Março de 2018

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Março de 2018

Da biblioteca de C. S. Lewis: ‘A ideia de uma sociedade cristã e outros escritos’, de T. S. Eliot Do Clube Ichthus para você: ‘A abolição do homem’, de C. S. Lewis



T. S. ELIOT

Equipe

Colaboradores

Carol SimĂŁo (carol.simao@clubeichthus.com.br)

Mark Anthony Swedberg

Thiago AndrĂŠ Monteiro

Joel Mozart Monte Serrat Budal

(thiago.monteiro@clubeichthus.com.br)

Clube Ichthus clubeichthus.com.br @clubeichthus


Editorial Finalmente chegou o dia! Foi mais de um ano de desafios constantes entre o sonho e a realização. Não é necessário discursar sobre a burocracia que o nosso querido Brasil oferece àqueles que buscam construir algo dentro da lei, como todo e qualquer cristão deveria ter como premissa, mas Deus é bom e colocou pessoas maravilhosas em nosso caminho. Sabemos dos riscos que corremos em nomeá-las (sempre fica alguém de fora), mas vamos arriscar mesmo assim e nomear alguns que merecem aparecer nesta lista. Nossa eterna gratidão aos nossos cônjuges, Renata e Fernando, que, para simplificar, nos incentivam e aturam sempre, mesmo quando o nosso humor não colabora muito. Ibrahim, obrigado pelas noites de brainstorming e pelo logo que nos deu de presente. João Paulo, obrigado pela disposição tecnológica em fazer tudo aquilo que não éramos capazes. Marco e Robson, obrigado por gostarem de toda a parte chata, mas necessária, e por serem acima de qualquer suspeita num país em que tudo se resolve no “jeitinho”. Mark, obrigado pelo tempo, espaço, amizade e ânimo que sempre nos deu com alegria. Aos demais que ajudaram aqui e ali (e foram muitos), toda a honra que vocês merecem. Lá no começo do projeto tínhamos um slogan que acabou sendo substituído por “O clube literário de quem lê de tudo, mas sempre com óculos cristãos”, que é o atual. Nós abandonamos o antigo não porque não acreditamos mais nele, mas porque esse novo nos identifica melhor e também pelo fato do anterior soar um tanto arrogante; mas temos certeza de que vocês entendem a nossa empolgação e que, com o tempo, vão compartilhá-la com a gente ao perceberem que também fazem parte do “Clube Ichthus, o mais empolgante clube literário do Brasil”. Agora que o Clube Ichthus é uma realidade, a luta é para crescer e impactar vidas. Nós amamos livros, mas amamos muito mais ver pessoas transformadas através deles. Portanto, abram seus corações para que essa transformação de fato ocorra em vocês e nos ajudem a alcançar outros que também podem ser igualmente transformados. Esse é o verdadeiro motivo de existir do Clube Ichthus. Hoje em dia, todos imploram pelo famoso combo: “Curtir, compartilhar, se inscrever no canal…”. Nós pedimos: ore pelo Clube Ichthus, pois se ele estiver no coração de Deus, ninguém vai segurá-lo! Sejam bem-vindos! Thiago e Carol


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Autor indicado: T. S. Eliot

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PEIXE GRANDE: C. S. Lewis

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PESCADO: A ideia de uma Sociedade Cristã

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Veio junto na rede: A abolição do homem

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PESCARIA

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Saiba mais…

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A ideia de uma Sociedade Cristã

24

OLHA ISSO…

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PRÓXIMO PEIXE GRANDE


Peixe Grande C. S. Lewis

Clive Staples Lewis, simplesmente

Oxford como da Universidade de

conhecido como C. S. Lewis, era filho

Cambridge. Ficou famoso por suas obras

do advogado Albert James Lewis e da

envolvendo a apologia cristã, incluindo

dona de casa Florence Augusta Lewis e

O Problema do Sofrimento (1940),

irmão caçula do químico Warren Lewis.

Milagres (1947) e Cristianismo Puro

Foi um professor universitário, escritor,

e Simples (1952), além das obras de

romancista,

literário,

ficção e fantasia, sendo a mais famosa

ensaísta e apologista cristão britânico.

as aventuras de quatro irmãos em As

Durante sua carreira acadêmica, foi

Crônicas

professor e membro do Magdalen

Cartas de um diabo a seu aprendiz

College, tanto da Universidade de

(1942) e Trilogia Espacial (1938-1945).

poeta,

crítico

de

Nárnia

(1950-1956),


1 8 9 8

Nasceu em 29 de novembro em Belfast, na Irlanda, Reino Unido.

Foi também um respeitado estudioso da literatura medieval e renascentista, tendo produzido alguns dos mais renomados

trabalhos

acadêmicos

envolvendo esses temas no século XX. Amigo íntimo do também escritor e professor britânico J. R. R. Tolkien (18921973), serviu com ele como membro do corpo docente da Faculdade de Língua Inglesa da Universidade de Oxford e liderou o grupo informal de discussão e colaboração literária The Inklings. Lewis contribuiu e muito para a existência de O Senhor dos Anéis, além de ter sido um dos primeiros a ler O Hobbit. Lewis e Tolkien foram grandes amigos durante muitos anos, até a morte de Lewis, e essa amizade foi explorada no livro O Dom da Amizade: Tolkien e C. S. Lewis.Tolkien jamais deixou

criatividade do amigo e vice-versa. Apesar de ter sido criado ao longo da infância dentro das tradições da Igreja da Irlanda, Lewis se tornou um ateu convicto na época de sua adolescência, seguindo essa linha de convicção pessoal até o início de sua idade adulta, quando, por intermédio de Tolkien, voltou a professar a fé cristã no início da década de 1930, tornando-se um árduo defensor do cristianismo até o fim de sua vida e carreira. Dedicou-se a defendê-la e permaneceu na Igreja Anglicana. Tornou-se popular durante a Segunda Guerra Mundial por suas palestras transmitidas pela rádio e por seus escritos, sendo chamado de “apóstolo dos céticos”, especialmente nos Estados Unidos.

1 9 5 5

de admirar a grande inteligência e

Morreu sete dias antes de completar 65 anos, em Oxford, Inglaterra, no Reino Unido.

1 9 6 3

Lança sua autobiografia intitulada “Surpreendido pela Alegria”.


