e é obrigado a usar a ferramenta da imaginação, no cinema, por meio de imagem, movimento, som, ritmo, luz, enquadramento, ambiente e figurino, o personagem é enriquecido por toda a equipe do cineasta que lhe agregará características aos primeiros traços definidos pelo roteirista no texto cinematográfico.

(...) por ser fruto de um meio específico diverso da literatura, é preciso que se busquem na teoria do cinema os elementos necessários para fazer avançar o estudo em direção a um entendimento global da formulação do personagem cinematográfico (BASTOS, 2010, p.6).

A construção dos personagens baseada no princípio de verossimilhança de Aristóteles foi substituída a partir da metade do século XVIII, “por uma visão psicologizante que entende personagem como a representação do universo psicológico de seu criador” (BRAIT, 2010, p.37, apud BASTOS, 2010, p.10), ou seja, “os personagens deixam de ser representações de seres ideais e passam a ser reflexos da psique imperfeita de seus criadores” (BASTOS, 2010, p.10). No século XX, o estruturalismo se opõe aos excessos psicológicos, simplificando o personagem. Com o passar do tempo, as características de nossa sociedade cada vez mais individualista, levaram à criação de um personagem complexo com constantes conflitos internos e questionamentos. Com isto foi retomada a sua grande importância na narrativa, foi de fato uma valorização do personagem. Segundo Reis (1994) “o personagem renasceu em um movimento pós-estruturalista que retomou a visão do romance psicológico fortemente influenciada pela psicologia e pela sociologia” (BASTOS, 2010, p.20). Foram feitas diversas classificações de criação de personagem, como por exemplo, a de Philippe Hamon, que cita: o herói; os embreayerurs que “funcionam como elemento de conexão e só ganham sentido na relação com os outros elementos da narrativa” (BRAIT, 2010, p.46, apud. BASTOS, 2010, p.16); e as anáforas que “só podem ser apreendidas completamente na sua rede de relações formada pelo tecido da obra” (idem). Outra classificação é a de Maciel (2003), que os divide em: “agentes (protagonista e antagonista), ajudantes (confidente e ‘escada’ do protagonista e do antagonista), comentadores (cuja finalidade é repercutir os atos dos outros personagens ou simplesmente adiar o desdobramento


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da narrativa) e os emblemas (personagens secundários que servem apenas como função social. São como os figurantes nas obras audiovisuais) (MACIEL, 2003, p.80, apud. BASTOS, 2010, p.56). Há ainda a classificação muito relevante de Forster (1969) que consiste na divisão de personagens em planos e redondos, dependendo da complexidade de suas construções. Os personagens planos são construídos “em torno de uma única idéia ou qualidade” (REIS, 1994, p.122, apud. BASTOS, 2010, p.13), portanto são rasos, previsíveis, lineares e por serem considerados muitas vezes caricaturas, se adaptam bem ao perfil cômico (CÂNDIDO, 1972, p. 46 e 47). Por sua vez, o personagem redondo sempre nos surpreende, ele é complexo e dinâmico. Quanto mais complexo, maior é seu domínio em relação à trama como vimos anteriormente e segundo Bastos (2010) “é essa a característica principal do romance de personagem: a dominância do personagem em relação direta de hierarquia com a trama” (2010, p.38). Se houver um narrador, os conflitos internos do personagem podem ser mencionados antecipadamente, porém sua caracterização psicológica deve ser de fato concretizada por meio de ações, modo de falar, mover e ainda através das escolhas de montagem, edição, figurino, trilha sonora, que lhe atribuirão as características necessárias, ou seja, a linguagem audiovisual será de suma importância. Já na literatura, para construir o personagem, o escritor só poderá utilizar as palavras, seu único instrumento: “descrição minuciosa ou sintética de traços, os discursos, indireto ou indireto livre, os diálogos e os monólogos são técnicas escolhidas e combinadas pelo escritor a fim de possibilitar a existência de suas criaturas de papel” (BRAIT, 2010, p.67, apud, BASTOS, 2010, p.51). É claro que no cinema, o texto cinematográfico, ou seja, o roteiro, também será importante uma vez que como citado anteriormente, é nele que encontramos as pistas, as indicações dos primeiros traços elementos físicos, movimentos, figurino - e pode até mesmo dar indicações sobre forma de agir, sendo mais detalhados ou abertos à improvisação - escolha esta que impactará nas filmagens. O importante é que estas indicações não sejam subjetivas e que tudo que esteja escrito neste roteiro possa ser demonstrado por meio de imagens e sons. Porém, para avançar do nível das indicações e chegar a uma construção minuciosa do personagem, há a colaboração de uma equipe de inúmeros profissionais competentes que por meio das técnicas cinematográficas acrescentarão as características necessárias para se chegar ao Signo de desejo, entre eles:


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(...) passa pela capacidade do ator de interpretar o personagem, do roteirista para dar-lhe verossimilhança e uma trajetória coerente (...), do diretor para orquestrar a narração e de diversos técnicos para criar o ambiente audiovisual que melhor serve à caracterização e às ações dos personagens.

(BASTOS, 2010, p.47).

Até mesmo um personagem já estabelecido na trama, pode contribuir na criação de outro personagem por meio de características opostas, de diferenciação:

A figura actorial não resulta de uma simples adição de traços heterogêneos, mas antes de um confronto entre condicionalismos de naturezas diferentes. Entre o argumento, o realizador e o ator, mas também o sonoplasta, o operador ou o desenhador de guarda-roupa (...) instaura-se um verdadeiro trabalho de negociações que, levemente, faz emergir a figura fílmica da personagem. Neste sentido deve-se conceber sempre a personagem como o resultado de um conjunto complexo de transações. (...) Pelo menos quatro (...) componentes de base entram no ‘fabrico’ da figura actorial: o actante, o papel, o personagem e o ator-interprete, cada qual participando de maneira específica na elaboração da figura, e isto numa interação constante (...) (GARDIES, 2008, p. 81 apud BASTOS, 2010, p.50).

Todos estes profissionais deverão chegar a uma imagem condizente com a essência do personagem, que será impactante no momento em que ele surgir em cena, pois este é o momento em que a caracterização física é consolidada. É preciso ainda que se tenha cuidado nesta caracterização a fim de fugir dos clichês, a menos que o objetivo seja justamente este. Já os traços que lhes darão densidade psicológica serão exibidos através do desenvolvimento de diálogos e comportamentos, uma vez que o espectador “não tem acesso direto à consciência moral ou psicológica da personagem” (CÂNDIDO, 1972, p. 67).

O que levaria muitas páginas de descrição para se tornar imaginável na literatura, basta um take para tornar-se visível no cinema. A descrição física e de expressões através de imagem, concomitante com inúmeras descrições de outras ordens, através de diálogos, montagem, som e símbolos, faz com que o cinema torne-se fonte mais rica e complexa de caracterização do que o romance. (BASTOS, 2010, p.51).

Esta densidade psicológica criada faz com que compreendamos certas atitudes dos personagens exibidas na trama, levando em consideração a personalidade de cada um e não a nossa própria visão. Para isto é necessário que o diretor consiga instigar nossa imaginação e levar-nos a conceber, por exemplo, o histórico de determinado personagem.


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Nos filmes que seguem modelos clássicos de construção de personagem cinematográfico, além de caracterizados em seus gestos e ações, os personagens se mostram claramente descritos em diálogos e situações que forçam a caracterização. Seu passado é minuciosamente construído, cada reentrância de sua personalidade é devidamente devassada em diálogos, flashbacks e por vezes a própria narração (BASTOS, 2010, p.45). Cada espectador, diante de um mundo que se lhe apresenta, deve interpretar a realidade segundo sua própria sensibilidade: a ambigüidade é mostrada, mas não destacada nem claramente expressa. O diretor permite-nos olhar o real deixando-nos o trabalho de interpretá-lo. (BETTON, 1987, p.12, apud

BASTOS, 2010, p.46). O que influenciará também nesta criação como citado anteriormente, é a escolha prévia entre a trama de personagem ou a de acontecimento, pois a importância do personagem dependerá disto. Levando em conta a trama de personagem, existem três estágios que o escritor deve desenvolver na criação do personagem. Primeiro deve conhecê-lo “como a um colega de viagem de trem: deve saber como ele é fisicamente e algumas banalidades a seu respeito, como sua origem e profissão” (BASTOS, 2010, p.57), é como um primeiro contato, uma apresentação. Então quando já tiver algum conhecimento sobre ele, o “escritor deve conhecer o personagem como conhece um bom amigo: seus problemas, propósitos e sonhos” (idem). E finalmente deve conhecer “intimamente o personagem, como a um confidente: desejos secretos, sentimentos inconfessáveis, sua loucura” (idem). Outros dois roteiristas propõem níveis a se levar em conta nesta construção. Para Syd1 Field o grau de importância do personagem na trama definirá seu aprofundamento em níveis público, profissional e pessoal. Já a classificação feita por Lajos Egri 2consiste em nível físico, social, psicológico; e para ele, embora todas as personagens sejam compostas por estes três níveis, há sempre um com maior evidência, melhor explorado (BASTOS, 2010, p.57). Na verdade, os critérios para caracterização do personagem são inúmeros, e cada roteirista ou diretor desenvolve seu método, mas segundo Roberta Nichele Bastos (2010), há duas características que melhor o definem e que serão responsáveis pelo desenrolar da trama: a forma do personagem ver o mundo e suas escolhas “principalmente sob pressão, que definem seu nível mais profundo, muito além de qualquer caracterização explícita” (2010, p.58). Na criação, o roteirista “tem que ser capaz de ver o mundo com os olhos de cada um de seus personagens” (MACIEL, 2003, p.79, apud. BASTOS, 2010, p.59) como também 1 Sid Field (1904-1950) – roteirista americano e guru de cinema. 2 Lajos Egri (1888-1967) – roteirista húngaro


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propunha Stanislavski3, em teatro. Já o ator, embora também seja responsável pela composição interior de seu personagem, deve usar as técnicas do corpo para solucionar os problemas desenvolvidos nas “especificidades dos processos de trabalho” (ROMANO, 2004, p. 249), uma vez que o seu corpo é seu instrumento para expressar a veracidade da história, ou seja, por mais que existam traços estabelecidos por outros profissionais como o roteirista e o diretor, é com a caracterização corporal do ator que o personagem de ficção cinematográfica ganha vida. Estas técnicas resultarão na representação do personagem criado, representação esta onde “misturam-se Signos visuais (posturas, gestos, translações e movimentos “de sombra”), sonoros e de relação (entre os corpos e com os outros “actantes” da cena)” (ROMANO, 2004, p. 251). No caso de uma interpretação realista, os atores devem ainda ter o cuidado de não representar a cópia dos sentimentos e sim fazê-los surgirem, se desenvolverem, se transformarem em outros sentimentos, enfim viverem diante do espectador (EISENSTEIN, 2002, p. 22)

(...) um personagem (tanto num texto quanto na interpretação de um papel), para produzir uma impressão verdadeiramente viva, deve ser construído diante do espectador, durante o curso da ação, e não apresentado como uma figura mecânica com características determinadas a priori. (idem)

Veremos adiante, no capítulo sobre Direção de Arte que dois elementos justapostos criam um novo produto e para o ator, esta aplicação de justaposição também procede, porém neste caso trata-se de aspectos de caráter e conduta. O produto da combinação de elementos básicos de comportamento traduzirá a “imagem integral concebida pelo autor, pelo diretor e pelo próprio ator” e que será “reunida (...) na percepção do espectador” (EISENSTEIN, 2002, p.28). O diretor por sua vez, ao ler o roteiro, extrai elementos que o faz ter uma visão própria do personagem, às vezes completa, sem que existam muitas interferências dos demais membros da equipe. No caso de Fellini, que também escreveu seus próprios roteiros, a imaginação de aspectos de fisionomia dos personagens e cenários desenvolvidos em seus esboços estilizados foi primordial e muitas vezes determinante na escolha do elenco. Ele procurava pelo ator que expressaria exatamente o que o personagem sugeria, com todo seu mundo interior e crises existenciais: “a escolha do elenco, feita ‘a dedo’, foi fundamental não 3

Constantin Stanislavski (1863 – 1938) – ator, diretor, escritor russo. Um dos fundadores do Teatro de Arte de Moscou. Grande inovador no teatro e na forma de interpretação dos atores.


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apenas pela extrema desenvoltura dos atores, mas pela correspondência dos seus tipos físicos e fisionomias aos desenhos criados pelo diretor quando começava a imaginar o roteiro desta obra” (MOURA, 2010, p.30). O personagem “Gelsomina” de La Strada (1954), por exemplo, surgiu dos desenhos, o que era de fato a ferramenta de Fellini: “-Desenhar é o passo fundamental. A coisa mais difícil é encontrar o ator que se ajuste ao desenho. Eu procuro por ele ou ela até eu encontrar alguém que me faça dizer: ‘Você, você é o meu desenho!’” (MOLLICA, 2004, p32 apud. MOURA, 2010, p.39 e 40). Enquanto os desenhos eram feitos rapidamente, quando Fellini passou a fazer filmes coloridos, o processo de escolha destas cores era mais demorado, pois eram feitos estudos complexos sobre as mesmas, que passaram a colaborar muito na caracterização dos personagens e cenários, como no filme Julieta dos Espíritos (1965), seu primeiro filme a cores. Segundo sua sobrinha e assistente de direção Daniella Barbiani, “Ele tinha que encontrar a sombra certa, a cor certa, porque cada uma dessas cores expressava um sentimento específico” (MOURA, 2010, p.43). Enfim, para a construção do plano subjetivo de um rico personagem é primordial que este não seja cópia de nenhum “ser existente” e sim fruto de uma seleção feita por toda a equipe cinematográfica, de número limitado de elementos de caracterização que melhor componham o Signo do personagem e que lhe dêem uma lógica própria e a “ilusão do ilimitado” (CÂNDIDO, 1972, p. 44), atingindo desta forma, um caráter contínuo e coerente. Apenas o plano físico poderá ser “passível de cópia” uma vez que é limitado. Quando bem construído, este personagem “serve para mostrar uma visão de mundo” (MOURA, 2010, p.45).


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6. PARTES FORMADORAS DO CI EMA No início deste trabalho vimos que o significado sígnico de um filme é extraído de estudos do diretor e sua equipe (roteirista, diretor de fotografia, diretor de arte, cenógrafo, figurinista, designer de som, etc.). É importante que estas áreas estejam com a proposta sempre em harmonia a fim de manter este significado sígnico, para que “aquilo que é almejado como conceito, idéia, estética, tema e argumento do filme, seja externado em cada parte, formando um todo, uma unidade” (SANTOS, 2009, p.8).

A construção dessa comunhão envolve uma poièses desenvolvida por uma coletividade autoral em áreas como roteiro, direção de fotografia, direção de arte, cenografia, figurino, trilha sonora, direção, etc., que são engendradas e articuladas em uma trama sintática de relações intersemitóticas que cobrem o Signo fílmico de potencialidade de significação. (SANTOS, 2009, p. 1)

Como o projeto deste trabalho consiste na proposta de direção de arte para um curta metragem, nos preocuparemos em discutir apenas esta área, passando então à discussão do conceito de cenografia, figurino e em seguida será apresentado o exercício de análise da direção de arte do filme Feliz atal (2007) dirigido por Selton Mello.


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7. DIREÇÃO DE ARTE A direção de arte deveria ser mais valorizada, pois é parte fundamental da concepção do filme, uma vez que é a grande responsável pela imagem do mesmo e “a importância estética do cinema em nada perturba a vitalidade do filme” (CÂNDIDO, 1972, p. 82). Ao contrário, segundo Jean Mitry, “o espectador é sempre atraído numa imagem por algo que atinge, plástica ou dramaticamente, o máximo em significação” (MOURA, 2010, p. 44), afinal, ela tem o poder de descrever e decifrar mensagens, personagens, etc. Esta imagem também deve ser construída de forma sincronizada por toda a equipe do cinema para “assegurar a criação de um olhar unificado e uma produção coesa” (URSSI, 2006, p. 93). Uma vez atingida a imagem unificada, deve-se ter o cuidado com qualquer alteração posterior que se faça necessária, para que não seja destruído o sentido da caracterização desta imagem, assim como na literatura:

a mais ligeira modificação da camada exterior (...) destrói o sentido de toda a obra, devido ao valor expressivo das palavras, agora usadas como se fossem relações de cores ou sons na pintura ou música (CÂNDIDO, 1972, p. 30).

