Adeus, Venezuela

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CRISE

Adeus, Venezuela Doutora em línguas estrangeiras, a professora Yainy Zulimay deixou a cidade natal e a família no país vizinho para recomeçar como professora de cursinho em Brasília

por larissa lustoza Texto e fotos

CONHEÇA OUTRAS HISTÓRIAS DE IMIGRANTES SOBRE COMO É VIVER NO BRASIL

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Nos primeiros anos, Yainy dormia no chĂŁo e pedia comida aos vizinhos atĂŠ encontrar um emprego.

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AEROPORTO INTERNACIONAL EL DORADO BUCARAMANGA - COLÔMBIA As rodas das malas pareciam pequenos trens deslizando sobre trilhos. As paredes vibravam e o ar se agitava com o movimento dos aviões decolando e pousando. A fila de pessoas que estavam viajando para outro país diminuía aos poucos e entre os imigrantes havia a colombo-venezuelana que buscava reconstruir sua vida. E então chegou a vez de Yainy Zulimay passar pela imigração. Era época de Copa, os agentes estavam severos, ela estava sozinha, com passagem só de ida. Com um passaporte colombiano em mãos e um venezuelano no meio das roupas de sua única bagagem, ela sabia que sua jornada não seria fácil. E não foi. Em Sobradinho (DF), há cinco anos, Yainy passa por muitas dificuldades, mas não passa pela cabeça voltar para casa. Ela recorda daquele momento no aeroporto. “Por que você estava escondendo isso?”, um dos agentes colombianos perguntou depois de abrir e revistar a mala e encontrar o passaporte venezuelano. “Eu não estava escondendo. Eu só não vou usar, não preciso dele”, ela respondeu. E era verdade. Toda a viagem foi feita com documentos de colombiana, inclusive o passaporte recém-impresso e visto. “Mas você não é colombiana?”, o agente não entendia o porquê de dois passaportes. Yainy explicou que por ter dupla nacionalidade, podia ter os dois documentos, cada um feito em um dos países. Saiu do aeroporto da Colômbia com destino ao Panamá e em seguida para o Brasil, mas toda a vida foi construída na Venezuela. A primeira descrição da infância: “havia liberdade”. As pessoas não tinham medo de sair de casa, podiam comer onde quisessem, podiam visitar seus parentes. Apesar da educação não tão boa, qualquer um podia concorrer às seleções de emprego. Parecia um país normal, com suas qualidades e defeitos, igual a qualquer outro. “Até que começou a ser uma competição. Se você pertenecía a um partido político, você tinha mais chance de pegar um bom emprego”, explica. Ela tinha 19 anos quando Hugo Chávez entrou no poder. Resolveu concorrer a uma bolsa de estudos na França porque sempre gostou de diferentes idiomas e de viajar. Na entrevista de seleção, estava um representante do governo, que era quem ia autorizar o pagamento, e um representante da escola de francês, que iria medir o conhecimento da língua. Quando ela terminou todas as provas, recebeu como nota uma surpresa. “Seu currículo é muito bom, tem as qualidades para concorrer à bolsa aqui, mas infelizmente você está na lista”, falou o representante do governo. Yainy nunca ouviu falar de lista alguma. “Como assim?”, perguntou. “Você votou contra o governo. Nós temos a lista que mostra isso”, disse. O voto deveria ser secreto por lei na Venezuela, mesmo naquela época. “Deveria ser, mas eles tinham o nome das pessoas que tinha estado contra eles. É óbvio que não havia liberdade”, lamenta.