T. S. ELIOT O poeta cristão

“Minha poesia não seria o que é se eu tivesse nascido na Inglaterra, e não seria o que é se eu tivesse permanecido nos Estados Unidos. É uma combinação de coisas. Mas, nas suas fontes, na sua força emocional, ela vem dos Estados Unidos.”

T. S. Eliot entrou em cena com a publicação, em 1915, de “A canção de amor de J. Alfred Prufrock”. O poema é difícil — escrito usando a técnica de stream of consciousness — e, francamente, feio — especialmente para amantes dos poetas clássicos, líricos e românticos. Foi escrito um pouco antes da Primeira Guerra Mundial, o evento que marcou o fim do Iluminismo, e publicado no meio dela. Partilha os mesmos sentimentos das músicas de Stravinsky e Schoenberg e dos quadros de Pablo Picasso. O poema está repleto de alusões a outras obras como a Bíblia, a Divina comé-

Então vem, vamos juntos os dois, A noite cai e já se estende pelo céu, Parece um doente adormecido a éter sobre a mesa; Vem comigo por certas ruas semidesertas Que são o refúgio de vozes murmuradas De noites em repouso em hotéis baratos de uma noite E restaurantes com serradura e conchas de ostra: Ruas que se prolongam como argumento enfadonho De insidiosa intenção

dia, de Dante Alighieri, e algumas obras

Que te arrasta àquela questão inevitável…

de William Shakespeare. Mas é notável

Oh, não perguntes “Qual será?”

também por suas imagens discordantes e inquietantes.

Vem lá comigo fazer a tal visita.*

* Os 10 melhores poemas de T. S. Eliot, Luiz Antonio Ribeiro. Disponível em: <http://notaterapia.com.br/2017/09/25/os-10-melhores-poemas-de-t-s-eliot> Acessado em: 21 fevereiro 2018.


O poema lançou a carreira de Eliot e foi admirado por um grupo seleto de literários da nova geração. Foi recebido como a vanguarda do modernismo, um movimento que rejeitava a beleza e o otimismo do passado em favor de uma visão realista de um mundo estilhaçado e desprovido de centro unificador. Não foi, porém, uma unanimidade. C. S. Lewis, por exemplo, não gostou. “A Confession”

“Uma confissão”

I am so coarse, the things the poets see

Sou tão vulgar, as coisas que os poetas veem

Are obstinately invisible to me.

Permanecem invisíveis para mim.

For twenty years I’ve stared my level best

Tentei, por vinte anos, dar o meu melhor

To see if evening — any evening — would suggest

Pra ver se uma tarde — qualquer tarde — ao pôr do sol lembrasse

A patient etherized upon a table;

Um paciente eterizado sobre a mesa;

In vain. I simply wasn’t able.

Em vão. Eu simplesmente não consigo.*

Lewis não estava elogiando os poderes de percepção superiores de Eliot e outros poetas da modernidade; ele estava ironizando-os. Ao final do poema, Lewis disse que ele era capaz apenas de stock responses, isto é, de respostas ou reações padrões ao que ele via e experimentava. O que ele quis dizer por “stock responses” fica claro no primeiro capítulo de seu livro A abolição do homem, mas é o que os antigos chamavam de “afeições ordenadas”. Tanto Lewis quanto os admiradores modernistas de Eliot estavam enganados, porém. Eliot não estava tentando destruir o passado, mas preservá-lo; ele não era um radical, mas um conservador dos mais intelectuais e brilhantes do século XX, embora seja possível que o próprio Eliot não estivesse consciente disso ainda por não ter chegado ao seu destino final cosmovisionário. Thomas Stearns Eliot nasceu em Saint Louis, Missouri, nos Estados Unidos; o mais novo de sete filhos. É necessário entender um pouco da geografia e cultura americanas de 1888 para entender a importância deste fato e da procedência de Eliot. * Paráfrase do autor

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Saint Louis fica na confluência dos dois

rejeitavam a doutrina da Trindade e

principais rios que cortam os Estados

preservavam apenas a moralidade do

Unidos de norte a sul, dividindo o país

cristianismo. Foi nesta religião, à som-

em leste e oeste: os rios Missouri e

bra do seu avô, que Eliot foi criado.

Mississippi. Missouri também era um border state — um estado fronteiriço — porque ficava na divisa entre norte e sul durante a Guerra Civil, que terminara em 1864. Embora não houvesse seguido os estados sulistas na sucessão, Eliot era claramente simpatizante. Sua família veio do nordeste americano, conhecido como Nova Inglaterra. A Nova Inglaterra era, na época, o centro cultural e ideológico do país, ainda mais depois da derrota do sul na Guerra. E Eliot descendia de duas das famílias mais tradicionais da elite nova inglesa, denominada “brâmanes”. Ele era parente distante do ex-presidente John Quincy Adams. Seu avô, que Tom não conheceu, mudou-se para Saint Louis com o intuito de levar a cultura e a educação nova inglesa para lá. Ele até fundou a Washington University.

Eliot foi educado na Smith Academy, onde estudou latim, grego, a história grega, romana, inglesa e americana, além de matemática elementar, francês, alemão e inglês. Em 1906 ele foi para Harvard College em Boston, na Nova Inglaterra, onde formou-se bacharel em 1909. Em Harvard, foi grandemente influenciado por professores notáveis como George Santayana e, principalmente, Irving Babbitt, pai do novo humanismo, ou “humanismo americano”. Este novo humanismo defendia a ideia de que o ser humano é um ser de ordem distinta e deveria ser governado por leis peculiares à sua natureza. O projeto desse movimento era frear a vontade e os apetites do ser humano por meio da razão — não a razão particular do Iluminismo, mas a razão mais elevada

A família de Eliot também era tradi-

da raça humana que chega até nós na

cional em sua religião: pertenciam à

forma da sabedoria coletiva dos nossos

Igreja Unitariana e seu avô paterno foi

antepassados. Foi Babbitt que fez com

fundador e pastor da Unitarian Church

que Eliot se interessasse pela filosofia

of the Messiah em Saint Louis. A Igreja

índica e pelo budismo.