Uma das decisões importantes a serem tomadas, talvez uma das primeiras, é entre seguir a linha realista ou de simbologias: “Em linhas gerais, pode-se escolher entre uma visão mais objetiva ou mais subjetiva do mundo; uma representação mais documental ou mais deformada pela interioridade das coisas, estilizada, simbólica” (MOURA, 2010, p. 44). Diretores conhecidos investem bastante na direção de arte, como é o caso de Fellini, Jeunet e Tim Burton. Este último “afirma que suas histórias são contadas por imagens e que a narrativa de seus filmes enquanto história narrada por palavras é muito menos impactante” (MOURA, 2010, p. 151). Para a construção e enriquecimento das imagens, podem-se usar diversos elementos básicos como cor, música, iluminação, objetos, texturas, e será justamente a combinação ou relação de oposição entre estes elementos que passará ao espectador, a mensagem e o clima que se pretende. Sempre que algo é projetado, desenhado, pintado, construído ou gesticulado, o que vemos desse objeto é composto a partir de elementos básicos (...) - o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a dimensão, a


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escala e movimento – organizados em uma gramática compositiva de relações e contrastes – equilíbrio e instabilidade, simetria e assimetria, regularidade e irregularidade, simplicidade e complexidade, unidade e fragmentação, economia e profusão, minimização e exagero, previsibilidade e espontaneidade, atividade e êxtase, sutileza e ousadia, neutralidade e Ênfase, transparência e opacidade, estabilidade e variação, exatidão e distorção, planura e profundidade, singularidade e justaposição, seqüencialidade e acaso, agudeza e difusão, repetição e episodicidade, que oferecem uma grande variedade de meios para a expressão visual de um determinado conteúdo. (...) Estes elementos são a matéria-prima de toda informação visual que chega até nossos sentidos. (URSSI, 2006, p. 86 e 87)

Eisenstein, mesmo criticado, foi quem defendeu que a síntese entre dois ou mais objetos ou qualidades independentes, forma um novo produto:

Por exemplo, tomemos um túmulo, justaposto a uma mulher de luto chorando ao lado, e dificilmente alguém deixará de concluir: uma viúva. A mulher (...) é uma representação, o luto que ela veste é uma representação – isto é, ambos estão plasticamente representados. Mas ‘uma viúva’, que surge da justaposição de duas representações, não é plasticamente uma representação – mas uma nova idéia, um novo conceito, uma nova imagem. (EISENSTEIN, 1990, p. 14) A representação A e a representação B devem ser selecionadas entre todos os aspectos possíveis do tema em desenvolvimento, devem ser procuradas de tal modo que sua justaposição – isto é, a justaposição desses próprios elementos e não de outros, alternativos – suscite na percepção e nos sentimentos do espectador a mais completa imagem do próprio tema. (EISENSTEIN, 1990, p. 18) (...) Uma determinada ordem de ponteiros no mostrador de um relógio suscita um grupo de representações associadas ao tempo, que corresponde à hora determinada. Suponhamos, por exemplo, que o número seja cinco. Nossa imaginação está treinada para responder a este número recordando cenas de todos os tipos de acontecimentos que ocorrem nesta hora. Talvez o chá, o fim de uma jornada de trabalho, o começo da hora do rush no metrô, talvez lojas fechando as portas, ou a peculiar luminosidade do final da tarde... Em qualquer dos casos, automaticamente nos lembraremos de uma série de cenas (representações do que acontece às cinco horas. A imagem das cinco horas é composta de todas essas representações particulares. Esta é a seqüência completa do processo, que ocorre deste modo na etapa de assimilação das representações tomadas pelos números que suscitam as imagens das horas do dia e da noite. (EISENSTEIN, 1990, p. 19 e 20)

É necessário que os elementos para tal justaposição sejam pensados e bem escolhidos, pois formarão símbolos, representarão convenções da sociedade, ou seja, devemos ter


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consciência dos motivos pelos quais foram escolhidos para que a imagem passada seja a correta, a que se pretendia ter. As cores também são de extrema importância e sua composição deve ser minuciosamente pensada, pois interferem nas emoções “agem sobre nossa alma, sobre nosso estado de espírito” (BETTON, 1987, p.60, apud MOURA, 2010, p. 48) e não devemos recorrer aos estereótipos, como por exemplo, o branco para a paz e o vermelho para a paixão e raiva. No filme Toby Dammit (FELLINI, 1967) o branco foi utilizado para uma “menina diabo”, e se atingiu um resultado bastante angustiante e assustador. Isto é possível devido à harmonia da combinação dos outros elementos que compõem a cena.

Por exemplo, uma cor nem sempre será fria ou quente, leve ou pesada, clara ou escura. Há ilusões também de espaço e volume, provocadas por essas interações entre as cores, como explica Josef Albers em seu estudo específico sobre o tema (ALBERS, 2009). Tudo depende do conjunto composto, gerando dinâmicas diferentes, que produzirão resultados diferentes. (MOURA, 2010, p. 49) E concluímos que a existência de equivalentes absolutos de som e cor – encontrados na natureza – não podem desempenhar um papel decisivo numa obra criativa, exceto de um modo ocasional, ‘complementar’. O papel decisivo é desempenhado pela estrutura da imagem da obra, não tanto usando correlações geralmente aceitas, mas estabelecendo nas imagens de uma obra criativa específica quaisquer correlações (de som e enquadramento, som e cor etc.) que sejam ditadas pela idéia e tema da obra particular. (EISENSTEIN, 1990)

Outro elemento que pode contribuir muito com a direção de arte quando combinada com outro elemento é o desenho de som e a música, pois ajudam a criar o ambiente e as sensações do assunto da cena, gerando emoções no espectador; indicam informações sobre o personagem, tempo, estação, entre outros. Enfim, ajudam a enriquecer a imagem: “ao combinar a música com a sequência, esta sensação geral é um fator decisivo, porque está diretamente ligada à percepção da imagem da música assim como dos quadros” (EISENSTEIN, 1990, p. 56).

Além de elementos básicos como cores, luz e som, existem muitos outros recursos utilizados em direção de arte para se obter dos espectadores as emoções desejadas. Einsenstein, por exemplo, buscava “através da utilização da montagem e de recursos especiais como fortes contrastes, repetição e ritmo frenético das imagens e digressões simbólicas”


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(URSSI, 2006, p. 59 e 60) os indispensáveis “momentos abaladores, impetuosos e chocantes” (idem) nos filmes, para gerar emoções em seus espectadores. Embora todas as áreas do cinema contribuam para a construção do personagem, “o cenário e o figurino, por identificarem mais facilmente o personagem, são os responsáveis mais diretos por darem a medida das sensações, opiniões e postura deste personagem” (MOURA, 2010, p. 183).


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8. CE OGRAFIA A cenografia hoje em dia é utilizada de diversas formas: teatros, exposições, eventos, cinema, etc. No caso do cinema, é uma das ramificações da direção de arte que deve ser pensada “do ponto de vista do filme, da câmera, da abordagem do mundo que ela realiza, e não como elemento artificial inserido em um universo ficcional” (BULCÃO, 2010, p. 10). Segundo definições do escritor Décio Pignatari4 e do diretor de arte e cenógrafo Marcos Pedroso5:

Cenografia não é apenas um Signo que denota e conota um ambiente e/ou uma época, ou que informa um espaço, configurando-o: a boa cenografia é a que participa também da ação narrativa, que não é apenas algo externo a ação, decorativamente, mas que se identifica até com o estado psicológico dos personagens ou o ambiente da cena. Como o nome está dizendo, a cenografia é uma escritura da cena, é uma escrita não-verbal, icônica, que deve imbricar-se nos demais elementos dramáticos, trágicos ou cômicos (PIGNATARI, 1984, p72, apud URSSI, 2006, p. 84) Pensar a cenografia como elemento colaborador no desenho espacial da encenação, a partir de um lócus estabelecido; buscar a carga semântica do espaço enfatizando-a ou transformando-a conforme a necessidade conceitual e estética da montagem; fazer a reestruturação física e do espaço eleito através de pesquisa e experimentação empírica e coletiva e sua adequação ao conceito e necessidades práticas na atuação; procurar a mutabilidade e a recriação pela adaptação a cada deslocamento geográfico da encenação; ter o publico como elemento presente e ativo (PEDROSO, 2002, p.69, apud RODRIGUES, 2008, p.76)

Assim como nas demais ramificações, podem-se encontrar traços para o desenvolvimento da cenografia no roteiro, como as mudanças de cena, horário e época do ano, período histórico, sensações, porém quem sugere ao diretor o estilo, atmosfera, época e lugar da ação é o cenógrafo. É importante salientar que é necessário seguir a proposta da direção de arte estabelecida, como por exemplo, na escolha entre uma expressão realista ou simbólica - escolha esta que o cinema nos permite fazer, diferente do teatro que “precisa sempre de uma metáfora, por mais real que pretenda ser” (NAMATAME6, 2011, p. 75 e 76).

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Décio Pignatari - Poeta, escritor, teórico de literário, ensaísta, foi um dos responsáveis pelo Movimento da Poesia Concreta. Escreveu o livro “A Teoria da Poesia Concreta” junto com os irmãos, Haroldo e Augusto de Campos, na década de 50. 5 Marcos Pedroso - Diretor de arte. É formado em Artes Plásticas pela ECA – USP. Começou como cenógrafo e figurinista do Teatro da Vertigem. 6 Fábio Namatame – figurinista, cenógrafo, visagista, diretor, ator.


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O cinema conseguiu criar a cena e realizar os efeitos que eram impossíveis no teatro. A fotografia permitiu incorporar a realidade aos cenários cinematográficos, pôde dispor de lugares naturais, como paisagens e construções reais. O movimento trouxe a possibilidade de se observar o cenário de diversos ângulos e em seus detalhes. (URSSI, 2006, p. 58)

Outra decisão que o cenógrafo deve obedecer ou se possível colaborar agregando sua opinião é em relação à marcação e movimento dos atores e poderá fazê-lo nas reuniões de equipe realizadas para definições preliminares, apresentação e acompanhamento do projeto. Na reunião inicial, o cenógrafo deverá discutir e definir o cronograma e os projetos “estruturais, cromáticos e de texturas, de mobiliário e objetos, de iluminação e elétricos, de áudio e sonoplastia, em sintonia com os figurinos e a maquiagem” (URSSI, 2006, p. 94). Após as primeiras definições, é importante que o material esboçado seja apresentado à equipe, possibilitando então uma continua colaboração entre todos os profissionais:

Um esboço das cenas na fase preliminar, plantas em escala para mostrar a disposição geral de cada cena, a disposição do mobiliário e objetos maiores, as elevações frontais para mostrar elementos de cena, janelas e plataformas. Maquetes ou pequenos modelos tridimensionais que mostram como será cada cena quando a produção for finalizada. Estes dispositivos visuais como instrumentos comunicadores e explorativos possibilitam a visualização cênica virtual como momentos distintos de criação, direção e documentação do projeto cênico e ajudam a compreensão do espetáculo por todos os profissionais envolvidos na produção. A apresentação do projeto aos membros da equipe, para discutir os detalhes da produção e de interpretação de atores, gera um processo positivo, intenso e colaborativo (URSSI, 2006, p. 83 e 94).

Iniciando o projeto, é necessário partir da relação entre o espaço, o corpo do ator e a proposta do texto. A criação, na qual a percepção se estrutura em primeiras idéias como cenas em seqüência gráfica de duas dimensões, evolui para um projeto em três dimensões relacionando ator/tempo/espaço, permitindo assim a compreensão completa do espaço cênico. A investigação e análise do texto, do espaço e do corpo do ator como fontes preliminares para a criação e a articulação, física e digital, evolui aos métodos de representação cênica relacionando-os no espetáculo enquanto cena e imagem, iluminação e projeções, som e silêncio (URSSI, 2006, p. 76).

A escolha do espaço onde será desenvolvida a cenografia será fundamental e para isto, entre outros aspectos, deve-se levar em consideração a sociedade da época que será retratada e


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seus costumes uma vez que o espaço é, segundo Heloísa Lyra Bulcão (2010), “um modo de manifestação e de expressão da sociedade” (2010, p.9). Para não criar um equívoco de épocas e costumes, é necessário que seja feita a correta seleção de “paisagens, de edificações, de móveis e utensílios, (...) de como devem funcionar todos esses elementos em relação às intencionalidades da época, do grupo, dos indivíduos e da sociedade com suas relações humanas, sentimentos e emoções” (idem). Uma vez definido este espaço, é necessário que se faça uma pesquisa, um levantamento técnico detalhado e que as possibilidades cênicas sejam exploradas ao máximo, a fim de se obter um bom planejamento e facilitar a construção das estruturas, montagem de cenário e mudanças que forem necessárias durante a filmagem. Então são utilizadas combinações de volumes, luzes, formas, cores, mobiliários, objetos “para solucionar as necessidades apresentadas pelo espetáculo e suas matizes poéticas em diversos meios e fins” (URSSI, 2006, p. 14). A luz, por exemplo, entre outras funções, tem a função dramática, pois tem o poder de:

evocar os sentimentos dos personagens e a atmosfera daquele momento. Nestes casos, é como se estas emoções e estes sentimentos transbordassem da interioridade dos personagens e se alastrassem pelo ambiente criando, assim, uma atmosfera coerente com a narrativa. (SALAZAR, 2008, p. 1013)

No projeto de iluminação, devem ser consideradas todas as características estruturais, tais como texturas, superfícies e materiais (URSSI, 2006, p.90). Podem-se fazer combinações com as intensidades e tonalidades - que enriquecerão a imagem quando incidirem nos contrastes de cores escolhidos - assim como a escolha entre foco, recorte, geral (idem). O filme italiano Cabíria (1914) foi o primeiro a usar a luz de forma poética, ou seja, a preocupação girava mais em torno dos “valores dramáticos da construção plástica do que com o realismo. Assim, pode-se ver uma iluminação muitas vezes não natural (rostos iluminados de baixo para cima, por exemplo)” (MOURA, 2010, p. 22). Além do uso de cores, luzes, há ainda a alternativa de se misturar elementos da ficção com elementos da realidade, que permitem a produção de uma imagem fragmentada e editada, ampliando as possibilidades de criação na cenografia, na intenção de materializar o “nãovisível”:

As novas mídias buscaram o exato equilíbrio entre imagens filmadas, animações, gráficos e tipografia, que revitalizou os conceitos narrativos e cênicos com a imagem fragmentada e editada. Estes novos meios cênicos


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alteraram os conceitos de tempo e espaço, e suas possibilidades de edição constroem novas realidades, novos caminhos que proporcionam à atual cenografia a criação de lugares sem fronteiras, ambientes imaginários altamente habitáveis. (URSSI, 2006, p. 97) O visível constrói um saber ‘assertivo’, enquanto que o não visível mostra um saber de natureza ‘hipotética’ (GARDIES, 2008, p.87, apud BASTOS, 2010, p. 24


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9. FIGURI O Como vimos, a construção de um personagem passa por um longo e estudado processo criativo do diretor e sua equipe, no qual são definidos os traços psicológicos, a expressão corporal, tom de voz, comportamentos e não menos importante, o figurino, que “mesmo sendo a camada mais superficial do personagem, ele faz parte da camada subjetiva na construção das muitas pontes entre os códigos expressivos da atuação” (CORTINHAS, 2010, p. 20). Stanislavski dava grande importância ao figurino desde o início da criação do personagem: Quando vocês tiverem criado pelo menos um papel, saberão o quanto a peruca, a barba, a indumentária e os adereços são importantes para um ator na criação de uma imagem. Só quem já percorreu o difícil caminho de dar forma física ao personagem que deve representar pode compreender a importância de cada detalhe, da maquiagem, dos adereços. Um traje ou objeto apropriados para uma figura cênica deixa de ser uma simples coisa material e adquire, para o ator, uma espécie de dimensão sagrada (VIANA, 2010, p. 102, apud CORTINHAS, 2010, p. 52). Fotografias e textos em que o encenador faz referência aos costumes deixam claro que, em sua concepção, o todo da encenação inclui os figurinos, que não são considerados apenas elementos ilustrativos ou decorativos. Tem um papel vital do processo de caracterização e são importantes para ajudar na nova relação entre os atores e os espectadores, como ponto de ligação entre palco e plateia (VIANA, 2010, p. 73, apud CORTINHAS, 2010, p. 52).

Cada espetáculo, filme, diretor e figurinista terá seu próprio processo de escolha de figurino. Segundo o cenógrafo e figurinista Paulo Vinícius7, por exemplo, as principais formas desta criação são as seguintes: reconstrução, criação, composição, colaboração e estimulação. A reconstrução se dá quando o trabalho em questão retrata uma época e, portanto deve-se reconstruir seus estilos e características, fundamentados em pesquisas da moda deste período. A criação é uma forma mais aberta onde não há exigências rígidas do texto, diretor ou produtor, ele parte do tema do espetáculo ou filme. Quando há limitação financeira ou de tempo, a composição é a forma mais adequada e prática. Trata-se de quando o figurino é composto por peças adquiridas já prontas, pensadas de acordo com a composição de cores e estilos. Há ainda a colaboração, quando o figurino é definido com a participação

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Paulo Vinícius – ator, diretor, cenógrafo e figurinista.


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de toda a equipe. E finalmente, a estimulação, bastante usado em espetáculos de dança, no qual o figurino é que estabelece o discurso (VINICIUS, 2012). Assim como na cenografia, a escolha do figurino deve respeitar as premissas estabelecidas pela direção de arte e seguir a expressão realista ou de simbologias, forma esta que pode criar efeitos psicológicos e dramáticos mais enfáticos e então o trabalho pode se tornar mais interessante e profundo (MOURA, 2010, p.16).

