![](https://assets.isu.pub/document-structure/210809131649-64dabed363a8276fc7f0859e376ecaa5/v1/8c03c23f3733f0784f90759b657071b4.jpeg?width=720&quality=85%2C50)
3 minute read
A guerra continuará viva e atuante
Os cabelos crespos e cacheados são maioria no Brasil, segundo uma pesquisa da Unilever, realizada pela Kantan WordPanel, em 2012. Até então, os cachos representavam 51,4% das mulheres brasileiras, enquanto uma outra pesquisa do Instituto Beleza Natural em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) chegou a um índice de 70% em 2011, após dois anos de estudo. O que nos leva ao questionamento: por que por tanto tempo o padrão de beleza brasileiro não incluiu cachos e crespos em seu "sistema"? Ao longo dos anos, o tipo de cabelo que a maior parte do país possui foi visto como inadequado, e não surpreende porque isso é uma herança africana, herança preta, povo que é ridicularizado e humilhado todos os dias em nosso cotidiano. Outras pesquisas apontam que os negros são maioria também, mas os fios crespos e cacheados não se retêm apenas a eles, devido à miscigenação. Ainda assim, o que a sociedade considera atraente é o padrão branco europeu, que não por acaso é formado por pessoas que detém a maior parte do poder econômico.
A mídia, tentando provar-se um espelho da sociedade racista em que vivemos, desde a sua ascensão é a maior disseminadora de padrões, sempre mostrando em suas novelas, em seus telejornais, em seus programas e em suas propagandas, a famigerada família tradicional brasileira, que não passa de pessoas brancas e heteronormativas. As pessoas pretas, enclausuradas nessa situação, aprendem a viver sob esta norma, por vezes odiando as próprias raízes, escondendo-as e mesmo sem querer, aplaudindo a régua branca com a qual foram medidos à força. No contexto de cabelos crespos e cacheados, ainda dentro da pesquisa da Unilever em 2012, 30% das mulheres conservam seus cachos, enquanto 15,9% fazem alisamentos químicos, e outros 5,5% relaxam seus fios. Grande parte das que não mantém os cabelos naturais, o fazem por causa do mercado de trabalho ou simplesmente para se sentirem mais bonitas, já que cresceram ouvindo e vendo que os fios volumosos são indignos. Agora devo inserir mais um questionamento: o cabelo crespo ou cacheado realmente é feio? E a resposta é não. Mesmo que na opinião de alguns indivíduos seja um cabelo "ruim", a beleza sempre será relativa, não deveria existir padrões para ela, mas sim um conjunto de diferenças que compartilham da mesma aceitação. Opiniões que ferem sentimentos deveriam ser caladas e guardadas, ainda mais sendo uma que claramente foi moldada através da discriminação racial implícita, às vezes escancarada, no nosso país. Uma vez que o racismo for vencido, todas as formas do que é belo serão amplamente atraentes. E o racismo tem sido enfrentado, lutas estão cada vez mais presentes, e uma dessas formas de luta é exibir o poder do cabelo crespo e cacheado, mostrar a formosura das origens pretas, os belos volumes que resplandecem a ancestralidade africana. E felizmente, ainda que pouco, temos conseguido espaço na mídia e em outras áreas, meninas e mulheres têm se inspirado em celebridades que deixaram o seu natural vir à tona, tomando posse do que é de seu direito. Não diferente, homens pretos também têm seus fios admirados, e além disso, seus costumes, seus penteados, seus jeitos de criar e recriar o cabelo, exibindo o poder de uma cultura que por muito tempo foi negado.
Advertisement
Não podemos esconder os avanços dos últimos anos, mas também não devemos nos conformar apenas com isso. A luta continua, e ela terá vida até que todos nós possamos desfrutar dos mesmos privilégios, até que ninguém condene o cabelo crespo por ser crespo, ou julgue o caráter pela cor da pele. Até este dia, a guerra continuará viva e atuante.
Referências
Fanon, Frantz. Black skin, white masks. Grove press, 2008. Gomes, Nilma Lino. "Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou ressignificação cultural?." Revista brasileira de Educação , 2002. Ribeiro, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. Global Editora e Distribuidora Ltda, 2015.
![](https://assets.isu.pub/document-structure/210809131649-64dabed363a8276fc7f0859e376ecaa5/v1/c65d3665d428b2efa84e2ab9068589bf.jpeg?width=720&quality=85%2C50)
49
CONTRA CAPA
![](https://assets.isu.pub/document-structure/210809131649-64dabed363a8276fc7f0859e376ecaa5/v1/f9a6064d93175d8475be255ed44d5216.jpeg?width=720&quality=85%2C50)