Unitariana era, na verdade, uma igreja apóstata, descendente dos congregacionalistas da Nova Inglaterra. Eles

Depois do bacharel, Eliot cursou o mestrado de 1909 a 1910 em Harvard. De

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outubro de 1910 a julho de 1911 ele

cisão de se tornar um cidadão britânico

estudou literatura francesa e filosofia

e viver como expatriado na Inglaterra.

na Universidade de Paris no Sorbonne.

Uma influência foi a urbanidade que

Após uma breve estadia em Munique,

adquiriu através de suas viagens e estu-

retornou a Harvard onde continuou

dos nos centros culturais mais respei-

seus estudos de 1911 a 1914. Seu foco

tados na Europa. Os EUA começaram

acadêmico foi estudos índicos e filoso-

a parecer um pouco provincial demais

fia. Em 1914 conseguiu uma bolsa em

para ele. Outra influência foi seu de-

Marburgo, na Alemanha, mas mudou-

sencanto com a filosofia como destino

-se para a Inglaterra

existencial. Ele nunca deixou

quando

Primeira

de ser influenciado pela filo-

Guerra Mundial co-

sofia ou de pensar em cate-

meçou.

gorias filosóficas, mas logo

a

percebeu que a filosofia em

Em Oxford, estudou filosofia

grega

si não conseguia levar uma

na

alma ao destino final de sua

Merton College en-

peregrinação.

tre 1914 e 1915. Eliot completou sua tese

Na Inglaterra, Eliot também

de doutorado sobre

conheceu muitos dos per-

Francis Herbert Bra-

sonagens

dley, um filósofo idea-

minentes da época. Um

lista, em 1916, mas

destes foi Bertrand Russell,

não retornou a Har-

literários

proe-

que conhecera em Harvard,

vard para defendê-la e, portanto, não

mas que agora o apadrinhava e o intro-

se formou doutor. Foi neste período

duzia em círculos intelectuais como o

que ele abandonou sua carreira de aca-

Bloomsbury Set de Virginia Woolf, Clive

dêmico, contrariando sua mãe e sur-

e Vanessa Bell, E. M. Forster, John May-

preendendo seus professores e amigos

nard Keynes, Desmond McCarthy e Lyt-

em Harvard, para os quais ele era um

ton Strachey, entre outros. Embora não

dos jovens intelectuais mais promisso-

fosse com eles exatamente uma alma

res no horizonte.

gêmea, os novos amigos pelo menos

Algumas coisas o levaram a esta mudança de direção e à sua eventual de-

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providenciaram um estímulo intelectual e, através de alguns deles, Eliot conse-


guiu a publicação de seus primeiros

Isso provavelmente não foi uma relação

poemas, como “A canção de amor de J.

imediata de causa e efeito. Dito de ou-

Alfred Prufrock”.

tra forma, seria um erro procurar em

O principal motivo da sua permanência na Inglaterra foi também o seu maior e mais desastroso erro: seu casamento com Vivienne Haigh-Wood, em junho de 1915. Aparentemente, Eliot fora atraído pela vivacidade da então esposa, sendo ele mais reservado e tímido. Porém, logo no começo ficou evidente que ela

sua poesia o reflexo da sua infelicidade matrimonial. Eliot não partilhava da ideia que a poesia deveria expressar o estado emocional do poeta. Pelo contrário, a necessidade impôs a ele a obrigação de escrever. Se houvesse encontrado a felicidade no casamento, talvez tivesse se distraído de seu trabalho.

não era estável emocionalmente e que não eram compatíveis.

* * * * * * Voltando ao início de seu primeiro ca-

Vivienne foi um fardo para o Eliot até

samento, depois de um pouco mais

a morte dela em 1947, num manicô-

de um ano como professor de ensino

mio em Harringay, Inglaterra. No início,

médio, que ele detestou, conseguiu

eram muito pobres. Depois, ela exigia

um emprego no Lloyd’s Bank em Lon-

muita atenção e cuidados. Eles se sepa-

dres. Seu escritório ficava no subsolo,

raram em 1933 e Eliot a evitava a todo

o que deveria ser um martírio para

custo. Seu irmão a internou num mani-

alguém de tanta imaginação. Depois

cômio em 1938 quando foi encontrada

do trabalho ele escrevia resenhas, en-

às 5 horas vagueando nas ruas de Lon-

saios e poemas para diversas revistas

dres e perguntando se Tom havia sido

que lhe pagavam. Isso bastava para o

decapitado.

seu sustento.

Eliot casou-se com Valerie Fletcher em

O stress de sua situação o levou a ter

1957, uma mulher 38 anos mais jovem

algum tipo de colapso em 1921. Duran-

do que ele. Finalmente conheceu a feli-

te este tempo ele foi para Lausanne,

cidade matrimonial que não encontra-

Suíça, onde completou sua obra prima,

ra com Vivienne, mas, como veremos

“The Waste Land”. Este poema, publi-

abaixo, foi debaixo das pressões e des-

cado em 1922, consolidou sua fama

gastes de seu primeiro casamento que

de poeta e sua posição no mundo das

Eliot chegou à fama literária e produziu

letras.

suas obras mais importantes.

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Em 1925, saiu do banco e começou a

1927. Neste mesmo ano, Eliot tornou-

trabalhar na editora Faber and Faber,

-se um cidadão britânico.

como diretor. Em outubro de 1922 ele havia fundado um jornal de reviews literários, The Criterion. Este jornal, que saia trimestralmente, junto com sua posição na Faber and Faber, deu a Eliot uma plataforma privilegiada para lançar novos talentos, escrever ensaios e influenciar o mundo cultural entre as Guerras Mundiais. O jornal fechou em janeiro de 1939.

sua fé cristã. Em novembro de 1928, publicou um livro de ensaios intitulado For Lancelot Andrewes. No prefácio, declarou-se um classicista na literatura, um defensor da monarquia (royalist) na política e um anglo-católico na religião. Além de ensaios, críticas literárias e poemas, escreveu peças de teatro bem recebidas. Eliot faleceu em janeiro de

Durante o período de seu trabalho no banco e a publicação de The Waste Land, Eliot ainda sofreu sua peregrinação espiritual. Ele estava buscando no budismo e no cristianismo o que os filósofos e intelectuais de sua era não podiam lhe dar. Seus poemas até o momento refletiam a ideia de que o mundo estava em caos, a civilização ocidental estava desmoronando e que havia uma necessidade urgente de uma regeneração. Esta peregrinação chegou ao fim quando foi batizado na Igreja Anglicana, em

Faleceu em 4 de janeiro de 1965. Foi cremado e suas cinzas encontram-se na igreja Saint Michael na Inglaterra

Suas obras, daí em diante, refletiram

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1965 em Kensington, Londres. C. S. Lewis não gostava de Eliot inicialmente. Como mencionamos acima, ele detestou as inovações poéticas de Eliot. Na década de 1920, Lewis estava tentando publicar seu tipo de poesia para a correnteza modernista. Uma das coisas que Lewis tentou fazer foi escrever poemas “falsos” no estilo de Eliot e conseguir sua publicação em uma das revistas da época, como o Dial ou o próprio The Criterion para zombar deles.