Se este processo contar com maior riqueza de imaginação e complexidade na composição das imagens, ao invés da preocupação com o realismo, tais construções podem proporcionar metáforas. Estas tornam visíveis aspectos invisíveis do personagem, como seus pensamentos e seu estado de espírito (MOURA, 2010, p. 53).

Em

qualquer

forma

de

construção

do

figurino

(realista/metáforas,

reconstrução/criação/composição/colaboração/estimulação), deve-se levar em conta que:

(...) no processo da caracterização, o figurino é o recurso que mais comumente identifica o personagem, pois consegue definir sua classe social, idade, sexo, período do ano, às vezes nacionalidade, localização geográfica, religião, e até costumes, gostos pessoais, traços de caráter e maneiras de pensar (GUERRA e LEITE, 2001, apud MOURA, 2010, p. 52).

O figurino entre outras funções materializará o personagem, ajudará o ator a “entrar” nele, pois tem o “poder de contagiar e de provocar transformação, particularmente no ator” (CORTINHAS, 2010, p. 7), ele “amplia a expressividade do corpo e é quando a máscara se mostra, tudo aquilo que é dado ao ator portar em seu próprio corpo, um conteúdo determinado, marcado e estabelecido” (CORTINHAS, 2010, p. 38). Para o ator Mauro Soares8, o figurino faz certas características do personagem serem ressaltadas ou abrandadas quando necessário, coloca a criação do personagem em equilíbrio e faz o ator atingir a carga dramática que se faz necessária (idem).

Se o controle da fantasia tem por objetivo promover o entendimento da ilustração, em alguns momentos ele serve também a conceitos ideológicos, agindo como um elemento regulador que não permite a proposição de certas questões. Assim, a fantasia é utilizada para aproximar a criação de um

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Mauro Soares: ator e diretor de teatro.


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determinado tipo de discurso (ZARUR, 1997, apud FERNANDES, 2010. p. 43).

Para a atriz Sandra Dani9, o “figurino é um prolongamento do corpo do ator. Entende que ele é um objeto essencial, faz parte do corpo do personagem e ainda estabelece diálogos com os outros elementos da cena, com a luz, com a maquiagem, com o cenário e com os outros personagens” (CORTINHAS, 2010, p. 48). O ator Sérgio Lulkin 10diz que “o figurino altera o trabalho de composição do personagem porque abre possibilidade de exploração” (CORTINHAS, 2010, p.51). Cada acessório ou detalhe proposital como uma mancha, sujeira, desgaste, pode contribuir com a criação do personagem, “o acessório pode sublinhar detalhes da personalidade do personagem ou servir como extensão da sua figura” (MOURA, 2010, p. 52). Outro recurso possível é o uso de maquiagem. Seguindo os moldes realistas e principalmente nos de simbolismos, a maquiagem é capaz de trazer sensações como ”choques sensíveis, arrepios e vertigens, pelo simples fato de surpreender os espectadores com algumas identidades figurativas inesperadas, porém com efeitos verdadeiros, que levam os observadores a acreditar em tudo o que vêem” (MAGALHÃES, 2010, p. 5). No caso do filme utilizado para este estudo, Feliz atal (2007), embora a direção de arte provenha de uma linguagem realista, o uso da maquiagem é feito a fim de atingir metáforas. No final do filme, o personagem Mércia, em um momento de loucura, se pinta com exagero ultrapassando limites convencionais para o batom e lápis de olho. É uma cena muito dramática e que talvez tenha a intenção de simbolizar sua vontade oculta de “maquiar” a situação decadente em que encontra sua família, vontade de manter as aparências. Ainda em relação ao figurino deste filme, destaco o protagonista Caio cuja aparência e roupas desleixadas, muitas vezes nos inspiram o sentimento de pena. Houve ainda outras escolhas relevantes como, por exemplo, para Bruno, menino educado e comportado ao extremo que usa roupas sociais, parecendo uma miniatura de homem. A escolha por roupas infantis como camisetas estampadas e tênis não seria condizente com sua personalidade. Há também a transformação de Fábia que durante o filme usou roupas elegantes, condizendo com seu comportamento e fingimento de perfeição familiar e ao final do filme, quando desiste desta imagem, ela aparece desconstruída em um moletom velho e grande, exibindo suas fragilidades humanas. 9

Sandra Dani - atriz. Sérgio Lulkin – ator e professor de teatro

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Já o conto Feliz Aniversário, nos traz poucas, porém relevantes informações sobre o figurino de alguns personagens. É o caso da Nora de Olaria que para não se sentir inferiorizada, usa em plena tarde de verão, um vestido azul marinho com paetês, típico de festas noturnas, um traje extravagante e fora do contexto. Portanto, assim como a cenografia, não se pode tratar o figurino como um simples adereço ou detalhe e deixá-lo de lado, pois como mencionado, no momento em que o personagem surgir, trará impacto ao espectador e sua caracterização física terá sido consolidada.


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10. A ÁLISE GERAL DO FILME FELIZ ATAL (2007), DE SELTO MELLO

Feliz atal é um filme de 2007, premiado no Festival de Paulínea (melhor direção, atriz coadjuvante - dividido entre Darlene Glória e Graziella Moretto), no Festival do Paraná (melhor filme, prêmio especial do júri, melhor atriz coadjuvante, melhor som e melhor trilha sonora) e no FestCine Goiânia (melhor filme, melhor diretor, melhor atriz, melhor fotografia, melhor roteiro, melhor direção de arte, melhor trilha sonora, melhor som e melhor edição) com direção estreante de Selton Mello, direção de arte de Renata Pinheiro e figurino de Tatiana Rodrigues. Apesar do nome “Feliz”, o filme trata das difíceis relações familiares entre personagens densos e bem construídos. O protagonista é Caio, um homem de cerca de 40 anos, que depois de passar quatro anos afastado de sua família, decide visitá-la na noite de Natal. A partir deste momento, Caio confronta sua família desestruturada em consequência do acidente que causou no passado, devido a sua irresponsabilidade e uso de drogas, levando uma moça inocente à morte. Além do irônico nome “Feliz” Natal, durante todo o filme são feitas outras ironias com a presença de elementos natalinos, elementos festivos, nos planos de fundo de cenas carregadas de drama, angústia e demais sentimentos negativos. Além disto é claramente demonstrada a diferença das classes sociais entre sua família, com alto poder aquisitivo onde há a frieza, e os seus amigos desleixados que moram em um bairro humilde onde Caio parece se adaptar melhor. A fotografia assinada por Lula Carvalho, reforça o desconforto dos personagens, por meio do uso da iluminação natural do ambiente, cores e texturas, que tornam o filme escuro:

A fotografia escura desagradou muita gente, mas em entrevista a justificativa dada demonstra o respeito com o ator: a questão da emoção cortada para a entrada do rebatedor de luz fugia completamente da naturalidade que o filme buscava, representada na humanidade de cada ruga de tristeza filmada de perto, que a fotografia de Lula Carvalho valorizou nos vários momentos de proximidade cúmplice. Essa intimidade, porém, não é espalhafatosamente melodramática, é contida que nem choro engasgado, e você sente o peso daquelas emoções sem precisar gastar uma caixa de lencinhos com isso. (EUZEBIO, 2008)


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Selton Mello teve inspiração em sua própria sensação de deslocamento e solidão quando criança, neste dia em que também era comemorado seu aniversário: “Para mim, Feliz atal é sobre a solidão, sobre as várias formas de solidão" (EUZEBIO, 2008).

Apresentação do protagonista

O filme tem início apresentando o ferro velho onde Caio mora com sua mulher e trabalha. O fato de trabalhar em um ferro velho será sempre mencionado com um tom de inconformação e desconforto por seus amigos e familiares. Isso acontece talvez pela ligação com o acidente em que Caio se envolveu e também por um possível preconceito pelo padrão de vida baixo e profissão humilde que ele possui. Outra analogia possível é o fato da configuração dos carros no ferro velho lembrar a de um cemitério, como se as carcaças dos carros fossem as lápides.

Figura 1: Caio em seu ferro-velho

A casa de Caio fica dentro do ferro velho e é de fato uma extensão do mesmo. Não há revestimentos e há o mínimo possível de objetos, sendo todos eles bem simples. Quando Caio for à casa de seu amigo Neto, perceberemos que ela é parecida com a de Caio, uma vez que também está em condições decadentes, faltando azulejos, com o concreto aparente, etc.


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Figura 2: Casa sem revestimentos

Figura 3: Ferro-velho

Figura 4: Apenas equipamentos essenciais e simples na casa


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Já nas primeiras cenas, Caio está sentado à mesa, comendo com sua esposa que “se transforma” em outra mulher, quando a câmera gira em torno deles. Esta mulher aparece algumas vezes no filme, de forma aparentemente aleatória e, apenas no final, descobrimos que ela é a moça que Caio matou no acidente e sua constante aparição nos revela o fato como é uma recorrente lembrança para ele, um grande trauma.

Figura 5: Sequência da transformação de sua mulher na moça que matou no acidente (1)

Figura 6: Sequência da transformação de sua mulher na moça que matou no acidente (2)


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Figura 7: Sequência da transformação de sua mulher na moça que matou no acidente (3)

A festa de atal na casa de Theo

Na véspera de natal, Caio decide ir à capital para visitar sua família, que está celebrando a data na casa de Theo, seu irmão mais velho e Fábia, sua cunhada. Ao chegar é recepcionado por seu pequeno sobrinho Bruno, muito educado, para quem havia levado de presente um pêndulo montado com peças de carro. Ao longo do filme são feitas conexões entre Caio e Bruno, indicando um vínculo misterioso entre os dois e esta primeira cena já é um exemplo: Bruno abre uma porta de vidro, se apóia em uma grade e os dois permanecem em silêncio como se estivessem se contemplando. Após um instante a cena se reinicia. Desta vez, Bruno abre uma porta diferente, de madeira, sem grade e ao fundo há uma árvore de Natal iluminada. É possível que Caio tenha se reconhecido em Bruno na época em que tinha sua idade.


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Figura 8:Bruno recepciona o tio, Caio

Figura 9: Caio observa Bruno

Figura 10: Bruno recepcionava o tio, Caio, novamente.


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Figura 11: Caio entregando o presente que fez a Bruno

Na festa estão seus pais, Miguel e Mércia, que além de separados se insultam publicamente. A relação entre Miguel e Caio é ruim. O encontro entre os dois é feito em um lugar escuro, fora da casa. Há pouquíssima incidência de luz e a relação deles é fria, o pai o despreza e o ignora.

Figura 12: Encontro de Miguel e Caio


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Figura 13: Miguel despreza Caio

Mércia, nitidamente perturbada, sob efeito de remédios e álcool, demonstra muita angústia em todo momento, permanecendo bêbada durante a festa. Em sua relação com Caio há dor e carência e ao mesmo tempo é uma relação incomum, pois no primeiro abraço entre eles, a impressão é que Mércia beija Caio na boca. Caio busca carinho em sua mãe, quase que um colo, mas Mércia, muito bêbada, não diz nada coerente e não o acolhe verdadeiramente. Uma relação onde há um vazio muito nítido. O contraponto são as luzes festivas ao fundo, como podemos perceber no fotograma 15, quando ela vê Caio chegando. Não há nenhuma alegria no filme ainda que devido à data, haja os felizes símbolos de natal em todo lugar.

Figura 14:Olhar de Mércia e as luzes de natal


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Figura 15: Encontro emocionado de Mércia e Caio

Este contraponto feito pelo clima frio, triste, pensativo com os motivos natalinos, luzinhas, árvore de natal é feito durante todo o filme, como percebemos nos exemplos de fotogramas abaixo.

Figura 16: Discussão de Mércia e Miguel e a parede de luzes de atal


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Figura 17: Fábia interrompendo o vexame de Mércia, as luzes e a árvore de atal.

Figura 18: Membros da família sem laços e os elementos natalinos

Figura 19: Fábia refletindo sobre sua situação triste, as luzes e a árvore de atal


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Figura 20: Théo e Fábia após o diálogo sobre a separação e a festiva Árvore de atal

Posteriormente, Caio observa Bruno brincar com o carrinho que ganhou de Natal. Nesta cena podemos observar o gosto de Bruno por carros, mostrando mais uma vez a ligação entre eles. As luzes ao fundo, se formos ligá-las ao acidente, servem para remeter novamente o cenário de uma cena triste; o uso da cor vermelha, tanto no carro quando no sofá (pista do carro), pode fazer referência tanto ao sangue derramado no acidente quando ao farol vermelho que Caio ultrapassou.

Figura 21: Bruno brincando de carrinho

Outro exemplo de contraponto é de uma das principais cenas em que vemos o pai. Observamos Miguel tomar um comprimido de “Viagra” tendo como plano de fundo de sua ação o “Menino Jesus”. A referência religiosa nos faz pensar que Miguel carrega uma culpa


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ao fazer isto. O fato de ele tomar o remédio e fechar os olhos diante do espelho também pode ser encarado desta forma, assim como em uma cena adiante, após ter relações sexuais com sua namorada, Miguel senta-se em uma cadeira pensativo, enquanto ela dorme.

Figura 22: Miguel toma o comprimido de Viagra e o "Menino Jesus" ao fundo

Figura 23: Miguel não se olha no espelho


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Figura 24: Miguel refletindo e fumando após manter relações sexuais com sua namorada mais jovem

Theo, irmão de Caio, o observa de longe, como se estivesse se encorajando para falar com ele. É nítido que embora haja uma cobrança de responsabilidade por parte de Theo, há um amor fraterno forte e repleto de dor entre os dois irmãos. Mais uma vez as luzes natalinas são fundo para um diálogo cheio de dor e angústia. O clima de fato não é festivo.

Figura 25: Theo observa Caio de longe


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Figura 26: Encontro de Theo e Caio e as cobranças

É possível concluir que provavelmente houve uma ruptura de relações entre Caio e sua família. Caio vai embora da casa de Theo rumo à casa de dois amigos, mas a festa continua. Uma festa sem diversão aparente. Há um clima frio, triste. Mércia, embriagada, começa a falar alto, falar palavrões, discutir com o ex-marido e insultar os convidados até que Fábia tenta impedi-la. A princípio a impressão é que Fábia quer fazer Mércia se calar para não estragar sua festa chique, inclusive quando justifica que o peru que Mércia levou para a ceia estava estragado e na casa dela “ninguém tem intoxicação alimentar por causa de comida estragada”. Ou seja, ela quer manter a pose, a casa, festa e família perfeitas, muito embora seu casamento com Theo esteja em crise. Ao longo do filme, percebemos que Fábia é a única pessoa que se preocupa de fato com Mércia, talvez pela sua identificação com a mesma. Ela se enxerga na sogra embora não aceite, negue e se revolte com isso. A identificação entre as duas é notada pelo consumo excessivo de álcool, pela carência afetiva, pela difícil relação com os respectivos maridos, pela relação com o filho mais novo e em uma das últimas sequencias em que há uma mescla entre a cena das duas: Fábia se olhando nua no espelho e Mércia passando maquiagem e dançando sozinha de forma sensual.

Chegada de Caio à casa dos amigos eto e Alex

É contrastante a mudança de bairros, sendo que Caio se adapta mais ao da casa de Neto que, como mencionado anteriormente, lembra bastante a sua própria casa. Há o uso das luzes de natal também, porém, além de serem em menor quantidade, não estão dispostas de


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forma meticulosa, como na casa de Theo. Estão penduradas sem rigor em uma árvore qualquer.

Figura 27: Bairro da casa de eto e Alex

Ao chegar à humilde casa de seus amigos, Neto e Alex, Caio é calorosamente recepcionado pelos mesmos e percebemos uma situação oposta à da casa de Theo, onde apesar de toda riqueza, número de pessoas, luzinhas e decoração festiva e o fato de serem sua família, não há vínculo afetivo e é um ambiente frio. Mesmo assim, nos primeiros diálogos percebemos a mesma sensação de desconforto que observamos entre Caio e os familiares, principalmente quando foram mencionadas as drogas e o fato de Caio trabalhar em um ferro velho. Outro elemento que faz perceber a identificação de Caio com os amigos são as roupas desleixadas, “largadas” e sujas, combinando também com o aspecto da casa.


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Figura 28: Encontro emocionado de eto e Alex

Figura 29: As roupas despojadas de eto

Figura 30: O figurino similar entre os trĂŞs personagens


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Figura 31: A casa de eto também sem acabamentos, como a de Caio

Figura 32: O figurino e aspecto similar dos três amigos

Quando Caio chega à casa de Neto, há um efeito com a luz da sala sobre sua cabeça, lembrando uma auréola de anjo. Essa associação pode ser feita pelo fato de Neto ser cuidadoso com Caio quando ele chega, perguntando-lhe se quer descansar, procurando comida para ele, enquanto na casa de Theo, não houve esta recepção, embora sejam sua família.