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Como ter liberdade de votar em quem quiser quando havia uma lista que exibia seu voto? “Não votar era pior porque colocavam seu voto no jeito que eles quisessem. Eles trocavam”, conta. Nas épocas de eleições, qualquer estratégia era utilizada para ganhar, ou comprar, votos. Representantes políticos iam nas casas, ligavam, te acompanhavam até o local de votação, prometiam transporte de ida e de volta, davam dinheiro e comida. Nas portas das escolas, onde ocorriam as votações, sempre os dois partidos presentes como vigilantes. A divisão política começou a ficar mais rígida e passou a invadir as casas. Yainy vivia em Maracaibo, no estado de Zuila. Seu estado, ao contrário de muitos, era governado pelo partido da oposição. Ela própria, pais e irmã discordavam das políticas de Chávez. O irmão, porém, concordava com o governo nacional. “Não, isso aqui está acontecendo por culpa do seu governo. Vocês estão errados e você sabe disso”, discutia o pai com o filho durante a janta. Cada justificativa que o mais novo apresentava, o resto da mesa não conseguia acreditar. “Você está doido? Como você está falando eso? Você sabe que é errado”, eram os comentários mais comuns do resto da família. E ele não sabia. A rivalidade política passou a ficar tão aguda que o irmão não falava aos colegas de trabalho onde morava. A esposa trabalhava para o governo regional (de oposição), por meio do qual conseguiu uma casa. O irmão nem ousava comentar que morava em uma casa concedida pela oposição. Nem visitar os amigos era tarefa fácil. Na casa da melhor amiga, todos concordavam com o governo nacional. Adoravam ele. Yainy só conseguia visitá-la quando os pais da sua amiga não estavam em casa. Se estivessem, ela era obrigada a aturar comentários e piadas. E ela não podia deixar de ser amiga. Faziam trabalhos juntas, estudavam juntas. Até hoje, fazem parte de um grupo de whatsapp com outros colegas de faculdade, que se tornou o meio onde ela descobre qual deles ainda sobrevive.

AEROPORTO INTERNACIONAL TOCUMEN CIDADE DE PANAMÁ - PANAMÁ Quando o avião pousou no Panamá, a conexão para o Brasil, teve uma recepção diferenciada. Enquanto as pessoas saíam do avião, dois agentes seguravam uma foto e escaneavam os rostos. Ela percebeu quando a reconheceram. “Você é Yainy Buitrago?”, perguntaram. Quando ela afirmou, pediram que os acompanhasse.

Por falta de conhecimento, Yainy teve que tirar os documentos de imigração duas vezes com problemas no sobrenome.

Entraram em outra parte do aeroporto para revistá-la e pediram que passasse por um raio-x. “Tira a roupa”, mandaram. Ela obedeceu. Passaram o scanner pelo seu estômago, por suas partes íntimas, qualquer lugar que parecesse suspeito. “Você veio vestida com muita roupa”, um agente notou. “É que eu não queria pagar a taxa de embarque”,


Yainy terminou de colocar sua última camada de tecido e saíram de volta para a área normal do aeroporto. Agora, ela só precisava passar pelo último teste. “Vamos, nós te acompanhamos até o seu portão. Isso aqui é normal, nós fazemos random. Pegamos qualquer pessoa e fazemos isso”, justificou um dos agentes. Ela não viu problema, sabia que não tinha nada a esconder. Quando saíram da parte de imigração, os agentes que a acompanhavam pareciam a guiar para o lado contrário ao que ela precisava ir. “Não, minha porta é para lá. É para lá”, ela apontou para onde deveria ir. Os agentes não esboçaram reação alguma. “Ah, sim, desculpa”, e nem soaram sinceros. Entrou no próximo avião, com destino ao que seria seu novo lar. Antes de decidir viver de vez no Brasil, ela visitou uma amiga no país antes. As duas se conheceram nos Estados Unidos, quando fizeram o mestrado em Kentucky. “Quando você quiser, você pode vir”, sua amiga a convidou. Yainy gostou da ideia. Gostava da cultura, da língua, do país. Decidiu visitá-la. Enquanto estava por aqui, uma escola de idiomas em Sobradinho, no Distrito Federal, a convidou para ser professora por um tempo e até ofereceram uma vaga de emprego. Mas ela estava casada na época, não conseguia tomar uma decisão lembrando que seu marido ainda estava na Venezuela. Só não esperava que quando voltasse para lá, receberia de boas-vindas um coração partido.

A ideia rodopiava na mente. A irmã, vendo a situação, deprimida com a separação, também funcionou como uma peça para sua decisão. “Yainy, você não gosta de viajar? Não estudou língua para viajar? Como você se projeta para seu futuro?”, perguntou a irmã, que tentava encorajá-la. As peças iam se juntando e a partida dela estava quase certa. Mas largar tudo que havia construído, tudo que havia comprado, não era tão fácil. Concursada, ela trabalhava na escola regional de Maracaibo. Surgiu a oportunidade de ser sub-diretora. Quem tivesse mais “credenciales” ocuparia o cargo. Yainy estava no topo da lista. O diretor marcou uma reunião para anunciar a nova sub-diretora. Seus colegas já a parabenizavam e ela se preparava para o novo cargo.