Em 1933, Lewis escreveu, pouco de-

tar a evolução do seu relacionamento. A

pois de sua conversão ao cristianismo,

primeira carta foi escrita em 21 de maio

O regresso do peregrino. Um dos perso-

de 1930. Ela começa: “Dear Sir” e con-

nagens e vilões da alegoria foi o senhor

clui: “Your Faithfully”. Os assuntos das

Neo-Angular, uma referência àqueles

cartas eram literários. Em uma carta,

que, de acordo com Lewis, queriam

Lewis solicita uma contribuição de Eliot

transformar a igreja em mais uma moda

para um clube literário ou filosófico. Em

da elite. O representante-mor desta

outras duas cartas, Lewis estava tentan-

classe, segundo Lewis, foi T. S. Eliot.

do conseguir a publicação de um artigo

Em 1945, Charles Williams, um amigo mútuo, marcou um encontro entre os dois e finalmente se conheceram. A primeira coisa que Eliot disse a Lewis foi: — Senhor Lewis, você é um homem bem mais velho do que você parece nas fotografias!

que escrevera sobre “A heresia pessoal na crítica” e Eliot estava demorando em responder se iria publicar ou não. A partir de fevereiro de 1943, Lewis começou as suas cartas com “Dear Mr. Eliot” e concluía com “Sincerely”. Uma das cartas contém uma explicação de uma divergência entre os dois

Lewis não se importava muito com sua

e mencionou a possibilidade dos dois

aparência, mas estes comentários não

se encontrarem, instigados por Char-

caíram bem. E todas as tentativas de

les Williams. Não muito tempo depois

Eliot para consertar a situação só a pio-

do seu encontro, Charles Williams fale-

raram.*

ceu repentinamente e Lewis escreveu a Eliot mandando suas condolências e

Algumas cartas de Lewis para Eliot sobreviveram e estão arquivadas no Marion E. Wade Center, em Wheaton, Illinois, nos EUA (Lewis destruía todas as

solicitando um artigo de Eliot para um livro comemorando a vida de Williams. Como este artigo nunca chegou, foram obrigados a publicar o livro sem ele.

cartas que recebia, logo não há cartas

De repente, em junho de 1959, Lewis

de Eliot para Lewis). É interessante no-

mudou sua forma de começar suas

* Estes três relatos foram extraídos de George MUSACCHIO, “C.S. Lewis, T.S. Eliot, and the Anglican Psalter” em Seven: An Anglo-American Literary Review, Vl 22, 2005, páginas 45-59.

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cartas para “My dear Eliot” e começou a

tal, mas preservá-la. Sua forma poética

demonstrar genuína afeição e amizade

era inovadora, mas seu objetivo foi pre-

para com Eliot. O que mudou? Os dois

servar a sabedoria, imaginação moral

foram convidados a participar de uma

e tradição dos antigos para uma nova

comissão para revisar o Saltério Angli-

geração. Em um ensaio sobre F. H. Bra-

cano e descobriram que estavam lutan-

dley, Eliot explica:

do do mesmo lado na guerra contra o radicalismo progressista e a rejeição da antiguidade. O interessante é que Eliot, não Lewis, era ligeiramente mais conservador e defensor da preservação da linguagem antiga do saltério. Esta descoberta foi uma surpresa agradável para Lewis e os dois se tornaram amigos genuínos no final de suas vidas.

Não existe causa perdida porque não existe causa ganha. Lutamos por causas perdidas porque sabemos que a nossa derrota e desalento pode ser o prefácio para a vitória do nosso sucessor, embora essa vitória também será temporária; lutamos mais para manter algo vivo do que com a expectativa de que

Fica evidente, então, que o projeto de

qualquer coisa triunfe.

Eliot não foi destruir a cultura ocidenpor Mark A. Swedberg

A melhor biografia e explicação sobre o pensamento de Eliot se encontra em Russell KIRK, A era de T. S. Eliot: A imaginação moral do Século XX. São Paulo: É Realizações, 2011. Muito das informações sobre Eliot veio deste livro.

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Pescado A ideia de uma Sociedade CristĂŁ O livro traz as principais ideias sobre sociedade e polĂ­tica, sob os olhares dos cristĂŁos.

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Conhecemos o Eliot poeta, mas em A Ideia de uma Sociedade Cristã, podemos apreciar a obra ensaística do grande escritor norte-americano que se ocupa de uma temática particular: o que tem a fé cristã a dizer sobre aspectos como a sociedade e a política? As conferências que T. S. Eliot apresentou em Cambridge, em março de 1939, e publicou sob o título A Ideia de uma Sociedade Cristã, estão no campo da crítica social. Eliot não endossa “qualquer forma política particular”; defende apenas “qualquer Estado que seja

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adequado para uma Sociedade Cristã”. Também não defende um Estado “em que os mandatários fossem escolhidos em virtude de suas qualificações e menos ainda de sua eminência como cristãos”. O cristianismo não deve ser imposto ao povo pelo governo; pelo contrário, o “temperamento e as tradições do povo” devem ser suficientemente cristãos para impor aos políticos “uma estrutura cristã na qual seja possível realizar suas ambições e fazer avançar a prosperidade e o prestígio de seu país”.


Veio junto na rede A abolição do homem Nas poucas, porém densas páginas desta obra, o célebre autor britânico defende a moralidade absoluta e os valores universais, como o altruísmo, a caridade e o amor, além de expor as consequências da falta desses princípios na sociedade.