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Figura 33: A auréola de eto

A boate

Neto e Alex levam Caio a uma boate escura, repleta de prostitutas e pessoas mal cuidadas. Quando aparecem as dançarinas, a luz é azulada, talvez por se tratar de um ambiente frio. Há ainda o uso do vermelho, desta vez remetendo à sensualidade. O figurino das prostitutas é composto por roupas decadentes, justas, curtas e decotadas, expondo quase todos os corpos mal cuidados e de formas deselegantes.

Figura 34: A boate e as prostitutas


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Figura 35: Danรงarina de boate 1

Figura 36: Danรงarina de boate 2

Figura 37: Figurino das prostitutas 1


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Figura 38: Figurino das prostitutas 2

O barman, filho de um conhecido de Caio, comenta que sabe de seu interesse por carros e então Caio começa a ter alucinações com imagens que depois constatamos que são do acidente que causou: ruas, faróis, carros, cruzes de cemitério, seu sobrinho Bruno, drogas, etc. A mesma seqüência alucinatória já havia acontecido no encontro com seu pai. Neste momento há uma forte luz piscante incidindo no rosto de Caio para intensificar a idéia de “pesadelo”, de “alucinação”.

Figura 39: Alucinação de Caio (farol vermelho)


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Figura 40: Alucinação de Caio (carro que Caio dirigia)

Figura 41: Alucinação de Caio

Figura 42: Alucinação de Caio 2


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Figura 43: Alucinação de Caio 3

Figura 44: A moça que Caio matou junto à uma imagem festiva, contraditória, de Papai oel

Então do bar, a cena muda para o chuveiro onde Caio deixa a água correr sobre sua cabeça.


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Figura 45: Caio deixa a água cair em sua cabeça

Figura 46: Caio deixa a água cair em sua cabeça 2

A água foi usada diversas vezes no filme como um elemento “calmante”, sempre em momentos difíceis e aparece de diversas formas em objetos e na cenografia. Um exemplo disso pode ser a cena em que Caio está sentado contemplando o mar enquanto reflete sobre a noite em que foi no boteco com os amigos.


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Figura 47: Caio refletindo enquanto olha o mar

Outro exemplo pode ser a cena em que Fábia mergulha na piscina de roupa após uma tentativa frustrada de conversar com o marido a respeito de Mércia. É possível também que ela quisesse se tranqüilizar em relação à sua preocupação de ter o mesmo destino de Mércia, já que há uma identificação entre as duas personagens.

Figura 48: Fábia mergulha em sua piscina


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Figura 49: Fábia mergulha em sua piscina 2

Outro momento possível é o apontado pelo fotograma abaixo, em que Fábia está sozinha pensando e, novamente parece querer se acalmar, para tanto bebe um copo de água.

Figura 50: Fábia bebe um copo de água

O elemento de “água” aparece também em outros objetos da cenografia, tal como o quadro em que se vê um barco e o mar, quando Caio chora após ser fortemente desprezado por seu pai.


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Figura 51: Caio e o quadro do barco e do mar

Pode-se citar também a cena em que todos ficam visivelmente perturbados quando Neto menciona que está trabalhando em um ferro velho e na tentativa de se acalmar, Neto toma o copo de água que servia para Caio.

Figura 52: eto bebe a água de Caio

Almoço em família na casa de Theo

No dia seguinte, a família está aproveitando a piscina e é nítido que não há entrosamento entre eles. Na hora do almoço, Mércia começa a discursar e rezar, porém ninguém está interessado e a ignoram, enquanto começam a se servir. Mércia continua e então


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um a um começa a se retirar da mesa para comer em outro lugar. Aqui o que fica claro é que Mércia está descrevendo a situação que se encontra a família, ela descreve a depressão, a tristeza em que muitas pessoas ficam nesta época de fim de ano, fala sobre as famílias desestruturadas e ao se retirarem da mesa, as pessoas parecem estar fugindo, não querem ouvir a verdade.

Visita ao cemitério

Enquanto isso Caio está caminhando pela rua, quando passa um carro em alta velocidade que o faz paralisar e olhar. Em seguida ele vai a um cemitério onde conversa com o coveiro. Pergunta sobre uma mulher que havia morrido há quatro anos e então revela que ele a matou. Em seguida percebemos que algumas das imagens das alucinações de Caio eram daquele cemitério. Tudo começa a ser desvendado a partir desta cena.

Corte da ajuda financeira a Caio

Theo e o pai vão encontrar amigos em um bar de sinuca, onde Theo tenta conversar com o pai sobre Caio. Novamente há a sensação de uma grande dor nesta família. Theo chora quando o pai o ordena a parar de dar a mesada a Caio. Há muita dor reprimida, muita tristeza. Theo vai à casa de Neto para conversar com Caio. Ele entra analisando tudo, analisando aquela casa em condições tão opostas à sua. Pergunta a Caio se “parou” (provavelmente de usar drogas) e questiona o emprego no ferro velho. Em seguida dá a notícia de que irá parar de ajudá-lo financeiramente, sem mencionar que a ideia fora do pai. Começa a chorar e vai embora. Neste momento, o aspecto de Caio é desleixado, com aparência de sujo, cabelo bagunçado e barba grande, decadência potencializada pelo plano de fundo, uma geladeira enferrujada.


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Figura 53: Theo visita Caio

Figura 54: O aspecto decadente de Caio

Reflexões de Fábia

Mais tarde, a cena é de Fábia andando sozinha pela casa, olhando as luzes de natal. Isso, somado ao fato de seu casamento ser fracassado e a uma cena posterior onde ela se analisa nua no espelho, reforça ainda mais o caráter do vazio, da falta de amor e vínculo entre os personagens. Ela tem carinho pelos filhos e isso é percebido na entrega do presente de natal e quando os beija enquanto dormem. Porém Bruno é constantemente visto sozinho e buscando respostas para suas perguntas na internet.


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Boteco e briga de eto

Ao mesmo tempo, Caio, Neto e Theo vão a um bar de cenário típico de boteco no uso de azulejos, de revestimento de aço inox, displays para frios e embutidos que ficam aparentes nos balcões, etc. Os clientes se vestem de forma despojada, na mesma linha de Caio e Neto. Theo por sua vez, destoa, está vestido de acordo com sua casa, vizinhança e família, com maior poder aquisitivo. Na mesa dos três, cerveja para Neto e água para Caio. Ao longo do filme, nos momentos em que se bebe, Caio sempre pediu água, por ter parado de beber e se drogar. Neto e outro homem se esbarram e isso gera um desconforto. Neto está bêbado. Então há uma cena de outro núcleo e quando volta para a cena do bar, estão todos correndo para a rua com desespero e mostra Neto sendo amparado por Caio e Theo. Neto havia tomado um tiro e nesta cena também é feito o contraponto das “felizes” luzes de natal.

Figura 55: eto esbarra em outro cliente do bar


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Figura 56: eto, Caio e Theo no bar

Figura 57: Todos correm para a rua

Figura 58: Theo e Caio amparam eto, atingido por um tiro de rev贸lver


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Figura 59: Theo e Caio amparam eto, atingido por um tiro de revólver 2

Cenas intercaladas

Neste momento algumas cenas começam a se intercalar: Bruno brincando com o pêndulo com um fundo de luzes; a cena de Fábia se olhando nua; Caio, Theo e Neto no taxi indo para o hospital; Mércia, visivelmente fora de si, toma vários comprimidos e faz uma maquiagem forte, dramática: pinta os olhos como se fossem óculos, risca o rosto e passa uma camada grossa de batom vermelho, combinando com suas unhas. Esta maquiagem pode ser uma metáfora, relacionada ao seu desejo de “maquiar” a situação de sua família desestruturada. Então, começa a dançar, com fundo de cortinas escuras, que inclusive ela chega a usar para esconder e revelar sua imagem. Durante esta cena Caio “aparece” rapidamente dançando com a mãe, como se fossem um casal. O som é de uma música flamenca e existe um quadro em tapeçaria ao fundo da cena que aparece algumas vezes ao longo do filme e é ilustrativo deste tipo de dança.


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Figura 60: Mércia tomando remédios

Figura 61: Mércia tomando remédios 2

Figura 62: Mércia se maquiando


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Figura 63: MĂŠrcia se maquiando 2

Figura 64: O quadro da dança Flamenca


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Figura 65: Mércia dança usando as cortinas

Figura 66: Mércia dança com a ilusão de Caio

Figura 67: Mércia dançando


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Figura 68: Caio e Theo levam eto ao hospital

Figura 69: Fรกbia se analisa nua

Figura 70: Bruno dormindo


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Figura 71: Bruno e o pêndulo

O “encontro” com o acidente

Caio pára em um bar para tomar um café e observa um carro ser consertado, quando percebemos a presença da moça das alucinações dele com a aproximação da câmera.

Figura 72: Caio toma café no bar


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Figura 73: Caio observa a oficina de carros

Figura 74: O movimento da câmera revela a imagem da moça morta no acidente

Caio não a vê e continua andando pela cidade onde há muitas pessoas caminhando pela rua, até que, de repente ela reaparece diante dele. Um forte vento revela seu rosto e a partir de então todas as pessoas que circulavam desaparecem e o comércio local fecha. Só ficam os dois, como se fosse um sonho.


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Figura 75: Caio caminhando na rua

Figura 76: A moรงa pรกra diante de Caio

Figura 77: A moรงa encara Caio


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Figura 78: O vento revela o rosto da moça

Figura 79: Caio sozinho na mesma rua

Caio corre atrás dela tentando alcançá-la e chega à cena de um acidente. A moça está sentada dentro de um dos carros olhando para Caio. Ele pergunta se ela está bem e sua resposta é afirmativa, porém quem não está bem é a pessoa do outro carro. Caio então se aproxima do outro carro e vê ele mesmo, mais jovem e mais “inteiro”. Têm alguns flashbacks, sangue, buzinas, gritarias e de repente os carros já não estão mais lá. Caio deita na rua em posição fetal.


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Figura 80: Caio enfrenta a cena do acidente

Figura 81: Caio encontra a moça

Figura 82: Caio “vê” a si mesmo


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Figura 83: Caio tem um flashback do acidente

Figura 84: Caio deita na rua em posição fetal

Separação de Fábia e Théo

Fábia pede a separação a Theo, que como de costume a ignora completamente, pedindo para passar uma colher. Este é o único momento em que Fábia aparece descomposta: veste um agasalho simples, semelhante a um moletom. Neste momento, ela desiste de manter as aparências e é sincera. É como se despisse da imagem perfeita e virasse uma mulher normal, de carne e osso, com problemas como todas as outras.


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Figura 85: Fábia, desconstruída, pede separação a Theo

Até então o personagem de Fábia era perfeccionista e queria manter as aparências, desejando que tudo relacionado à sua casa e família fossem perfeitos. Percebemos esta característica no diálogo que ela tem com Mércia sobre o peru estragado que jogou fora ou ainda pelo fato de tentar manter seu casamento, mesmo que já estivesse fracassado. No figurino isto é transmitido através de suas roupas elegantes, unhas feitas do tipo “francesinha” (meticuloso) enfim, sempre impecável. Observamos ainda que na festa de Natal, Fábia está sempre carregando um copo de bebida consigo, ligando seu personagem à de Mércia que tem o mesmo comportamento. Mércia usa cores sóbrias em seu figurino, também elegante, porém sua maquiagem está sempre borrada, para nos dar a impressão de decadência.

Figura 86: Fábia com figurino elegante e um copo de bebida na mão


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Figura 87: Fábia com figurino elegante

Figura 88: Unha “francesinha” de Fábia e maquiagem borrada de Mércia

Figura 89: Figurino de Mércia


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Nesta cena, em que Fábia e Theo conversam sentados à mesa, observamos que no plano de fundo, Mércia caminha de um lado para o outro, falando sozinha e com o copo na mão. Mercia aparece ao fundo, como se fosse o pensamento de Fábia, a preocupação que rondava sua mente e tentou expor para o marido após a festa de natal. Enquanto há a identificação de Fábia com Mércia, há também a de Theo com Miguel, seu pai. Ambos são mulherengos (Theo e a “sobrinha” e Miguel e a “índia”). Miguel despreza Caio e adora Theo, eles sempre se abraçam e se tratam com carinho. Mesmo quando Miguel manda Theo parar de ajudar financeiramente o irmão, Theo obedece, sem questionar, embora seja nítida a dor dele. Em relação ao figurino, as roupas de ambos os personagens são parecidas. Camisa, paletó, cores e penteado.

Figura 90: Identificação de Theo e Miguel


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Figura 91: Identificação de Theo e Miguel (“flertando” com a sobrinha, uma mulher mais jovem)

Figura 92: Identificação de Theo e Miguel

Caio volta para casa

Caio aparece em um ônibus e em seguida a imagem de um carro de seu ferro-velho nos revela que ele chegou em casa. Esta analogia entre Caio e os carros foi feita durante todo o filme: o acidente, o ferro velho, o pêndulo feito com peças de carros que dá a seu sobrinho, o longo momento de contemplação de Caio sobre o menino a brincar com o carrinho novo e na cenografia das cenas urbanas composta por muitos carros estacionados ou passando em alta velocidade quando Caio anda pelas ruas.


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Figura 93: Imagem de um carro do ferro velho de Caio

Figura 94: Plano de fundo de Caio composto por carros

Ao chegar em casa, Caio é recepcionado por sua esposa que o abraça longamente como um consolo, pois ela sabe que este encontro foi muito difícil para ele. Em seguida ela vai até a janela, fecha uma cortina com um tom parecido com o do quarto de Mércia e passamos a ver tudo por trás de sua superfície, esvaecendo a imagem. Conseguimos enxergar o movimento por trás e a imagem passa a ser “sépia”, como uma fotografia antiga.


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Figura 95: A cortina da casa de Caio sendo fechada

Morte de Bruno

Bruno brinca com um carrinho que ganhou de presente de Natal, passeando por toda a casa e neste momento há outra ligação entre ele e Caio, pois ao dizer “verde” pára o carrinho e ao dizer “vermelho”, o faz andar, remetendo ao fato do acidente de Caio ter ocorrido quando ele ultrapassou o sinal vermelho.

Figura 96: Bruno brinca com seu carrinho


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Figura 97: Bruno brinca com seu carrinho 2

Bruno entra no quarto de sua avó, atraído pelas cortinas balançado com o vento. É um elemento muito forte desta cena, destacado pela incidência de luz solar. Bruno encontra uma caixinha de remédios e toma alguns. Em seguida observa por mais um tempo as cortinas e com o efeito dos remédios, vai sentando-se até desaparecer do quadro. A música de fundo vai diminuindo, dando lugar à som ambiente, com passarinhos. Como Bruno parece ser o elo desta família, a impressão que se tem é a de que com sua morte, a família vai ter o mesmo destino que a relação de Mércia, Miguel, Caio e Theo. Esta cena do quarto com a cortina balançando é também a primeira cena do filme. A paleta de cores é rosada.


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Figura 98: Bruno observa a cortina balanรงando

Figura 99: Bruno toma os comprimidos da avรณ

Figura 100: Bruno comeรงa a sentar-se


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Figura 101: Bruno jĂĄ sob o efeito dos remĂŠdios

Figura 102: Bruno desaparece do quadro


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10.1 Considerações sobre o filme

A conexão feita em relação a Bruno e Caio pode apontar uma semelhança em relação à criação dos dois pelos pais. A mãe dava alguma atenção à criança e o pai nenhuma. A criança ficava muito tempo sozinha, crescia sozinha, descobrindo tudo por conta própria. Esta ausência de atenção por parte dos pais, somada à instabilidade afetiva da família, gerou uma espécie de revolta em Caio que passou a se drogar até culminar no acidente, numa busca, talvez, por autodestruição, alimentada por um enorme sentimento de infelicidade e decepção. É notório que o acidente tenha gerado uma ruptura na relação desta família. Os sentimentos que mais percebemos em relação ao filme no geral é o de angustia, culpa e traumas. Caio parece ter desaparecido do convívio familiar, o que se pode concluir por meio da frase do irmão no início do filme “Resolveu aparecer é?”. O pai, antes ausente, passou a não aceitar o filho. A mãe passou a fazer uso abusivo de álcool e remédios. O irmão Theo, amargurado por ser o único a assumir as responsabilidades e cuidar do pai passou a não dar atenção à sua família e então podemos supor que a história se repetirá, principalmente com o desfecho do filme, no qual vemos Bruno, sozinho (fato comum), encontrar e tomar os remédios de sua avó.


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11. A ÁLISE DO CO TO FELIZ A IVERSÁRIO, DE CLARICE LISPECTOR Na literatura, para se obter personagens vivos e mundo imaginário intenso, se faz o uso de diversos recursos da língua - escolha das palavras e suas conotações, metáforas, ritmo, jogo de repetições, estilo, associações, etc. Uma vez que a história é composta por estes elementos, os mesmos não podem ser alterados em relação à forma como se organizam sem que o Signo, ou seja, o sentido da história seja alterado. O mesmo acontece com a criação do personagem que passa por uma seleção precisa de traços que lhe dá uma estrutura simples, nos permitindo identificar sua personalidade, sua lógica, sua coerência, sua verossimilhança dentro do que lhe foi proposto – diferente de nossa interpretação de uma pessoa real, que é muito mais inconstante, já que suas ações e reações variam conforme o tempo e situações da vida. Esta seleção de traços, chamada por Cândido (1972) de “convencionalização”, pode ser a escolha de gestos, forma de se comunicar, forma de andar, uso de palavras e frases, objetos pessoais entre muitas outras características a se combinar, “marcando a personagem para a identificação do leitor, sem com isso diminuir a impressão de complexidade e riqueza” (CÂNDIDO, 1972, p. 43).

