NA P ARED E Arte Urbana
Saiba mais da cultura do grafite e do picho
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POR MARIO SANTA ROSA texto e fotos
O cheiro de tinta se misturava ao de café vindo da fábrica de bebidas. No muro da fábrica, de frente para a DF 001, a Estrada Parque Contorno (EPTC), um garoto de 21 anos grafitava um desenho enquanto um sol forte de final da tarde batia e seus três colegas observavam embaixo de uma árvore. No chão, várias latas de spray de tinta se misturam com mochilas e uma sacola de pães de queijo. O carro de um deles está estacionado no meio do gramado. Na calçada, alguns ciclistas passam observando o trabalho deles. Mas o barulho dos caminhõem predomina. O garoto que grafita, que pede anonimato e se identifica como “Rafael” ou ‘Atoísmo’, conhece bem a região. “Nós grafitamos o outro lado lá atrás, gastamos uns 40 dias por aí”. Ele convida para fotografar depois o lugar. Digo que percebi pelo caminho quando vinha encontrá-los e pergunto quanto tempo esse desenho que ele e os amigos estão fazendo vai demorar. Um deles responde que, em média, “um mês, por aí”. Além do período necessário para a produção do grafite, é o prazo estipulado pelo contrato. “Foi o tempo que a Coca-Cola nos deu para fazer esse trabalho, saca?”.
A LEI DO PICHO Em 1998, foi sancionado o artigo 65 da Lei de Crimes Ambientais, segundo o qual pichar e grafitar eram tidos como formas de infração penal, com punições que variam de três meses a um ano de reclusão, dependendo do lugar onde ocorreu o delito. A delegada chefe da 6ª DP (Paranoá), Jane Klébia, comenta que as ações dos policiais se dão pela identificação das estruturas que estão sendo alteradas, e obras públicas acabam tendo uma atenção maior dos agentes.“São situações e situações. Na maioria
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cada grafiteiro possúi um lado no muro para fazer a sua arte, mas sempre trabalhando em harmonia
AMIGOS DA ARTE Ele para de grafitar a parede e se vira quando questionado em que ano começou. Com um olhar pensativo, comenta o seguinte: “Mais ou menos em 2009, por ai. Eu tinha lá por uns 11 anos e comecei a fazer umas letras na rua e to aqui até hoje”, relata Rafael. O pseudônimo vem de uma brincadeira com os colegas, onde seu apelido era “atoa”. Mas, com o tempo e por causa das redes sociais ,acabou mudando para “atoismo.” Do outro lado do muro, saindo debaixo da árvore, um de seus colegas pega uma lata e começa a pintar o muro também. Seus outros dois amigos andam em direção ao carro, dizem que vão comprar mais comida e saem nos deixam lá. “Assim que eu comecei a pintar, eu conheci o Derk”, comenta apontando para o outro garoto grafitando o muro. “Logo após eu conheci o ‘Omik‘. Eles foram meu primeiros camaradas no grafite, sabe? Até que hoje em dia a gente trabalha junto. Uma parada que nunca imaginamos que ia acontecer, uma parada da rua que hoje a gente vive disso”, relata. Em 2011, dois anos após ter começado, foi criada a lei número 12.408 que altera o artigo 65 da Lei de Crimes Ambientais e descriminaliza o ato de grafitar. Além disso, foi estabelecido que não é visto como crime se houver o consentimento do proprietário do estabelecimento ou se houver a autorização do órgão público, caso seja feito em ambientes públicos.
obrigado a sair escondido. Mas, garante que acabou por ganhar a confiança deles. “Acho que com a maioria das pessoas é assim, mas com o tempo você vai ganhando o apoio da família”. Com um sorriso no rosto, lembra que a família não o importuna. “Minha vó e meu pai ficavam me retraindo quando eu saia com uma lata na mochila, mas agora é ‘de boa’, super tranquilo”. Ele balança a lata de spray na mão, para que os produtos dentro dela se misturem, e se volta para a parede continuando o grafite.
