Jornal do Comércio - Jornal da Lei 07/08/2018

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Porto Alegre, terça-feira, 7 de agosto de 2018 - Nº 44 - Ano 21

POÇA DE SANGUE NO CHÃO: o retrato de uma nação violenta

A nossa tragédia diária 2018. Aos sete anos de idade, Naiara Soares Gomes teve sua vida interrompida quando, no dia 9 de março, no caminho para a escola, em Caxias do Sul, foi raptada para, depois, ser estuprada e morta. Aos 37 anos, Darlene Pires foi morta pelo marido, no dia 8 de abril, em Bagé, após uma simples discussão a respeito de uma moto. Em 14 de março, a vereadora carioca Marielle Franco, 38 anos, e seu motorista, Anderson Pedro Gomes, 39, foram executados a tiros em uma rua na Região Central do Rio de Janeiro por motivos políticos, aparentemente. Os corpos dos irmãos Maria Áurea e Edivaldo Santos Carvalho, 71 e 75 anos, foram encontrados sem vida e carbonizados em uma estrada entre as cidades de Santana e Serra Dourada, na Bahia, no dia 13 de abril. O líder quilombola Nazildo dos Santos Brito, 33 anos, foi executado com tiros na cabeça e nas costas no município de Araçá, no Pará, no dia 15 de março. O inspetor de polícia Leandro de Oliveira Lopes teve sua curta carreira de cinco meses na Polícia Civil gaúcha interrompida no dia 2 de maio ao ser alvejado por um tiro disparado por criminosos quando tentava cumprir um mandado de prisão no município de Pareci Novo. Em uma segunda-feira, 18 de junho, em cerca de meia hora, sete pessoas foram mortas em um mesmo bairro na cidade de Viamão, em uma chacina possivelmente motivada por disputas de tráfico. A lista não tem fim. A cada dia, ela aumenta em um ritmo que os jornais já não conseguem mais acompanhar. Os corpos tombam no asfalto, no chão de terra, no campo. São crianças, adolescentes, adultos e idosos. São homens e mulheres. São negros e brancos. São pobres, de

classe média e ricos. São brasileiros, de Norte a Sul. Em 2016, 62.517 pessoas morreram no Brasil vítimas de violência. Ou seja, 171 brasileiros foram mortos a cada dia. Sete a cada hora. O número foi o maior já registrado na história e representou um aumento de 5% em relação ao ano anterior. Isso equivale a uma taxa de 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes – 30 vezes o índice da Europa. Comparativamente, seria como se toda a população do município de São Borja fosse dizimada em 12 meses, ou como se uma bomba atômica igual à jogada pelos Estados Unidos na cidade japonesa de Nagasaki, em 1945, explodisse em território nacional a cada ano. O Brasil vive a sua própria guerra diária. Mais silenciosa do que aquela travada nos campos de batalha, nas trincheiras, nos tanques, nos submarinos, nos navios e nos aviões de caça militares, mas não menos mortífera. Somando-se o total de assassinatos (homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte) entre 2006 e 2016, o número de brasileiros vítimas da violência chega a impressionantes 602.960, conforme dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública – o número ultrapassa em 70 mil o de toda a população do estado de Roraima. Uma única morte humana é uma tragédia. Mas uma tragédia maior se dá quando essa morte é naturalizada, quando já não choca mais. Tragédia maior se dá quando um corpo envolto em uma poça de sangue é apenas mais um corpo envolto em uma poça de sangue. Nada mais do que isso. Juliano Tatsch juliano@jornaldocomercio.com.br

Em alusão ao Mês do Advogado, o Jornal da Lei publica uma série de reportagens sobre violência e segurança


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