(...) pela limitação das orações, as personagens tem maior coerência do que as pessoas reais (...) maior exemplaridade (...), maior significação (...) e maior riqueza (...) em virtude da concentração, seleção, densidade e estilização do contexto imaginário que reúne os fios dispersos e esfarrapados da realidade num padrão firme e consistente (CÂNDIDO, 1972, p. 26).

Essas características são ainda enfatizadas propositadamente por meio de situações variadas que são propostas aos personagens:

(...) a grande obra-de-arte literária (ficcional) é o lugar em que nos defrontamos com seres humanos de contornos definidos e definitivos, em ampla medida transparentes, vivendo situações exemplares de um modo exemplar (...) encontram-se integrados num denso tecido de valores de ordem cognoscitiva, religiosa, moral, político-social e tomam determinadas atitudes em face desses valores. Muitas vezes debatem-se com a necessidade de decidir-se em face da colisão de valores, passam por terríveis conflitos e enfrentam situações-limite em que se revelam aspectos essenciais na vida humana: aspectos trágicos, sublimes, demoníacos, grotescos ou luminosos (CÂNDIDO, 1972, p. 35).


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Assim, como no cinema, o grau de exploração do lado psicológico do personagem na literatura, varia de acordo com época, sociedade e também depende do tipo de narrativa.

(...) a marcha do romance moderno (do século XVIII ao começo do século XX) foi no rumo de uma complicação crescente da psicologia das personagens, dentro de uma inevitável simplificação técnica imposta pela necessidade de caracterização. Ao fazer isto, nada mais fez do que (...) tratar as personagens de dois modos principais: 1) como seres íntegros e facilmente delimitáveis marcados duma vez por todas com certo traços que os caracterizam; 2) seres complicados, que não se esgotam nos traços característicos, mas tem certos poços profundos, de onde pode jorrar a cada instante o desconhecido mistério (CÂNDIDO, 1972, p. 45).

Os personagens facilmente delimitáveis são também classificados por Cândido (1972) como “personagens de costumes”; eles têm uma característica forte, que os marcam e definem e geralmente são personagens cômicos. Já os personagens complicados, ou “personagens de natureza”, não são facilmente decifráveis, uma vez que a seleção das características feita pelo autor torna o personagem “inesgotável e insondável” (CÂNDIDO, 1972, p. 27). Os limites para a criação do personagem podem ir de uma total invenção até a busca de referências de pessoas reais na memória do autor, que é o caso do conto Feliz Aniversário de Clarice Lispector, escolhido para desenvolvimento deste projeto. Segundo Cândido (1972), Clarice parte de suas próprias buscas pelo sentido da vida, emoções, interpretações para criar suas histórias, adentrando no mistério que cerca o homem (1972, p. 128) e no caso deste conto, além das buscas, Clarice também se baseou em experiências pessoais: “De uma avó dos outros surge outra, mas que surpreendentemente é a própria avó da escritora por ela vista quando era uma criança e que é imaginariamente ‘reconstituída’ a partir de uma fotografia” (GOTLIB, 1995). A combinação entre estes limites determina os seguintes tipos de personagens:

1. Personagens transpostas com relativa fidelidade de modelos dados ao romancista por experiência direta. 2. Personagens transpostas de modelos anteriores, que o escritor reconstitui indiretamente – por documentação ou testemunho... 3. Personagens construídas a partir de um modelo real, conhecido pelo escritos, que serve de eixo, ou ponto de partida. O trabalho criador desfigura o modelo, que, todavia se pode identificar. 4. Personagens construídas em torno de um modelo. (...) “Mas noutros casos, o ponto de partida é realmente apenas estímulo inicial, e a personagem que decorre nada tem a ver logicamente com ele”.


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5. Personagens elaboradas com fragmentos de vários modelos vivos, sem predominância sensível de uns sobre outros, resultando uma personalidade nova (CÂNIDIDO, 1972, p. 54)

Há ainda, a classificação feita por Mauriac: 1. Disfarce leve do romancista (...) tais personagens ocorrem nos romancistas memorialistas. 2. Cópia fiel de pessoas reais, que não constituem propriamente criações, mas reproduções (...) Ocorrem estas nos romancistas retratistas. 3. Inventadas (...) a realidade é apenas um dado inicial, servindo para concretizar virtualidades imaginadas (CÂNIDIDO, 1972, p. 52)

Além das citadas situações impostas aos personagens para enfatizar sua personalidade, na literatura, ainda há a presença do narrador que o autor poderá utilizar para expressar algo que não foi expresso através da própria trama. Situação pouco comum no cinema e incomum no teatro.

O narrador, por excelência, talvez seja o dominante no romance do século XIX, o narrador impessoal, pretensamente objetivo, que se comporta como um verdadeiro Deus, não só por haver tirado as personagens do nada como pela onisciência de que é dotado. Ele está em todos os lugares ao mesmo tempo, abarca com o seu olhar a totalidade dos acontecimentos, o passado como o presente, é ele quem descreve o ambiente, a paisagem ,quem estabelece as reações de causa e efeito quem analisa as personagens (relevando-nos coisas que às vezes elas mesmo desconhecem), é ele quem discorre sobre os mais variados assuntos (...) dando-lhe o seu sentido social, psicológico , moral, religioso ou filosófico. (...) Versões bem mais delimitadas e modestas, como o "narrador-testemunha ou narrador-personagem (...) subentendendose nestes casos que o narrador não é exatamente o autor, mas, ele também, já um elemento de ficção” (CÂNDIDO, 1972, p. 65).

A criação do personagem tem grande importância, sendo, portanto muito rica na literatura da escritora Clarice Lispector. No conto Feliz Aniversário, serão expostos inúmeros exemplos de personagens complexos e bem elaborados vivendo contradições e conflitos internos. O Feliz Aniversário foi extraído do livro Laços de Família, publicado em 1960, que compila contos com o tema mais frequente em sua literatura: as dificuldades da inter-relação no contexto familiar (BATTELLA, 1994, p. 93), expondo o personagem principal, geralmente uma mulher, que está sempre em busca de respostas devido a permanente sensação de insatisfação (ALVAREZ, 2006, p. 4), questionando sua identidade e papel social.


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Tratar da família, na literatura de Clarice, é mais que mapear funções, atribuição, encargos. É colocar-se em disponibilidade para a apreensão da dimensão do Ser em toda a sua grandeza e miséria – ou seja, em todo o seu mistério. Sob esse aspecto, é enfrentar o agigantamento dos fantasmas e dos mitos que cada figura dessa encarna, a partir de um lugar social que ocupa

(GOTLIB, 1994, p. 99).

Estas características fazem com que os contos de Clarice sejam considerados densos, causando desconforto ao leitor, e que “nem a reflexão analítica e crítica, nem o embevecimento espontâneo e sem compromissos intelectuais diante do texto, consigam dissipar” (GOTLIB, 1994, p. 92). Isto porque Clarice tem um estilo de texto que faz com que o leitor não apenas “contemple” a situação à distância, mas se envolva emocionalmente nela:

Graças à seleção dos aspectos esquemáticos preparados e ao ‘potencial’ das zonas indeterminadas, as personagens atingem a uma validade universal que em nada diminui a sua concreção individual; e mercê desse fato liga-se, na experiência estética, à contemplação, a intensa participação emocional. Assim o leitor contempla e ao mesmo tempo vive as possibilidades humanas que sua vida pessoal dificilmente lhe permite viver e contemplar (...) quem realmente vivesse esses momentos extremos, não poderia contemplá-los por estar demasiado envolvido neles. E se os contemplasse à distância (no círculo dos conhecidos) ou através da conceituação abstrata de uma obra filosófica, não os viveria. É precisamente a ficção que possibilita viver e contemplar tais possibilidades, graças ao modo irreal de suas camadas profundas, graças aos quase-juízos que fingem referir-se a realidades sem realmente se referirem a seres reais (...) (CÂNDIDO, 1972, p. 36)

O conto escolhido é classificado como “conto de atmosfera”, literatura esta que consiste em ser profunda, porém curta. Neste tipo de narrativa os acontecimentos, sempre relacionados ao tema família, ficam em segundo plano e o que realmente importa é o âmbito psicológico dos personagens envolvidos, ou seja, a repercussão e reação dos mesmos, que ficam em estado de tensão permanente, os estados de espírito (ALVAREZ, 2006, p. 2). As relações desta família serão sempre questionadas. A história é sempre conduzida de forma que somos levados a enxergar o ponto de vista que a narradora quer e por consequência, sentir esta tensão, “ficando presos a ele sem praticamente nenhuma liberdade de discernimento” (ALVAREZ, 2006, p. 5). Segundo Lucilene Oliveira do Rosário (2008), Feliz Aniversário foi “considerado o mais irônico e um dos mais perturbadores relatos da autora” (2008, p.1). Irônico, uma vez que apesar do nome, trata-se do dia quando a hipócrita família de D. Anita, formada por pessoas


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de diferentes classes sociais e desapegadas, vai visitá-la para “celebrar” seus 89 anos, mas o que nota-se é um enorme descaso com a senhora, uma vez que cada um está preocupado apenas consigo mesmo e só estão procurando cumprir uma obrigação desconfortável, por não saberem se haverá um próximo aniversário do personagem principal. Fica muito clara a sensação desta obrigação neste encontro apenas simbólico, uma vez que retrata “uma sociedade dita matriarca, em que os valores familiares já estão desgastados” (ROSÁRIO, 2008, p. 7). Isto “é um reflexo da sociedade atual em que as pessoas mantêm-se afastadas umas das outras, independente de constituírem laços de família” (idem). Este conto retrata bem a condição humana atual “há o afeto e desafeto, comunicação e silêncio, quando as personagens passam por experiências intensas” (GOTLIB, 1994, p. 98). A história se passa no Rio de Janeiro e logo no início aponta a existência de diferentes classes sociais na mesma família: “Espaços distintos sócio, geográfico e economicamente se aproximam nesta comemoração, em que se encontram nos atos e na clicherização da linguagem e das relações, a exposição de seu status” (ROSÁRIO, 2008, p. 5). Além da questão social, é abordado também o tema “nascimento/vida em tensão com a morte” (idem), pois ao mesmo tempo em que algumas vezes D. Anita é tratada como criança, há momentos que o narrador faz metáforas em relação à morte. Por exemplo, a forma como ela corta o bolo, que é associada a matar e também em relação à disposição das cadeiras, que lembra à de um funeral. (idem). Nádia

Battella

Gotlib

(2012)

descreve:

Tendo em vista a analogia entre a vida e a morte, patente na imagem da aniversariante já com quase noventa anos, a vela do bolo atende a duas celebrações: a do aniversário, de mais um ano de vida, e a do enterro, com a cerimônia por ocasião da morte. São vários os pormenores que constroem tal analogia, sobretudo os referentes aos gestos de D. Anita ao cortar o bolo, que o narrador explora com aguda e cruel perversão: ‘Dada a primeira talhada, como se a primeira pá de terra tivesse sido lançada, todos se aproximaram de prato na mão, insinuando-se em fingidas acotoveladas de animação, cada um para a sua pazinha’. E mais adiante: ‘e se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta’ (GOTLIB, 1994, p. 98).

As semelhanças entre o conto Feliz Aniversário e o filme Feliz atal (2007) são muitas. Esteticamente há uso da luz natural para aumentar o drama, que em relação ao filme, vimos em capítulo anterior que até gerou insatisfação dos espectadores e no caso do conto, como diz Lucilene (2008): “As luzes foram acesas, as crianças começaram a brigar e o


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crepúsculo de Copacabana entrava pelas janelas ‘como um peso’, exemplificando que tudo naquela ocasião de aniversário era penoso, o que relembra e retoma as circunstâncias de um funeral” (2008, p.5). Há também o tema de família desestruturada e falta de diálogo em ambos os materiais. No final de Feliz Aniversário, os parentes, ansiosos por irem embora, mal conseguiam se olhar, quanto mais dizer algo verdadeiro e, portanto se despediam com a frase “Até o ano que vem” que demonstra claramente a falta de vínculo e comunicação entre eles. Segundo Nádia B. Gotlib (1995), “uma ‘palavra verdadeira’ que nunca chega a ser dita, é guardada na sua virtualidade, em algum recanto obscuro das relações familiares” (1995, p. 94). Há ainda uma metáfora entre as relações vazias dos membros da família e a comida servida que “não alimentavam, mas tiravam a fome” (LISPECTOR, 1960, apud MONTERO, 2009, p.176). Ambos estão cumprindo o papel do aniversário, mas são vazios, não satisfazem ninguém (estômago e coração respectivamente). Dona Anita se pergunta intimamente se Zilda acha que o bolo substituiria o jantar e ao mesmo tempo sabemos que aquelas encenações das pessoas não a satisfizeram, portanto ela precisa se preencher, jantando de verdade. No filme, esta carência de vínculo e comunicação existe em quase todos os relacionamentos dos membros da família. Um momento que marca isto é a cena onde a família está reunida na piscina e Fábia tenta conversar sem sucesso com sua cunhada, a respeito de um assunto banal de novela. Outros momentos com assuntos mais sérios também demonstram, quando, por exemplo, Fábia tenta conversar com seu marido Théo a respeito de sua preocupação com a sogra Mércia. Théo não lhe dá atenção e Fábia desiste, guardando os sentimentos para si. Outra semelhança sutil é a da identificação entre Cordélia e D. Anita em Feliz Aniversário com a identificação entre Fábia e Mércia em Feliz atal (2007). Tanto Cordélia quanto Fábia reconhecem em seu íntimo, o seu futuro nas personagens D. Anita e Mércia respectivamente. No caso do conto Feliz Aniversário, Cordélia “vislumbra o seu terrível destino ao olhar para a velha Anita” (LISPECTOR, 1998, p. 64 apud ALVAREZ, 2006, p. 10). É como se apenas ela, pudesse decifrar o mistério de D. Anita e vice-versa. Percebemos ainda a identificação de Cordélia com D. Anita em relação ao comportamento ausente das duas personagens e em algumas passagens do texto: “Cordélia a olhou espantada, pois via nela o dissabor da vida e a verdade apenas era vista quando a olhava profundamente” (ROSÁRIO, p.3). E para finalizar, D. Anita que perdeu seu filho preferido Jonga, reconhece o filho de Cordélia como seu neto preferido entre todos. Foi pensando nesta forte identificação


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entre Cordélia e D. Anita que desenvolvi a caracterização destas duas personagens de forma paralela, como veremos adiante.

12. PROCESSO CRIATIVO

O desenvolvimento deste trabalho de conclusão de curso atravessou duas etapas bastante distintas. Ao iniciar o processo, decupei o texto de Clarice antes de pesquisar sobre seu estilo de escrita e sem ainda entender a complexidade dos seus personagens. Assim iniciei a composição dos mesmos, baseando-me em referências simples, óbvias e, portanto atingindo um resultado raso, insatisfatório. Em relação à cenografia, o pouco projetado era apenas referente ao que estava literalmente descrito no texto. Tive muita dificuldade neste início, pois buscava uma linguagem estritamente realista e embora entendesse a importância da direção de arte na elaboração de um filme, ainda não tinha a compreensão de toda a potência que ela de fato tem para atingir o Signo desejado para este curta metragem. O primeiro passo para esta compreensão foi a análise do longa metragem Feliz atal (2007), sugerido pela orientadora Carolina Bassi de Moura, já exposta em capítulo anterior. Em paralelo, foram feitas pesquisas e leituras de textos acadêmicos, dos quais comecei a extrair conceitos indispensáveis para a elaboração do projeto cenográfico e de criação de personagem. Destaco um item relacionado à cenografia, que será melhor explicado adiante: o posicionamento de câmeras. A partir dele, um pensamento decisivo foi estabelecido na elaboração de todo o processo.