O divórcio com o marido foi um golpe duro. Enquanto me contava o que aconteceu, suas mãos não paravam de dobrar e desdobrar uma folha de papel branco. “Essa foi a causa mais forte de eu ter saído de lá. Eu queria ir embora. Ir para um lugar onde ninguém me conhecia, para eu me virar sozinha, ter outras experiências. No final, foi de Deus”, explica. Mas não foi simples como acordar de manhã, preparar as malas e viajar. Quando Yainy voltou à Venezuela e seu marido pediu divórcio, entraram com o que a lei venezuelana conhece por “separación de cuerpos por un año”. O casal fica separado, mas casados legalmente por um ano. Quando o período acaba, o juiz pergunta se vão reconciliar ou não. Se a resposta for não, eles são divorciados legalmente. O ano de separação foi difícil. Não conseguia concentrar no trabalho, na faculdade de Turismo, que havia acabado de entrar, nem na sua família ou amigos. “Você tem que ir na psicóloga, você não está bem. Você não pensa direito”, sua mãe sugeriu. A ideia soou boa, mas sua primeira consulta foi um fracasso. Ela não conseguia parar de chorar. As únicas palavras que ouviu da psicóloga era que seu horário havia acabado. Na segunda vez, decidiu controlar as lágrimas e conversaria sobre tudo. “Você sabe o que você quer fazer. Vá fazer sua vida. Saía daqui, se quiser”, foi o remédio que a médica sugeriu.

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Então, o diretor apresentou uma mulher que ninguém havia visto como nova sub-diretora. “Como assim? Não estávamos concorrendo em entregar crendeciales e vocês estudarem cada caso?”, foi a primeira a reagir. “Ah, Yainy, mas infelizmente as coisas aqui funcionam de outro jeito. Você sabe que não pertence, você está muito imparcial”, o diretor se desculpava.


99 Os professores da escola sabiam que o diretor seguia as ideias do governo de Chávez. Ela e grande parte dos outros profissionais eram da oposição. A sugestão, de que aquela mulher desconhecida foi escolhida só porque Yainy não concordava com os ideais políticos do diretor, gritava na mente da colombo-venezuelana. O divórcio, a divisão política e seu desejo de construir uma nova vida foram suficiente para que pegasse as malas e viesse ao Brasil. E então veio, em 2013, no ano em que Maduro seria o novo presidente. Não sabia como funcionavam as regras de imigração, quais documentos precisava, como procurar emprego ou lugar para morar. Enquanto vivia com sua amiga, que já havia a abrigado antes, Yainy procurou emprego em Sobradinho.

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“Ela é venezuelana?”, perguntou o servidor no outro lado da linha. O coordenador explicou que ela tinha dupla nacionalidade. “Fala para ela para sair do país como venezuelana e voltar como colombiana”, sugeriu o Itamaraty. O coordenador da escola de idiomas lhe explicou tudo que ela precisaria fazer, todos os documentos e procedimentos. Para facilitar a entrada da colombo-venezuelana, ele ainda lhe ofereceu um ‘emprego’. “Eu quero que você trabalhe aqui. Você faz o cadastro no site [do Itamaraty] e pede um visto de emprego”, ele explicou. O visto de emprego temporário no Brasil para estrangeiros tem a duração de dois anos e pode ser prorrogado por mais dois. Morando esse período no país, ela podia pedir o visto de residência permanente. “Eu estou te empregando, sem te empregar. Se eles me ligarem, eu falo sim. Ela vai trabalhar com a gente. Quando você vir, passa pela entrevista e pela nossa prova”, explicou.

AEROPORTO INTERNACIONAL DE BRASÍLIA BRASÍLIA - BRASIL E, assim, Yainy pousou no Brasil mais uma vez, só que agora como colombiana, com um visto de emprego e a opção de ser residente temporária. Depois de duas partidas que a fez se sentir dentro de um filme, ela finalmente chegou ao destino final. Quando foi à Embaixada do Brasil na Colômbia, a convidaram para ser voluntária na Copa e ela aceitou. Tinha um emprego garantido e uma oportunidade de conhecer pessoas de outros países que viriam ao evento. Ela estava no aeroporto de Brasília, já tinha passado pela imigração, quando seu celular tocou, era o coordenador da escola de idiomas que tinha lhe prometido um emprego. “Ah, Yainy, desculpa, mas fui promovido. Vou para a Espanha, mas pode chegar lá e fazer tudo”, disse. Ela foi à escola e não havia emprego algum. Com quinhentos dólares, ela não sabia para onde ir e nem o que fazer. Precisava de emprego para não perder seu visto e de um lugar para dormir. Uma professora de espanhol da mesma escola a convidou para morar junto com ela.