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A Abolição do Homem é um livro de C. S. Lewis em que o autor elabora uma defesa do conceito de valor objetivo e da lei natural, alertando para as consequências da perda desses conceitos. Lewis defende a ciência como algo a ser legitimamente buscado, porém condena a eliminação de valores por meio desta. O livro é dividido entre apêndice, homens sem peito, o caminho, e, por fim, a abolição do homem. Em sua obra Lewis defende a teoria de que, a abolição do homem na verdade começa pela evolução do homem, e de que, apesar evoluir em ciência o homem sempre estará submetido a uma autoridade anterior, contribuindo assim para o seu próprio fim. A obra também aborda, assim como em outras obras do autor, assuntos concernentes à Lei Natural, se referindo à mesma como “Tao”, termo que C. S. Lewis usou para englobar o conjunto de princípios morais de civilizações, culturas e filosofias que mesmo fora do cristianismo também possuem influência da chamada Lei da Natureza Humana ou Lei da Moral, segundo a filosofia.

SINOPSE Criticando os argumentos dos relativistas, a obra — agora em nova edição com capa dura e acabamento de luxo, publicada pela Editora Thomas Nelson — alerta para os perigos de questionar os valores morais objetivos, comuns a todos, sem os quais os seres humanos correm o risco de perder a humanidade. Com bases sólidas e profundas, Lewis mostra que a tentativa de abolir a moralidade equivale, no fim, a abolir o próprio homem, e convida os leitores a não se render à tendência relativista que permeia a sociedade contemporânea.

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A ideia de uma Sociedade Cristã Por Mark A. Swedberg Do que é composta uma sociedade

palavra relação como uma ex-

ou uma cultura? Qual é fator unifi-

pressão dessa “relação”. A pri-

cador? O centro da sociedade?

meira asserção importante é

Será que uma sociedade é composta simplesmente por fronteiras desenhadas num mapa, um idioma oficial e um sistema de governo respaldado por uma constituição e leis escritas num pedaço de papel na capital? Trinta segundos de reflexão são suficientes para respon-

que nenhuma cultura surgiu ou se desenvolveu a não ser acompanhada por uma religião: de acordo com o ponto de vista do observador, a cultura aparecerá como o produto da religião, ou a religião como o produto da cultura.*

der à pergunta de forma negativa: leis escritas em papel não compelem obediência se a cultura não for tal que respeite as leis. Como o escritor americano Jonah Goldberg

No primeiro capítulo do livro, ele explica melhor esta relação e como ele a enxerga:

sempre diz: “A política fica rio abaixo da cultura”.

Assim,

Então, qual é o fator unificador? A

que a mesma religião possa in-

resposta de T. S. Eliot é: uma religião.

embora

acreditemos

formar uma variedade de culturas, podemos nos questionar se alguma cultura pode chegar a existir — ou a se manter — sem

A seguir [no primeiro capítulo],

uma base religiosa. Podemos

tentei expor a relação essen-

ir mais fundo e questionar se

cial entre cultura e religião e

aquilo a que chamamos cultura

deixar claras as limitações da

e religião de um povo não são

*T. S. ELIOT. Notas para a definição de cultura. São Paulo: É Realizações, 2011. pp. 15-16

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dois aspectos da mesma coisa:

que parecia exigir um ato de pe-

a cultura sendo, essencialmen-

nitência pessoal, de humildade,

te, a encarnação (por assim di-

de arrependimento e de corre-

zer) da religião de um povo.*

ção; o que aconteceu foi algo com que estávamos profunda-

O livro de Eliot que você recebeu em seu kit foi escrito nove anos antes do livro citado acima, mas parte do mesmo pressuposto. No final dele (isto é, de A ideia de uma sociedade cristã) Eliot afirma que o que provocou o livro foram os eventos de setembro de 1938. Quais eventos? O Acordo de Munique, no qual Neville Chamberlain, da Grã-Bretanha, e Édouard Daladier, da França, cederam parte da Tchecoslováquia a Adolf Hitler em troca da promessa de não fazer mais nenhuma reivindicação territorial.

mente envolvidos e pelo que éramos

profundamente

res-

ponsáveis. Não era, repito, uma crítica ao governo, mas uma dúvida quanto à validade de uma civilização. Não podíamos comparar convicção com convicção, não tínhamos ideias com que pudéssemos comparar ou opor as ideias com que nos deparamos. Estaria nossa sociedade, que sempre fora tão segura de sua superioridade e retidão, tão confiante em suas premissas não verificadas, assentada em algo não mais permanente

Eliot explica que o abalo que sentiu não foi mera discordância política com o governo, nem uma falta de compreensão dos eventos, nem a convicção e temor de que isso acabaria em guerra, embora ele imaginasse que este seria o resultado.

do que um amontoado de bancos, companhias seguradoras e indústrias? Teria ela quaisquer crenças mais essenciais do que uma crença no juro composto e no custeio dos dividendos? (pp. 101-102) Isto soa meio estranho aos nossos

O sentimento que era novo e inesperado era de humilhação, *Ibid., p. 31

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ouvidos no Século XXI: desde quando uma decisão do nosso governo


nos levaria a sentir necessidade

vale lembrar que ele escreve como

de contrição pessoal, humildade

cidadão britânico, que tem uma

e arrependimento? Mas isso tudo

igreja estabelecida e oficial: a Igre-

faz sentido se crermos, como Eliot

ja Anglicana. Muitas das ideias dele

cria, que uma cultura é a religião

nos parecem impraticáveis, espe-

encarnada de um povo. Se o povo

cialmente diante da nossa firme

não tinha mais argumentos, con-

convicção teológica de que igrejas

vicções ou crenças para usar no

estatais violam o ensinamento do

combate a um bully internacional

Novo Testamento.

com Hitler, só poderia ser porque a sua religião, o cristianismo, tinha sido desbancada de sua posição na sociedade.