12.1 Cenografia

Ainda com apenas uma noção de espaço e disposição básica de layout dos principais elementos necessários na cenografia, posicionei três câmeras: a primeira sob ótica da personagem principal, a aniversariante D. Anita; a segunda sob a ótica de quem chega ao aniversário; e por fim uma terceira que captasse o ambiente geral. Esta escolha por posicionar duas das três câmeras no ponto de vista dos personagens foi feita baseada no pensamento de Hugo Munsterberg, citado anteriormente, que diz que o cinema é a arte que mais se aproxima


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do olhar humano e porque queria dar a medida precisa da sensação de um determinado personagem ao adentrar a cena. A terceira câmera foi posicionada com intenção de narração, para capturar o ambiente geral: a falta de interação entre os personagens, a relação de suas posições propositais, seus movimentos, etc. Desta forma, as câmeras foram dispostas intencionalmente e não aleatoriamente, fazendo assim, com que a cenografia faça parte, seja colaboradora do desenvolvimento da trama, favorecendo inclusive a marcação e movimento dos personagens. Com a intenção de explorar a identificação sugerida no conto das personagens D. Anita e Cordélia e enfatizá-la, optei por posicioná-las fixamente próximas uma da outra. Outra premissa era a de manter os personagens Nora de Olaria e Nora de Ipanema em posições opostas e distantes nas cadeiras enfileiradas. Decidi primeiro que a cadeira de Nora de Olaria seria perto da porta, para evitar que ela circulasse pela casa, devido ao seu caráter arrogante causado por sua sensação de inferioridade em relação aos demais e, portanto de não querer se envolver com o restante, deixando claro que não queria estar lá. A cadeira de Nora de Ipanema foi determinada por consequência da oposição indicada no texto, devido a desavenças entre as duas. Os personagens companheiros destas duas tiveram suas posições decididas em seguida: a babá do filho de Nora de Ipanema senta-se ao seu lado e os filhos de Nora de Olaria precisavam estar em pé, como estátuas, ao lado da mãe e para isto, excluí uma das cadeiras, a fim de abrir um espaço para eles. Outra intenção interessante foi a de remeter esse posicionamento das pessoas ao das fotos antigas de família, em que os membros mais velhos permanecem sentados e as crianças, ao se lado, de pé – como se o retrato atual de família, tanto quanto seu comportamento formal e pouco afetivo, tivesse se mantido através dos tempos e pouca coisa houvesse mudado. Sinaliza também que aquela cena já pode ser uma repetição e/ou que nada indica que tenda a se modificar pelas próximas gerações. Os demais personagens não terão posições fixas, pois circularão pela sala ao longo do filme.

Figura 103: Croqui de Layout

Figura 104: Croqui de Layout 2


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Figura 105: Localização de personagens: 1 Dona Anita; 2 Cordélia; 3 ora de Olaria; 4 Filhos de ora de Olaria; 5 ora de Ipanema; 6 Babá dos filhos de ora de Ipanema

Figura 106: Posicionamento de Câmeras

Em seguida comecei a pensar nos planos de fundo para estes personagens, partindo do ângulo das câmeras, como mencionado no início. No filme Feliz atal (2007), foi observada a insistente intenção de realizar contrapontos entre os elementos festivos e cenas duras, repletas de diálogos e sentimentos ruins. Decidi seguir uma linha parecida, aplicando elementos de contradição e ironia aos principais assuntos da trama: a falta de laços familiares e a analogia da vida com a morte, feita no conto. Embora seja um aniversário de uma senhora, é indicado muitas vezes o caráter de velório e morte na história, assim como em análises e resenhas já feitas sobre este conto, além de se misturar com o tratamento infantilizado dado a D. Anita algumas vezes por seus parentes. Por meio destes conceitos deixei a linguagem estritamente realista, mesclei-a com elementos simbólicos, buscando metáforas e também por meio do conceito de justaposição desenvolvido por Eisenstein.

A Câmera 1 é a visão de quem chega ao aniversário e portanto capta D. Anita, a aniversariante, sentada à mesa, e seu entorno. Já era dado do texto que as cadeiras da mesa estariam encostadas nas paredes como “numa festa que se vai dançar” (LISPECTOR, 1960, apud MONTERO, 2009, p. 167). Aproveitei o fato de a mesa estar sem suas cadeiras para iniciar a indicação, a sugestão ao velório, posicionando a mesma em um canto, próxima a parede de forma que a imagem remetesse a um caixão e a sua composição com a disposição das cadeiras, atingisse este conceito de velório. Em seguida foram feitas algumas escolhas de


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objetos para enfatizar este conceito: a toalha da mesa será de renda branca para remeter ao fundo branco dos caixões. Como o texto informa que D. Anita está sentada à cabeceira da mesa, posicionei pequenos arranjos de flores próximos a ela, evocando a imagem de uma pessoa morta deitada em seu caixão com flores próximas ao tórax e cabeça. Atrás de D. Anita, propus um vaso de flores grande e alto devido à presença de um suporte, para simbolizar a coroa de flores dos velórios. As flores escolhidas foram: orquídeas, lírios, lisianthus, coposde-leite, uma vez que simbolizam sabedoria e força e são as flores mais utilizadas para velórios de senhoras. Esta coroa também foi simbolizada por algumas bexigas que dispus em formato circular, na parede de fundo. Como mencionado, era desejado que Cordélia estivesse sentada próxima à D. Anita e para enfatizar ainda mais a identificação e ligação entre elas, proponho atrás das mesmas, um quadro com a imagem de um caminho. A intenção neste caso é de indicar o provável futuro de Cordélia espelhado em D. Anita, assim como o passado desta, foi um dia a Cordélia. Para isto houve a preocupação do tamanho deste quadro para que fosse plano de fundo apenas destas duas personagens.


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Figura 107: Croqui Elevação 1

Figura 108: Elevação 1

Figura 109: Imagem Elevação 1


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Figura 110: Croqui Câmera 1

Figura 111: Imagem Câmera 1

A visão da Câmera 2 é a da própria D. Anita, olhando a sala de sua casa, o ambiente de sua Festa de Aniversário. O que se vê é a porta de entrada, a fileira de cadeiras onde está situada Nora de Olaria e filhos e parte da mesa em sua frente. O sentido de abertura da folha da porta foi intencional para isolar a sala de estar, não mencionada no conto. Para o plano de fundo de Nora de Olaria, propus um quadro grande com a fotografia dos antepassados da família e uma prateleira sobre a qual estão dispostos porta-retratos com fotos da família. A ideia aqui é ironizar o laço familiar inexistente principalmente neste personagem que faz questão de não se envolver em nenhum momento com os demais e ainda em relação aos seus próprios filhos, posicionados em pé, petrificados ao seu lado, como se estivessem seguido severas ordens impostas antes de entrarem no aniversário, a fim de manter uma postura condizente com a imagem que a mãe deseja passar. O contraponto para enfatizar o isolamento e falta de vínculo afetivo, é feito ainda através de um elemento festivo sobre estes personagens: sobre Nora de Olaria há apenas uma bexiga isolada e sobre os filhos, há um aglomerado de bexigas.


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Sobre a mesa, D. Anita consegue visualizar seu bolo gigante, bem como os guardanapos coloridos e demais itens presentes no conto, como sanduíches de presunto, ponche, coca-cola, etc. Esta visão é levemente obstruída pelos arranjos de flores posicionados em sua frente, mencionados anteriormente.

Figura 112: Estudo do "arranjo" de flores


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Figura 113: Croqui Elevação 2

Figura 114: Elevação 2


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Figura 115: Imagem Elevação 2

Figura 116: Croqui Câmera 2

Figura 117: Imagem Câmera 2


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Finalmente a visão da Câmera 3 contempla o ambiente como um todo. Podemos ver então a composição geral com a mesa ao fundo, cadeiras enfileiradas encostadas nas paredes, somadas aos elementos menores, como as flores que traduzem a imagem forte de velório desejada. Para intensificar este conceito, foram distribuídas pequenas composições de velas acesas, flores, porta-retratos e estatuetas de santos sobre mesas laterais e prateleiras, a fim de ilustrar pequenos altares. Particularmente a vela é um objeto bastante utilizado neste cenário, devido à sua conotação dúbia: morte e aniversário, proposta condizente com a desejada. A indicação de velório é atenuada propositadamente pelos elementos de comemoração de aniversário como as bexigas, guardanapos coloridos e o bolo que além de citado, tem a intenção de infantilizar D. Anita, tratada como criança em algumas passagens do texto. É interessante mencionar ainda que assim como Selton Mello se inspirou nas festas de Natal de sua infância para criar o filme e Clarice Lispector se inspirou inicialmente em sua própria avó para escrever o conto, no momento de criação da minha proposta, tive influencia de meu repertório pessoal para a escolha de móveis e composições de objetos nos cantos da sala.


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Figura 118: Croqui Câmera 3

Figura 119: Imagem Câmera 3

12.2 Proposta Estética

Como a intenção era de traduzir na estética um ambiente frio e decadente, o estudo de paleta de cores para cenário e figurino foi em busca de tons escuros como o marrom, bege, verde-musgo, com alguns tons de rosa buscando um toque de feminilidade ao ambiente matriarca.


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Figura 120: Primeiro estudo de cores

Figura 121: Segundo estudo de cores

Figura 122: Paleta de cores definitiva

Outro artifício foi o uso da luz natural na maior parte do filme, escolhida para tornar o ambiente escuro. Conforme as horas passam e chega o início da noite, surgem poucas luzes pontuais amarelas dos lustres do teto. Esta escolha, também experimentada no filme Feliz atal (2007), foi feita buscando aumentar a dramaticidade da história e enfatizar mais uma vez o clima pesado do evento: As luzes foram acesas, as crianças começaram a brigar e o crepúsculo de Copacabana entrava pelas janelas “como um peso”, exemplificado que tudo naquela ocasião de aniversário era penoso, o que relembra e retoma as circunstâncias de um funeral (ROSÁRIO, p. 3)

No caso da proposta para o Feliz Aniversário, há ainda a intenção de ilustrar a solidão, falta de diálogo e como imagem mais direta: o “não enxergar” o próximo. A luz foi usada para:


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(...) evocar vocar os sentimentos dos personagens e a atmosfera daquele momento. Nestes casos, é como se estas emoções e estes sentimentos transbordassem da interioridade interioridade dos personagens e se alastrassem pelo ambiente criando, assim, uma atmosfera coerente com a narrativa (SALAZAR, SALAZAR, 2008, p. 1013).

Por ser ignorada na maior parte da história e ao mesmo tempo por ter seus pensamentos indecifráveis por todos, a decisão ão foi manter D. Anita na penumbra, como se de fato ela não estivesse lá, como se ninguém a visse, enquanto ela está escondida observando a atitude de todos e percebesse o clima de falsidade. Quando ela se cansa de ver as atitudes falsas de todos e decide exteriorizar sua incredulidade, incre , “explodindo”, será incidida um foco de luz solar lar sobre ela, vindo da janela da d parede ao seu lado.

Figura 123: Projeção de luz sobre D. Anita

Para aumentar o peso e a dramaticidade da situação descrita no conto e ajudar na composição do clima e ambiente, a escolha para trilha sonora foi desde o princípio erudita e então a definição foi pela música Gymnopédie o.1 de Erik Satie, de melodia carregada de melancolia e angústia. Uma vez definida a es estética, tética, posicionamento de móveis e iluminação, iniciou-se iniciou a pesquisa de objetos que deveriam ser relacionados aos anos 60. A proposta não é que o curta metragem seja situado nesta década e sim nos dias atuais, porém a casa onde se passa o curta


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metragem, por ser moradia de uma senhora, foi desenvolvida sobre uma estética antiga, não só em relação aos móveis, papel de parede e demais elementos internos, mas também em relação à construção, como poderemos ver ao final do filme, em uma cena externa de quando os personagens convidados estão deixando a festa e se despedindo na rua. Neste momento o cenário será composto pelo próprio prédio onde está o apartamento de D. Anita e Zilda. As características do mesmo, encontradas no texto, são: trata-se de um prédio baixo que a qualquer momento poderá ser demolido; que o apartamento onde acontece a festa encontra-se no terceiro andar; e que há a presença de uma estreita e escura escada para o acesso vertical. Para incrementar a composição, pesquisei elementos característicos da época em que teria sido construído, década de 60, referências de prédios de Copacabana e o caracterizei com os seguintes itens: pastilhas coloridas revestindo a fachada, janelas contínuas horizontalmente, uso do elemento vazado, popularmente conhecido como cobogó e o posicionamento das caixas de ar condicionado, sob as janelas. Este caráter antigo do ambiente do apartamento de Zilda e Dona Anita, será mais uma imagem de contradição com os personagens convidados, no geral mais modernos, que trarão consigo características da atual sociedade individualista, por meio de seus props11 como por exemplo smartphones, notebooks, Ipads usados em demasia e aumentando o abismo das relações cada vez mais frias. Ao mesmo tempo, enquanto estiverem utilizando estes aparelhos, a imagem clara é de que não estão de fato presentes no aniversário e sim em um mundo virtual, com amigos virtuais, enfatizando que estão apenas cumprindo uma obrigação social.

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Props, abreviação de properties, são todos os pertences de cena mais importantes dos personagens, tendo sido mencionados no próprio roteiro, desencadeando ações importantes. Ou mesmo que não tenham sido mencionados no texto, props são também aqueles objetos que sabemos que devem ser carregados com os personagens, como objetos muito próprios, particulares deles - exemplo: carteira com dinheiro, documentos, talão de cheque, anotações particulares, chaveiro com chaves de casa e do carro, bolsa, mochila, pasta, etc.


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12.3 Construção dos Personagens

O que na literatura se chama “conto de atmosfera”, passa a ser chamado de “cinema de personagem”. Ou seja, ambas as expressões artísticas enfatizam o lado psicológico dos personagens, explorando seus conflitos internos que se sobressaem às ações da trama. Por sua vez, o personagem que na literatura foi definido por Cândido (1972) como “personagem de costumes” é o chamado “personagem plano” no cinema segundo definições de Foster (1969), citado em capítulos anteriores. Por sua vez, o “personagem de natureza” literário, no cinema é o “personagem redondo”. Na proposta existem os dois tipos que inclusive se complementam. Vimos que no desenvolvimento dos personagens, são inseridos dados complementares de todas as áreas do cinema. Neste caso, por se tratar de um trabalho que privilegia o universo da Direção de Arte, a preocupação foi evidenciar como em um trabalho audiovisual seu trabalho é primordial para transmitir o conceito de cada um desses personagens, suas personalidades, estados de ânimo, etc., através da construção de suas imagens. Para isso, envolvi os seguintes critérios: luz, enquadramento, posicionamento de câmera, criação paralela de dois personagens com características opostas e principalmente a cenografia e o figurino. Pensando na construção psicológica dos personagens, para poder compreendê-los a fim de facilitar meu projeto, percebi que assim como Selton Mello se inspirou nas festas de Natal de sua infância para a direção do Feliz atal (2007) e Clarice Lispector, partiu de características similares às de sua própria avó para criar Anita, tive grande influência de alguns relacionamentos entre as pessoas de minha própria convivência. Portanto, pode-se dizer que a principal linha que segui dentro das definições vistas anteriormente, estabelecidas pelo cenógrafo e figurinista Paulo Vinícius, foi uma mistura da “reconstrução” com a “composição” para os personagens mais completos embora haja também a “criação” para os personagens com menos dados no texto (vide capítulo 9). Assim como na cenografia, a preocupação na construção dos personagens foi a de misturar elementos realistas com símbolos metafóricos para tornar a criação mais rica. A composição foi feita por meio de poucos elementos, porém essenciais à compreensão dos traços de cada um, tendo eles a intenção de enfatizar ou de abrandar características.


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12.3.1 Personagem - D. Anita

Dona Anita, o personagem principal e aniversariante, tem 89 anos, é uma senhora “grande, magra e imponente” (LISPECTOR, 1960, apud. MONTERO, 2009, p.169). O físico dado pelo texto já é de uma postura dura condizente com o desenvolver do enredo. Creio que se as características fossem sutis, não teria sido atingido o Signo, a personalidade desejada de uma senhora incrédula, amargurada, inconformada com a representação de sua família presente ali, apenas para cumprir um penoso papel social. Ela mora com sua filha Zilda, que provavelmente devido às dificuldades de convivência, não a trata com tanto respeito e atenção, infantilizando-a muitas vezes. O primeiro fato que nos confirma isto é quando nos é descrito que Zilda vestiu a mãe desde depois do horário do almoço e deixou-a sentada à mesa por duas horas, como se tivesse cumprido uma das tarefas antes dos convidados chegarem. Através deste mesmo fato, concluímos ainda que, a roupa vestida não é de escolha de D. Anita e sim de Zilda. Trata-se de uma roupa não utilizada no cotidiano que tem seu cheiro de roupa guardada disfarçado por água de colônia. A partir destas informações, decido que a roupa será uma roupa de festa, a melhor roupa que D. Anita tinha no armário e que provavelmente teria sido escolhida também para o seu próprio enterro. A intenção é de passar a sensação de uma roupa inapropriada, que a encarcere. Ainda sobre o figurino, o texto nos informa sobre a existência de uma presilha em torno do pescoço de D. Anita, um broche e, para enfatizar a sensação desejada e descrita, a presilha será uma gargantilha apertada com uma enorme flor artificial que cubra todo o seu pescoço. Seguindo a proposta de cenografia, de ter flores na cabeceira da mesa para simular as flores do caixão, que é enfatizada com esta gargantilha citada, pensei em complementar com flores na cabeça. A princípio a decisão era pelo uso de um chapéu sobre o qual as flores estariam dispostas, porém ao desenhar croquis, D. Anita passou a transmitir uma imagem de mulher elegante, refinada e esnobe, o que não era a intenção. Portanto o excluí, mantendo as flores presas a uma tiara. Uma vez que foi Zilda quem vestiu D. Anita, concluímos que a opção de colocar as flores em sua cabeça e pescoço, foi de Zilda e isso pode indicar mais uma metáfora: a de que Zilda quer se livrar do fardo de morar e cuidar de sua mãe, principalmente agora que o prédio pode ser demolido, e empurrá-la para a morte. Percebemos que por isto, talvez D. Anita tenha o desejo secreto de morrer, pois ao invés de impor suas vontades, permite que Zilda assuma o controle e a posicione sutilmente como uma morta.