Yainy montou a própria escola de idiomas em Sobradinho (DF) após dois anos vivendo no país.

O coordenador de uma escola de idiomas escutou sua história e prometeu ajudá-la. “Vamos ligar para o Itamaraty. Eu ligo por você e pergunto o que você pode fazer para conseguir emprego e quais documentos você precisa tirar”, ofereceu ele.

Procurar um emprego no Brasil foi a parte mais difícil. Com medo de ter que voltar ao seu país, ia atrás de qualquer vaga. Falaram que na Agência do Trabalhador, ela encontraria um emprego. Foi lá. De lá, a enviaram para uma entrevista de emprego perto do Ginásio de Esportes de Sobradinho. Com seu currículo de dez páginas, pensava que era uma entrevista individual de emprego, mas quando viu as pessoas chegando suas esperanças diminuíram. “Vamos ver um vídeo e depois vocês me falam o que entenderam”, era a primeira etapa. Yainy soube, nessa hora, que não teria aquele emprego. Havia acabado de


Doutora em línguas estrangeiras, Yainy ela vive dando aulas de cursinho de inglês e espanhol.

chegar, não sabia bem a língua e se comunicava pouco em português. Suas aulas no NEPPE - um centro organizado pela UnB que ensinava português a estrangeiros - mal haviam começado. Quando o vídeo acabou, todos comentaram, menos ela. “O que eu ia falar, se eu não sabia falar?”, questiona. A segunda parte era escrever suas qualidades e o motivo para lhe contratarem. Se ela mal sabia falar, escrever era pior. Ela entregou a folha em branco. “Mas eu trouxe o currículo”, ela pensou que talvez com o currículo tivesse alguma chance. “Vocês me dão o currículo e vem aqui na frente falar sobre vocês”, era a terceira etapa. O supervisor do processo estranhou o currículo em inglês e de dez páginas de Yainy. Ela foi na frente. “May I speak in English? It’s better to express myself” (Posso falar em Inglês? É melhor para eu me expressar”), perguntou. Não conseguiu o emprego. O supervisor lhe disse que seu currículo era tão bom, que ele não podia pagar e ela também não podia dominar bem a língua. Com doutorado em Línguas Modernas e mestrado em Educação, ela concorria a um emprego de vendedora de cursos de idiomas e aprendeu uma lição naquele dia. “Você quer qualquer coisa e você pode notar que nós venezuelanos estamos limpando o chão. Mas quem está limpando o chão? Engenheiros, agrônomos, doutores. Então preferimos rasgar nosso currículo e nem falar o que nós somos”, diz ela.

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Enquanto sua busca por um emprego continuava, ela permanecia na casa da professora de espanhol do curso de idiomas, que morava junto do namorado. Um dia, a dona da casa chegou com um aviso. “Você vai embora da minha casa agora”. Ela já sabia o porquê e aceitou. O namorado da outra mulher começou com uma atenção especial aqui e ali, depois evoluiu a elogios mais constantes e Yainy, por não ter emprego, passava muito tempo na casa sozinha com ele. “É, é sua casa, não posso fazer nada”, concordou. Expulsa, estava em busca agora de onde dormir e onde trabalhar. Ela morava ainda com a professora, mas sabia que seus dias estavam contados. Um dia, na parada de ônibus, ainda sem ter um emprego e sem saber onde morar, uma senhora de idade se aproximou “o que você faz? Está entendendo o que eu estou falando?”. Yainy negou. “Ah, que bom. Eu preciso de alguém para cuidar da minha casa”. Aquela era a porta que ela precisava para sair da outra casa. Rapidamente, pegou suas malas e foi morar com a senhora mais velha. “Você vai acordar comigo, no horário que eu acordo, dormir no mesmo horário que eu dormo”, a mais velha começou a lista das regras. Fazia as tarefas da casa, cozinhava o almoço, assistia novela com ela, acordava e dormia no mesmo horário em troca de moradia. Chegou a um ponto que ela não aguentava mais. Os filhos da