Seja como for, sua advertência no final do livro é propícia e precisa ser levada a sério: “Se você não aceitar a Deus (e Ele é um Deus ciumento),

Eliot escreveu A ideia de uma socie-

você deverá prestar homenagem a

dade cristã com o intuito de defen-

Hitler ou Stálin”.

der duas ideias centrais. A primeira é a de que uma sociedade neutra é insustentável. Uma sociedade neutra é aquela que rejeita qualquer religião como base de sua cultura, uma sociedade secular. Neste ponto, suas observações poderiam ter sido escritas ontem: muito do caos que experimentamos em nossa sociedade brasileira hoje é fruto de uma cultura que rejeitou sua religião dominante. A segunda que ele defende é a ideia de uma sociedade cristã. Ou seja, ele quis descrever esta ideia e dizer como funcionaria na Grã-Bretanha. Ele não escreveu sobre como alcançar esta sociedade cristã, mas

* * * * * A abolição do homem, por C. S. Lewis, também trata da dissolução da sociedade reinante. Embora escrito durante a mesma época (1943), o estopim não foi o Acordo de Munique, mas um livro de gramática para o ensino médio. Este livro, escrito por Alex King e Martin Ketley, visava ensinar “uma abordagem crítica à leitura e redação”. Para King e Ketley, uma abordagem crítica à leitura e redação significa desacreditar quaisquer juízos de valor como “belo” ou “sublime” ou “desprezível”. Para estes autores,

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que Lewis chama pelos pseudôni-

meio do peito. Quando homens

mos Gaio e Tito, valores como estes

como King e Ketley, bem como a

e outros, como patriotismo, honra

elite da nossa cultura de hoje, de-

e covardia, são meros sentimentos

sacreditam a existência de afeições

subjetivos e não correspondem à

ordenadas legítimas, eles produ-

realidade objetiva.

zem “homens sem peito” e a conse-

Lewis explica que “até os tempos

quência é trágica:

modernos recentes, todos os professores, bem como as pessoas em geral, acreditavam ser o universo de tal natureza que certas reações emocionais da nossa parte poderiam concordar ou não com ele — acreditavam realmente que os objetos não eram meros receptores, mas poderiam merecer nossa aprovação ou desaprovação, nossa reverência ou nosso desdém” (p. 21). O perigo para a sociedade é que sem estes sentimentos, ou afeições ordenadas, não há como legitimamente treinar jovens a morrerem pelo seu país, ou obedecer às suas leis, ou tratar bem suas esposas.

E o tempo todo — tal é a situação tragicômica em que nos encontramos — nós continuamos a clamar por aquelas qualidades precisas que admitimos serem impossíveis. Dificilmente você poderia abrir um periódico sem tropeçar na afirmação de que nossa civilização precisa de mais “movimento, ou dinamismo, ou abnegação ou criatividade”. Em uma espécie de ingenuidade macabra, removemos o órgão e demandamos sua função. Criamos os homens sem peito e esperamos deles a

Lewis mostra, seguindo a lógica

virtude e a iniciativa. Zomba-

de Platão, que estas emoções trei-

mos da honra e ficamos choca-

nadas são necessárias para que a

dos ao encontrar traidores em

mente domine os apetites. Os gre-

nosso meio. Nós os castramos e

gos denominavam os apetites de

exigimos dos castrados que se-

“barriga”, a razão de “cabeça” e as

jam frutíferos. (pp. 29-30).

emoções elevadas de “peito”. Num conflito entre a cabeça e a barriga, a cabeça só consegue vencer por

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C. S. Lewis não deixa este erro barato. Ele demonstra que, primeiramente, os defensores do subjetivismo destas emoções na verdade não rejeitam a existência de emoções como estas: eles sutilmente tentam substituir os valores tradicionais pelas emoções e valores que eles preferem. Em segundo lugar, ele mostra que a rejeição de um sistema de valor externo, que ele chama de “Tao”, necessariamente implica na impossibilidade de fazer qualquer julgamento — julgamento não só de belo ou feio, de elegante ou vulgar, mas também de certo ou errado, bom ou mau. Finalmente, ele demonstra que, se uma geração conseguisse, de fato, refazer a humanidade conforme estas ideias inovadoras, o

* * * * * Faz cerca de setenta anos que Eliot e Lewis soaram o alarme e o mundo não os ouviu. A situação está ainda mais tenebrosa e o colapso da civilização está se aproximando numa velocidade estonteante. Quando escreveram, não havia televisão, muito menos computadores pessoais, internet, smartphones e redes sociais. Todas essas coisas têm contribuído para uma decadência ainda pior da nossa cultura. E o pior não é que a sociedade está sendo corrompida, mas que as famílias e as igrejas — os últimos redutos de proteção e preservação de tradições cristãs e afeições ordenadas — estão sendo corrompidas junto com ela.

resultado não seria a libertação do homem, mas a abolição dele.

Mark A. Swedberg é pastor batista, professor de seminário e editor da Editora Batista Regular do Brasil. O título de sua última dissertação de mestrado é “C. S. Lewis’s Theory of Religious Knowledge” pelo Detroit Baptist Theological Seminary, em 2010. Ele e sua esposa residem em Cotia, SP.

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Pescaria Conhecendo nossos peixes grandes

O Clube Ichthus é um clube literário que te faz conhecer não apenas a vida de verdadeiros peixes grandes, mas também — e principalmente — o que há de melhor em suas bibliotecas. Levamos até você, através desses livros, a experiência que eles viveram. Mas o que é um peixe grande? Homens, servos de Deus, que acreditam que uma boa literatura surja em todos e quaisquer lugares. E que, através de um bom livro, nossas vidas podem ganhar outro significado. Acreditamos que todos temos alguém em nossas vidas que nos influenciam e que admiramos por seu trabalho. Escolhemos homens de Deus que amam ler e que amam dividir suas experiências literárias conosco.

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OLHA ISSO...

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O Joel Mozart é um artista curitibano que faz música brasileira, independente e autoral. Além de cantor e compositor é desenhista, formado em design gráfico e vai aparecer aqui com tirinhas engraçadas e inteligentes. Gostou do trabalho dele? Então você não pode deixar de conferir o site: www.joelmozart.com 27


Saiba mais... Aprendendo um pouco mais sobre nosso Peixe Grande! Convidamos o Editor da EBR (Editora

Clive Staples Lewis nasceu em Belfast,

Batista Regular), Mark A. Swedberg, para

Irlanda

falar mais um pouco sobre C. S. Lewis.

1898. Seu pai, Albert Lewis, era um

O autor foi tema de seu mestrado.

procurador de descendência galesa.