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A expressão de D. Anita é apática durante quase toda a história, ninguém sabe se ela está feliz ou triste. Isso é demonstrado quando em meio à descrição de cenas, a escritora nunca menciona nenhuma ação de D. Anita e, depois de muito tempo passado, volta nossa a atenção à esta personagem, descrevendo apenas que ela “piscou”. A impressão é de que a senhora está distante, porém ao mesmo tempo em que fica em constantes reflexões, está prestando atenção nas atitudes dos membros familiares. Este fato será enfatizado pelo elemento que trará a maior metáfora da caracterização: um par de óculos. Uma vez decidido que a roupa de D. Anita seria inapropriada e ao mesmo tempo, a melhor roupa, defini que seria um vestido de festa de seda, com detalhes em cetim. As cores escolhidas para seu figurino foram pensadas a fim de camuflá-la na cenografia: portanto este vestido de seda terá uma cor próxima à cor da parede, embora apareça pouco, por estar atrás da mesa. Sobre o vestido, um casaco de tricô branco para mesclar com a toalha branca da mesa, preso no centro pelo broche citado no texto. No pescoço, além da gargantilha de flores, haverá um terço para dar uma informação religiosa e acompanhar mais uma vez o conceito de velório.

Figura 124: Dona Anita


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12.3.2 Personagem - Cordélia

Cordélia é um personagem misterioso, com poucas informações no texto. O que sabemos é que é a nora mais jovem, que fica sentada, sempre sorrindo, pensamento distante, distraída com alguma preocupação não decifrada. Enfim, percebe-se sutilmente e confirma-se por meio de resenhas pesquisadas, que há uma identificação entre Cordélia e Anita, como mencionado no capítulo de análise do conto. Para isto, sua caracterização surgiu da transposição de elementos do figurino de D. Anita, a começar pelas cores semelhantes. Sua saia longa, será marrom para ser camuflada com o chão de madeira e disfarçar a presença de Cordélia, como fiz com Anita. Pelo mesmo motivo, haverá também um casaco de tricô, com o tom próximo ao da parede do plano de fundo e por baixo deste casaco, uma bata branca, com detalhes românticos como babados, para lhe agregar uma sensação de ingenuidade, enfatizada ainda pela escolha da cor rosa claro para esmalte e batom. A composição de cores das duas personagens é semelhante, sendo aplicadas de forma invertida nas peças. A identificação das duas personagens foi apontada ainda pelo uso dos óculos e acessórios de cabeça: enquanto D. Anita usará uma tiara com aplicação de flores grandes, como mencionado; Cordélia também usará uma tiara, porém simples. A decisão por não colocar tais aplicações é para não conferir à Cordélia a característica da morte dada à D. Anita, uma vez que ela ainda é jovem e porque a tiara simples lembra uma auréola, dando-lhe uma imagem metafórica angelical.

Figura 125: Cordélia


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12.3.3 Personagem - ora de Olaria

Nora de Olaria é um personagem que vai à festa, representando seu marido, um dos filhos de D. Anita; com seus próprios filhos. Sua postura é arrogante, esnobe e ela se mantém nitidamente na defensiva, comportamentos provenientes de uma preocupação de ser inferiorizada, devido à sua condição social diversa dos demais membros da família e também pelo fato do conto sugerir alguma desavença entre os mesmos. Para enfatizar tais características, ela veste seu “melhor vestido” (LISPECTOR, 1960, apud. MONTERO, 2009, p.167), pois quer impressionar e manter a pose. Descrito no texto, trata-se de um vestido azul marinho, com detalhes em paetê e “drapeados”, típico vestido para ser usado em uma festa noturna. A ideia era de não lhe dar uma imagem chique, mas de chegar a uma composição “brega” e inapropriada, transmitindo ao mesmo tempo, seu esforço na hora de escolher o que vestir. Para tanto, combinei o vestido com sapatos brancos de salto de madeira, um sapato informal e contrastante com a cor do vestido. Acompanhando este figurino inapropriado, Nora de Olaria carrega consigo uma bolsa azul marinho pequena, também de festa noturna, com os mesmos paetês. As bijuterias usadas em grande quantidade serão douradas e de baixa qualidade, encontradas em “camelôs”. E para finalizar, seu cabelo será preso por um coque, demonstrando outra vez, a tentativa de ser elegante, porém a forma como o fez, deixando sua franja comprida solta, demonstra a falha.

Figura 126: ora de Olaria


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12.3.4 Personagem - ora de Ipanema

Assim como Cordélia e D. Anita foram desenvolvidas em paralelo para se atingir duas imagens relacionadas entre si, as noras de Olaria e de Ipanema, foram assim desenvolvidas buscando atingir duas imagens não só distintas, mas contrárias, devido à desavença entre as duas, mencionada no início do conto, que as faz sentar em fileiras de cadeiras opostas e distantes. Embora não mencionado, é possível que o motivo do desentendimento entre elas seja relacionado à discrepância das classes sociais e isto faz com que Nora de Olaria fique o tempo todo observando e invejando a Nora de Ipanema. Dentro deste contexto financeiramente favorecido, Nora de Ipanema é uma mulher refinada, para quem a elegância está atrelada à simplicidade e carrega consigo uma característica praiana típicas das cariocas. Em oposição ao vestido escuro de sua cunhada, a Nora de Ipanema usará um figurino apropriado ao clima, hora e lugar: um “macacão-pantalona” estampado e colorido, dando-lhe leveza. Seus sapatos serão do tipo salto com plataforma, e a bolsa será de palha com um lenço informalmente amarrado. O excesso de bijuterias baratas dá lugar a poucas joias e o par de óculos de sol estará preso à cabeça como uma tiara, completando a composição informal e chique. Na pesquisa feita para definição do cabelo, selecionei muitos coques e penteados rebuscados, porém como Nora de Olaria usará um coque e a intenção era de manter as características opostas, decidi manter o cabelo de Nora de Ipanema solto, naturalmente loiro, para enfatizar também o caráter praiano mencionado, ao contrário do tom castanho com indícios de tintura no cabelo de sua cunhada. Nora de Ipanema será uma das personagens usadas para demonstrar o uso exagerado dos aparelhos eletrônicos da atualidade que inviabilizam cada vez mais a conversa entre as pessoas: terá um smartphone ao qual recorrerá a todo o momento, aumentando a inveja de Nora de Olaria. A postura do corpo destas personagens também foram pensadas para enfatizar seus comportamentos e, portanto, serão opostas: enquanto Nora de Olaria senta-se à cadeira de forma desleixada e pernas levemente abertas, a Nora de Ipanema senta-se de forma ereta e pernas cruzadas.


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Figura 127: ora e Ipanema

12.3.5 Personagem - José

O personagem José é o filho mais velho de D. Anita desde que seu irmão Jonga, filho preferido da mesma, morreu. Este fato faz com que José sinta uma obrigação de assumir o posto de líder e estimular o vínculo familiar, ainda que ele próprio aja com falsidade por não fazer questão de manter tal vínculo, como percebemos em algumas passagens do texto, principalmente no final, quando se despede falando “até o ano que vem” com a intenção de que não seja antes. Além de sua chegada determinar o início da festa, é ele quem começa a cantar os parabéns, pede para cantarem mais alto, faz comentários em voz alta sobre a idade da mãe com a intenção de bajulá-la, reprime seu irmão e sócio Manoel que quer aproveitar a ocasião para resolver assuntos de trabalho, etc. A impressão que se tem, é de José ser aquela pessoa inconveniente na maioria das vezes por tentar ser extremamente agradável o tempo todo. É extrovertido, expansivo e indiscreto, e em relação ao seu físico, o texto nos informa que se trata de um homem gordo, de cabelos brancos e ralos. Para ilustrar esta falsidade mencionada, inicio a proposta com o uso de uma camisa de botões, não condizente com o restante das peças, desleixadas e sujas demonstrando total descaso com a ocasião, ou seja, se veste como se vestiria no dia a dia e então finaliza com a


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camisa (que nem de seu tamanho é, pois é pequena, revelando parte de seu corpo pelos vãos entre os botões) para fingir uma situação especial e para impor o respeito de irmão mais velho e líder com o uso de uma peça de roupa social. A camisa terá mangas curtas devido ao clima do Rio de Janeiro e será preta, como uma cor de luto pela morte de alguém, no caso, sua mãe Anita, acompanhando também a cor dos vestidos de outras convidadas, também pretos como mencionado no texto. Pensando em uma peça de roupa contrastante, opto por uma calça jeans velha, desgastada e suja. Nos pés, uma sandália de couro marrom, revelando seus pés sujos e mal cuidados.

Figura 128: José


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12.3.6 Personagem - Manoel.

Manoel é um personagem pouco mencionado no texto, porém, percebemos claramente que é reprimido e controlado por sua esposa, ao olhar para ela após cada atitude sua, buscando aprovação. Além disto, tenta falar algumas vezes sobre trabalho com se irmão José, que o interrompe, reprimindo-o falsamente por achar que não é o momento adequado uma vez que é a comemoração de aniversário da mãe deles. Estes dois fatos lhe conferem uma característica de homem inseguro e passivo, que quer agradar as pessoas das quais tem medo e para traduzir esta insegurança e passividade, a ideia era compor um homem magro, franzino e com postura corcunda, que andasse arrastando levemente os pés. Seu figurino será um terno marrom claro, como se estivesse indo trabalhar e talvez por saber que esta seria uma roupa que seu irmão José, o líder, aprovaria para a ocasião. Carregará consigo uma maleta executiva, como se dentro carregasse papéis sobre assuntos a resolver com o irmão.

Figura 129: Manoel


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12.3.7 Personagem - Zilda

Zilda é a única filha mulher de D. Anita, incumbida de morar e cuidar da mesma. É ela quem veste a mãe e faz sozinha os preparativos para a festa. Ao longo do conto, seus pensamentos demonstram sua amargura causada pela falta de ajuda das cunhadas, como se ela fosse a única responsável por cuidar da mãe e pela inutilidade dos poucos presentes que D. Anita ganhou. Por este motivo, pressupõe-se que Zilda não tem tempo de se arrumar para a festa e então ela usa uma roupa do dia a dia: uma regata simples e básica de algodão, uma bermuda bege de sarja e uma sandália tamanco, por ser fácil de calçar. Seus cabelos são presos por um coque desleixado completando sua construção. Sua imagem será contrastante com a imagem das cunhadas arrumadas, tornando-a mais rancorosa, aguardando talvez, algum comentário maldoso, para culpá-los pela displicência em relação à D. Anita, e deixar clara a sua insatisfação de única responsável pela mesma.

Figura 130: Zilda


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13. CO CLUSÃO Esta pesquisa demonstrou a contribuição da Direção de Arte, tema deste trabalho, para a obtenção do Signo, importante conceito na determinação e desenvolvimento de toda a narrativa cinematográfica. Este Signo é o produto de uma série de escolhas feitas pelos membros da equipe de cinema,

sendo

algumas

delas

apresentadas

no

conteúdo

desta

monografia

(realismo/simbolismo, cinema de personagem/cinema de acontecimento, proposta estética, etc.) e quando definido, deve-se tomar cuidado com qualquer alteração feita posteriormente a fim de não se alterar o sentido da obra. Uma vez que o conto Feliz Aniversário, escolhido para o desenvolvimento deste projeto, preocupa-se mais em explorar os conflitos internos dos personagens do que com a sequência de acontecimentos em si, ao ser adaptado para a linguagem cinematográfica, o curta metragem proposto encaixa-se no estilo denominado “cinema de personagem”. Se enquanto conto, a história possui um narrador que pode nos antecipar os pensamentos secretos e características psicológicas dos personagens, no cinema, deve-se tomar cuidado com a construção dos mesmos, pois, já na primeira aparição ao espectador, o personagem terá sua caracterização física determinada e por este motivo o figurino será o instrumento mais importante para esta consolidação física. Ele deve demonstrar os sonhos, medos, forma de agir e de ver o mundo, enfim, a personalidade do personagem. Na construção de personagens deste projeto, foram misturados conceitos simbólicos e realistas na tentativa de enriquecer a criação artística. Além disto, os personagens foram desenvolvidos sempre em paralelo: por meio de identificação de personalidade e cumplicidade entre dois personagens ou devido às suas características opostas. Para atingir a proposta estética desejada foram escolhidos móveis, objetos, paleta de cores, trilha sonora e iluminação que resultassem em uma atmosfera decadente e fria, como se a personalidade complexa e os sentimentos ambíguos dos personagens transbordassem pelo cenário. A cenografia por sua vez, foi realizada utilizando-se um estratégico posicionamento das câmeras (duas dispostas sob o olhar dos personagens e outra com intenção narratológica) que determinaram os planos de fundo a serem trabalhados pela composição de elementos que formassem imagens de contradição, ou seja, contrapontos gerados pelo conceito dúbio de


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aniversário e velório. Esta decisão foi baseada no fato de que a cenografia não pode ser tratada como um detalhe, um elemento artificial ou simplesmente pensada como decoração do espaço onde se realiza a cena e sim, deve fazer parte da construção do filme.


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14. A EXO 1- CO TO FELIZ A IVERSÁRIO, DE CLARICE LISPECTOR A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeites de paetês e um drapejado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados - e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas em babados cor-de-rosa e anáguas engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata. Tendo Zilda - a filha com quem a aniversariante morava - disposto cadeiras unidas ao longo das paredes, como numa festa em que se vai dançar, a nora de Olaria, depois de cumprimentar com cara fechada aos de casa, aboletou-se numa das cadeiras e emudeceu a boca em bico, mantendo sua posição de ultrajada. "Vim para não deixar de vir" , dissera ela a Zilda, e em seguida sentara-se ofendida. As duas mocinhas de cor-de-rosa e o menino, amarelos e de cabelo penteado, não sabiam bem que atitude tomar e ficaram de pé ao lado da mãe, impressionados com seu vestido azul-marinho e com os paetês. Depois veio a nora de Ipanema com dois netos e a babá. O marido viria depois. E como Zilda - a única mulher entre os seis irmãos homens e a única que, estava decidido já havia anos, tinha espaço e tempo para alojar a aniversariante -, e como Zilda estava na cozinha a ultimar com a empregada os croquetes e sanduíches, ficaram: a nora de Olaria empertigada com seus filhos de coração inquieto ao lado; a nora de Ipanema na fila oposta das cadeiras fingindo ocupar-se com o bebê para não encarar a concunhada de Olaria; a babá ociosa e uniformizada, com a boca aberta. E à cabeceira da mesa grande a aniversariante que Ia.zia hoje oitenta e nove anos. Zilda, a dona da casa, arrumara a mesa cedo, enchera-a de guardanapos de papel colorido e copos de papelão alusivos à data, espalhara balões sugados pelo teto; em alguns estava escrito "Happy Birthday”, em outros "Feliz Aniversário!" No centro havia disposto o enorme bolo açucarado. Para adiantar o expediente, enfeitara a mesa logo depois do almoço, encostara as cadeiras à parede, mandara os meninos brincarem no vizinho para que não desarrumassem a mesa.


