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Sobre escolher a própria identidade
Kauanny Gondim tem apenas 20 anos, mas já é formada em Genótipos e Pigmentocracia, Etnias e África Cultural, Egito Antigo Cultural e Propriedades Culturais e Apropriação Cultural, todos na Escola Cultural Africana, no interior de São Paulo. Nova, mas cheia de palavras e formas de entender a comunidade preta, sua ancestralidade e discussões. Com os cabelos volumosos e bonitos, os olhos afiados e um sorriso aconchegante, Kauanny é atenciosa e muito carinhosa ao responder nossas perguntas, explicando de maneira muito simples e didática tudo o que é questionado. Ela foi uma das centenas de garotas que passou pela transição, teve um caminho difícil, mas finalmente pode se assumir, revelando seus cachos e crespos — sim, seu cabelo possui as duas formas, é lindo e ao olhar através de uma foto, parece uma obra de arte.
Mesmo em uma conversa
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privada pelo Twitter, podemos nos sentir confortáveis enquanto conversamos e compartilhamos histórias pessoais, sentimentos que temos e são compreendidos uma pela outra. Kauanny fala sobre o Colorismo, o termo light skin, sobre a transição, sobre sofrer racismo pelos seus traços negros e também a respeito de marcas baratas de produtos de cabelo.
A seguir, confira na íntegra nossa conversa:
Como você define o cabelo crespo e o cabelo cacheado, e o que pensa sobre ele?
O cabelo crespo e o cabelo cacheado é algo cultural e de extrema importância na comunidade preta, desde muitos anos é a identidade e a luta de muitos pretos na sociedade racista em que vivemos.
Você já passou pela transição capilar?
Sim, demorei dois anos completos para ter meu cabelo natural, sem química alguma.
Teve algum apoio ou influência para ter passado por esse período, e quais foram?
Sim o apoio que eu tive foi da minha mãe, uma mulher preta, e além do apoio e da influência dela pra assumir meu cabelo natural, me inspirei muito na Viola Davis.
No contexto da pandemia, e em como muitas mulheres se sentiram mais confortáveis em passar pela transição nesse período de isolamento, qual a sua opinião a respeito?
A pandemia, apesar de ser ruim, com o isolamento abriu muitas portas para as pessoas que socialmente não se sentiam confortáveis em fazer certas coisas, uma delas é apreciar seu cabelo natural, e é incrível como as pessoas estão se sentindo bem em se apreciar independentemente da opinião alheia.
Como você vê esse constante crescimento das mulheres pretas, assumindo seus crespos ou cacheados, você se sente bem ao ouvirem chamar de "moda"?
Eu amo ver as mulheres pretas se sentindo confortáveis, amando a si mesmas e finalmente assumindo seus afros e cachos. Mas realmente não gosto de ouvir que a aceitação do cabelo afro/cacheado seja definida como moda, já que essa aceitação é algo bem mais cultural e engloba toda uma luta social contra o preconceito e o racismo.
Quando você ver mais personalidades pretas na mídia atualmente, você se sente representada?
Sim, me sinto representada, apesar de ainda ter um longo caminho pela frente, é bom ver que a sociedade está caminhando para fazer com que as pessoas pretas se sintam representadas nos filmes, programas de TV, esportes, e etc.!
Agora partindo para um outro ponto além dos cabelos, nas suas palavras, o que é Colorismo?
O Colorismo pode ter duas formas diferentes, que é o preconceito com pessoas retintas e o desrespeito pelo fato dos mesmos serem mais escuros, e o apagamento da parte mais clara da comunidade preta, os light skin. E há muitas coisas que englobam o Colorismo, como o colorismo social no Brasil e o termo "pardo", que só existe aqui e tem toda uma história onde pardo é uma palavra usada para tentar diminuir a quantidade de pessoa pretas no Brasil, o apagamento da raça e das variações de cor das peles pretas. A maioria das pessoas pardas são de fato pretas e esse termo é mais usado dentro da comunidade, por exemplo, para pessoas que não são pretas e sim têm descendência indígena ou asiática marrom. Na comunidade você é preto retinto — pele escura —, ou light skin — preto de pele
clara. A cada pouco a comunidade está mudando o termo para que assim possam acabar com o racismo estrutural que vivemos e o povo preto comece a ter voz sem o preconceito colorístico, e é claro que ainda há um grande caminho pela frente, já que o racismo estrutural está tão normalizado que até mesmo pessoas pretas o reproduzem, por isso é uma luta constante que não vai ser fácil.
Ainda sobre o conceito de Colorismo, qual sua opinião sobre os pretos não retintos, como eles se veem na sociedade?
Tem muitas pessoas que nem sequer conhecem seu tom de pele, e nem mesmo sabem que são pretos light skin. E é exatamente por todo o racismo estrutural e o apagamento da cor na sociedade que é muito enraizado. Acho que há muitas pessoas não retintas que se sentem desligadas e deslocadas por não saberem exatamente quem são, e novamente falo que finalmente isso é algo que está mudando na comunidade e finalmente as pessoas pretas de pele clara estão se encontrando e tendo seu lugar na cultura que lhe pertence por direito.
Você participa de um movimento, pode falar um pouco a respeito e como ele mudou a sua percepção?
Eu participo do movimento da libertação dos cachos, e desde então mudou completamente a minha visão de como as mulheres e homens continuam tendo receio de se assumir por conta do preconceito, e me deu uma grande percepção de como o racismo está muito enraizado na nossa sociedade.
A indústria dos cosméticos tem atendido as demandas para os cabelos crespos e cacheados? Há qualidade e preço acessível?
Antes era muito difícil ver produtos para cabelos cacheados, mas hoje em dia já se nota a diferença e como a indústria do cosmético capilar está incluindo os cabelos afros e cacheados e com um preço acessível.
Você pode nos deixar uma frase motivacional para mulheres pretas que estão neste momento passando ou pensando em passar pela transição capilar?
O nosso cabelo é a nossa identidade, é a nossa luta e força. Assumi-los é a melhor coisa que você pode fazer por você mesmo.
Importância da junção entre representatividade e cabelo
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