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‘’Sim, meu cabelo é minha coroa... resistência é a palavra que mais define.’’

‘’Sim, meu cabelo é minha coroa... resistência é a palavra que mais define.’’

Érika Navas completará 19 anos em menos de um mês, reside em São Raimundo das Mangabeiras – MA, mas é naturalmente paulista, de São José do Rio Preto. Embora entre o que a descreva poderíamos citar a graduação ainda em andamento em Zootecnia no Instituto Federal do Maranhão, e o trabalho da empresa de sua família, segundo ela, é impossível não mencionar seu cabelo cacheado, ‘’é uma marca minha.’’.

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É inegável a existência do estigma e racismo em volta dos cabelos crespos e cacheados, mas em meio a essa onda de preconceitos, Érika jamais fez alguma mudança nas suas madeixas, ''Acho o cabelo liso lindo, mas sabe aquela história do Sansão? De que se ele cortar o cabelo perde sua força? Pois bem, a relação com meu cabelo é assim, se eu acabar com meus cachos eu perco esse meu poder, meu impacto.’’. Ela conta que deve esse pensamento principalmente à sua criação, desde menina a mãe não permitia qualquer tipo de química ou alisamentos, na infância sempre teve um cuidado maternal nesse sentido, hidratações e penteados. Érika enfatiza o papel de seus pais, que sempre estimularam o uso do seu cabelo natural.

Mas, infelizmente, tudo está longe de ser só flores ‘’A minha mãe é negra e o meu pai é branco, então eu tenho alguns traços, o meu nariz é fininho, meu rosto também é afinado e eu escuto comentários, 'seu rosto e nariz são tão finos, se alisasse o cabelo iria ficar mais bonita!'.’’. No entanto, para Érika, a sua beleza não se restringe somente ao seu tipo de cabelo, as pessoas chegaram até a falar do tamanho dos seus cachos, sempre questionando-a o motivo de tanto volume. ‘’Porque eu quero, porque eu gosto e me sinto bonita assim, a sociedade coloca uma pressão e reforça estereótipos de que o volume chama muita atenção e o ideal é ser discreto com pouco volume, mas eu trabalho muito isso em mim pra não me deixar abater’’. Apesar de sempre ter encontrado apoio com seus pais, ela diz que há sim as falas inconvenientes e racistas, as piadinhas e olhares, e leva em conta o quanto isso é doloroso, especialmente para aqueles que não contam nem com a família.

Hoje, essa questão capilar está cada vez mais evidente e ela concorda, mas deixa claro a ressalva de que assumir o cabelo crespo e os cachos virou de certa forma ‘’moda’’, e encara isso positivamente, porém, para ela a moda é oscilante, vem e vai, por essa razão defende que isso permaneça, que não acabe e que mais pessoas continuem assumindo o seu cabelo natural sem se deixarem levar para o padrão eurocentrista de que o liso é o mais bonito.

A jovem também afirmou que nas cidades maiores e grandes centros urbanos já existem salões de beleza voltados para mechas afro, contudo, não é essa a realidade em sua cidade no interior do sul do Maranhão. ‘’Moro em cidade pequena, aqui não tem salão de beleza pra mim, cuido do meu cabelo sozinha, não há tratamentos para cabelos cacheados, o corte é diferente, produtos...’’.

Dentro desse assunto, representatividade é algo muito importante para ela ‘’... a gente não nasce odiando uma coisa, a sociedade constrói esse ódio dentro da gente, em comentários de coleguinhas na escola, comentários que adultos fazem, é não se ver ao redor, não achar representação na boneca que você brinca…depois que cresce, a transição capilar fica mais difícil, talvez se fôssemos ensinadas a nos amar desde pequenas e se aceitar, não teríamos tantas mulheres hoje passando por transição.’’.

Érika é, acima de tudo, uma mulher forte, negra e feminista, e que tem uma causa, uma luta para honrar seus ancestrais e para garantir o seu espaço e o espaço dos seus. Faz parte do Núcleo de estudos e pesquisas afro-brasileiras do IFMA e já escreveu artigos com temáticas relacionadas ao feminismo negro, se inspirando em mulheres como Djamila Ribeiro e Vilma Piedade. Talvez uma boa palavra para definir essa jovem de apenas 18 anos seja exemplo, para o presente e sobretudo para o futuro. ‘’...já passei por muita coisa e tenho apenas 18 anos, mas graças ao meu caminho consegui ser forte, toda criança deveria ter isso.’’.

E boa parte dessa força, empoderamento e identidade, Érika encontrou no seu cabelo, esteja ele em cachos, tranças, turbantes ou até colorido. Suas madeixas são muito mais que mera estética, é onde ela enxerga a representação de si mesma e de dores singulares às mulheres negras. ‘’Sim, meu cabelo é minha coroa… resistência é a palavra que mais define. Você ter voz à frente de uma sociedade tão racista, se amar é resistência.’’.

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