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E, para adiantar o expediente, vestira a aniversariante logo depois do almoço. Puseralhe desde então a presilha em tomo do pescoço e o broche, borrifara-lhe um pouco de águade-colônia para disfarçar aquele seu cheiro de guardado - sentara-a à mesa. E desde as duas horas a aniversariante estava sentada à cabeceira da longa mesa vazia, tesa na sala silenciosa. De vez em quando consciente dos guardanapos coloridos. Olhando curiosa um ou outro balão estremecer aos carros que passavam. E de vez em quando aquela angústia muda: quando acompanhava, fascinada e impotente, o vôo da mosca em torno do bolo. Até que às quatro horas entrara a nora de Olaria e depois a de Ipanema. Quando a nora de Ipanema pensou que não suportaria nem um segundo mais a situação de estar sentada defronte da concunhada de Olaria - que cheia das ofensas passadas não via um motivo para desfitar desafiadora a nora de lpanema - entraram enfim José e a família. E mal eles se beijavam, a sala começou a ficar cheia de gente, que ruidosa se cumprimentava corno se todos tivessem esperado embaixo o momento de, em afobação de atraso, subir os três lances de escada, falando, arrastando crianças surpreendidas, enchendo a sala - e inaugurando a festa. Os músculos do rosto da aniversariante não a interpretavam mais, de modo que ninguém podia saber se ela estava alegre. Estava era posta à cabeceira. Tratava-se de uma velha grande, magra, imponente e morena. Parecia oca. - Oitenta e nove anos, sim senhor! disse José, filho mais velho agora que Jonga tinha morrido. Oitenta e nove anos, sim senhora! disse esfregando as mãos em admiração pública e como sinal imperceptível para todos. Todos se interromperam atentos e olharam a aniversariante de um modo mais oficial. Alguns abanaram a cabeça em admiração como a um recorde. Cada ano vencido pela aniversariante era urna vaga etapa da família toda. Sim senhor! disseram alguns sorrindo timidamente. - Oitenta e nove anos! ecoou Manoel que era sócio de José. É um brotinho!, disse espirituoso e nervoso, e todos riram, menos sua esposa. A velha não se manifestava. Alguns não lhe haviam trazido presente nenhum.· Outros trouxeram saboneteira, uma combinação de jérsei, um broche de fantasia, um vasinho de cactos - nada, nada que a dona da casa pudesse aproveitar para si mesma ou para seus filhos, nada que a própria aniversariante


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pudesse realmente aproveitar constituindo assim urna economia: a dona da casa guardava os presentes, amarga, irônica. - Oitenta e nove anos! repetiu Manoel aflito, olhando para a esposa. A velha não se manifestava. Então, como se todos tivessem tido a prova final de que não adiantava se esforçarem, com um levantar de ombros de quem estivesse junto de uma surda, continuaram a fazer a festa sozinhos, comendo os primeiros sanduíches de presunto mais como prova de animação que por apetite, brincando de que todos estavam morrendo de fome. O ponche foi servido, Zilda suava, nenhuma cunhada ajudou propriamente, a gordura quente dos croquetes dava um cheiro de piquenique; e de costas para a aniversariante, que não podia comer frituras, eles riam inquietos. E Cordélia? Cordélia, a nora mais moça, sentada sorrindo. - Não senhor! respondeu José com falsa severidade, hoje não se fala em negócios! - Está certo, está certo! recuou Manoel depressa, olhando rapidamente para sua mulher, que longe estendia um ouvido atento. - Nada de negócios, gritou José, hoje é o dia da mãe! Na cabeceira da mesa já suja, os copos maculados, só o bolo inteiro - ela era a mãe. A aniversariante piscou os olhos. E quando a mesa estava imunda, as mães enervadas com o barulho que os filhos faziam, enquanto as avós se recostavam complacentes nas cadeiras, então fecharam a inútil luz do corredor para acender a vela do bolo, uma vela grande com um papelzinho colado onde estava escrito "89". Mas ninguém elogiou a idéia de Zilda, e ela se perguntou angustiada se eles não estariam pensando que fora por economia de velas - ninguém se lembrando de que ninguém havia contribuído com uma caixa de fósforos sequer para a comida da festa, que ela, Zilda, servia como urna escrava, os pés exaustos e o coração revoltado. Então acenderam a vela. E então José, o líder, cantou com muita força, entusiasmando com um olhar autoritário os mais hesitantes ou surpreendidos, "Vamos! todos de uma vez!" e todos de repente começaram a cantar alto como soldados. Despertada pelas vozes, Cordélia olhou esbaforida. Como não haviam combinado, uns cantaram em português e outros em inglês. Tentaram então corrigir: e os que haviam cantado em inglês passaram a português, e os que haviam cantado em português passaram a cantar bem baixo em inglês. Enquanto cantavam, a aniversariante, à luz da vela acesa, meditava como junto de uma lareira.


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Escolheram o bisneto menor, que, debruçado no colo da mãe encorajadora, apagou a chama com um ÚIÚCO sopro cheio de saliva! Por um instante bateram palmas à potência inesperada do menino, que, espantado e exultante, olhava para todos encantado. A dona da casa esperava com o dedo pronto no comutador do corredor e acendeu a lâmpada. - Viva mamãe! - Viva vovó! - Viva D. Anita, disse a vizinha que tinha aparecido. - Happy birthday! - gritaram os netos do Colégio Bennett. Bateram ainda algumas palmas ralas. A aniversariante olhava o bolo apagado, grande e seco. - Parta o bolo, vovó! disse a mãe dos quatro filhos, é ela quem deve partir! Assegurou incerta a todos, com ar íntimo e intrigante. E, como todos aprovassem satisfeitos e curiosos, ela se tornou de repente impetuosa: parta o bolo, vovó! E de súbito a velha pegou na faca." E sem hesitação, como se hesitando um momento ela toda caísse para a frente, deu a primeira talhada com punho de assassina. - Que força, segredou a nora de Ipanema, e não se sabia se estava escandalizada ou agradavelmente surpreendida. Estava um pouco horrorizada. - Um ano atrás ela era capaz de subir essas escadas com mais fôlego do que eu, disse Zilda amarga. Dada a primeira talhada, corno se a primeira pá de terra . tivesse. sido lançada, todos se aproximaram de prato na mão, insinuando-se em fingidas acotoveladas de animação, cada um para a sua patinha. Em breve as fatias eram distribuídas pelos pratinhos, num silêncio cheio de rebuliço. As crianças pequenas, com a boca escondida pela mesa e os olhos ao nível desta, acompanhavam a distribuição com muda intensidade. As passas rolavam do bolo entre farelos secos. As crianças angustiadas viam se desperdiçarem as passas acompanhavam atentas a queda.


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E quando foram ver, não é que a aniversariante já es. Tava devorando O seu último bocado? E por assim dizer a festa estava terminada. : Cordélia olhava ausente para todos, sorria. . - Já lhe disse: hoje não se fala em negócios! respondeu José radiante. - Está certo, está certo! recolheu-se Manoel conciliador sem olhar a esposa que não o desfitava. Está certo, tentou Manoel sorrir e Uma contração passou-lhe rápido pelos músculos da Cara. - Hoje é dia da mãe! Disse José. : Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca-cola, bolo desabado, ela era a mãe. A aniversariante piscou. . Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos . vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe. de todos. E como a presilha a sufocas. se; ela era a mãe de todos e impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse. Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu coração. Rodrigo,' com aquela carinha dura, viril e despenteada, cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar sonolento e intumescido naquela cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas, piscando, ela olhava os outros, a aniversariante. Oh o desprezo pela vida que falhava. Como?! como tendo sido tão forte pudera dar à luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e tempo devido com um bom homem a quem, obediente e independente, a respeitara; a quem respeitara e que lhe fizera filhos e lhe pagara os partos, lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Corno pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio. Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão.


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- Mamãe! Gritou mortificada a dona da casa. Que é isso, mamãe! gritou ela, passada de vergonha, e não queria sequer olhar os outros, sabia que os desgraçados se entreolhavam vitoriosos como se coubesse a ela dar educação à velha, e não faltaria muito para dizerem que ela já não dava mais banho na mãe, jamais compreenderiam o sacrifício que ela fazia. Mamãe, que é isso! Disse baixo, angustiada. A senhora nunca fez isso! Acrescentou alto para que todos ouvissem, queria se agregar ao espanto dos outros, quando o galo cantar pela terceira vez renegará tua mãe. Mas seu enorme vexame suavizou-se quando ela percebeu que eles abanavam a cabeça como se estivessem de acordo com a velha, não passava agora de uma criança. - Ultimamente ela deu pra cuspir, terminou então confessando contrita para todos. Todos olharam a aniversariante, compungidos, respeitosos, em silêncio. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Os meninos, embora crescidos provavelmente já além dos cinqüenta anos, que sei eu! -, os meninos ainda conservavam os traços bonitinhos. Mas que mulheres haviam escolhido! E que mulheres os netos - ainda mais fracos e mais azedos - haviam escolhido. Todas vaidosas e de pernas finas, com aqueles colares falsificados de mulher que na hora não agüenta a mão, aquelas mulherzinhas que casavam maios filhos, que não sabiam pôr uma criada em seu lugar, e todas elas com as orelhas cheias de brincos – nenhum, nenhum de ouro! A raiva a sufocava. - Me dá um copo de vinho! Disse. O silêncio se fez de súbito, cada um com o copo imobilizado na mão. - Vovozinha, não vai lhe fazer mal? Insinuou cautelosamente a neta roliça e baixinha. - Que vovozinha que nada! Explodiu amarga a aniversariante. Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! Me dá um copo de vinho, Dorothy!, Ordenou. Dorothy não sabia o que fazer, olhou para todos em pedido cômico de socorro. Mas, como máscaras isentas e inapeláveis, de súbito nenhum rosto se manifestava. A festa interrompida, os sanduíches mordidos na mão, algum pedaço que estava na boca a sobrar seco, inchando tão fora de hora a bochecha. Todos tinham ficado cegos, surdos e mudos, com croquetes na mão. E olhavam impassíveis. Desamparada, divertida, Dorothy deu o vinho: astuciosamente apenas dois dedos no copo. Inexpressivos, preparados, todos esperaram pela tempestade.


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Mas não só a aniversariante não explodiu com a miséria de vinho que Dorothy lhe dera, como não mexeu no copo. Seu olhar estava fixo, silencioso como se nada tivesse acontecido. Todos se entreolharam polidos, sorrindo cegamente, abstratos como se um cachorro tivesse feito pipi na sala. Com estoicismo, recomeçaram as vozes e risadas. A nora de Olaria, que tivera o seu primeiro momento uníssono com os outros quando a tragédia vitoriosamente parecia prestes a se desencadear, teve que retomar sozinha à sua severidade, sem ao menos o apoio dos três filhos que agora se misturavam traidoramente com os outros. De sua cadeira reclusa, ela analisava critica aqueles vestidos sem nenhum modelo, sem um drapejado, a mania que tinham de usar vestido preto com colar de pérolas, o que não era moda coisa nenhuma, não passava era de economia. Examinando distantes os sanduíches que quase não tinham levado manteiga. Ela não se servira de nada, de nada! Só comera uma coisa de cada, para experimentar. E por assim dizer, de novo a festa estava terminada. As pessoas ficaram sentadas. Benevolentes. Algumas com a atenção voltada para dentro de si, à espera de alguma coisa a dizer. Outras vazias e expectantes com um sorriso amável, o estômago cheio daquelas porcarias que não alimentavam, mas tiravam a fome. As crianças, já incontroláveis, gritavam cheias de vigor. Umas já estavam de cara imundas; as outras, menores, já molhadas; a tarde caía rapidamente. E Cordélia? Cordélia olhava ausente, com um sorriso estonteado, suportando sozinha o seu segredo. Que é que ela tem? Alguém perguntou com uma curiosidade negligente, indicando-a de longe com a cabeça, mas também não responderam. Acenderam o resto das luzes para precipitar a tranqüilidade da noite, as crianças começavam a brigar. Mas as luzes eram mais pálidas que a tensão pálida da tarde. E o crepúsculo de Copacabana, sem ceder, no en.tanto se alargava cada vez mais e penetrava pelas janelas como um peso. - Tenho que ir, disse perturbada uma das noras levantando-se e sacudindo os farelos da saia. Vários se ergueram sorrindo. A aniversariante recebeu um beijo cauteloso de cada um como se sua pele tão infamiliar fosse uma armadilha. E, impassível, piscando, recebeu aquelas palavras propositadamente atropeladas que lhe diziam tentando dar um final arranco de efusão ao que não era mais senão passado: a noite já viera quase totalmente. A luz da sala parecia então mais amarela e mais rica, as pessoas envelhecidas. As crianças já estavam histéricas.


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- Será que ela pensa que o bolo substitui o jantar, indagava-se a velha nas suas profundezas. Mas ninguém poderia adivinhar o que ela pensava. E para aqueles que junto da porta ainda a olharam uma vez, a aniversariante era apenas o que parecia ser: sentada à cabeceira da mesa imunda, com a mão fechada sobre a toalha como encerrando um cerro, e com aquela mudez que era a sua última palavra. Com um punho fechado sobre a mesa, nunca mais ela seria apenas o que ela pensasse. Sua aparência afinal a ultrapassara e, superando-a, se agigantava serena. Cordélia olhou-a espantada. O punho mudo e severo sobre a mesa dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta. Porém nenhuma vez mais repetiu. Porque a verdade era um relance. Cordélia olhou-a estarrecida. E, para nunca mais, nenhuma vez repetiu - enquanto Rodrigo, o neto da aniversariante, puxava a mão daquela mãe culpada, perplexa e desesperada que mais uma vez olhou para trás implorando à velhice ainda um sinal de que uma mulher deve, num ímpeto dilacerante, enfim, agarrar a sua derradeira chance e viver. Mais uma vez Cordélia quis olhar. Mas a esse novo olhar - a aniversariante era uma velha à cabeceira da mesa. Passara o relance. E arrastada pela mão paciente e insistente de Rodrigo, a nora seguiu-o espantada. - Nem todos têm o privilégio e o orgulho de se reunirem em tomo da mãe, pigarreou José lembrando-se de que Jonga é quem fazia os discursos. - Da mãe, vírgula! Riu baixo a sobrinha, e a prima mais lenta riu sem achar graça: - Nós temos, disse Manoel acabrunhado sem mais olhar para a esposa. Nós temos esse grande privilégio, disse distraído enxugando a palma úmida das mãos. Mas não era nada disso, apenas o mal-estar da despedida, nunca se sabendo ao certo o que dizer José esperando de si mesmo com perseverança' e confiança a próxima frase do discurso. Que não vinha. Que não vinha. Que não vinha. Os outros aguardavam. Como Jonga fazia falta nessas horas - José enxugou a testa com o lenço -, como Jonga fazia falta nessas horas! Também fora o único a quem a velha sempre aprovara e respeitara, e isso dera a Jonga tanta segurança. E quando ele morrera a velha nunca mais falara nele, pondo um muro entre sua morte e os outros. Esquecera-o talvez. Mas não esquecera aquele mesmo olhar firme e direto com que desde sempre olhara os outros filhos, fazendo-os sempre desviar os olhos, Amor de mãe era duro de suportar: José enxugou a testa, heróico, risonho.


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E de repente veio a frase: - Até o ano que vem! Disse José subitamente com malícia, encontrando, assim, sem mais nem menos, a frase certa: uma indireta feliz! Até o ano que vem, hein?Repetiu com receio de não ser compreendido. Olhou-a, orgulhoso da artimanha da velha que espertamente sempre vivia mais um ano. - No ano que vem nos veremos diante do bolo aceso! Esclareceu melhor o filho Manoel, aperfeiçoando o espírito do sócio. Até o ano que vem, mamãe! E diante do bolo aceso! Disse ele bem explicado, perto de seu ouvido, enquanto olhava obsequiador para José. E a velha de súbito cacarejou um riso frouxo, compreendendo a alusão. Então ela abriu a boca e disse: - Pois é. Estimulado pela coisa ter dado tão inesperadamente certo, José gritou-lhe emocionado, grato, com os olhos úmidos. - No ano que vem nos veremos mamãe! - Não sou surda! Disse a aniversariante rude, acarinhada. Os filhos se olharam rindo, vexados, felizes. A coisa tinha dado certo. As crianças foram saindo alegres, com o apetite estragado. A nora de Olaria deu um cascudo de vingança no filho alegre demais e já sem gravata. As escadas eram difíceis, escuras, incrível insistir em morar num prediozinho que seria fatalmente demolido mais dia menos dia, e na ação de despejo Zilda ainda ia dar trabalho e querer empurrar a velha para as noras - pisado o último degrau, com alívio os convidados se encontraram na tranqüilidade fresca da rua. Era noite, sim. Com o seu primeiro arrepio. Adeus, até outro dia, precisamos nos ver. Apareçam, disseram rapidamente. Alguns conseguiram olhar nos olhos dos outros com urna cordialidade sem receio. Alguns abotoavam os casacos das Crianças, olhando o céu à procura de um sinal do tempo. Todos sentindo obscuramente que na despedida se poderia talvez, agora sem perigo de compromisso, ser bom e dizer aquela palavra a mais - que palavra? Eles não sabiam propriamente, e olhavam-se sorrindo, mudos. Era um instante que pedia para ser vivo. Mas que era morto. Começaram a se separar, andando meio de costas, sem saber como se desligar dos parentes sem brusquidão. - Até o ano que vem! Repetiu José a indireta feliz, acenando a mão com vigor efusivo, os cabelos ralos e brancos esvoaçavam. Ele estava era gordo, pensaram, precisava tomar


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cuidado com o coração. Até o ano que vem! Gritou José eloqüente e grande, e sua altura parecia desmoronável. Mas as pessoas já afastadas não sabiam se deviam rir alto para ele ouvir ou se bastaria sorrir mesmo no escuro. Além de alguns pensarem que felizmente havia mais do que uma brincadeira na indireta e que só no próximo ano seriam obrigados a se encontrar diante do bolo aceso; enquanto que outros, já mais no escuro da rua, pensavam se a velha resistiria mais um ano ao nervoso e à impaciência de Zilda, mas eles sinceramente nada podiam fazer a respeito: "Pelo menos noventa anos", pensou melancólica a nora de Ipanema. "Para completar uma data bonita", pensou sonhadora. Enquanto isso, lá em cima, sobre escadas e contingências, estava a aniversariante sentada à cabeceira da mesa, erecta, definitiva, maior do que ela mesma. Será que hoje não vai


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