101 senhora iam visitá-la muito pouco e pareciam entender que Yainy não suportava aquela rotina. Um deles prometeu ajudá-la. “Você está desconfortável, não está? Vou te ajudar a procurar alguma coisa porque minha mãe não é fácil”. A venezuelana queria gritar que queria fugir daquela casa. Mas, no final, o filho realmente a ajudou. Ele indicou um lugar que uma mulher alugava quartos e estava disponível. “Eu já falei com ela, pode ir lá”. Yainy foi. Na frente do lugar, havia uma placa que ela não entendia o que estava escrito. “Só rapazes”, dizia. Rapazes era uma palavra nova, nunca tinha lido antes. “Você tem quanto?”, perguntou a dona do imóvel. “Eu tenho para pagar um mês”, respondeu. No começo, não entendia porque era a única mulher. Ficava desconfortável, mas suportava. Compartilhavam o mesmo banheiro e o mesmo lugar de lavar roupas. Com vergonha por ser a única mulher, Yainy não estendia suas roupas íntimas no varal compartilhado. Percebia os olhares dos homens e se perguntava porque as outras mulheres que iam ao imóvel, nunca ficavam por mais de algumas horas.

Para beber água e comer, pedia aos vizinhos. Seu quarto não tinha móveis por enquanto. Dormia no chão. Aos poucos, as pessoas iam doando o que podiam. Quando descobriu o significado da palavra “rapazes” quis se mudar de lá. Havia começado um emprego de professora de inglês em outra escola de idiomas em Sobradinho - a mesma em que já tinha dado aula como professora convidada uns anos antes - e conseguia o suficiente para morar em um quarto pequeno em outro imóvel. Ainda não tinha muito, ganhava pouco, mas ia assim reconstruindo a vida. Hoje, Yainy Buitrago é dona da sua própria escola de idiomas, além de trabalhar em outra. Devagar, foi mudando de imóvel em imóvel e vive em um apartamento comercial melhor que o quartinho apertado em que teve que sobreviver por um tempo. Apaixonou-se novamente e está casada com um argentino, que também deixou

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tudo para trás no seu país para viver com ela. De todas as burocracias que enfrentou no Brasil, o casamento foi a parte mais fácil. A família ficou sabendo pelo whatsapp, que é o meio em que comemoram os aniversários, natal e outras festas. O pai e a mãe não vivem mais na bela e grande casa ao lado da escola na cidade onde viviam, Maracaibo. Hoje, vivem na Colômbia. Sua irmã se casou com um espanhol e mora na Espanha. A nerd da família é atendente de call-center e está estudando o ensino médio novamente, porque seu dois diplomas de graduação da faculdade e o do ensino médio não são válidos no país estrangeiro. E o irmão dela, que tanto já defendeu o governo nacional, busca uma maneira de sair do país. Quer ir a Colômbia também, com sua mulher e três filhos. Ele só faz uma refeição por dia, porque salva o resto da comida para os seus filhos.

“Você não pode estar com uma comida em uma sacola, se não matam você. Pessoas que não tem crime. É de desespero mismo para alimentar seus filhos” Quando começou a contar a história, disse que seu irmão estava na Colômbia, buscando os documentos para sua família poder sair da Venezuela. A esposa e filhos ainda estavam receosos de deixar o país e tudo que haviam construído. Conforme mantivemos o contato, ela me afirmou que eles iriam sair. O toque de recolher às nove da noite que desligava toda a energia, a falta de comida e as dificuldades financeiras para todo o resto foram demais para todos. Decidiram ir à Colômbia. Yainy Zulimay Buitrago não tem vontade de voltar à Venezuela, mesmo com todas as dificuldades que enfrentou no Brasil e mesmo que sua vida não seja a mesma de antes. Ela acredita que, um dia, a situação do seu país vai mudar, mas não sabe quando. “Se mudar, só os filhos dos filhos dos meus filhos, mas só eles, ninguém mais. Mas, por enquanto, você tem que ter determinação e fazer alguma coisa, não pode esperar que seus filhos morram de fome”, critica.


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