“Para C. S. Lewis, tratar de conhecimento religioso não foi somente uma questão acadêmica. Ele passou a maior parte de sua adolescência e juventude como um ateu convicto e só se voltou à Cristo depois de um longo e ardiloso processo; depois levar

de

se

homens,

tornar

um

mulheres,

cristão,

em

29

de

novembro

de

Sua mãe, Florence (Flora) Augusta Lewis, era filha de um pastor anglicano. Ela também era formada, obtendo um diploma de bacharel no Queen’s College em Belfast. Isso era incomum para aqueles dias. Clive tinha um irmão mais velho, Warren (Warnie).

meninos

A família Lewis congregava no movi-

e meninas ao “mero cristianismo”,

mento Anglicano, mas não pareciam ser

se tornou o trabalho de sua vida.

adeptos ao zelo religioso. Clive cresceu

Consequentemente,

impossível

durante os conflitos Protestantes-Cató-

entender a teoria de conhecimento

licos no norte irlandês, mas Flora Lewis

religioso

não tinha medo de contratar serventes

de

Lewis

é sem

conhecer

algo sobre sua vida. Além do mais, precisamos entender exatamente o que Lewis estava defendendo. Finalmente, devemos consultar brevemente seus escritos, que são fontes primárias de qualquer estudo que os vários gêneros de suas obras dizem sobre a sua teoria do conhecimento religioso.

católicos. Ele era uma criança precoce. Aos quatro anos foi até sua mãe, apontou para o próprio peito e disse “Eu sou Jacksie”. Dali em diante se recusava a responder por outro nome. E foi assim que ficou conhecido como “Jack” entre seus familiares e amigos.

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Vários outros eventos e circunstâncias

“um desejo agradável que por si só era

ocorreram para que o jovem Jack se

mais desejável que qualquer outra sa-

tornasse a pessoa que conhecemos

tisfação.” Essas experiências/vivências

até hoje. Um deles foi a mudança da

de alegria tiveram papel vital no seu re-

família para uma casa maior e nova nos

torno ao cristianismo e eventualmente

subúrbios quando tinha seis anos. Jack

um dos argumentos de defesa do cris-

descreveu o efeito que isso teve nele:

tianismo defendidos por Jack.

“Eu sou fruto de corredores bem longos, quartos vazios ensolarados, andares de cima vazios, sótãos explorados solitariamente, sons gorgolejantes e distantes de encanamentos e cisternas, e o barulho do vento sobre as telhas. Também, de livros intermináveis”. O fruto de toda essa solidão e desses livros foi uma imaginação fértil que foi capaz de criar mundos totalmente novos em parceria com o seu irmão.

Um significante acontecimento no começo de sua vida foi a morte de sua mãe, quando ele tinha apenas nove anos. A doença e morte de sua mãe foi a ocasião para uma tentativa séria de oração. Entretanto, não foi de fato uma experiência religiosa, como explica o próprio Lewis: “Eu tinha me aproximado de Deus, ou minha vaga ideia de Deus, sem amor, sem temor e até mesmo sem medo. Ele iria, na minha men-

Outra coisa que o marcou para toda a

talidade ou quase como um milagre,

vida foram algumas experiências que

aparecer não como um Salvador, nem

teve. Ele classificou essas variadas ex-

mesmo como um Juiz, mas sim como

periências, mas para ele a mais comum foi a alegria. Essa alegria veio de diferentes formas: um arbusto de groselha em flor que o fazia se lembrar de um brinquedo de jardim que tinha ganhado de seu irmão, o livro A História do Esquilo Nutkin, de Beatrix Potter e alguns versos da poesia “The Saga of King Olaf” [A Saga do Rei Olavo], de Henry Wadsworth Longfellow. Lewis explicou o que a qualidade dessas experiências/ vivências tinham em comum, que eram

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A casa dos Lewis, Kilns, em Oxford, na Inglaterra


um mero mágico; e quando ele fizesse

Antroposofistas: A. C. Harwood e Owen

o que era necessário, simplesmente iria

Barfield. Segundo, Owen Barfield des-

embora”.

truiu dois elementos do pensamento

A morte de sua mãe trouxe duas mudanças significativas para o jovem Lewis. Primeiramente, acabou toda a sua “plena felicidade” do começo de sua vida. Em segundo lugar, marcou o início do estranhamento com seu pai que continuou até sua morte.

Conversão ao Cristianismo

de Lewis: seu “esnobismo cronológico” e seu Realismo. Esnobismo cronológico foi “a aceitação acrítica de um clima intelectual usual da nossa era e afirmação de que o que quer que estivesse ultrapassado está naquela conta desacreditada”. Barfield o convenceu de que deveria descobrir o porquê de estar ultrapassado: “Alguma vez fora refutado (e se sim, por quem, quando e o quão foi conclusivo) ou simplesmente mor-

Agora a história de como Lewis voltou-

reu assim como as tendências fashio-

-se novamente ao cristianismo precisa

nistas? Se for o último, isso não nos diz

ser contada. Quando ele voltou a Ox-

nada sobre a sua verdade ou falsidade”.

ford, depois da guerra, adotou o que foi

Realismo é o sistema de filosofia que

chamado de “novo visual”. “Não havia

aceita “como realidade bruta revelada

mais pessimismo, não havia autocomi-

pelo universo através dos sentidos”.

seração, nem mesmo flerte com qual-

Barfield o convenceu de que realismo

quer ideia do sobrenatural e sem delí-

“não dava deixa para nenhuma teoria

rios românticos”. Como Lewis escreve

satisfatória do conhecimento”. Lewis

na sua busca da alegria: “Eu a intitulei

estava compelido a se tornar um Idea-

como ‘experiência/vivência estética’ e

lista. Começou a professar sua crença

falei bastante disso, dizendo que era

em algum tipo de mente absoluta ou,

muito ‘valiosa’. Mas isso raramente

melhor ainda, o Absoluto.

ocorreu e, quando chegou, não era tudo aquilo”.

