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Cabelos cacheados e crespos: mais do que estética, autoconhecimento

Nos últimos anos, a quantidade de mulheres que decidiram assumir seus cabelos crespos e cacheados subiu consideravelmente. No entanto, a luta pela busca de uma identidade brasileira não pode parar. Em um país como o Brasil, com mais de 50% da população assumida como sendo parda ou negra, a luta para atingir o ideal eurocêntrico de beleza ainda é um empecilho enfrentado pela população. Mas que, cada vez mais, vem sendo deixada de lado pela autoaceitação étnico-racial dessa parcela na sociedade. O Brasil passou muito tempo sendo submisso a uma ilusão eurocêntrica que foi imposta sobre ele. Fadado a acreditar num ideal que não lhe pertencia, essa visão levou milhares de brasileiros a se submeterem a procedimentos e transformações não só relacionados à estética, mas também ao próprio eu. O cabelo é, de fato, uma das características mais visíveis que podem ser observadas numa pessoa. Deixar de seguir uma visão europeia, majoritariamente branca, em um país racista como Brasil, é considerado um ato não só de coragem, como também de resistência.

Assumir a negritude e negar-se à ditadura branca não é um processo simples. Ainda assim, a busca por uma sociedade mais assumida historicamente está dando cada vez mais empoderamento, coragem e determinação para as pessoas descobrirem mais cedo quem elas deveriam ser desde o princípio. Isso demonstra como o cabelo é um fator importantíssimo de (re)conhecimento do que é ser ou não uma pessoa negra no país. Um dos maiores motivos que faz as mulheres, especialmente, se sujeitarem a um ideal branco de cabelo liso, é o fato de que elas são duramente criticadas desde a infância, tanto na escola quanto no próprio corpo familiar. E esse racismo, disfarçado de crítica, levam-nas a crer que há algo errado com seus cabelos, o que acarreta a procura de procedimentos químicos para mudar a textura dos

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mesmos.

Tomando como base o mesmo contexto, os comentários como “cabelo de miojo”, “cabelo de bombril”, ou ainda, comentários do tipo “você ficaria muito melhor de cabelo liso”, que expressam explicitamente a ideia de aversão ao cacheado ou crespo, são tão frequentes quanto perpassados. Essas pautas, por si só autoexplicativas, nos dão uma visão mais clara de como essa agressão é contínua e como ela sustenta todo um sistema de racismo, o que dá, ainda mais, condições para a perpetuidade desse fatorial. Muito mais que uma questão de estética, uma questão de autorreconhecimento.

Segundo uma matéria do G1, publicada em abril de 2021, as mulheres se sentiram bem mais à vontade para passarem pela transição capilar durante a pandemia da Covid-19. Além disso, evidencia ainda duas das maiores engrenagens que as levou a tomarem essa decisão: a) o fechamento dos salões de beleza, e b) o próprio isolamento social. Ambos os fatores fizeram com que as mulheres tivessem mais tempo para se conhecerem melhor e encararem o procedimento. A transição capilar consiste em uma interrupção dos procedimentos químicos capilares, para dar lugar à naturalidade dos fios. Por esse motivo, a volta ao natural assusta muitas pessoas. Apesar disso, muitas figuras públicas, como a atriz Taís Araújo, a apresentadora Maísa Silva e a cantora brasileira Iza, por exemplo, estão surgindo na mídia e encorajando esse movimento. Vale ressaltar ainda, que o cabelo crespo e/ou cacheado é sim importante para a representação étnica de um grupo, mas não podemos delimitar a sua identidade a apenas isso. Essa afirmação, ou melhor, essa aceitação, é um dos passos que devem ser tomados para a desconstrução da beleza europeia e a formação de uma beleza propriamente brasileira. Logo, cabelo é apenas um dos fatores que ajudam na superação do racismo, ele não consegue carregar por si só todo o peso dessa busca pela identidade étnica no país, longe disso, é apenas um dos fatores que a compõem. Por isso a mídia é importante. Precisamos de mais pessoas dispostas a falar sobre os cabelos cacheados e crespos e que haja uma explicação que atinja as diversas parcelas da população, a fim de alcançar uma proporção tão gigantesca que as crianças não mais precisem ter vergonha de serem quem são, dentro de casa ou fora dela. Friso ainda, não é uma caminhada curta, pelo contrário. Manifestações como essa precisam de muito tempo para se estabilizarem e se concretizarem. Dessa forma, é muito importante que as pessoas desconstruam esse ideal de beleza europeia que ainda é vigente no Brasil. Além disso, é importante também que elas continuem incentivando essa manifestação e que possam ter mais empatia pelo próximo. Pois, muitas vezes, é a opinião que elas dão que levam outras pessoas a se submeterem a esses procedimentos. Ainda, o cenário pandêmico que vivemos agora está longe de ser um panorama que nos agrade, mas se teve um lado bom de tudo isso foi a liberdade que ele trouxe às pessoas de conhecerem a si mesmas, a fim de deixarem os cabelos naturais prevalecerem novamente, contribuindo para a sua personalidade. E, mesmo que o cabelo seja um fator que contribua para a construção da visão de si próprio, ele por si só não forma essa identidade étnica, apenas complementa um todo, como um dos tijolos na construção de um muro. Por isso, a representação de figuras públicas nesse processo é importante. Elas podem atingir e inspirar milhares de pessoas simultaneamente, encorajando-as para que se assumam. A fim de evitar que as crianças tenham que passar por algum tipo de constrangimento

racista nos primeiros anos de sua vida, ações que afirmam a própria identidade são extremamente necessárias nesse processo. E, para isso, é preciso que as pessoas despertem essa vontade coletiva de mudança, a fim de alcançarmos melhores resultados sobre essa temática num futuro próximo.

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