“Você
pega a lata e
...”
Ele e o amigo “Derk” estão tão concentrados no grafite que não trocam uma palavra enquanto pintam a parede. Rafael explica que há diferenças na composição de trabalhos coletivos e individuais. “Têm horas que você quer sair e fazer sozinho. Têm horas que você quer estar mais com a galera”. Sem tirar a atenção do grafite, “Atoismo” não se importa de explicar as inspirações. “Têm outras horas que você nem tá pensando nisso, mas só pelo fato de estar com uma lata de spray na mochila e ver que tem um lugar massa e que ia ficar da hora uma arte lá, você pega a lata e faz ali, do nada. Você não tava planejando isso, sacou?”. Com a tarde chegando ao fim, pergunto se ele pensa em continuar no grafite ou se pensa em ter outra atividade no futuro. Com a mão no rosto, ele me fala que planeja fazer
NA DELEGACIA
dos casos, tudo se resolve na conversa e na consolidação do termo de restauração”, explica a delegada. No ano em que a Lei de Crimes Ambientais nascia, o garoto que grafitava o muro da fábrica de bebidas, também acabava de nascer. “Eu gostava muito de brincar na rua e sempre via os grafites. Assim acabei criando mais interesse por isso”, explica enquanto pinta o contorno de um desenho na parede. Nascido e criado em Brasília , o rapaz sempre se interessou por desenhar. “Meu pai era desenhista e tal, então sempre fui muito influenciado por ele na questão do desenho”, comenta o grafiteiro.
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Enquanto pega uma escada para continuar sua arte na parte mais alta do muro, pergunto como ele vai fazer para não picharem nem grafitarem por cima do trabalho dele. Já agarrado à escada, Rafael comenta que fizeram um acordo com as pessoas da área, mas, com o tempo, o artista percebe que pichar ou grafitar em cima do seu trabalho é normal. A pichação possui caráter político e a escrita ocorre em vias públicas, diferenciando-se do grafite- que possui um caráter mais artístico. Em 2018, foi criada a Lei nº 6.094, do deputado Bispo Renato Andrade (PR/DF), que criminaliza a pichação com uma multa no valor de R$ 5 mil caso o infrator seja autuado em flagrante e de R$ 10 mil se for num patrimônio público ou tombado. Descendo da escada para pegar mais uma lata, pergunto se ele já foi pego pela polícia. Com um rosto mais sério, ele comenta que já chegou a ir à delegacia duas vezes por grafitar em locais sem autorização, mas nunca ocorreu algo nessas ocasiões. “Graças a Deus não aconteceu nada de sério, de ter que assinar nada. Como era grafite, acabei conversando com os policiais e foi mais tranquilo”, lembra, ainda sisudo, Rafael “Atoismo”. No começo da “carreira”, sem o apoio da família, ele era
por trabalhar com arte urbana, atoismo prefere não revelar a sua face na hora de fazer a foto
rafael se utiliza do material entregue pela contratante para fazer a arte
uma faculdade “mais para frente com algo relacionado à arte”. Comento que ele poderia se dar bem na área de design. Ele sorri e concorda. Antes de ir embora, uma última pose para fotos em frente ao grafite. O cheiro de café vindo da fábrica já havia se dissipado há muito tempo, deixando só o cheiro de tinta. No muro da fábrica, de frente para a DF 001, a EPTC, um garoto de aparentemente 20 anos, ainda grafita um desenho enquanto o sol se põe e a noite começa. Mais para longe do muro, outro garoto grafita enquanto uma mochila espera embaixo de uma árvore. No chão, várias latas de spray de tinta se misturam com mochilas e uma sacola vazia de pães de queijo. Na calçada, algumas pessoas passam observando o trabalho deles, enquanto vão em direção à parada de ônibus. O barulho dos caminhões volta a predominar.