Depois disso, a conversão de Lewis ao teísmo ocorreu relativamente rápida

Esse “novo visual” durou cerca de dois

em várias etapas que ele descreveu

anos, mas algumas coisas o abalaram

como movimentos de xadrez que even-

seriamente. Primeiro, dois de seus mais

tualmente o colocaram em xeque-mate.

chegados amigos ateus tornaram-se

O primeiro movimento foi a compulsão

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que ele subitamente sentiu em reler o

que “a propriedade essencial de amor,

Hipólito de Eurípedes. Isso trouxe a ale-

raiva, medo, esperança ou desejo fos-

gria fluida de volta a sua vida, destruin-

se a atenção ao seu objeto”. Em outras

do o que tinha sobrado do “novo visual”.

palavras, essas emoções eram gozo de

O segundo movimento foi intelectual: ele leu Space, Time and Deity [Espaço, Tempo e Divindade], de Samuel Alexander e aceitou a distinção apresentada pelo autor entre “Gozo” e “Contempla-

um objeto contemplado. Se alguém tirasse os olhos desse objeto e começasse a contemplar a emoção por ele mesmo, a emoção que a acompanha, ou gozo, também mudaria. Isso mudou o entendimento de Lewis sobre a alegria. O

terceiro

movimento

consistia na ligação de sua nova compreensão sobre a alegria com o seu Idealismo. Ele começou a ver que a alegria era o desejo de se reunir com o Absoluto. O

quarto

movimento

ocorreu como resultado dos seus ensinamentos Mesa de trabalho em Oxford

ção”. Como Lewis explica: “‘Gozo’ nada tem a ver com prazer, nem ‘Contemplação’ com a vida contemplativa”. Contemplação se refere ao ato de focar a atenção em um objeto; Gozo descreve a experiência que isso produz. Portanto, se alguém vê uma mesa, esse alguém está contemplando a mesa e

filosóficos. Como um tutor, ele precisava deixar as coisas bem claras e descobriu que era impossível fazer o Absoluto claro. No fim, teve que ceder que o Absoluto era, de fato, uma pessoa em algum sentido. Em outras palavras, o Absoluto era Deus, mesmo que não fosse o Deus da religião popular.

gozando o ato de vê-la. A significância

Depois ele leu O homem eterno, de G.

dessa descoberta foi a realização de

K. Chesterton e “pela primeira vez ele

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viu os contornos cristãos na história colocados de uma forma que fez algum sentido”. Posteriormente, ele aparentemente teve um momento de “escolha totalmente gratuita” na qual pode manter Deus para fora ou deixá-lo entrar. Ele escolheu deixá-lo entrar, apesar de lhe parecer impossível fazer qualquer outra coisa. E enxergou que essa não era ainda a sua conversão para o teísmo, mas sim a sua permissão para dei-

Inglaterra”. Ele tinha trinta anos. Embora este passo fosse muito importante, e apesar de ele começar a frequentar a igreja, Lewis ainda não era um cristão, somente um teísta. Sua conversão ao cristianismo demorou um pouco mais. Seu maior obstáculo naquele ponto era a multiplicidade de religiões. Como ele saberia qual delas era a única e verdadeira?

xar Deus continuar trabalhando nele.

O que ele começou a entender foi que

O próximo passo era viver fora do seu

várias religiões, incluindo alguns an-

Idealismo e seu sistema ético. Rapida-

tigos mitos pagãos, continham várias

mente descobriu que ele era cheio de

ideias em comum, assim como a ideia

corrupção e que não teria sucesso, nem

do sacrifício, de um deus sacrificando

por uma hora, “sem o contínuo recur-

a si mesmo para si mesmo, e da morte

so de sua consciência que eu chamava

e ressurreição desse deus. A questão

de Espírito”. Não havia mesmo pratica-

não era “em descobrir a única religião

mente nenhuma diferença entre aqui-

verdadeira entre milhares de falsas.

lo e o que as pessoas ordinariamente

Era mais no sentido de ‘qual religião

chamam de “oração a Deus”, mas ele resistiu. Estava lutando pelo controle da sua própria vida e imaginou se Deus seria “sensato ou razoável” no sentido de não interferir muito: “Nem o mínimo possível de garantia no resultado oferecido a mim. Rendição total, o tiro no escuro estava sendo exigido”. Finalmente, na primavera de 1929, ele se rendeu “e admitiu que Deus era Deus, se ajoelhou e orou: talvez, naquela noite, a conversão mais abatida e relutante em toda a

Uma das igrejas que Lewis frequentava

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atingiu sua verdadeira maturidade?’”.

“Quando nós partimos eu não acredita-

Ele foi ajudado nessa missão em con-

va que Jesus Cristo era o Filho de Deus,

versas profundas que varavam a noite

e quando chegamos no zoológico, eu

com dois amigos: J. R. R. Tolkien e Hugo

acreditei”.

Dyson. Eles o convenceram de que a história do evangelho era um mito verdadeiro. Em outras palavras, funcionava da mesma forma que um mito funciona com uma diferença: que realmente isso aconteceu. Sua conversão finalmente aconteceu em 28 de setembro de 1931, durante uma viagem ao zoológico

Essa história é relativamente longa quando contamos, mas é importante por conter a abordagem apologética de Lewis de forma detalhada: o papel da razão, a dialética da alegria, a importância da imaginação até chegar na sua fé e a rendição à vontade de Deus.”

Whipsnade com o seu irmão, Warnie:

Mark A. Swedberg Editor Presidente da EBR

Sepultura de C. S. Lewis

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Abril O Peixe Grande do próximo kit

Joseph Scott Arthur Nasceu em Indiana, EUA, e formou-se Bacharel em Engenharia Civil pela Universidade de Michigan (1976). Por cinco anos trabalhou como engenheiro antes de começar seus estudos na área teológica. Formou-se, então, Mestre em Divindade (1985) e Mestre em Teologia (1986), ambos pelo Grace Theologial Seminary em Indiana. Ainda em 1986, ele e sua esposa tornaram-se candidatos na ABWE — Association of Baptists for World Evangelism — e, dois anos mais tarde, viajaram para o Brasil, onde trabalham até os dias de hoje como missionários. Em 2005 concluiu seu PhD em Estudos do Novo Testamento pelo Dallas Theological Seminary. Atualmente é membro da Igreja Batista Vida Nova, no bairro do Jabaquara, em São Paulo, e é Diretor Executivo do Seminário Batista Logos, também em São Paulo.


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